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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.8 no.2 Tandil Dec. 2013

 

ARTICULOS ORIGINALES

Modelos didáticos presentes na formação de futuros professores de química e física da região norte do estado do Rio de Janeiro, Brasil: encontros e desencontros entre concepções e formação.

 

Cassiana Barreto Hygino1, Valéria de Souza Marcelino1,2, Marília Paixão Linhares

cacahygino@yahoo.com.br, vmarcelino@iff.edu.br, paixaoli@uenf.br

1 UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil

2 IF - Instituto Federal Fluminense, Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil.

 


Resumo

Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com futuros professores de física e química da região norte do estado do Rio de Janeiro, Brasil, com o objetivo de identificar os modelos didáticos presentes em sua formação e em suas concepções sobre o processo de ensino e aprendizagem. A fim de traçar o perfil dos futuros professores que estarão lecionando em escolas da região a partir do ano de 2012 e de evidenciar o papel do processo de formação em sua prática docente. Para tal, foi solicitado a licenciandos do último período das licenciaturas de física e de química de Instituições de Ensino Superior Presencial que oferecem as duas licenciaturas, que respondessem a um questionário contendo questões abertas baseado nas concepções de modelos didáticos (Porlán e Rivero, 1998 e García Pérez, 2000). Foram analisados 19 questionários seguindo a metodologia de Análise Textual Discursiva (Moraes e Galiazzi, 2007). As análises mostraram que existe, em geral, um desencontro entre as concepções dos licenciandos sobre os objetivos, metodologias e avaliações e o que se tem sido praticado nas licenciaturas.

Palavras chave: Formação docente; Modelos didáticos; Ensino de física e de química.

Los modelos didácticos en la formación de los futuros profesores de química y física en la región norte del estado de Río de Janeiro: similitudes y diferencias entre los conceptos y la formación

Resumen

Este trabajo presenta los resultados de una encuesta de los futuros profesores de la física y la química de la región norte del estado de Río de Janeiro, Brasil, con el objetivo de identificar los modelos didácticos presentes en su formación y en sus concepciones sobre la enseñanza y aprendizaje. Con el fin de trazar el perfil de los futuros profesores que enseñarán en las escuelas de la región desde el año 2012 y poner de relieve el papel del proceso de formación en su práctica docente. Para ello, les pedimos a los estudiantes del último período del profesorado de  física y  química de instituciones de educación superior que ofrecen ambas carreras,  que respondieran un cuestionario con preguntas abiertas sobre la base de los conceptos de los modelos didácticos (Porlán y Rivero, 1998 y García Pérez, 2000). Fueron analizados 19 cuestionarios según la metodología del análisis del discurso textual (Moraes y Galiazi, 2007). El análisis mostró que en general hay una falta de coincidencia entre las concepciones de los estudiantes sobre los objetivos, metodologías y evaluaciones, y lo que se ha practicado durante su formación.

Palabras clave: Fformación del profesorado; Los modelos educativos; La enseñanza de la física y la química.

Didactic models in the training of future teachers of chemistry and physics in the northern region of the state of Rio de Janeiro: similarities and differences between concepts and training

Abstract

This paper presents the results of a survey performed with future teachers of physics and chemistry of the northern region of the state of Rio de Janeiro, Brazil, with the objective of identifying the didactic models present in their training and in their conceptions about teaching and learning. In order to plot the profile of the future teachers who will be teaching in local schools from the year 2012 and to highlight the role of the training process in their teaching practice. To this end, undergraduates from the last period of Physics and Chemistry of Institutions of Higher Education in the Classroom, which offer both degrees, were asked to answer a questionnaire containing open-ended questions based on the concepts of didactic models (Porlán and Rivero, 1998 and García Pérez, 2000). 19 questionnaires were analyzed following the methodology of Discourse Textual Analysis (Moraes and Galiazzi, 2007). The analysis showed that there is generally a mismatch between the conceptions of undergraduates on goals, methodologies and assessments and that which has been practiced in their training.

Keywords: Teacher training; Instructional models; Teaching physics and chemistry.

Modèles didactiques dans la formation des futurs enseignants de la chimie et de la physique dans la région nord de l'État de Rio de Janeiro: les similitudes et les différences entre les concepts et la formation

Résumé

Cet article présente les résultats d'une enquête sur les futurs professeurs de physique et chimie de la région nord de l'État de Rio de Janeiro, au Brésil, avec l'objectif d'identifier les modèles didactiques présentent dans leur formation et dans leurs conceptions sur l'enseignement et d'apprentissage. Afin de tracer les futurs enseignants qui enseigneront dans les écoles de la région de l'an 2012 et de souligner le rôle du processus de formation dans leur pratique pédagogique. À cette fin, nous avons demandé aux étudiants de dernière période de la physique et de la chimie de premier cycle des établissements d'enseignement supérieur offre deux degrés de classe, de répondre à un questionnaire contenant des questions ouvertes sur la base des concepts de modèles didactiques (Porlán et Rivero, 1998 et García Pérez, 2000). 19 questionnaires ont été analysés selon la méthode du discours Analyse textuelle (Moraes et Galiazzi, 2007). L'analyse a montré qu'il existe généralement un décalage entre les conceptions de premier cycle sur les buts, les méthodes et les évaluations et qui a été pratiqué en degrés.

Mots clés: La formation des enseignants; Des modèles pédagogiques; L'enseignement de la physique et de la chimie.


1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tem se percebido que o ensino de ciências precisa passar por mudanças significativas, a fim de proporcionar aos alunos uma compreensão crítica das implicações científicas e tecnológicas em sua sociedade. A formação de professores tem uma importância chave neste processo de mudanças, sendo considerada um dos maiores desafios da educação atual e objeto de permanente reflexão e melhoria (Carvalho, 2010).

