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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.8 no.1 Tandil July 2013

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Licenciatura em Matemática no Brasil: aspectos históricos de sua constituição1

 

Sonia Maria da Silva Junqueira1, Ana Lúcia Manrique2

soniajunqueira@unipampa.edu.br, manrique@pucsp.br

1Universidade Federal do Pampa, Travessa 45, nº 1650, Malafaia, Bagé - RS, Brasil
2Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Marquês de Paranaguá, 111, Consolação, São Paulo, Brasil

 


Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar um recorte histórico como meio de discorrer a respeito das permanências e mudanças ocorridas em cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil, especialmente no que se refere à constituição da identidade desses cursos. Recorre-se a uma análise qualitativa, por meio de uma revisão bibliográfica, revestida de uma perspectiva baumaniana, pois se entende que o movimento dos sólidos e dos líquidos configurado por Bauman apresenta uma configuração que implica a dinâmica necessária que se pretende alcançar ao dar forma a este estudo. Este trabalho traça uma via linear, começando pela educação jesuítica e chegando aos dias atuais. Desse modo, por meio de aspectos encontrados nos diversos contextos históricos, apresenta-se um panorama do ensino de Matemática no Brasil e seu lugar no ensino superior. Assim, evidenciam-se limitações impostas pelo engessamento proveniente das legislações pertinentes e a influência submetida pelos movimentos reformadores, especialmente o Movimento da Matemática Moderna, entendendo que todos esses aspectos contribuíram fortemente para a atual identidade desses cursos. O estudo confirma elementos conflitantes evidenciados nas diversas tensões localizadas em períodos históricos distintos, que seguramente guardaram momentos de verdadeira intenção de se inovar o ensino da Matemática no país, mas permitiu também perceber que ainda há muito por avançar e que muitos problemas encontrados, ao longo da história da constituição desses cursos, continuam essencialmente os mesmos.

Palavras-chave: Licenciatura em Matemática; Ensino de Matemática; Identidade; Formação de professores.

Profesorado de Matemática en Brasil: aspectos históricos de su constitución.

Resumen

El objetivo de este trabajo es presentar un recorte histórico como oportunidad de discurrir sobre las permanencias y cambios ocurridos en cursos de Profesorado de Matemática en Brasil, especialmente en lo que se refiere a la constitución de la identidad de dichos cursos. Se recurre a un análisis cualitativo, a través de una revisión bibliográfica, por una perspectiva baumaniana, pues se entiende que el movimiento de los sólidos y líquidos expuesto por Bauman presenta una configuración que impone la dinámica necesaria pretendida, para darle base a este estudio. Este trabajo sigue una vía linear, empezando por la educación jesuítica y llegando a los días actuales. De ese modo, a través de aspectos encontrados en los diversos contextos históricos, se presenta un panorama de la enseñanza de Matemática en Brasil y su lugar en la enseñanza superior. Se muestran las limitaciones impuestas por las legislaciones pertinentes y la influencia sometida por los movimientos reformadores, especialmente el Movimiento de la Matemática Moderna, entendiendo que esos aspectos contribuyeron fuertemente para la actual identidad de esos cursos. El estudio confirma elementos conflictivos evidenciados en las diversas tensiones localizadas en periodos históricos distintos, que seguramente guardaron momentos de verdadera intención de innovar en la enseñanza de Matemática en Brasil, pero permitió también percibir que aún hay mucho por avanzar y que muchos problemas encontrados, a lo largo de la historia de la constitución de esos cursos, siguen esencialmente iguales.

Palabras clave: Profesorado de Matemática; Enseñanza de Matemática; Identidad; Formación de profesores.

Licentiate in Mathematics in Brazil: historical aspects of its constitutionitle.

Abstract

The objective of this paper is to present a historical overview in order to discuss the things that have remained the same and those that have changed in Licentiate in Mathematics courses in Brazil, especially as regards the constitution of their identity. We undertake a qualitative analysis, by means of a bibliographical revision through a Baumanian lens, as we understand that Bauman's notion of the passage from solid to liquid form provides an appropriate dynamic, which we aim to achieve as this study takes shape. This paper takes a linear path, from the Jesuits' teachings until today. Through the aspects of different historical contexts, we present a panorama of the teaching of Mathematics in Brazil and its place in higher education. As such, the limitations stemming from the inflexibility of the relevant legislations and the influence of reformatory movements, especially the Modern Mathematics Movement, are pointed out, considering that all of these aspects have strongly contributed to the current identity of these courses. This study confirms conflicting elements seen in different tensions located in distinct historical periods, no doubt sparked by moments of true intention to innovate the teaching of mathematics in Brazil, but it also shows that there is still much ground to be covered and that many of the problems encountered throughout the history of these courses remain essentially the same.

Keywords: Licentiate in Mathematics; Mathematics teaching; Identity; Teacher training.

Le CAPES de Mathématiques au Brésil: les aspects historiques de sa constitution.

Résumé

L'objectif de cette étude est de présenter un découpage historique en tant que moyen de traiter les continuités et les changements survenus au sein des CAPES de Mathématiques au Brésil, notamment en ce qui concerne la constitution de l'identité de cette formation. On fait appel à une analyse qualitative, via une révision bibliographique, habillée d'une perspective baumanienne, car cela s'entend que le mouvement des solides et des liquides mis en place par Bauman présente une configuration impliquant la dynamique nécessaire qu'on souhaite atteindre lorsqu'on réalise cette étude. Ce travail trace une voie linéaire, de l'éducation jésuite à nos jours. De cette façon, par l'intermédiaire des aspects repérés dans de divers cadres historiques, on présente un panorama de l'enseignement des Mathématiques au Brésil, et de sa place dans l'enseignement supérieur. Ainsi, les limitations imposées par le blocage issu des législations concernées, et l'influence exercée par les mouvements réformateurs, notamment la Réforme des Mathématiques Modernes, sont mises en évidence, sachant que tous ces aspects ont contribué fortement à l'identité actuelle de ces formations. L'étude confirme des éléments conflictueux mis en relief dans les diverses tensions situées dans des périodes historiques distinctes qui conservent des moments de vrai souhait d'innover l'enseignement des Mathématiques au Brésil, tout en permettant également d'apercevoir qu'il y a encore beaucoup à faire, et que plusieurs problèmes rencontrés tout au long de la constitution de ces formations, restent essentiellement les mêmes.

