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Revista latinoamericana de filosofía

versión On-line ISSN 1852-7353

Rev. latinoam. filos. vol.46 no.2 Ciudad Autónoma de Buenos Aires dic. 2020

http://dx.doi.org/10.36446/rlf2020169 

ARTÍCULOS

Oposites dialéticas do phármakon no Fedro de Platao

Dialectical oppositions of pharmakon in Plato’s Phaedrus

FÁBIO FORTES1 

1Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Resumo

Tendo como ponto de partida a am- biguidade contida na metáfora do phármakon associada a escrita no Fedro de Platao, neste artigo pretendemos examinar os demais contextos em que essa palavra aparece nesse diálogo. Nosso objetivo é compreender o emprego da metáfora farmacológica para a determi- nafáo da escrita, e do modo como as diferentes opo- sifoes que ela engendra colaboram para compreender o movimento dialético. Por meio da explicafáo dessas contraposifoes, pretendemos mostrar que as palavras escritas em Platáo estáo permanentemente sujeitas a um renversement de sentidos, e que o fruto dessas di- sassociafoes e congruencias constitui exemplificafáo da própria dialética. Para isso, consideramos também a leitura que Derrida (2004) faz da passagem, mas a transcendemos na medida em que, ao considerarmos as diferentes oposifoes dialéticas contidas no diálogo, náo vis- lumbrarmos, como efeito do phármakon platónico, uma centralidade da escrita (ou da oralidade) para Platáo.

Palavras-chave: escrita; phármakon; dialética

Abstract

Taking as the starting point the ambiguity contained in the pharmakon metaphor associated with writing in Plato’s Phaedrus, in this article we intend to examine the contexts in which this word appears in this dialogue. Our goal is to understand the use of the pharmacological metaphor for the determination of writing, and how the different opposi tions that it engenders collaborate to understand the dialectical movement itself. By means of explaining these oppositions, we intend to show how the written words in Plato are permanently subject to a renversement of me- anings, and that the fruit of these disassociations and congruences is the very exemplification of dialectics itself. For this, we also consider Derrida’s (2004) reading of the passage, but we transcend it in that, when we consider the different dialectical oppositions contained in the dialogue, we do not recognise any centrality given to writing (or to orality) as an effect of the Platonic pharmakon.

Key-words: writing; pharmakon; dialectics

Introdufao

Ñas últimas décadas, muita tinta tem sido empregada em inter pretares da palavra phármakon no Fedro de Platao, vocábulo associado a escrita na famosa passagem que contém o “Mito de Theuth” (274b-278b).1 A mais famosa dessas interpretares talvez seja a de Derrida (2004), em cujo ensaio se analisa, a luz do Fedro, as implicafoes da ambi- guidade contida nessa metáfora nao somente para a compreensao do diálogo em questao, mas (talvez) também de toda a obra platónica.

Se a análise derridiana parece ter o mérito de nao reduzir a crítica a escrita contida na passagem a uma disputa entre a admissao ou inadmissao dessa arte na pesquisa filosófica, e de considerar a estrutural ambiguidade com que a questao é formulada por Platao; por outro lado, o compromisso com os postulados de uma leitura pós-moderna deixa a sombra oposifoes no ámbito do próprio diálogo que ainda se nos afiguram incontornáveis, tais como as separafoes realizadas no campo do lógos (retórico e dialético), que abarcam outras distinfoes fundamentais para a compreensao da passagem: re miniscencia vs. recordafao, conhecimento interno (ligado a psykhe) vs. con- hecimento externo (ligado as impressoes, aos typoi da escritura) entre outras.

Assim, tendo como ponto de partida a ambiguidade contida na me táfora do phármakon associada a escrita no Fedro, neste artigo pretendemos examinar quais sao os contextos em que essa palavra aparece nesse diálogo, com vistas a compreendermos a sua associafao a escrita, na passagem espe cífica do “Mito de Theuth”, considerando também as oposifoes fundamentais do pensamento filosófico de Platao que emergem no diálogo, oposifoes que representam, em suma, uma operafao dialética, e que tem lugar de destaque no Fedro. 2 Particularmente, pretendemos mostrar, a luz desse diálogo, como as palavras escritas em Platao estao permanentemente sujeitas a um renversement de sentidos, sendo que o fruto dessas disassociafoes e congruencias constitui exemplificafao da própria dialética. Para isso, consideramos nao somente a passagem em que a metáfora do phármakon aparece associada a escrita, como também todas as demais ocorrencias do termo ao longo do diálogo, o que nos impoe, portanto, uma leitura mais global do Fedro.2

O ambiguo estatuto do lógos

Fedro: Que te parece o discurso, Sócrates? Nao é extraordinaria a maneira de se ex- pressar, entre outras coisas, pelo vocabulário? Sócrates: é divina, por certo, meu amigo, a ponto de estar estupefato, Fedro, e passei por isso por tua causa, com os olhos em ti, que a mim parecias resplandecente á medida que lias o discurso. Convencido de que entendes disso bem mais do que eu, segui-te, e ao seguir, acompanhei-te neste delírio báquico, ó divina cabera.