 Segundo Borges (2006), a prática docente cotidiana dos professores de física enfatiza "a memorização de fatos e fórmulas, assim como a sua aplicação na resolução de exercícios de fim-de-capítulo, em detrimento do desenvolvimento do pensar científico" (Borges, 2006, p.136). Ainda segundo este autor, esta prática tão amplamente encontrada nas escolas não ocorre por acaso, mas se deve ao fato dos professores reproduzirem os métodos de ensino de física que vivenciam em sua formação, ou seja, reproduzem o que seus mestres lhe ensinaram e, também, a falta de empenho dos próprios professores em desenvolver práticas diferenciadas e inovações em suas aulas.

No ensino de química a situação não difere, Maldaner (2003) diz que:

"os professores saem dos seus cursos de licenciatura sem terem problematizado o conhecimento específico em que vão atuar e nem o ensino desse conhecimento na escola, recorrem, usualmente, aos programas, apostilas, anotações e livros didáticos que os seus professores proporcionaram quando cursaram o Ensino Médio. É isto que mantém o círculo vicioso de um péssimo ensino de Química em nossas escolas" (Maldaner, 2003, p. 74).

A formação inicial de professores desempenha importante papel neste processo de mudanças e por esse motivo tem sido alvo de inúmeras discussões políticas e educacionais brasileiras e de investigações científicas.  No entanto, apesar da formação inicial de professores representar uma importância central nesta discussão, ainda apresenta inúmeras limitações, não proporcionando aos futuros professores contribuições a sua formação profissional (Abib, 2002).

Na tentativa de compreender como a formação inicial de professores pode influenciar as práticas de futuros de professores de física e química, apresentamos no presente trabalho, os resultados de uma pesquisa realizada com alunos dos cursos de licenciaturas em física e química, a fim de identificarmos os modelos didáticos presentes em sua formação inicial e em suas concepções acerca de sua futura prática docente. Partimos da ideia de que o estudo dos modelos didáticos pode representar um instrumento útil para refletirmos sobre o processo de ensino aprendizagem, nos permitindo relacionar os aspectos teóricos e práticos do mesmo (Novais e Marcondes, 2010) e da certeza da importância de identificarmos como estão sendo formados nossos futuros professores de física e química.

Escolhemos futuros professores de física e de química que terminaram sua graduação no fim do ano de 2011 e que estariam atuando em salas de aula a partir deste ano de 2012 do norte do estado do Rio de Janeiro, Brasil, a fim de perceber possíveis encontros e desencontros entre as concepções dos futuros professores e de sua formação.

2. MODELOS DIDÁTICOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Os modelos didáticos em uma dimensão educativa podem ser entendidos como as crenças de professores sobre o ensino e a aprendizagem, as quais se manifestam por meio do discurso, das ações e do comportamento do professor (Santos, 2009).

Mapear e analisar estes modelos didáticos manifestados por professores em formação inicial e continuada pode contribuir com reflexões sobre o seu processo de formação. Nesta pesquisa nos apoiamos teoricamente nos trabalhos de Garcia e Pórlan (2000) e García Pérez (2000), para os quais os modelos didáticos correspondem à atuação dos professores frente ao processo de ensino aprendizagem e se representa por meio de quatro modelos didáticos: o tradicional, o tecnológico e espontaneísta; caracterizados como modelos de transição e o modelo investigativo.

O modelo tradicional focaliza o conteúdo, e se caracteriza pela ênfase na transmissão destes do professor para o aluno. Neste modelo, o contexto social e os interesses dos estudantes são desconsiderados. A metodologia para a condução das atividades se deve estritamente a uma postura ativa do professor que retém os conhecimentos e deve transmiti-los, e de uma postura passiva dos estudantes, que devem absorver todo o conteúdo estudado. As atividades priorizam a memorização de informações, nomes, fórmulas. Os conhecimentos são fragmentados e não apresentam qualquer relação com a realidade dos alunos. A avaliação valoriza a memorização dos conceitos transmitidos e ocorre através de exames e provas pontuais.

O modelo tecnológico procura inovar o modelo tradicional, incorporando ao currículo da escola atividades práticas, materiais didáticos atualizados e um rigoroso detalhamento dos planejamentos de ensino. A metodologia procura obter maior eficiência do processo de ensino. A avaliação tem como objetivo quantificar a aprendizagem e verificar a eficiência desta sistemática de ensino. Neste modelo o aluno também tem uma participação passiva, devendo participar das atividades programadas.

No modelo espontâneo, a ênfase está nas ideias e interesses dos alunos. A realidade dos alunos é levada em consideração em todas as atividades. Neste modelo, as atividades são flexíveis e valorizam o desenvolvimento de atitudes e autonomia dos estudantes. Os conteúdos trabalhados consideram os interesses dos alunos e a avaliação focaliza o desenvolvimento dos estudantes. O professor tem o papel de líder social e afetivo, seu trabalho ocorre essencialmente no campo da prática, levando em consideração sua experiência.

Já o modelo investigativo propõe um ensino no qual tanto alunos quanto professores exercem um papel ativo. Enfatiza-se as situações problemas que exigem dos alunos posturas investigativas, nas quais, devem elaborar hipóteses e propor soluções. As atividades são contextualizadas, com temas socialmente relevantes e com incentivo da atuação dos alunos. A avaliação tem como objetivo identificar as dificuldades dos alunos e promover reflexões sobre a evolução dos estudantes.