Mots-clés: CAPES de Mathématiques; Enseignement des Mathématiques; Identité; Formation de professeurs.


 

1. INTRODUÇÃO

A decisão por uma investigação em torno das permanências e mudanças, ao longo da constituição de cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil fundou-se na importância dada à pesquisa dos processos de formação de professores que, além de recentes no Brasil, como em outros países, também precisa de estudos voltados ao ensino superior, sobretudo no que se refere ao processo de formação inicial do professor.

Ao longo deste estudo, por meio de uma pesquisa qualitativa interpretativa e descritiva, pretende-se apontar aspectos que contribuam para o entendimento da constituição da identidade de cursos de Licenciatura em Matemática, ou seja, aspectos que transpassam, afetam e delineiam a constituição da identidade dos cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil.

Dessa forma, se espera que aspectos que se "solidificaram" ou se encontram "liquefeitos", para tomar "novas", ou talvez, "melhores" formas (BAUMAN, 2001, 2005), sejam evidenciados por meio de um estudo do processo histórico do ensino de Matemática e da Licenciatura em Matemática no Brasil e de análises na Legislação Educacional Brasileira.

Entende-se que o ensino de Matemática, essencial ao desenvolvimento pleno do indivíduo e classificado atualmente, como um ensino de baixa qualidade no Brasil, se posiciona como objeto de interesse tanto de organizações formadoras, como de organismos políticos educacionais e da sociedade, que pleiteiam e recebem essa modalidade de ensino.

Nesse cenário, o Brasil mantém a discussão em torno da atividade político-educacional. Essas discussões, sustentadas por determinações impostas por reformas no sistema de ensino nacional e, atreladas às exigências da sociedade vigente estabelece e sofre, paradoxalmente, as imposições de mecanismos que norteiam e delimitam a ação do sistema de ensino no Brasil. A formação de professores, nesse contexto, ocupa uma posição fundamental e deve buscar a atualização dos conteúdos de formação às modificações impostas ao ensino.

Por meio deste trabalho, espera-se olhar para o presente, para a modernidade atual, e considerar o caráter da fluidez que se faz presente, contudo, sem desconsiderar a relevância do passado, pois suas imagens preservadas, embora possam apresentar sólidas estruturas, reconfiguram a tomada de decisões e de ações em projetos pré-estabelecidos, mesmo sendo esses perfeitamente flexíveis e remodeláveis.

A relevância dessa caracterização temporal justifica-se pelo fato de o sujeito em formação estar situado no presente panorama social em que é constituído e, no qual, o projeto de ações das instituições formadoras é delineado, ou seja, um sujeito submetido às exigências dos organismos sociais atuais.

 Nesse sentido, foi necessária uma discussão histórica preliminar. Para essa etapa embasou-se nas pesquisas de Ziccardi (2009), Diniz Pereira (1999) e da Sociedade Brasileira de Educação Matemática/SBEM (2002). Pretendeu-se nessa via apresentar algumas permanências e mudanças encontradas ao longo da instalação dos cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil.

Do estudo realizado resultaram algumas conclusões provisórias ao longo do processo, que se buscou sintetizar, dando forma a atender ao objetivo pretendido no levantamento a fim de encontrar nos documentos pesquisados os aspectos considerados "sólidos" e ou "líquidos", conforme aponta Bauman (2001), e que envolvem a constituição da identidade dos cursos de Licenciatura em Matemática.

Assim, com a finalidade de dar clareza ao entendimento que se faz dos conceitos remetidos a Bauman, aspectos que envolvem a fluidez serão na sequência delineados.

2. A FLUIDEZ DA MODERNIDADE

A busca por um aporte teórico que trouxesse elementos referentes à constante necessidade de adaptação e de refazer de formas, conduziu à Teoria da Modernidade Líquida de Zigmunt Bauman (2001), que reflete exatamente sobre a dinâmica da fluidez imediata da modernidade.

Bauman (2005) não se contenta em definir ou conceituar um acontecimento, e sim em estabelecer conexões com fenômenos sociais ou manifestações do etos público, que se apresentam distanciadas do objeto inicial de investigação.

O contexto social, cultural e político em que um fenômeno está inserido são analisados por Bauman (2005), assim como o próprio fenômeno, e, dessa forma, esse autor considera essencial colher a "verdade" de todo sentimento, estilo de vida ou comportamento coletivo como forma de rebelar a miríade de conexões entre o objeto de investigação e outras manifestações da vida social humana.

A respeito de modernidade líquida, Bauman (2001) traduz uma modernidade "leve", "fluida", "líquida", infinitamente mais dinâmica que a modernidade sólida que a antecedeu, e que acarretou, na passagem de uma para outra, mudanças em todos os aspectos da vida humana. E apresenta a "fluidez" como a principal metáfora para o estágio presente da era moderna. Fluidez é a qualidade dos líquidos e gases, que são distinguíveis dos sólidos por não suportarem, quando imóveis, uma força tangencial ou deformante; razão pela qual sofrem constantes mudanças. Os fluidos não fixam espaço, nem se prendem ao tempo, de fato, não se atém a forma alguma, estão sempre propensos a mudá-las.

Bauman (2001, p. 8) assim destaca as características dos fluidos.