Fedro: Ora! Parece entao ser o caso de brincar desse modo?

Sócrates: Parejo brincar e nao falar sério? (Phdr. 234c6-d8)3

Oexcerto citado em epígrafe, que introduz o chamado “primeiro interlúdio” do Fedro (234c6-237a8), enseja talvez uma das mais 220 i irónicas passagens de todo o diálogo. Fedro anseia pela aprovafao de Sócrates quanto á avaliafao que faz do discurso de Lisias, cuja apresentafao Fedro qualifica como “extraordinaria”, sobretudo pela sua elaborafao em palavras (xoí^ óvópaotv). A réplica de Sócrates nao somente parece as- sentir com o interlocutor, mas também alfar o seu discurso a um patamar divino (5atpovíra^), ao descrever a experiencia como o compartilhamento de um extase báquico (CTDVePáKxeuca). Nao passa despercebida a ironia contida nessas palavras; tanto é assim, que Fedro nao se furta a apresentar seu protesto contra tom debochado do amigo, que mais parece brincar (naíZeiv) do que levar a sério (écnoudaKévat) a discussao.

A ironia presente nos comentarios de Sócrates, associada ao fato de eles ora elogiarem, ora tecerem críticas ao discurso lisianico, ao lado da es- colha vocabular empregada por Platao, permitem-nos destacar certa am- biguidade que caracteriza a passagem. Além disso, Sócrates nao responde á indignafao de seu amigo senao interrogativamente (234d8) - afinal, estaria ele levando a sério ou simplesmente gracejando com seus comentários?

Quando se dirige a Sócrates, Fedro destaca o caráter extraordinario das palavras (óvópaxa), no modo de apresentafáo do discurso (eípqc9ai). Essa alusáo discreta a expressáo lingüística, em que se inclui a selefáo voca- bular, parece ser a senha com que Platáo chama atenfáo do leitor para um exame mais atento das palavras que se seguem, do modo como elas próprias sáo escolhidas e empregadas na sequencia da réplica de Sócrates e que tipo de sentidos elas evocam.

Com efeito, ao descrever sua experiencia de ouvinte do discurso pro ferido por Fedro, Sócrates vale-se de palavras e expressoes que dáo margem a interpretafoes divergentes: afirma “estar divinamente (daipovíra^) estupefato (ÉKnXayqvat) (234d1)”. Ora, o verbo aqui traduzido por “estar estupefato” náo necessariamente possui um matiz semántico elogioso, antes se refere a uma espécie de arrebatamento dos sentidos - seja pela admirafáo, seja pelo medo, seja pelo terror.4 Do mesmo modo, o advérbio empregado (datpovíra^), traduzido por “divinamente”, ao mesmo tempo que permite ser associado ao caráter superior, maravilhoso, extraordinário da divindade (Saíprav) (Cancik e Schneider 2004: 283), também encontra na língua grega acepfoes negativas, denotando expressáo de desdém, compaixáo, ironia ou má sorte. O mesmo ocorre com o verbo com o qual Sócrates qualifica sua experiencia: “compartilhar de um delirio báquico” (234d5: cuvePáKxeuca). O vocábulo, que parte de acepfoes relacionadas ao culto do deus Dioniso (Cancik e Schneider 2004: 498), também permite ser compreendido como “agir desmedidamente”, como que “tomado por um frenesi”, “descontrolado”.

Assim, a réplica de Sócrates, que corresponde ao primeiro momento de reflexáo sobre o lógos no Fedro, insinua uma crítica a linguagem que se apresenta de forma ambígua, a partir do emprego das próprias palavras com que ela é formulada nos comentários de Sócrates. Afinal, poderíamos con siderar a posifáo socrática claramente contraria ou a favor daquela primeira opiniáo de Fedro, que considerava a expressáo linguística do discurso de Lisias “extraordinária” (únepura)?

Sem pretensáo de oferecermos uma resposta para essa questáo, que remos apenas apontar, de antemáo, que essa passagem é bastante ilustrativa do modo como a crítica ao lógos, em geral, e a escrita, em particular, desenvol-ve-se ao longo desse diálogo.5 Diferente do que se passa com outros temas filosóficos que sao discutidos por Platáo a partir de uma tradifáo até certo ponto consagrada, cujas teses e principios sáo debatidos e eventualmente corroborados ou refutados dialeticamente, a questáo da linguagem (e da es crita, particularmente) limita-se a ser formulada como uma interrogando, e emerge sob o signo de uma dúvida, para a qual a ironia é um dos recursos estilísticos platónicos bastante adequados.6