3. METODOLOGIA

Esta pesquisa foi realizada com licenciandos que cursaram o último ano do curso de licenciatura em física ou em química no ano de 2011. O último ano foi escolhido devido os licenciandos, neste estágio, já terem cursado a maior parte das disciplinas presentes na matriz curricular da graduação e ter cumprido grande parte do estágio supervisionado e que em sua maioria estará atuando no ano de 2012 em escolas públicas e privadas da região. Portanto, a pesquisa foi realizada com 19 licenciandos de duas instituições de nível superior. As instituições foram escolhidas por serem as duas únicas do norte do estado do Rio de Janeiro que oferecem as licenciaturas em química e em física presencial na mesma instituição e se localizam em Campos dos Goytacazes. A região norte do estado compreende nove municípios: Campos dos Goytacazes, Macaé, Cardoso Moreira, São Fidélis, São Francisco de Itabapoana, São João da Barra, Carapebus, Conceição de Macabu e Quissamã.

A Tabela 1 apresenta o perfil de cada licenciando pesquisado.


Tabela 1: Perfil dos licenciandos participantes da pesquisa.

Da análise da Tabela 1, percebemos que os 19 licenciandos participantes da pesquisa apresentam idades entre 20 e 25 anos, sendo que apenas um tem a idade de 45 anos. Também pode-se notar que quatorze deles cursam a licenciatura em química e apenas cinco a licenciatura em física. Esta discrepância entre o número de licenciandos em química e física tem sido comum nas duas Instituições de Ensino Superior, já que a cada ano o número de professores de física formados tem sido menor, ocasionando a carência de professores dessa disciplina em nossas escolas. Além destes dados podemos notar que a maior parte dos licenciandos pesquisados residem no município de Campos dos Goytacazes, mesmo não sendo este seu município de origem, fato já esperado, pois este município é o local no qual se encontram instaladas as duas Instituições que oferecem as licenciaturas. Os demais licenciandos se distribuem por outros três municípios da região norte do estado do Rio de Janeiro, Cardoso Moreira, São João da Barra e São Francisco do Itabapoana. Apenas um dos licenciandos reside em um município fora dessa região, em Bom Jesus do Itabapona, mas localizado próximo.

A fim de identificar as concepções dos licenciandos sobre questões relevantes da profissão docente, construímos um questionário, conforme apresentado na Tabela 2, que continham questões abertas referentes aos objetivos de ensinar química e física, as metodologias, as estratégias de avaliação e consideração das ideias dos alunos nas aulas. Os licenciandos deveriam relacionar estes quatro itens às etapas de sua formação profissional, ou seja, no período da graduação e das aulas assistidas no estágio. Além disso, no questionário os alunos deveriam também, seguindo estes itens, responder como eles consideravam que deveriam ser suas aulas. A última questão do questionário pede que os licenciandos elaborem uma sequência didática de algum conteúdo de sua área de formação, ou seja, de química ou física, destinada à primeira, segunda ou terceira série do ensino médio. Na presente comunicação analisaremos as questões de 1 a 4, enquanto a questão 5 será alvo de comunicação futura.


Tabela 2: questionário aplicado aos licenciando.

Essa pesquisa de caráter qualitativo se valerá de uma análise textual, a Análise Textual Discursiva - ATD, (Moraes e Galiazzi, 2007), a fim de analisarmos os dados coletados através dos questionários.

Como afirmam Moraes e Galiazzi (2007) a pesquisa qualitativa, visa a aprofundar a compreensão dos fenômenos que investiga a partir de uma análise rigorosa e criteriosa, esta pode partir de textos existentes ou de textos produzidos especificamente para a pesquisa em questão, esses textos são chamados corpus. O corpus deste trabalho são as respostas dos licenciandos ao questionário.

Ainda segundo os mesmos autores, esse tipo de pesquisa não tem a pretensão de testar hipóteses, mas tem como objetivo a compreensão. A ATD propõe-se a "descrever e interpretar alguns dos sentidos que a leitura de um conjunto de textos pode suscitar" (Moraes e Galiazzi, 2007, p 14). Tendo em vista que "toda leitura já é uma interpretação; não existe uma leitura única e objetiva. Diferentes sentidos podem ser lidos em um mesmo texto" (Moraes, 2003, p.192), e todo olhar já acontece impregnado de teoria. Dessa forma, temos a possibilidade de uma outra análise, com diferentes visões e categorias, a partir de referenciais e posturas teóricas distintas.

A ATD se estrutura a partir de três etapas, que compõem um processo cíclico:

a) Desmontagem dos textos ou unitarização: segundo Moraes e Galiazzi (2007) esta primeira etapa "implica examinar os textos em seus detalhes, fragmentando-os no sentido de atingir unidades constituintes, enunciados referentes aos fenômenos estudados" (Moraes e Galiazzi, 207, p 11), tendo o cuidado de se manter o contexto de onde o fragmento foi retirado. Nesta etapa deve-se dar atenção aos detalhes e nas partes dos componentes dos textos, uma fase de decomposição necessária a toda análise. É o próprio pesquisador quem decide em que medida fragmentará seus textos. Dessa desconstrução dos textos surgem as unidades de análise, também chamadas de unidades de significado ou sentido. (Moraes e Galiazzi, 2007, p. 18). Essas unidades podem ser empíricas, coletadas para a pesquisa, e teóricas, provenientes dos autores utilizados para embasar o tema pesquisado.
Cada unidade de análise deve receber título, que represente a ideia principal da unidade e código, a fim de identificar seu texto de origem, bem como sua localização dentro desse texto. 

b) Estabelecimento de relações ou categorização: consiste na construção de relações entre as unidades de análise, tanto as empíricas, quanto as teóricas. Fazemos isso num processo recursivo de leitura e comparação entre as mesmas, resultando em conjuntos que apresentam elementos semelhantes, daí surgem às categorias. Segundo Moraes e Galiazzi (2007), o processo de categorização na ATD é longo e exige do pesquisador uma impregnação aprofundada nas informações e, ao mesmo tempo, a eliminação do excesso de informações, apresentando o fenômeno de modo sintético e ordenado.