Eles "fluem", "escorrem", "esvaem-se", "respingam", "transbordam", "vazam", "inundam", "borrifam", "pingam", são "filtrados", "destilados", diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos - contornam certos obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. Do encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que encontraram, se permanecem sólidos são alterados - ficam molhados ou encharcados. [grifos do autor]

Em contrapartida, os sólidos com suas dimensões espaciais claras procuram efetivamente resistir ao fluxo ou torná-lo irrelevante. Os sólidos suprimem o tempo. A variedade do comportamento dos sólidos é resultado direto da liga que une seus átomos e dos arranjos estruturais que apresentam.

Voltado à fluidez das relações, Bauman (2001) apresenta uma nova visão sobre a modernidade e "Modernidade Líquida" passa a representar uma expressão síntese desta nova idéia.

Neste final da primeira década do século XXI, muitos desafios cercam a formação de professores de Matemática no Brasil. A era da modernidade líquida, conforme apresenta Bauman (2001), se traduz em formas que se desfazem e se refazem diante das inseguranças e incertezas contemporâneas. E aqui se encontram características de outro termo cunhado por esse autor, o "derretimento de sólidos".

Derretimento de sólidos para Bauman (2001, p. 13) é empregado para indicar a desintegração dos discursos sólidos, em vias de enferrujamento dos compostos institucionalizados. Bauman analisa a sedimentação de uma nova ordem, mais sólida que as ordens que substitui.

Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; [...]. A tarefa dos indivíduos era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e apropriados para aquele lugar.

E expressa ainda que a modernidade não foi um processo de liquefação desde o começo, nem o derretimento dos sólidos seu maior passatempo e principal realização. Justifica o termo "derreter os sólidos", cunhado a primeira vez pelos autores do manifesto comunista:

Se o "espírito" era "moderno", ele o era na medida em que estava determinado que a realidade deveria ser emancipada da "mão morta" de sua própria história - e isso só poderia ser feito derretendo os sólidos (isto é, por definição, dissolvendo o que quer que persistisse no tempo e fosse infenso à sua passagem ou imune a seu fluxo). Essa intenção chamava por sua vez, pela "profanação do sagrado": pelo repúdio e destronamento do passado, e, antes e acima de tudo, da "tradição" - isto é, o sedimento ou resíduo do passado no presente; clamava pelo esmagamento da armadura protetora forjada de crenças e lealdades que permitiam que os sólidos resistissem à "liquefação". (Bauman, 2001, p. 9, grifos do autor)

E partindo da metáfora da fluidez apresentada por Bauman (2001), pretende-se localizar o professor de matemática nessa modernidade. Verificar aspectos que podem ser considerados como "sólidos" em sua formação e que devem acompanhar sua prática, assim como verificar elementos que possam dar indícios de quando a liquefação de alguns sólidos pode ocorrer. Assim, espera-se buscar também as permanências que caracterizam a formação do professor de Matemática.

É possível questionar se, durante a etapa de formação inicial, "sólidos" são "derretidos" para que "novos" e "melhores" profissionais sejam constituídos, ou se as lealdades a grupos de pertença são mantidas, garantindo a conservação de uma identidade inquestionável.

A provisoriedade da formação do professor de Matemática também pode ser questionada a partir da obra de Bauman (2001, p. 14), pois esse autor observa a essencial importância de "liquefazer-se", a fim de tomar novos contornos e estar pronto às exigências que certamente serão impostas aos profissionais da modernidade.

Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos os fluidos, eles não mantêm a forma por muito tempo.

Admite-se, assim, que indivíduos, se verdadeiramente inseridos na sociedade atual, sejam de certa forma como os "líquidos", pois conforme apresenta Bauman (2001), o ato de ter novas formas é contínuo e inevitável, embora se procure resistir o maior tempo possível na forma anteriormente estabelecida.

No passado encontra-se a fase sólida da modernidade. Mas, será realmente preciso liquefazer os sólidos herdados da tradição para se constituírem novos e melhores sólidos no futuro?

3. CONTEXTO HISTÓRICO BRASILEIRO

3.1 Universidade e ensino de Matemática

Segundo Ziccardi (2009), a Matemática no Brasil fez parte do currículo escolar desde os primórdios do período colonial, época em que o ensino da disciplina era ministrado pelos Colégios da Companhia de Jesus, uma ordem religiosa da Igreja Católica Apostólica Romana, fundada por Santo Inácio de Loyola e um grupo de estudantes da Universidade de Paris.

Como na Europa, o Brasil encontra o início da atividade docente com os padres jesuítas. Ziccardi (2009) relata que os jesuítas foram os primeiros professores a desenvolver um trabalho de catequese com os índios, com o objetivo claro de desenvolver uma formação humanística. Fato esse de grande importância para a coroa portuguesa, pois contribuía para a consolidação do domínio português nas novas terras.

A partir do momento em que uma nova sociedade formada por brancos e mestiços foi se constituindo tornou-se necessária a formação das elites, o que provocou a expansão do trabalho educativo dos jesuítas. Portanto, os jesuítas podem ser considerados os primeiros professores na história da educação brasileira.

Aos jesuítas coube, conforme aponta Ghiraldelli Jr (2009), o monopólio do ensino escolar no Brasil por um período em torno de duzentos anos, quando fundaram vários colégios com vistas à formação religiosa. Esses, até então, eram os únicos colégios existentes.

Em 1699, a defesa da Colônia era o centro das preocupações da coroa portuguesa, e esse foi um momento de grande impulso na formação de militares em terras brasileiras. O Brasil precisava de ensinamentos matemáticos, pois tinha a necessidade de formação de técnicos e militares com competência para os trabalhos de guerra, devido aos riscos de invasões estrangeiras. Os ensinamentos matemáticos tornaram-se fundamentais, pois eram imprescindíveis para a instrumentação dos futuros engenheiros e militares, assim como vital à construção de edificações ao longo da costa brasileira.