Outra passagem do Fedro que demonstra a formulafáo aberta e dúbia do tema da linguagem no Fedro é aquela em que assoma, pela primeira vez, a reflexáo sobre um dos géneros da linguagem escrita praticados em Atenas, a logografía. No terceiro interlúdio do diálogo (257b7-259d9),7 o ponto é tratado por meio do confronto de opinioes que Fedro e Sócrates exibem quanto a arte dos logógrafos.8 Fedro traz a tona a opiniáo comum que con- siderava desonrosa a posifáo desses profissionais, cuja atividade, trazendo vergonha aos homens influentes e veneráveis da cidade (257d5-6), ainda os poderia associar a vergonhosa figura dos sofistas (257d7-8). Sócrates intenta desfazer esse pré-julgamento considerando que: 1. até os mais presunfosos dos políticos valorizam a logografía, que se revela um instrumento pelo qual eles podem enaltecer seus admiradores e, por conseguinte, a si próprios (257d9-258b5); 2. a escrita confere imortalidade aos oradores e aos políticos poderosos (tais como a Licurgo, Sólon ou Dario), aos quais se imputa, por causa das letras, semelhanfa com os deuses (258b10-c6).

Nesse sentido, nessa parte do diálogo, Sócrates parece desenvolver o seu raciocinio na direfáo de uma aparente absolvifáo in dubio pro reo da escrita de discursos, ou, ao menos, no sentido de atenuar uma talvez mais incisiva crítica a escrita a ser apresentada adiante. De fato, como ele argu menta, nao seria vergonhoso em si mesmo escrever discursos (258d1-2: oí>K aíoxpóv aüxó ye xó ypá^exv XóyouQ), mas falar ou escrever nao de forma bela, mas feia e desonrosa (258d4-5: pq Kalra^ Xéyetv Te Kai ypápetv aícxpra^ Te Kai KaKO)<¡). Entretanto, se a escrita deve ser absolvida, desde que acompanhada de beleza, restaria ainda compreender, precisamente, em que consistiria a “bela escrita”, isto é, “qual seria a maneira bela e nao bela de escrever?” (258d7).

Essa questao de fundo, que parece motivar a reflexao sobre a logo grafía nessa passagem, volta a tona na reflexao sobre a invenfao da escrita (274b-278b) e ilustra esse caráter ambiguo com que o problema é formulado em Platao. O problema da linguagem, do lógos - do escrever (ypa^eív), em particular - suscita uma indagafao: seria a escrita amiga, inimiga ou indife rente a prática da filosofía, prática que, afinal, interessa de perto a Sócrates e que se cumpre determinar como dialética? Qual seria o modo do “escrever belamente” (Kalra ypáetv)?

As oposifoes fundamentáis no embate sobre a escrita

No item anterior, aludimos ao caráter ambiguo com que o pro blema da linguagem - e da escrita, em particular - é formulado no Fedro. A questao da escrita, tal qual apresentada no embate entre seu inventor Theuth e o rei Thamos contribuí particularmente para agravar o grau de incerteza com que Platao apresenta o problema, a comefar pelo termo pelo qual o inventor qualifica sua arte: um phármakon para a me- mória e para a sabedoria (274e6: pvqpqc; Te yáp Kai oo^íac; (páppaicov). A metáfora nao era nova na tradifao grega, como, por exemplo, já obser vamos em Esquilo, Prom. 460-461, onde já se afirmava: “combinafoes de letras, memória de todas as coisas, artífice-mae das Musas” (cf. ypappáTfflv Te ox>v0eoei<;,/pvqpqv árcávTrav, pouoopqTop’ epyávqv). Do mesmo modo, atribuindo a escrita a Palamedes, observa-se também a associafao entre letra e memória em Eurípedes (TrGF 578: 1): “Inventei para a humanidade as letras - o remédio para o esquecimento -, somente dispondo correta- mente as consoantes, as vogais e as sílabas” (cf. Tá xq^ ye Xq0q<; ^áppaK’ óp0óoa^ póvo^/á^rava ^ravqevTa ouüapá^ Tt0ei^/é^qñpov áv0pónotot ypáppaT’).

Além disso, a polissemia desse termo em grego antigo é bem con- hecida: em seu sentido mais usual - “remédio”, “droga” - tal vocábulo pode ser, por exemplo, percebido em muitas partes do corpus Platonicum, 9 mas nele também coexiste assumindo conotafoes discrepantes: “pofáo”, “veneno”.9 10 O termo é empregado quatro vezes no Fedro (230d6, 270b6, 274e6, 275a5) e, na alquimia das palavras de Platáo, o seu emprego nesse diálogo tem como efeito tornar a questáo ainda mais complexa, requisitando-nos atitude interpretativa que enfrente o texto platónico como um constante desafio para o leitor, que deve tensionar os seus significantes - ou os estranhos sinais (áLLÓxpiOl TÚnoi) da escrita. Nesse sentido, muita tinta tem sido empregada em interpretares dessa palavra no Fedro; a mais famosa delas, talvez, seja a de Derrida 2004.