Podemos afirmar que a categorização é um processo de criação, ordenamento, organização e síntese. Constitui, ao mesmo tempo, processo de construção de compreensão de fenômenos investigados, aliada à comunicação dessa compreensão por meio de uma estrutura de categorias. (Moraes e Galiazzi, 2007, p. 78).

Importante ressaltar que diante das múltiplas leituras de um texto, uma mesma unidade pode ser lida de diferentes perspectivas, resultando em diferentes sentidos, sendo aceito dessa forma que uma mesma unidade possa ser aceita em mais de uma categoria. Os autores afirmam que "isso representa um movimento positivo no sentido da superação da fragmentação" (Moraes e Galiazzi, 2007, p. 27).

Outra característica referente à categorização reside no fato da ATD aceitar tanto o estabelecimento de categorias a priori quanto de categorias emergentes ou ainda, categorias mistas (a priori e emergentes). Neste trabalho as categorias foram emergentes.

c) Comunicação ou produção de metatextos: nessa etapa, percebe-se uma nova compreensão do todo, possibilitada pelo intenso envolvimento nas etapas anteriores. O objetivo agora será elaborar um texto descritivo e interpretativo, o qual denomina-se metatexto, a partir das categorias. Segundo Moraes e Galliazzi (2007) saber empregar as categorias construídas na análise para organizar a produção escrita é uma forma de atingir descrições e interpretações válidas dos fenômenos investigados. Afirmam ainda que "a qualidade dos textos resultantes das análises não depende apenas de sua validade e confiabilidade, mas é, também, consequência do fato de o pesquisador assumir-se autor de seus argumentos" (Moraes e Galiazzi, 2007, p.32).

Desse modo, a ATD pode ser compreendida "como um processo auto-organizado de construção de novos significados em relação a determinado objetos de estudo, a partir de materiais textuais referentes a esses fenômenos." (Moraes e Galiazzi, 2007, p.45).

A partir da análise textual discursiva do nosso corpus emergiram duas categorias, as quais serão apresentadas a seguir na forma de metatextos, são elas: o ensino de ciências que tem sido praticado e o ensino de ciências que se pretende praticar.

4. RESULTADOS

O objetivo da educação científica apontado por Pozo e Crespo (2009)

é conseguir que os alunos construam, nas salas de aula, atitudes, procedimentos e conceitos que não conseguiriam elaborar sozinho em contextos cotidianos e que, sempre que esses conhecimentos sejam funcionais, saibam transferi-los para novos contextos e situações (Pozo e Crespo, 2009, p.245) .

O currículo de ciências deve proporcionar, de forma pedagógica, essa capacidade de interação com conhecimentos e discursos que normalmente os alunos não teriam acesso, conhecimentos e discursos científicos, por isso, distantes de sua realidade. Esse currículo tem se apresentado como um "diálogo de surdos" (Pozo e Crespo, 2009, p.246), onde cada um tem seu entendimento e, acabam por não atingir suas metas, o que é caracterizado por uma crise nesse ensino.

Ao analisarmos o que pensam os licenciandos em física e química sobre o ensino que presenciam em sua formação inicial, em seu estágio e o ensino teórico que pensam em promover, constatamos a existência desse "diálogo de surdos", pois como afirmam em suas respostas, coletadas no questionário, pretendem dar aulas contextualizadas e que "não faz sentido você enquanto professor chegar em sala de aula e desenvolver com o aluno fórmulas complexas e equações mirabolantes que em nada associará à vida dele" (aluno 03), mas dizem que em suas aulas na graduação em licenciatura em química "se observa o isolamento dessa disciplina das outras, muitas vezes os conceitos não estão contextualizados e não há articulação com outras disciplinas" (aluno 07) e no estágio a situação parece ser ainda pior, comprometendo dessa forma a qualidade do ensino de ciências.

Nossa análise textual das respostas dos alunos será desencadeada nesse sentido, confrontando o pensamento dos licenciandos sobre eles próprios e suas concepções do desejável para o ensino de ciências e o ensino real praticado em nossas escolas de ensino básico e nas licenciaturas de química e física.

Portanto, a análise será comunicada através de metatextos produzidos a partir de duas categorias emergentes: o ensino de ciências que tem sido praticado e o ensino que se pretende praticar. A fim de preservar as identidades dos licenciandos os chamaremos por aluno 01 até aluno 19, já que são 19 licenciandos participantes da pesquisa.

4.1 O ensino de ciências que tem sido praticado

O ensino de ciências que tem sido praticado, aqui apresentado através das ideias dos licenciandos participantes de nossa pesquisa, é caracterizado pela valorização dos conteúdos, da pouca associação com o cotidiano, pois muito do que é aprendido na teoria não é aplicado na prática, como afirma o aluno 02 "os conteúdos de Química e Física geralmente são tratados de forma abstrata, os exercícios são mecânicos, não há contextualização e interdisciplinaridade". Outro aluno ao se referir à sua graduação diz "as aulas das disciplinas específicas são ministradas na lousa ou em forma de apresentação de slides. Muitas vezes são similares a seminários, apenas as disciplinas pedagógicas se diferenciam" (aluno 04), retratando dessa forma um ensino semelhante ao descrito como tradicional por García Pérez (2000):

"os conteúdos se concebem, pois, desde uma perspectiva mais enciclopédica e com um caráter acumulativo e tendência à fragmentação (o saber correspondente, etc.), sendo a referência única a disciplina, quer dizer, o conhecimento escolar seria uma espécie de seleção informativa do produto da pesquisa científica, encontrado nos manuais universitários (cujo conteúdo chega posteriormente as etapas de ensino na universidade)" (Gárcia Pérez, 2000, p. 6).