No século XVIII, o sistema educacional brasileiro e a própria atividade docente passaram por profundas mudanças, culminando com a expulsão dos jesuítas em 1759, concretizada pelo Marques de Pombal, então ministro de Estado em Portugal. Empreendeu-se, na época, uma série de reformas no sentido de adaptar o país e suas colônias às transformações políticas, culturais e econômicas que ocorriam na Europa.

Ziccardi (2009) retrata que o ensino de Matemática no Brasil somente se estabeleceu devido ao medo de invasão do território brasileiro, que se encontrava sob a tutela da coroa portuguesa de D. João VI e que, munido do interesse de proteger os domínios da coroa, criou a Academia Militar após chegar ao Brasil e abrir os portos às nações amigas. Segundo essa autora, a partir da década de 1910 é sentida uma elevação do nível cultural e científico brasileiro, fator que implicou, na década seguinte, no fortalecimento da proposta de criação de verdadeiras universidades de ensino e pesquisa em substituição às faculdades isoladas.

Nos anos de 1920, o Brasil parece vislumbrar uma nova sociedade, marcados por movimentos culturais, políticos e sociais que deixaram profundas repercussões nas décadas que se sucederam.

Indícios da formação da comunidade matemática brasileira são encontrados a partir de 1930. São, conforme apresenta Ziccardi (2009), congregações de matemáticos, criação de periódicos especializados para publicação de pesquisa, publicações em língua portuguesa, além da preocupação com a repercussão das pesquisas no seio da comunidade internacional.

No tocante ao professor de Matemática acrescenta-se a observação de Soares (2006, p. 13).

[...] os professores de Matemática para a escola antigamente denominada "secundária" tinham em geral, até 1934, uma outra identidade - a de engenheiro, profissão esta de maior prestígio social e de melhores vencimentos. Não existindo instituições que promovessem a formação específica do professor de Matemática para atuar nesse nível de ensino, podiam exercer o magistério os profissionais com formação técnica e, no caso de professores das primeiras séries, não era necessária nenhuma formação em particular, pouco se exigindo dos candidatos.

Ziccardi (2009) menciona que o primeiro concurso realizado em São Paulo para o ingresso no Magistério secundário foi realizado no ano de 1943. Entretanto, somente a partir de 1945 e nas duas décadas subsequentes, a ideia de que a ciência seria o elemento essencial para o desenvolvimento do País passou a ser defendida pela comunidade científica brasileira. Em consequência, esse fato demonstrou a necessidade da formação de recursos humanos qualificados.

Ao longo dos anos 1950 e 1960, o ensino superior brasileiro sofreu os impactos de ideologias que se constituíram na base dos governos que se sucederam até 1964. As universidades cresceram em número de cinco, em 1945, para 37, em 1964, e as faculdades isoladas aumentaram de 293 para 564 nesse mesmo período.

No contexto da crise de 1968, as universidades entram num processo de consolidação, com o desenvolvimento da pesquisa no âmbito da universidade e de melhoria da qualificação dos docentes universitários. As áreas das ciências exatas são privilegiadas. No entanto, os anos de 1970 encontram o processo de massificação universitária, com a criação de diversas faculdades isoladas de ensino superior. É também nessa época que o Movimento da Matemática Moderna exerce papel significativo na formação dos professores de matemática no país.

3.2. O Movimento da Matemática Moderna

Por hipótese, movimentos de grande significação ocorridos no ensino da Matemática no Brasil podem indicar que o ensino dessa disciplina conserve muitos sólidos. Dessa forma, destaca-se o Movimento da Matemática Moderna (MMM), um marco na história do ensino da Matemática. Esse movimento foi de grande influência no Brasil, sobretudo na década de 1970, época marcada por significativa expansão dos cursos de licenciatura em Matemática no país. As mudanças pretendidas pelo MMM foram intensificadas nos cursos de formação de professores de Matemática gerando grandes e novos desafios.

No entanto, a investigação realizada por Pinto e Soares (2008), acerca da inserção dos conteúdos do MMM nos cursos de Licenciatura em Matemática, aponta para vestígios de como os períodos de renovação do sistema educacional se transformaram em momentos portadores de objetivos declarados circunstancialmente. E se constituíram em instrumentos que levaram os docentes a trilhar outros caminhos.

Pais (2008), nesse sentido, corrobora ao afirmar que o contexto original das ideias defendidas pelo MMM era muito diferente do que prevaleceu na proposta curricular escolar. Criações didáticas e outras tentativas incrementadas pelos professores na transposição didática resultaram em inversões que contribuíram para o fracasso da implantação das ideias originais do movimento.

Conforme argumenta Pires (2000, p. 187), durante o período do MMM o "grande empenho era aproximar o ensino escolar da ciência, ter uma matemática útil para a técnica, útil para a ciência, útil para a economia moderna". Contudo esse processo levou na realidade ao desenvolvimento de situações pseudoconcretas, ficando distante de um ensino renovado e democrático da Matemática.

Em relação aos movimentos posteriores ao MMM, embora tenham pretendido que os currículos de Matemática fossem mais ricos, contextualizados cultural e socialmente, permitindo o estabelecimento de relações intra e extramatemática e aceitando a conceituação e rigor matemáticos apropriados, Pires (2000, p. 188) aponta que essas metas não foram perseguidas pela maioria dos professores de Matemática. Razão que pode se assentar no fato de não ter se levado em conta as crenças, concepções, conhecimentos do professor nessa implementação.

É fundamental destacar que os cursos de formação inicial de professores de matemática, ao longo dessas décadas e ainda hoje, parecem desconsiderar a necessidade de integrar os futuros professores na discussão sobre o currículo.