Segundo o filósofo franco-argelino, qualquer tentativa hermenéutica que consista em desfazer a ambiguidade presente no signo - incluindo até mesmo a sua tradufáo - já seria, em si, uma derrogafáo da filosofía de Platáo, em prol de um “platonismo” (Derrida 2004: 297). Para Derrida, seria preciso, portanto, ler o Fedro na composifáo dessas duas forfas ínsitas a pa lavra: náo há remédio inofensivo; participando da doenfa e da cura, a escrita é parte do bem e do mal, do agradável e do desagradável (Derrida 2004: 299). Nesse sentido, o phármakon seria, no sentido derridiano, a condifáo para compreensáo da diferenfa, ainda que ele próprio escape a qualquer lógica ou discurso, e nos aprisione dentro de seu sistema, sendo simultanea- mente benéfico e maléfico.

Por essa razáo, o exercício de captura de sentidos a partir da leitura de Platáo náo pode presumir a compreensáo de um sistema definitivo, visto que o texto opera apenas na revelafáo de uma aparigao, de um espectro (fantóme) (Derrida 2004: 305). Ler Platáo, portanto, segundo Derrida, seria sempre o exercício de nos depararmos com a aporia - e nela nos determos.

Se a análise derridiana parece ter o mérito de náo reduzir a crítica a escrita contida na passagem a uma disputa entre a admissáo ou inadmissáo dessa arte na pesquisa filosófica, e de considerar, como vimos, a estrutural ambiguidade com que a questáo é formulada; por outro lado, o compromisso com os postulados de uma leitura pós-moderna deixa a sombra oposifoes que, malgrado todo o esforfo de desconstrufáo,11 ainda se nos afiguram in- contornáveis: as separafoes realizadas no campo do lógos (retórico e dialético), que abarcam outras distinfoes fundamentais para a compreensáo da pas- sagem: memória vs. recordafáo, conhecimento interno (ligado a psykhé) vs. conhecimento externo (ligado as impressoes, aos typoi da escritura).

Ainda que venhamos a concordar com Derrida com o fato de que as linhas que demarcam fronteiras entre sofistica e filosofía nao sejam tao definidas - a ponto de, em muitos momentos, o filósofo e o sofista tro- carem de posifao (Derrida 2004: 311) - e que sustentar uma contraposifao forte entre a escrita sofística e a escrita platónica seria, de certo modo, co rroborar um platonismo a la Hegel (Zuckert 1996: 202) - nao nos parece possível desconstruir todas as distinfoes que se nos afiguram efetivamente platónicas em prol de combater o “platonismo” - a menos que tal operafao represente, como o próprio Derrida propoe, “um pequeno exercício” que subverta completamente a ordem do comentario (Derrida 2004: 305), o qual, entretanto, nao é aqui o nosso caso. Assim sendo, além do “fim de linha” que a chave de leitura pós-moderna derridiana de Platao nos sugere (Zuckert 1996: 208), ainda nos interessa, efetivamente, compreender questoes que lhe escapam: por que Platao, afinal, escolhe o vocábulo phár- makon para caracterizar a escrita? Se a ambiguidade medicamento/veneno permanece latente, o que ela cura e o que envenena e qual sua relafao com a memória?

A relafao entre conhecimento, linguagem, doenfa e cura que, em última análise, justifica e, em certa medida, explica a metáfora farmacológica que se estende no Fedro manifesta-se ao longo de todo o diálogo. Ao se encontrar com Fedro, Sócrates afirma ser um “doente por ouvir discursos” (228b6-7: ira vogowxi nepi kóywv áKoqv) e, logo na sequencia, na mesma fala, ser “um amante de discursos” (228c1-2: xoñ xrav kóyrav épacxoñ). Ora, se o “amante” por discursos é o mesmo que se disse “doente” por eles, a apro- ximafao das duas expressoes, nesse mesmo contexto dialógico, convida-nos a estabelecer um paralelo entre universo da “doenfa” (vÓGOQ) e o do “amante” (épacxq^) - paralelo ainda mais evidente conforme aflora a associafao entre éros e doenfa que sustenta as teses dos discursos na sequencia proferidos por Fedro e Sócrates (Phdr. 236a8-b2).

Nesse sentido, se é correto apontar que o tratamento conferido a éros e lógos no Fedro possa ser entendido como a demonstrafao do procedimento da divisao (diaípeot^) - i.e. de uma operafao própria da dialética - procedi- mento com o qual Platao teria, por meio dos discursos de Sócrates e Fedro, logrado estabelecer uma espécie de fissura nesses dois campos e nos per mitido reconhecer uma demarcafao, por assim dizer, entre generos distintos (um lógos e um éros efusivos, arrebatadores e irracionais versus um éros e um lógos, equilibrados, racionais, divinos e dialéticos), poderíamos aqui talvez es- tender essa divisao a nofao de doenfa - e, por conseguinte, cura - ambas re lacionadas ao lógos? Seria possível concluir que haveria também dois generos de doenfa, a requisitarem, cada um a seu modo, um genero de phármakon apropriado? Se este é o caso, a nofao de “doenfa”, que evoca sentidos, a

priori, francamente negativos; quando ligada ao lógos, entretanto, teria sofrido um completo renversement.