A característica principal do ensino tradicional, na concepção desses autores, é a obsessão com o conteúdo do ensino, entendido como informação dos conceitos e teorias. Os licenciandos confirmam essa ideia com suas respostas ao afirmarem que durante seu estágio (em instituições que ministram o Ensino Médio) o que foi observado é que os professores em sua maioria estavam mais preocupados em cumprir o conteúdo programático e por julgarem haver pouco tempo para dar conta desse conteúdo "passavam" o básico (aluno 04). Outros relatam que eram visados os "conteúdos necessários para uma consequente aprovação no vestibular e para o cumprimento das grades organizadas pelas instituições" (aluno 15) e o aluno 02 diz que "a instituição de ensino na qual estagiei seguia um sistema de ensino, os professores seguiam o livro texto e o caderno de exercícios, não tinham autonomia para preparar suas aulas. As atividades tinham como principal objetivo preparar o aluno para o vestibular". Essas ações caracterizam um ensino no qual o "professor não decide sobre o quê ensinar, mas reproduz passivamente as propostas dos livros didáticos, deixando-se levar, por temor, pela cultura profissional tradicional existente nas escolas" (Gárcia Pérez, 2000, p. 6).

É necessário termos em mente a importância dos conteúdos específicos, mas sempre acompanhados dos conhecimentos pedagógicos, a fim de que possam promover mudanças em seu ensino. Cabe ao professor, em uma relação pedagógica, "controlar os significados em elaboração para os conceitos, diagnosticar em que nível se encontram e propor o nível desejável pedagogicamente para determinadas situações em estudo" (Maldaner, 2003, p.62). Essa visão está distante da nossa realidade, como vemos na afirmação do aluno 11, que acredita ser o objetivo do ensino de química em sua graduação o de "expor claramente os conteúdos para que nós possamos adquirir conhecimento suficiente para ministrar nossas próprias aulas".

   A interdisciplinaridade e a contextualização também foram contempladas nas respostas de nossa pesquisa. Articular o conhecimento científico e tecnológico numa perspectiva interdisciplinar e promover uma contextualização sócio cultural dos mesmos deve ser competência do ensino da área de Ciências Naturais, conforme sugerem os Parâmetros Curriculares nacionais para o Ensino Médio - PCNEM (Brasil, 1999), apesar de tantos anos já publicado, esse documento não vem sendo acatado para nosso ensino de Ciências, pois o que temos percebido, ainda nos dias de hoje, são aulas fragmentadas, tratando apenas dos assuntos referentes a sua disciplina e isso tem origem na formação inicial, pois, o aluno 07 relata: 

observamos o isolamento dessa disciplina das outras, muitas vezes os conceitos não estão contextualizados e não há articulação com outras disciplinas".

Com esse caráter tradicional conferido ao ensino de ciências durante a formação inicial o que podemos esperar de nossos futuros professores? Maldaner (2003) afirma que:

"ao não ser problematizado o conhecimento químico quando da formação universitária, permanecem as crenças dos professores em uma ciência positiva, 'descoberta' linearmente por pessoas especiais - os cientistas. São essas crenças as responsáveis por um certo programa e que se repete com incrível regularidade. Elas não permitem ver, criticamente, o programa de ensino e, com isso, procura-se passar ou transmitir uma lógica de conteúdos que os alunos não encontram nexos e, portanto, não aprendem, achando a matéria de Química muito chata, como eles sempre dizem. Há uma tentativa de transferência de uma sequência de conteúdos, baseada na lógica de quem precisa aprender a Química. Assim o ensino não se torna a mediação da aprendizagem" (Maldaner, 2003, p. 62).

Quanto aos conteúdos considerados mais importantes para aulas de química e de física obtivemos por parte dos licenciandos diferentes listas contendo diversos conteúdos comumente ministrados nas séries correspondentes ao Ensino Médio, mesmo quando estes se referiam aos conteúdos que eles próprios consideravam mais relevantes. Dessa forma, percebemos o quanto estão impregnados com essa tendência conteudista. Apenas dois dos alunos questionados se manifestaram sobre as aulas na sua formação inicial serem conteudistas sim, mas que, também deveriam ensinar através de exemplos como eles poderiam trabalhar esses conteúdos em suas prática docente futura, quando já estiverem atuando como professores. O aluno 10 alega "que a parte especifica do curso e a parte pedagógica quase não interagem" e dessa maneira as estratégias e metodologias apresentadas nas disciplinas pedagógicas parecem não se aplicar aos conteúdos da química e da física.

Buscamos investigar, ainda, sobre o uso de estratégias nas aulas de física e química que fossem facilitadoras de seu ensino. Percebemos que essas aulas na licenciatura e no estágio seguem um modelo tradicional (Gárcia Pérez, 2000), expositivas e com o predomínio do uso apenas do quadro e giz, de memorização de fórmulas e resolução de exercícios. Os conhecimentos prévios dos alunos não são levados em conta, o aluno 02 diz que "infelizmente não temos professores que utilizam esta estratégia em suas aulas. Muitos afirmam que não receberam uma formação deste tipo em sua graduação, não foram preparados para trabalhar desta forma".