3. 3. Políticas Educacionais e Modelos de Formação Docente

Inserido nesse cenário globalizado de incertezas e exigências, Diniz Pereira (1999) apresenta reflexões e análises acerca das políticas educacionais para a formação docente no Brasil a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/96.

Os modelos de formação docente subjacentes às formulações atuais a ser implementadas, as demandas para a formação profissional resultantes das mudanças na educação básica brasileira, o lócus da preparação de professores e o processo de construção das Diretrizes Curriculares para as Licenciaturas são discutidos na sequência por Diniz Pereira (1999). Esse autor aponta a presença de um intenso debate iniciado na iminência da criação da legislação que atualmente regulamenta a formação dos profissionais da educação no Brasil, tornando a formação de professores um tema recorrente nas discussões acadêmicas dos últimos 40 anos.

Segundo Diniz Pereira (1999, p. 114), a mesma urgência que justificou a criação dos cursos de licenciatura curta no Brasil na década de 1970, permitiu que atualmente os programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior se apresentem como "uma reedição atualizada dos desastrosos cursos de licenciatura curta". Esse autor admite, assim, a inquestionável necessidade da criação de um projeto pedagógico para a formação e a profissionalização de professores nas universidades e instituições de Ensino Superior. Um projeto pedagógico ajustado aos objetivos propostos para a educação básica. Contudo, afirma que as políticas educacionais de formação de professores permitem improvisações, aligeiramentos e desregulamentações.

Admite também que, para garantir a coerência com as mudanças pretendidas na educação brasileira e com as incumbências que são atribuídas aos docentes pela LDB (art. 13), há necessidade de se pensar uma formação docente capaz de preparar para a compreensão global dos processos humanos, quer seja um professor da educação infantil, dos primeiros ou dos últimos anos da escola básica.

Para isso, Diniz Pereira (1999, p. 117) julga relevante a formação docente a partir de vivências na escola básica, passando pela infância, adolescência e educação de jovens e adultos. Assim, reconhece a importância das construções e de inserção na realidade durante o período de formação, em correlação com a valorização dos fundamentos teóricos.

Embora evidencie o crescimento da investigação sobre a profissão docente nas universidades e instituições de pesquisa no Brasil, a partir da década de 1990, e o aumento do debate e discussão sobre o tema, em parte devido à aprovação da atual LDB, considera que as licenciaturas, cursos que habilitam para o exercício da profissão docente, permanecem, desde sua origem na década de 1930, sem alterações significativas em seu modelo.

Diniz Pereira (1999) salienta a importância de se lembrar do contexto em que a atual LDB foi aprovada para se compreender as discussões a respeito da formação de professores e as políticas regulamentadoras da atividade docente. Um momento, segundo esse autor, em que se respirava uma atmosfera hegemônica de políticas neoliberais, voltadas para interesses do capital impostos por agências como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Considera também que o conjunto de leis formuladas para regulamentar a formação docente no Brasil, embora demonstrem interesse pelo rompimento com o modelo atual de formação de professores, demonstram também que:

[ ...]  a urgência em qualificar um grande número de educadores para uma população escolar crescente sem o correspondente investimento financeiro por parte do governo poderá levar à  repetição de erros cometidos em um passado próximo e, consequentemente,  corre-se o risco de reviver cenários de improvisação, aligeiramento e desregulamentação na formação de professores no país. (Diniz Pereira, 1999, p. 110).

Diniz Pereira (1999) apresenta os atuais modelos de formação docente no Brasil e destaca que as licenciaturas foram criadas nas antigas faculdades de filosofia nos anos de 1930, com a principal preocupação de regulamentar a formação docente. Constituíram-se segundo o modelo da racionalidade técnica, seguindo a fórmula "3 + 1", em que as disciplinas de natureza pedagógica com duração de um ano justapunham-se após três anos de disciplinas de conteúdo específico. O modelo da racionalidade técnica apresenta o professor como um técnico, um especialista que aplica com rigor, na sua prática cotidiana, as regras derivadas do conhecimento científico e do conhecimento pedagógico.

Esse autor ressalta a recorrência no modelo da racionalidade técnica da idéia da necessidade de um conjunto de disciplinas científicas e outro de disciplinas pedagógicas na formação desse profissional para fornecer bases para a ação docente. Ainda, salienta que seria o estágio supervisionado o espaço destinado para a aplicação dos conhecimentos e habilidades científicas e pedagógicas às situações de sala de aula. Concorda com o consenso de que os currículos de formação de professores, baseados no modelo da racionalidade técnica, sejam inadequados para a formação do docente.  Diniz Pereira (1999, p. 112) apresenta as críticas a esse modelo:

As principais críticas atribuídas a esse modelo são a separação entre teoria e prática na preparação profissional, a prioridade dada à formação teórica em detrimento da formação prática e a concepção da prática como mero espaço de aplicação de conhecimentos teóricos, sem um estatuto epistemológico próprio. Um outro equívoco desse modelo consiste em acreditar que para ser bom professor basta o domínio da área do conhecimento específico que se vai ensinar.

Nesse sentido, admite que esse modelo ainda se encontra muito presente nas instituições de ensino superior, uma vez que na prática, as disciplinas de conteúdo específico, de responsabilidade dos institutos básicos, continuam precedendo as disciplinas de conteúdo pedagógico, e que a articulação entre essas disciplinas, na maioria das vezes, inexistem. Aponta, assim, para um curso de licenciatura com a identidade de bacharelado, onde a formação prática ocupa lugar secundário.

Sustenta também, como modelo alternativo de formação, o modelo baseado na racionalidade prática, pois acredita que essa proposta de formação esteja tomando relativo espaço na literatura especializada e que possa estar orientando outras maneiras de proceder a formação docente.