Um indício textual que pesa a favor dessa interpretafáo também se pode encontrar no mesmo contexto. Náo nos parece ligeira a observafáo de Sócrates ao se declarar como um “companheiro coribantico” (228b7: cuyKopuPavxiravxa). O termo, oriundo do vocabulario religioso arcaico, evoca, em uma conotafáo mais imediata, aqueles que se associam (ouv-) aos rituais dos Coribantes (KopúPavx&c), que era o nome dado aos sacerdotes de origem frígio-cretense ligados a deusa Cibele e cuja performance ritual consistia em longas sessoes de delirio e frenesi.12 Metaforicamente, Sócrates parece querer aludir ao estado extático (um enthousiasmós) em que se ve en volvido quando ouve discursos, o que, conforme comenta Yunis (2014: 89), antecipa a relafáo estabelecida entre éros e lógos, que se manifesta, conforme vimos, em sentidos opostos no primeiro discurso de Sócrates (237a-241d) e na palinódia (243e-257b). Assim, a alusáo aos ritos extáticos associados aos Coribantes evocaria, a um tempo, tanto o extase irracional dos que se veem iludidos pela pretensa aparencia de sabedoria dos discursos retóricos - com efeito, como apontamos antes, Sócrates viria a qualificar a experiencia de ouvir o discurso de Lisias como um “delirio báquico” (234d6: cuvePáKxeuca) - quanto pela singular experiencia de experimentar um delirio, possuido por um deus (év9o'UGláZff>v), quando se é sujeito da contemplafáo das coisas em si, franqueada mediante o exercicio filosófico (249c5-d1).

Nesse sentido, compreende-se a filosofía náo somente como éros, mas também como delirio e iniciafáo extática; aquilo que poderia, de outro modo, ser concebido como uma doenfa - um irracional e descontrolado dominio da psykhé - passa, justamente, a ser compreendido também como a possibilidade de sua libertafáo (249d4-7). As palavras em Platáo, portanto, novamente sáo sujeitas a um renversement de sentidos, e o fruto dessas disas- sociafoes e congruencias constitui exemplificafáo da dialética. Se a doenfa (vócoc) - como o amor (epraq) e a loucura (pavía) - é compreendida, portanto, nas tensoes que emergem do diálogo - no jogo de associafoes e distinfoes tecidas na malha do lógos de Platáo - por que náo o seria assim também com a escrita, que é, afinal, parte do lógos? Se essa análise estiver correta, entáo a ambigua valencia dos sentidos de phármakon parece-nos bas tante apropriada para referir-se metaforicamente a arte das letras. Vejamos.

As oposi t es dialéticas e os diferentes efeitos do phármakon

Aprimeira ocorrencia do termo phármakon no texto (230d6), já associado ao discurso, aparece no ámbito de uma inusitada imagem: Sócrates alega que a promessa de ouvir o discurso de Lísias é o phármakon que o leva a sair de Atenas, em companhia de Fedro. O phármakon impele Sócrates a avanfar, como a visao de um alimento, quando oferecido a frente de um animal, incita-o a se movimentar, uma imagem que vale a pena ser destacada:

Tu, no entanto, pareces ter descoberto a droga (tó ^áppaKov) para me fazer pegar a estrada. E, tal como quem quer tocar em frente um animal faminto e por isso aproxima dele um galho de fruta ou legume, também tu estendes para mim discursos em manuscritos, e assim pareces que podes me levar por toda a Ática, aonde quiseres (Phdr. 230d5-e1).

A imagem que a passagem acima descreve parece associar, inicial mente, o phármakon dos escritos (230d8: év PiPXÍOIQ) ao apelo estritamente sensorial - a visao, ao olfato, ao paladar: sentidos que mobilizam o animal a ir em busca do alimento que vislumbra alcanfar -, apelo, portanto, externo a qualquer racionalidade (o alimento continua a se mover, enquanto o animal também avanfa): trata-se de uma experiencia psicagógica que, entretanto, nao o leva a lugar algum. Enquanto se rende aos sentidos agufados pela proximidade do alimento, o movimento do animal, relativamente ao seu objeto de desejo, é nulo: nao diminui em um centímetro o espafo que se interpoe entre ele e o alvo do seu apetite.