Foram relatadas algumas exceções, o aluno 06 afirma: "presenciei apenas algumas estratégias de ensino que foram aplicadas no momento e na forma correta, entre elas destacam-se uma aula dialogada na qual todos os alunos puderam participar" e continua relatando, "mas, uma aula em especial me chamou a atenção, a professora começou a explicar História, foi próximo a um feriado nacional, era uma data importante para o país. Mesmo sendo aula de Química a professora leu um texto com os alunos e discutiu sobre a História, pedindo a participação dos alunos". Esse tipo de estratégia, baseada no uso de textos e leitura, deve ter sua utilização incentivada por sua função facilitadora da aprendizagem, como afirmam Moraes e Galiazzi (2007):

"fala e escrita representam dois modos diferentes de produzir e manifestar conhecimentos, modos diversificados de pensar. Ambas têm uma função epistêmica importante, constituindo ferramentas essenciais na reconstrução de conhecimentos de quem fala ou escreve" (Moraes e Galiazzi, 2007, p. 195).

As estratégias que mais foram citadas pelos alunos como promotoras de um ensino de melhor qualidade foram a contextualização, com exemplos do cotidiano, como citaram os alunos 02 e 19, e através do uso de experimentos, principalmente com equipamentos de baixo custo, uso de jogos e de objetos virtuais de aprendizagem, uso de recursos áudio visuais, ilustrações e textos no livro didático e, por fim, a historia da ciência e seu envolvimento com a sociedade. Eles ressaltam que esses usos são raros, "foram apenas algumas aulas entre tantas outras ministradas de forma abstrata ou na forma de seminários". O aluno 01 diz que "esses exemplos nos mostram que é possível ensinar química de uma forma diferente, que realmente possa despertar o interesse do aluno".

Percebemos que os alunos valorizam diferentes estratégias de ensino e sentem a necessidade de que as aulas sejam menos tradicionais. Isso fica claro, pois, eles se lembram de qualquer iniciativa dos seus professores de saírem do quadro e giz. O aluno 03 declara que chamou sua atenção quando uma professora "usou gestos ao tratar do choque de moléculas em uma aula de Cinética" e concluem que a "falta de utilização de recursos didáticos gera a falta de motivação para os alunos" (aluno 19), e que "apresentar estratégias diferenciadas para o licenciando propiciará sua utilização em sua futura prática" (aluno 18).

 Por fim, ao investigarmos sobre como são as avaliações na graduação e nas aulas no estágio percebemos que estas seguem também o modelo tradicional, no qual os alunos são avaliados em relação à assimilação desses conteúdos de maneira individualizada (Gárcia Pérez, 2000). Durante a licenciatura os alunos foram avaliados através de "provas cobrando todo o conteúdo, apenas os professores ligados a pedagogia usam outras formas de avaliação"  (aluno 04). Eles afirmam que as correções são muito rigorosas e os professores não "consideram se o aluno teve um raciocínio correto durante a elaboração da questão se este não chegar a um resultado final correto" (aluno 05). A grande maioria contém questões mecânicas, possui inúmeros cálculos, com questões grandes e trabalhosas e com um tempo insuficiente para realizá-las.

Durante as aulas em seu estágio, eles observaram que os professores também avaliam, prioritariamente, através de provas, apenas certas vezes são realizados trabalhos com o objetivo de "ajudar na nota da prova" (aluno 09).

Em ambos os casos percebemos que a avaliação valoriza a memorização dos conceitos transmitidos e ocorre, predominantemente, através de exames e provas pontuais, sua função de contribuir no processo de ensino e aprendizagem não é contemplada e, ao invés de ter como objetivo identificar as dificuldades dos alunos e promover reflexões sobre sua evolução (García Pérez, 2000), ela assume um papel punitivo e eliminatório.

4.2 O ensino de ciências que eles pretendem praticar

As concepções dos licenciandos sobre como o ensino de física e química pode e deve ser trabalhado em sala de aula nos revela, de fato, os encontros e desencontros desse "diálogo de surdos" presentes na formação e nas concepções dos futuros professores.

No que se refere às concepções dos futuros professores a respeito dos objetivos de ensinar física e química, identificamos nas respostas da maioria dos licenciandos que a principal finalidade do ensino de física ou de química é fazer com que os estudantes possam compreender e explicar fenômenos que ocorrem em seu cotidiano. Esta concepção foi alvo das respostas de grande parte dos licenciandos, para os quais o ensino de física e de química: "ajudam a entender o nosso cotidiano" (aluno 12), e devem "intermediar a aprendizagem e conhecimento científico sabendo contextualizar o conhecimento e fazer o entendimento do que é ensinado diante da sociedade" (aluno 17), a fim de "mostrar e fazer com que entendam e observem o mundo a sua volta" (aluno 13), para que "possam formular explicações e atribua critica a situações do dia a dia" e a "compreensão e análise crítica dos fenômenos encontrados no dia-a-dia" (aluno 18). Esta percepção de apresentar a relação do ensino de física e química com o cotidiano próximo dos estudantes se mostra condizente com o modelo didático espontaneísta, que segundo García Pérez (2000, p.8) "o conteúdo verdadeiramente importante para ser aprendido pelos alunos deve ser a expressão de seus interesses, experiências e o entorno em que vive".

Também imbuídos nas características do modelo didático espontaneísta, as unidades retiradas das respostas de dois licenciandos enfatizam que o ensino de física e de química deve motivar o estudante ao "despertar a curiosidade sobre o mundo cientifico" (aluno 14) e "abordar os fenômenos que intrigam o estudante (aluno 19). Estas ideias também são características do modelo espontaneísta, já que segundo García Pérez (2000), os conteúdos de estudo devem promover o interesse e motivação dos estudantes.