Diniz Pereira (1999, p. 113) destaca que, amparadas na crítica ao modelo da racionalidade técnica e orientadas pelo modelo da racionalidade prática, as atuais políticas para formação docente no país parecem concordar com esse novo modo de conceber a formação. Dessa forma, propostas curriculares são elaboradas com a intenção de romper com o modelo da racionalidade técnica, e revelam um esquema em que a prática é entendida como eixo dessa preparação, devendo o contato com a prática docente figurar desde os primeiros momentos dos cursos de formação.

Por essa via, o contato com a prática docente deve aparecer desde os primeiros momentos do curso de formação. Desse envolvimento com a realidade prática originam-se problemas e questões que devem ser levados para discussão nas disciplinas teóricas. Os blocos de formação não se apresentam mais separados e acoplados, como no modelo anterior, mas concomitantes e articulados.

Contudo, aponta para o risco de as recentes políticas educacionais de formação de professores permitirem improvisações no preparo docente. Pois, nesse sentido, a prática deve ocupar lugar significativo nas grades curriculares dos cursos de licenciatura, o que não deve ser compreendido erroneamente como formação em serviço.

Outro risco que poderia representar um imenso retrocesso no preparo docente seria o descuido com o embasamento teórico dos professores que, segundo Diniz Pereira (1999, p. 114), significa:

O rompimento com o modelo que prioriza a teoria em detrimento da prática não pode significar a adoção de esquemas que supervalorizem a prática e minimizem o papel da formação teórica. Assim como não basta o domínio de conteúdos específicos ou pedagógicos para alguém se tornar um bom professor, também não é suficiente estar em contato apenas com a prática para se garantir uma formação docente de qualidade.

Por esse motivo, destaca uma prática pedagógica que não deve se isentar de conhecimentos teóricos, e que tais conhecimentos devem ganhar novos significados se inseridos na realidade escolar.

Ao concluir, Diniz Pereira (1999) aponta para a esperança de que o processo de construção das diretrizes curriculares para os cursos de formação de professores possa promover mudanças significativas nos cursos de licenciaturas do Brasil. Dessa forma, remodeladas sejam capazes de representar a superação do modelo vigente e um salto qualitativo para a complexa formação docente no país.

4. LICENCIATURA EM MATEMÁTICA NO BRASIL

Na tentativa de entender aspectos que dão contorno aos atuais cursos de Licenciatura em Matemática procurou-se por estudos que dessem relevância ao tema, e nesse intento algumas pesquisas foram levantadas. Optou-se, então, por destacar o documento apresentado pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática SBEM, (2002).

No sentido de contribuir para as discussões sobre os Cursos de Licenciatura em Matemática, o documento da SBEM (2002) representa um esforço de síntese a fim de contemplar o pensamento e as reivindicações da comunidade brasileira de educadores matemáticos no que versa sobre a formação de professores.

Por meio deste documento, a SBEM sustenta a hipótese de a disponibilidade de pesquisas acadêmico-cientifícas produzidas no seio da Educação Matemática servir de arcabouço e permitir que sejam instituídas diretrizes e instâncias de formação com as especificidades próprias para se constituir uma identidade para a Licenciatura em Matemática.

As discussões apontam para a direção de um curso de Licenciatura em Matemática concebido como um curso de formação inicial em Educação Matemática. Essa posição, mais do que uma ideia inovadora, pode indicar uma tendência para esses cursos.

Segundo o que apresenta o documento da SBEM (2002), a configuração dos cursos de Matemática nesses moldes pode permitir romper com a dicotomia entre conhecimentos pedagógicos e conhecimentos específicos e com a dicotomia entre teoria e prática.

O documento retrata que a identidade dos cursos de licenciatura constrói-se apoiada, evidentemente, em conhecimento matemático, visceralmente vinculado ao tratamento pedagógico e histórico, com o que se configurará uma "matemática" distinta daquela meramente formalizada e técnica. São inevitáveis, nesse sentido, o repensar sobre a formação dos formadores de professores e o cuidado na escolha dos profissionais que atuam nas licenciaturas, no sentido de garantir o comprometimento com o projeto pedagógico desses cursos.

As competências esperadas do professor de Matemática, na vida contemporânea, também são destacadas pelo documento da SBEM (2002). O texto admite a necessidade de um profissional reflexivo, capaz de formular questões que consequentemente estimulem a reflexão em seus alunos, e que seja sensível à originalidade e à diversidade na elaboração de hipóteses e de proposições de solução aos problemas.

O documento aponta que é na identificação de papéis a serem desempenhados pelo professor de Matemática, que se encontram os meios essenciais para delinear seu perfil. Os papéis estariam ligados diretamente às competências desse professor. Destaca ainda a necessidade e a urgência de inovação na estrutura curricular, ou seja, uma reorganização dos cursos de Licenciatura em Matemática a fim de apresentar um novo desenho de formação.

Segundo o documento da SBEM (2002, 13), discussões dos diferentes aspectos que envolvem o desenho da formação inicial do professor de Matemática devem ser retomadas e, nessa linha, enfatiza que:

A identidade dos Cursos é construída com base em elementos constitutivos do processo de construção do conhecimento profissional como: vinculação da formação acadêmica com a prática profissional, ênfase no conhecimento didático-pedagógico da Matemática a ser ensinada e incentivo, durante a Licenciatura, a práticas investigativas que promovam a articulação entre teoria e prática. Tais elementos devem refletir-se na definição dos objetivos do curso, na eleição dos conteúdos da formação, na abordagem metodológica, na criação de diferentes tempos e espaços de vivência para os alunos, nas relações entre professores formadores e professores em formação, na dinâmica da sala de aula, no processo de avaliação.

Dessa forma, aponta para a qualidade do Projeto Pedagógico dos cursos de Licenciatura em Matemática, uma peça fundamental na constituição da identidade desses cursos. Acrescenta que, por meio do Projeto Pedagógico desses cursos, desenvolvido como um processo de negociações e co-responsabilidades entre professores formadores e professores em formação, seja possível a criação de um ambiente capaz de permitir a vivência e construção coletiva de propostas pedagógicas e organizações necessárias para a significação da prática docente.