Essa primeira imagem coaduna-se com a perspectiva de éros tal como assoma no discurso de Lísias/Fedro: “um desejo desprovido de razao” (238b7: aven Xóyou éni9upía) que paralisa, porque mantem sob seu dominio (238c1: Kpaxqcaca), uma opiniao que se movimenta em direfao ao certo (238c1: éni Tó óp9óv óppócn^). Ora, o que é esse movimento

da opiniao em direfao ao certo, senao a própria filosofía? Mas a natureza do movimento filosófico é de uma ordem diversa do movimento que se realiza espacialmente - ou pelos discursos - nao é o fato de o animal se por em curso que fará com que ele alcance seu alvo; nao é o fato de Sócrates e Fedro terem saído da cidade ou ouvido os escritos de Lisias que ambos se re- conciliarao com a filosofia. O movimento filosófico envolve um movimento anímico, um processo interno: a alma imortal é o motor gerador desse mo vimento (245c4-9) e o resultado desse movimento nao é o deslocamento espacial, mas uma espécie de elevafao, pelo pensamento, a altura dos deuses, ou aos inteligíveis, possibilitado mediante um processo ligado a memória:

“[Os seguidores de Zeus, i.e. os filósofos] prosperam pela necessidade de por os olhos intensamente na direfáo do deus, inspirados e alcanfando-os pela memória” (253a1-3). Nesse sentido, um éros que traduz o dominio do desejo (érci0upía), carente de razáo (Xóyoc), só pode resultar mesmo em apartar o amado da filosofía (239a8-b4) e, por outro lado, a filosofía consiste em atribuir ao lógos o papel de diretor do movimento anímico, para o qual a memória tem papel central.

Se a primeira aparifáo do phármakon no texto o associa, como vimos até aqui, a essa especie de dominio sobre a alma, privando-a da razáo e afastando-a da filosofía; se phármakon está associado as letras escritas (aos manuscritos que Fedro trazia consigo), poder-se-ia concluir, completando-se o silogismo, que a escrita afasta, portanto, a alma de seu caminho filosófico? Se nos limitarmos a essa passagem, seremos forfados a admitir que sim. Entretanto, como apontamos acima, Platáo, ao longo do Fedro, desafia o leitor diante da polissemia dos significantes - e as ambiguidades que o signo lin- guistico possibilita sáo propicias a um renversement, como já testemunhamos na segunda passagem em que o termo ocorre no diálogo:

Sócrates: Há uma situafáo idéntica, suponho, da arte médica e justamente da retórica.

228 i Fedro: Como assim?

Sócrates: Em ambas é preciso distinguir uma natureza - a do corpo, num caso, a da alma, no outro - se pretendes nao apenas por destreza e experiencia, mas pela arte, em um, produzir saúde e forfa ministrando remedios (^áppaKa) e alimentando, e a outra, transmitir qualquer persuasáo e virtude que se queira e virtude por meio de discurso e de práticas legais. (Phdr. 270b1-9)

A interpretafáo dessa passagem nos leva, se náo a reverter, ao menos a colocar em suspensáo a conclusáo a que teriamos chegado a partir daquela primeira (230d5-e1). A relafáo entre doenfa e cura volta a tona no paralelo que Sócrates desenvolve entre a arte da medicina (xé^vq íaxpiKq) e da re tórica (pqxopiKq). Considerando que esta primeira arte incida sobre corpo (270b4: cópaxoc) e a segunda sobre a alma (270b5: yux^c), Sócrates antecipa o tema da psicagogia, associada ao lógos, mas afirma, ligeiramente, aquilo que mais particularmente nos interessa neste momento: é necessário ser capaz de distinguir a natureza (270b4: 5eí 5ieXéc0ai ^úatv). O termo dielésthai (“se parar”, “discernir”, “dividir”, “distinguir”) remete-nos aquelas operafoes do lógos que, como Platáo já apresentara, ensinam a “falar e a pensar” (266b4-5: Xéyeiv xe Kai ^poveív) e que se poderiam chamar de dialética (266b3-c9).

Ora, o que Platáo nos sugere é a necessidade de submetermos as opinioes ao crivo desse processo dialético; nesse sentido, náo basta nos limitarmos a avaliar um problema somente em uma direfáo, mas é condifáo fundamental apreender distinfoes (270c10-d8): a linguagem (a escrita, em particular) certamente náo é um objeto simples, o que exige uma reavaliafáo, de modo a perceber as tensoes inerentes a suas diferentes formas. Somente após esse exercício é que, entáo, teremos a oportunidade de nos posicionar com mais correfáo quanto aos possíveis beneficios ou maleficios que ela engendra.

Logo, essa atitude intelectual sugerida para o exame da questáo - uma abordagem dialética - implica assumir a complexidade do problema, do que decorre náo podermos sustentar uma leitura redutora desse phármakon, quando se lhe aprecia apenas um de seus sentidos. A reflexáo que essa pas- sagem enseja, que se apresenta como antessala daquela em que Sócrates e Fedro realizam sobre a escrita ao longo da narrativa do Mito de Theuth, indica-nos, portanto, de que maneira interpretar as duas últimas ocorrencias desse termo (274e6 e 275a5), já no cerne dessa narrativa .Vejamos como apa- recem nas falas dos dois personagens do mito:

Mas quando chegou a vez da escrita, Theuth disse: “Esta é uma instruyo, ó rei, que fará os egipcios mais sábios e de melhor memória. Pois foi descoberta como uma droga (fiáppaKov) para a memória e para a sabedoria”. A que o outro respondeu: “Engenhoso Theuth, um é aquele capaz de engendrar as artes, mas outro é o que julga qual o lote de dano e utilidade tratará a quem delas se servir. E tu, sendo o pai da escrita e por querer-lhe bem, dizes agora o contrário do poder que ela tem. Pois, por descuidar da memória, a escrita produzirá esquecimento nas almas dos que se instruírem, posto que, por uma persuasáo exterior e pela afáo de sinais estranhos, e náo mais do interior de si e por si mesmos, recordaráo. Portanto, descobriste uma droga (fiáppaKov) náo para a memória, mas para as recordares. (Phdr. 274e4-275a6)

É interessante observar que as letras (ypáppaxa) sáo apresentadas por Theuth como uma “instrufáo” (xó pá9ppa). O substantivo neutro, que tem a raiz math-, também presente no verbo mantháno (“aprender”, “ins- truir-se”, “estudar”) mostra uma concepfáo da escrita relacionada a uma faculdade que se aprende e, portanto, se ensina. Mediante essa instrufáo, os egipcios poderiam se tornar mais sábios (co^raxépou^) e com mais me mória (pvnpovtKraxépou^). Está postulado, portanto, aquele ponto de vista que examinamos no último item: que estabelece uma relafáo causal entre as letras - algo que se aprende - e a sabedoria. A réplica do rei reconhece nas letras o efeito contrário: ela é prejudicial a memória, porque leva os homens ao esquecimento em suas almas (Lp9pv pev év ^üxaí^), visto que o processo de rememorafáo (ávápvnct^) seria por ela prejudicado, por pasar a se estabelecer mediante um evento externo (e^O)0£v) e nao interno a alma (oÜK ev5o0ev). Ambos concordam com a premissa de que sabedoria (co^ía) esteja ligada a memória (pvqpn). A divergencia entre os dois reside no fato de que enquanto aquele sublinha o papel da escrita como phármakon que gera a sabedoria (auxiliando a memória), este lhe atribui o papel de phár makon que, em sentido contrario, causa esquecimento na alma dos apren- dizes (por levar a um descuido com a memória). Enquanto para Theuth a escrita é aliada da memória; para Thamos, porém, é inimiga; para aquele, ela torna os seres mais sabios; para este pode somente prestar auxilio a re- cordafao (únógvnct^), sem levá-los a rememorafao (ávágvnct^), a metáfora farmacológica, na qual está insita, conforme vimos, a ambiguidade (cura/ veneno), mostra-se, portanto, mais uma vez adequada a caracterizando da linguagem escrita.

Considerares fináis

No seu comentario ao Fedro de 1972, La pharmacie de Platón, De- rrida defendeu a tese de que Platao, mediante a ambiguidade do phármakon , teria ensejado uma tentativa de sublinhar a superioridade da 230 i oralidade sobre a escrita, intento no qual, contudo, teria falhado, tornando a escrita, paradoxalmente, o centro da sua filosofía. Isso se daria porque a ca racterizando da escrita como um phármakon introduziria, desde o principio, uma ambiguidade intrínseca: o encantamento que ela produz - ao mesmo tempo um “remédio” e um “veneno” - deixaria em aberto a possibilidade de engendrar consequencias tanto benéficas quanto maléficas (Derrida 2004: 264). Além disso, para Derrida, o enquadramento da critica a escrita no ámbito de uma narrativa mítica, colaboraria também para enfraquece-la (Derrida 2004: 270).

Contudo, conforme apontamos nesse artigo, parece-nos razoável admitir, com Derrida, a incontornável ambiguidade do lógos (e, particular mente, da escrita) no Fedro de Platao, sendo a metáfora farmacológica um signo dessa ambiguidade, essa ambiguidade nao nos permite concluir, tal como o filósofo argelino, seja pelo intuito de se sublinhar uma superio- ridade da oralidade sobre a escrita, seja tampouco pelo efeito inverso que o filósofo teria logrado. Com efeito, analisando as diferentes transformafoes da palavra phármakon no diálogo, em seus quatro contextos de ocorrencia, bem como considerando as oposifoes dialéticas fundamentais que nele aparecem (entre esquecimento/memória; conhecimento externo/interno; sensivel/in- teligivel, entre outras), nossa conclusao nao pretende senao sublinhar nova- mente o caráter ambiguo do tema da escrita, que só pode, portanto, apontar em diregóes divergentes no pensamento de Platao: a escrita é o meio pelo qual tanto se possibilita, quanto se impede o acesso ao saber, tal qual o lógos, que tanto é matéria de um discurso meramente logográfico, quanto também é da dialética que é a condigao para a filosofía.13