No entanto, apesar de muitos licenciandos expressarem concepções mais próximas de modelos de transição, também se aproximam do modelo tradicional ao prezarem pelo objetivo de transferir conhecimento, como mostram algumas unidades: "dados teóricos e práticos referentes as leis físicas" e "passar o conhecimento" (aluno 19). Esta ideia presente em suas respostas é consequência de sua formação, como foi exposto anteriormente, no qual a prioridade do ensino é a transmissão de conteúdos. Estas concepções apresentam uma relação estreita com o ensino conteudista (García Pérez, 2000)

Também identificamos uma outra concepção na resposta de apenas um licenciando, para o qual o principal objetivo do ensino de física e de química deve ser de: "instigar o senso investigativo, curioso e critico", declarou o aluno 15. De acordo com García Pérez (2000, p.10), no modelo didático investigativo a finalidade do ensino é de "proporcionar o enriquecimento do conhecimento dos alunos" no sentido de possibilitar visões mais complexas e críticas da realidade, permitindo uma participação responsável nesta.

Em relação à escolha dos conteúdos, alguns licenciandos apresentaram concepções ligadas ao modelo tradicional, no qual os conteúdos são prescritos, refletindo o processo de formação em suas concepções, pois segundo Garcia e Pórlan (2000, p.27), "o professor não decide sobre o que ensinar, mas reproduz passivamente as propostas dos livros didáticos, deixando-se levar, por temor, pela cultura profissional tradicional existente nas escolas", assim como se observa na resposta de um dos licenciandos: "seguindo sempre o cronograma e a ementa da disciplina" (aluno 12). Outros licenciandos ainda descrevem tópicos de conteúdos que devem ser ensinados: "notação científica, leis de Newton, comportamento dos gases refração e reflexão da luz relatividade quântica som etc" (aluno 14) e "Química Geral, Físico-química, Química orgânica" (aluno 02).

Já outros licenciandos superando estas visões acreditam que a escolha dos conteúdos deve se relacionar ao cotidiano, ou seja, os conteúdos devem ser contextualizados com a realidade do estudante, conforme evidenciam as seguintes unidades: "entender que a química e física estão relacionadas com nosso cotidiano seja pelo movimento dos carros, seja pelas reações químicas" (aluno 08), "todos que são necessário para um básico entendimento dos fenômenos que as vezes nos deparamos no dia-a dia" (aluno 16) e como declara o aluno 03 "Em minha opinião esses conteúdos se tornam mais relevantes por estarem mais associados a vida do aluno" e continua " conteúdos que eles precisariam para viver melhor em sociedade e pela facilidade de contextualizar em sala de aula. Transformações da matéria, reações químicas". "E ainda afirma: Esses conteúdos podem ser contextualizados com a vida dos alunos, as reações que eles vêem ocorrer em casa, às transformações da matéria". Segundo García Pérez (2000), a relação com o cotidiano próximo dos estudantes é uma característica essencial do modelo espontaneísta.

Já outros estudantes argumentam que a escolha destes conteúdos deve ser acompanhada de abordagens diferenciadas, como por exemplo, a utilização da história da ciência. Eles sugerem "o estudo da evolução dos modelos atômicos, abordando a história da química, estudo das reações químicas, funções inorgânicas e orgânicas, com suas principais importâncias" (aluno 07). Ainda sugerem a utilização da abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) através de "temas envolvendo a discussão das relações CTS, como a radioatividade, educação ambiental" (aluno 11) e o uso de experimentos: "aulas práticas dos conteúdos de química geral e físico-química com materiais de baixo custo para que quando formados, nós possamos utilizá-los nas escolas" (aluno 03). O caráter flexível para trabalhar os conteúdos em sala de aula, conforme observamos na concepção dos licenciandos, é uma característica acentuada no modelo didático espontaneísta (García Pérez, 2000).

Ao responderem sobre a metodologia mais adequada para trabalhar estes conteúdos em sala de aula, os licenciandos acreditam que deve haver mudanças maiores, alguns dos licenciandos se referem a contextualização como uma forma mais eficaz para trabalhar conteúdos em sala de aula, como podemos perceber pelas declarações a seguir: "os conteúdos devem ser trabalhados de forma contextualizada" (aluno 03), "devemos fazer uso da contextualização aliada a interdisciplinaridade, se disponível aulas em laboratórios, para que o aluno por meio da prática concretize a construção do conhecimento" (aluno 02), "devemos associar o aprendizado com o cotidiano" (aluno 08). Outros já se referem ao uso de experimentos como uma forma de auxiliar a aprendizagem: "esses conteúdos podem ser apresentados por meio de experimentação, até com materiais de baixo custo, através da contextualização com o cotidiano deles" (aluno 10). Outras alternativas também foram apresentadas, como: o uso de jogos no ensino, do data-show, de ilustração e texto no livro didático. Estas respostas mesclam concepções condizentes com modelos tecnológico e espontaneísta. O primeiro se caracteriza pelas atividades já programadas e o segundo o uso de múltiplas atividades e a flexibilidade.

Já outro licenciando acredita que uma metodologia apropriada deve ser a problematização: "a partir de uma questão problema" (aluno 17). Segundo García Pérez (2000), no modelo didático investigativo trabalham-se em torno de problemas, com uma sequência de atividades destinada ao tratamento destes.

Na resposta de outro licenciando ainda existe a preocupação da escolha da metodologia mais adequada ao perfil dos estudantes, ele diz:

"é necessário conhecer o perfil da turma, alunos de ensino médio regular é interessante utilizar atividades lúdicas, já para alunos de EJA também é importante relacionar com a realidade deles, interligando os conteúdos" (aluno 18).

A valorização das ideias iniciais dos estudantes também é considerada na resposta de um licenciando, ao afirmar que "iniciar a aula a partir dos conhecimentos prévios dos alunos ou de algum assunto do seu cotidiano, isto seria uma ótima ferramenta para melhorar a qualidade do ensino de Química, em todos os níveis, seja no ensino médio ou na graduação" (aluno 03), esta concepção é bastante condizente com o modelo didático investigativo, pois de acordo com García Pérez (2000), os interesses dos alunos são levados em conta, mas também suas ideias em relação aos conteúdos propostos, na perspectiva de (re)construção e/ou complexificação de conhecimentos.