Ao se referir às indicações para a organização curricular dos cursos de Licenciatura em Matemática, verifica-se que as horas destinadas ao trabalho de conteúdos curriculares de atividades científico-culturais em sala de aula e em outras formas devem compor-se dos três campos de formação: o da Matemática, o da Educação e o da Educação Matemática.

E, assim, destaca a importância da Matemática, da Educação, da Educação Matemática, da Prática de Ensino, do Estágio Supervisionado, da Docência e da Avaliação nos Cursos de Licenciatura de Matemática. Ainda tece argumentos de ordem para um novo desenho curricular dos cursos de formação de professores de Matemática.

Afirma também que em Cursos de Licenciatura em Matemática o tratamento dado aos Conteúdos Matemáticos trabalhados na Educação Básica, ocorre geralmente por meio da clássica revisão desses temas, com a finalidade de construir pré-requisitos para o ensino das disciplinas matemáticas do curso. Segundo o documento, o trabalho com conteúdos da educação básica deve alcançar seus aspectos epistemológicos e históricos, além de ser tratado de forma articulada com os demais conteúdos matemáticos e educacionais integrantes da formação.

O documento SBEM (2002, p.16) demonstra especial atenção ao tratamento dado aos conteúdos específicos, especialmente pelo fato de ser a priorização de aspectos algorítmicos alvo de críticas, por permitir distorções na formação de futuros professores de Matemática; e avalia como fundamental, que o professor em formação seja capaz de:

[...] explorar situações-problema, procurar regularidades, fazer conjecturas, fazer generalizações, pensar de maneira lógica, comunicar-se matematicamente por meio de diferentes linguagens, conceber que a validade de uma afirmação está relacionada com a consistência da argumentação, compreender noções de conjectura, teorema, demonstração, examinar conseqüências do uso de diferentes definições, analisar erros cometidos e ensaiar estratégias alternativas, ter confiança pessoal em desenvolver atividades Matemáticas e apreciar a estrutura abstrata que está presente na Matemática e sua função social.

Nesse sentido, o documento da SBEM (2002, p. 20) distingue que a Educação Matemática, ao mesmo tempo em que expõe a consciência sobre a complexidade da Matemática escolar, possibilita a pesquisa de diferentes aspectos para ações educativas mais eficazes.

Ao continuar percorrendo a estrutura curricular dos Cursos de Licenciatura em Matemática, o documento da SBEM (2002) avalia que as atividades de Prática de Ensino e de Estágio Supervisionado desempenham papel fundamental nos cursos de licenciatura, e devem, portanto, acompanhar todo o processo de formação, e não apenas ocupar espaços isolados. Dessa forma, todas as disciplinas devem ter a sua dimensão prática e a transversalidade das atividades práticas deve pressupor a existência de aprofundamento teórico.

O documento também apresenta a necessidade de o Estágio Supervisionado, instância privilegiada de articulação entre teoria e prática, ser organizado e planejado em coerência com os objetivos que pretende atingir. Postura que significa ter a clara finalidade de promover a imersão do futuro professor no contexto profissional. E destaca que essa imersão pode ocorrer:

[...] por meio de atividades que focalizem os principais aspectos da gestão escolar, como a elaboração da proposta pedagógica, do regimento escolar, a gestão dos recursos, a escolha dos materiais didáticos, o processo de avaliação e a organização dos ambientes de ensino, em especial no que se refere às classes de Matemática. (SBEM, 2002, p.23)

Apresenta, ainda, a reflexão sobre a prática como um dos objetivos do Estágio Supervisionado, podendo ocorrer por meio de observação em salas de aula de Matemática do Ensino Fundamental, Médio e em salas de Educação de Jovens e Adultos. Nessa etapa, segundo o documento, podem ser incluídas a apropriação da análise dos princípios e critérios para seleção e organização dos conteúdos matemáticos adotados pelos professores, as formas usadas pelos professores para levantar e utilizar os conhecimentos prévios dos alunos, como estão contempladas as diferentes dimensões do conteúdo. Nesse sentido, assinala ainda, para a diversidade da realidade escolar e julga importante que os estagiários analisem o uso de estratégias para atender às diferenças individuais de aprendizagem.

A docência nos cursos de Licenciatura em Matemática também é foco de análise no documento da SBEM (2002, p. 25), que destaca a presença de diversas pesquisas apontando que o professor reproduz a prática de seus professores. São imbuídos de "sistemas de crenças, concepções e representações sobre ensino de Matemática", reforçados, principalmente na Licenciatura, por uma prática cristalizada e defendida por muitos professores, segundo os quais não se devem ensinar conteúdos diferentes dos tratados no Bacharelado, mas sim torná-los menos densos, sem aprofundamento.

O documento defende que os diversos conteúdos tratados nos cursos de Licenciatura em Matemática devam instrumentalizar para o ensino. Dessa forma, prevê a necessidade de se repensar para os cursos de Licenciatura o perfil do formador de professores.