REFERENCIAS

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1 Lendo a famosa “crítica a escrita” com Krámmer 1990, Szlezák 2009, 2011; Reale 2004, 2007; Perine 2014, e outros importantes representantes da chamada “Escola de Tubin- gen-Miláo”, devemos considerar a escrita em uma posifáo secundária, em prol de uma relei- tura da filosofia de Platao a luz de principios nao escritos, as chamadas “doutrinas nao escri tas” (aypa^a Sóygata). Por outro lado, se resgatarmos o tratamento histórico do problema, a partir de Schleiermacher 2008, e chegarmos a posifoes mais contemporáneas, tais como as de Vlastos 1981, Brisson 2003, Dixsaut 2001 e Trabattoni 1994, 2003, nao somente poderemos oferecer uma interpretado que, em ampla medida, reabilita a importáncia do texto escrito para a leitura de Platao, como oferece também um tratamento do problema da linguagem alternativo a resolufáo estritamente histórica da questao. Outras referencias relevantes do “estado da arte da discussao”, conferir Reis 2014; Szlezák 2009; Trabattoni 1994, 2003.

2Nao é possível pressupor um conceito unívoco e estável de dialética em Platao, conside rando, sobretodo, como nos ensina Dixsaut 2001, que se trata, antes, de um conceito em permanente “metamorfose”, adequado a natureza do objeto e de cada contexto investigativo. De forma ampla, contudo, poderíamos tomar como “dialética” o conjunto das reflexoes que, centradas na análise do tóyoi;, de diferentes maneiras (divisao, separafáo, utilizafáo de mitos etc.), busca encontrar uma metodologia de pesquisa de diferentes objetos. No caso particular deste artigo, consideramos dialética tal como ela é definida no próprio Fedro (265e1-266c5; 249b6-c1), como o procedimento de divisao (diaíresis) e reuniao (synagogé), que se realiza tam bém no ámbito da linguagem embora também a nofáo de dialética como simples contrapo- sifáo, diferenciado estejam igualmente presentes no Fedro (Santa Cruz, 1992; Fortes, 2019).

3Utilizamos neste artigo a tradujao de María Cecilia Gomes dos Reis 2016. Foi também co tejada a tradujao de Souza e Santos 2016. Seguimos o texto grego editado por Burnet 1910 cotejado com a edifáo de H. Yunis 2014.

4Conforme indica Bailly 2000, o verbo ekplésso ou ekplétto, tem como acepfoes possíveis as de “ser derrubado por um golpe”; “estar atordoado, admirado, tomado de medo”. De acordo com o verbete de LSJ destacamos, entre os sentidos dessa palavra: “perder os sentidos por um choque, surpresa ou pánico”; “ser dominado por uma paixao dominante e repentina”.

5Conforme foi-nos indicado por um dos pareceristas anónimos deste artigo, a quem prestamos nosso devido agradecimento, poderíamos ainda acrescentar a análise um comentario sobre a passagem 242e1, onde verifica-se o emprego do termo katapharmakeúthentos, e que, de igual modo, poderia sugerir análoga ambiguidade no seu tratamento dado por Sócrates. Por razoes que escapam a este texto, nao nos foi possível aprofundar essa análise para apresentá-la também aqui.

6Além da passagem do Fedro aqui examinada, essa característica ambigua com que o tema da linguagem é tratado fica patente também no Crátilo, texto que, após demorada apresentajao das possibilidades da prática da etimologia (396d-421c), encerra com uma afirmajao bastante ambigua de Sócrates, no seu epílogo: “Pois é, talvez, Crátilo, seja dessa forma, talvez nao” (Crátilo, 440d2-3).

7Seguimos aqui a sugestao de divisao do diálogo proposta por Reis 2016. A passagem citada trata-se de um interlúdio porque corresponde a transifáo entre a palinódia socrática e a discussao posterior sobre retórica. Nesse interlúdio os dialogantes discutem e formulam o novo problema de que vao tratar na sequencia.

8Sobre o lugar dos logógrafos na cultura ateniense, conferir Centrone 2014: XIX; Cancik e Schneider 2004: 792; Yunis 2014: 170.

9Na República (3.406d1-3) e também no Górgias (467c7-10).

10No sentido de “veneno” a palavra vem empregada duas vezes no Fédon, associado a cicuta tomada por Sócrates. Em 57a1-3 e em 115a7-8.

11Sobre leituras “pós-modernas” de Platáo, conferir Zuckert 1996.

12As fontes antigas ligadas aos coribantes podem ser conferidas em Eurípedes (Bacch. 121; Hipp. 143) e, sobretudo, em Platáo (além dessa passagem do Fedro, também se entram menfoes em: Cri. 54d2-5, Smp. 215c5-6, Euthd. 272d4-e2, Lg. VII, 790c5-791b1). Para referencias modernas, conferir Linforth 1946.

13O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenagao de Aperfeigoamento de Pes- soal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001 - durante meu está- gio de pesquisa pós-doutoral no Département de Sciences de l’Antiquité, na Universidade de Liege, na Bélgica. É um desenvolvimento da tese de Doutorado defendida em agosto/2019 na Faculdade de Filosofa e Ciencias Humanas (FAFICH) da UFMG.

Recebido: 09 de Janeiro de 2020; Aceito: 11 de Maio de 2020

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