No entanto, apesar das concepções de alguns licenciandos apresentarem características de modelos de transição e até mesmo do modelo investigativo, outros apresentam ideias de metodologias condizentes com o modelo tradicional e que é encontrada majoritariamente em sua formação inicial, inclusive nas práticas escolares vistas durante o período de estágio. Assim como afirmam  García e Porlán (2000), os professores acreditam que é possível transmitir os significados das disciplinas através de sua exposição, exemplificam este modelo às respostas de dois licenciandos: "uso paralelo da teoria com experiências práticas" (aluno 13) e "resolução de muitos exercícios" (aluno 16).

No que diz respeito à avaliação, muitos licenciandos apresentam concepções presentes no modelo didático tradicional ao considerarem que a avaliação deve estar centrada nos conteúdos: "testes e trabalhos resolução de exercícios" (aluno 02); "trabalhos a serem apresentados e avaliações" (aluno 16); "provas com questões de raciocínio e trabalhos" (aluno 19). Outros licenciandos para justificarem o uso destas avaliações ainda apresentam explicações, "as provas são necessárias por uma questão de burocracia, mas estas devem conter questões que exijam o raciocínio dos alunos e não apenas uma decoreba" (aluno 02); "porque a prova é uma maneira do aluno estudar" (aluno 07). Conforme alerta García Pérez (2000), o modelo didático tradicional exige o que foi memorizado e o aluno deve reproduzir o mais fielmente possível os conteúdos ensinados, sendo assim, o objetivo da avaliação é medir a aquisição de conhecimentos pelos alunos.

Outros licenciandos demonstram acreditar que a avaliação deve ir além da cobrança de conteúdos, mas deve valorizar outras habilidades conforme mostra algumas respostas: "deveriam ser integradas a avaliações práticas, observacionais em casa, nos noticiários e jornais" (aluno 15), "avaliações continuas com atividades diárias, o comportamento do aluno, o interesse do aluno, levando o aluno a pesquisar, tudo isso sendo observado" (aluno 6). Assim como enfatiza García Pérez (2000), no modelo didático espontaneísta a avaliação não é tanto baseada em conteúdos, mas valoriza outros procedimentos como destreza de observação, técnicas de trabalho de campo e atitudes que consideram importantes como à curiosidade, senso crítico e trabalho em equipe.

Apenas na resposta de um licenciandos encontramos marcas de concepções mais próximas do modelo didático investigativo, pois para o licenciando "os resultados servem para mostrar não só em que ponto o aluno precisa melhorar, mas também que o professor deve revisar sua prática e se necessário aprimorá-la" (aluno 2). Esta concepção permite que o processo possa então ser reformulado (García Pérez, 2000).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como principal objetivo identificar possíveis encontros e desencontros de futuros professores de física e de química entre sua formação inicial e suas próprias concepções sobre o processo de ensino e aprendizagem, da região norte do estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Para este mapeamento utilizamos as concepções de modelo didático conforme estudadas por Porlán e Rivero (1998) e García Pérez (2000), para os quais existem quatro modelos didáticos: o tradicional, o tecnológico, o espontaneísta e o investigativo.

Por meio da ATD, analisamos as respostas de 19 licenciandos a um questionário composto por questões abertas que versavam sobre aspectos do processo de ensino e aprendizagem como: objetivos do ensino, escolha de conteúdos, metodologias mais adequadas e avaliações. A fim de relacionar suas concepções sobre estes itens e suas impressões sobre sua formação profissional.

A partir das análises realizadas foi possível perceber que o ensino presenciando pelos licenciandos em sua formação inicial, inclusive no período de estágio supervisionado, predomina o modelo tradicional, em todos os aspectos, desde o próprio objetivo do ensino até as avaliações que cobram conteúdos memorizados. Salvo algumas exceções em que metodologias diferenciadas são utilizadas seja nas aulas na licenciatura ou no estágio.

No entanto, ao analisarmos as concepções dos licenciandos sobre como o ensino deve ser praticado nas escolas encontramos marcas do que Pozo e Crespo (2009) chamaram de "diálogo de surdos", pois para esses licenciandos o ensino em questão deve superar o conteudismo e a memorização do ensino tradicional e deve contemplar o cotidiano dos estudantes, ceder lugar a abordagens diferenciadas como a história da ciência, o CTS, ao uso de experimentos, a problematização e dar voz aos alunos, seja para conhecer suas ideias prévias ou em uma discussão, superando em muito o ensino tradicional de suas formações.

Entretanto, em alguns momentos, nas respostas de alguns licenciandos identificamos a presença do modelo tradicional advindo de sua formação, ao descrevem os conteúdos como uma lista pronta ou a utilização de avaliações que devem "cobrar" os conteúdos.

Portanto, as análises mostraram que é necessário rever o processo de formação de professores em nossas licenciaturas, já que os próprios licenciandos sinalizam para possibilidades de mudanças e percebem que o ensino praticado na licenciatura e nas escolas através de suas observações no estágio supervisionado não são condizentes com um ensino que promova uma evolução conceitual dos alunos, e possibilite a criação de um espírito reflexivo e crítico nos estudantes, assim como sinaliza o modelo didático investigativo.

Entendemos a importância da presença de um discurso alternativo por parte dos licenciandos, fato esse que representa a incorporação dessas concepções no seu jeito de ensinar ciências, ou melhor dizendo, na sua prática pedagógica, sinalizando em direção a um avanço diante da realidade constante desse modelo tradicional de ensino praticado nos diferentes níveis de formação.

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