É importante que haja coerência entre o perfil do professor, o perfil do curso e o do profissional que se quer formar. Os professores formadores deverão ser parte integrante do projeto pedagógico do curso. Defende-se que um dos aspectos fundamentais na implementação de um projeto pedagógico é o engajamento de todos os envolvidos no seu processo de construção: professores, estudantes e funcionários das instituições. Esse engajamento é reflexo de duas atitudes fundamentais: competência e compromisso. (SBEM, 2002, p.26)

E ousa mencionar que os professores formadores de professores de Matemática precisam ter um perfil condizente às novas exigências da legislação em vigor e do novo projeto de formação de professores desejado pela sociedade atual. Os professores precisam conhecer os documentos oficiais que discutem e norteiam a Educação Matemática no ensino básico; estar abertos para discussões como avaliação, metodologia, práticas pedagógicas; ter o compromisso de romper com a compartimentalização das disciplinas e buscar as formas de conexões entre ela; conhecer os problemas relativos à formação de professores, vivenciado como professor ou pesquisador; e manter o diálogo com os alunos priorizando as perguntas ao invés das respostas.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O objetivo deste estudo priorizou apontar aspectos constituintes da Identidade de Cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil. Nesse sentido, buscou-se encontrar aspectos que se solidificaram e permanecem como fortes elementos na constituição da identidade de Cursos de Licenciatura em Matemática, apesar do impacto das atuais reformas e mudanças ocorridas no mundo contemporâneo.

A modernidade líquida de Bauman (2001) ficou estabelecida como o cenário para reconhecimento dos aspectos investigados. Durante todo o percurso da pesquisa procurou voltar-se aos objetos deste estudo, sempre considerando as solidificações e fluidez apresentadas por Bauman (2001).

A consciência de que o pertencimento e a identidade não possuem a solidez de uma rocha é apresentada por Bauman (2005, 17), e assim parece começar a se definir aspectos que podem apontar para elementos de constituição da identidade dos cursos de Licenciatura em Matemática.

As decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores crucias para o "pertencimento" quanto para a "identidade".

A partir das discussões e negociações verificadas, ou seja, a partir dos movimentos de tensões encontrados ao longo do trabalho, mesmo os não apontados neste trabalho, foi possível perceber o caráter da fluidez como um fator constituinte da identidade dos cursos de Licenciatura em Matemática.

E ao apontar para a fragilidade e condição eternamente provisória da identidade, esse autor mais corroborou para a validade das inferências. Pois, a condição inconclusa da identidade, segundo Bauman (2005, p. 23), tende a ser suprimida e laboriosamente oculta, porém foi revelada e atualmente está em evidência, mas:

[...] você só tende a perceber as coisas e colocá-las no foco de seu olhar perscrutador e de sua contemplação quando elas se desvanecem, fracassam, começam a se comportar estranhamente ou o decepcionam de alguma forma.

E, dessa forma, o caminho percorrido nesta pesquisa permitiu alguns olhares perscrutadores. Inicialmente ao percorrer a movimentação histórica do ensino da Matemática no Brasil. Desde os primórdios da educação brasileira até os dias atuais, o objetivo de desenvolver uma formação humanística se contrapõe a ocorrência de medidas que deixam resquícios de formas utilitaristas, imediatistas e normativas de se conceber o ensino da Matemática, nesse sentido essas formas configuram-se como sólidos.

Seguem-se a isso, os constantes movimentos de tensão, ou seja, tentativas de derretimento de sólidos, observados em reformas ocorridas por motivos essencialmente políticos, culturais e econômicos, com a intenção de dar nova forma ao ensino. As reformas praticadas refletem a força desses movimentos, influenciados por uma modernidade distinta. Os movimentos de tensão, ou seja, movimentos de discussões e de reformas surgem em momentos de reorganização do ensino no Brasil, nesse aspecto, são propostas de mudanças.

Nesse sentido, cabe mencionar as tensões e discussões que envolveram os cursos de licenciatura no Brasil, sobretudo a partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). As propostas de modelos de formação docente implantadas; as demandas para a formação profissional resultantes das mudanças na educação básica brasileira; o lócus da preparação de professores e o processo de construção das Diretrizes Curriculares para as Licenciaturas configuram algumas tentativas de derretimento de sólidos, embora não tenham sido completamente dissolvidos, alguns continuam em processo de derretimento, enquanto outros foram totalmente remodelados. A tentativa de dissolver sólidos como a dicotomia entre teoria e prática; a questão dos conteúdos específicos e pedagógicos; a maior valorização do Bacharelado em relação à Licenciatura; os problemas relativos ao estágio supervisionado e aspectos relacionados à atuação do professor formador, ao longo dos documentos foram constantemente identificadas.

Porém, muitos problemas encontrados, anteriores aos vários momentos de reformas e discussões, continuam essencialmente os mesmos. Mas, buscar solucionar problemas a partir do derretimento de um sólido e remodelá-lo pode não significar o encontro da solução desejada, ou não significar que o problema seja resolvido com sucesso.

Nesse sentido, o trabalho realizado apontou elementos conflitantes evidenciados nas tensões localizadas em períodos distintos e também momentos de verdadeira intenção de se inovar o ensino da Matemática no país, mas permitiu também perceber que ainda há muito a avançar.

Outro aspecto que parece ocupar a forma de um sólido diz respeito ao tecnicismo. A presença da concepção tecnicista foi apontada nesta investigação.  O modelo da racionalidade técnica parece ter, por muito tempo, norteado os cursos de Licenciatura em Matemática no Brasil e, embora venha sendo refutado nas últimas décadas, e em seu lugar novo modelo tenha sido proposto, ainda ocupa espaço significativo em cursos de Licenciatura no país, segundo Gatti e Nunes (2008). Pode-se inferir que o modelo da racionalidade técnica esteja a pelo menos duas décadas em processo de remodelação. É seguramente um sólido de difícil dissolução. Na concepção dada por Bauman, (2001), esses são sólidos herdados da tradição que insistem em manter suas formas e que de certa forma buscam suprimir o tempo.

Em relação aos cursos de Licenciatura em Matemática, uma série de orientações e ou normatizações legais tentam imprimir um novo desenho para esses cursos. No entanto, somente se constitui uma nova identidade se o indivíduo se submete a ela. Indivíduos agem de acordo com suas concepções e crenças e por meio de suas escolhas quebram formas e constituem outras, só assim são agentes de remodelação na modernidade fluida.

Notas al pie

1Apoio Capes/INEP - Observatório da Educação.

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