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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.12 no.1 Tandil July 2017

 

ARTICULOS ORIGINALES

O desencadeamento do diálogo formativo pelo compartilhamento de narrativas em um contexto colaborativo de formação de professores de Ciências e Biologia

 

Janice Silvana Novakowski Kierepka, Roque Ismael da Costa Güllich

 

 

 


Resumo

A investigação-ação é um processo de formação de professores, pautado na racionalidade prática, que tem como finalidade a melhoria da prática docente e constituição do sujeito. Temos como objetivo investigar o papel do coletivo docente na formação de professores e o potencial da metodologia de sistematização de práticas no desencadeamento do diálogo formativo. Bem como buscamos evidenciar as concepções de ensino e sua influência nos níveis de investigação educativa. Para tanto, seguimos a abordagem histórico-cultural como perspectiva de pesquisa para a construção dos resultados. Assim, selecionamos um encontro de formação que teve como temática a leitura de narrativas de diários de bordo de professores em formação para análise microgenética. Podemos perceber que o triplo diálogo é emanado em contextos colaborativos de formação de professores, sendo importante a narração reflexiva no diário de bordo e o compartilhamento de narrativas para o desencadeamento da reflexão, sendo mecanismos que tornam o diálogo formativo. Percebemos que as concepções de ensino influenciam nos níveis de investigação educativa, que progridem de um nível técnico e torna-se prático e está constituindo-se em emancipatório ou crítico. Portanto, reiteramos a relevância dos grupos colaborativos, baseados no modelo da investigação-ação, à medida que percebemos que a reflexão torna o diálogo formativo.

Palavras-chave: Reflexão; Concepções de ensino; Investigação-ação; Investigação educativa.

El desencadenamiento del diálogo formativo por el compartimiento de narrativas en un contexto colaborativo de formación de profesores de Ciencias y Biología

Resumen  

La investigación-acción es un proceso de formación de profesores, pautado en la racionalidad práctica, que tiene como finalidad la mejoría de la práctica docente y constitución del sujeto. Tenemos como objetivo investigar el papel del colectivo docente en la formación de profesores y el potencial de la metodología de sistematización de prácticas en el desencadenamiento del diálogo formativo. Bien como buscamos evidenciar las concepciones de enseñanza y su influencia en los niveles de investigación educativa. Por tanto, seguimos el abordaje histórico-cultural como perspectiva de investigación para la construcción de los resultados. Por lo tanto, seleccionamos un encuentro de formación, que tuvo como temática la lectura de narrativas de los diarios del profesor en formación para el análisis microgenético. Podemos percibir que el triplo diálogo es emanado en contextos  colaborativos de formación de profesores, siendo importante la narración reflexiva en el diario del profesor y el compartimiento de narrativas para el desencadenamiento de la reflexión, siendo mecanismos que tornan el dialogo formativo.  Percibimos que las concepciones de enseñanza influencian los niveles de investigación educativa, que avanzan de un nivel técnico y tornase práctica y está constituyéndose en emancipatorio o crítico.  Por lo tanto, reiteramos la relevancia de los grupos colaborativos, basados en el modelo de la investigación-acción, la medida que percibimos que la reflexión torna el diálogo formativo.

Palabras claves: Reflexión; Concepciones de enseñanza; Investigación-acción; Investigación educativa.  

The triggering of the formative dialogue by the sharing of narratives in a collaborative of formation of Science and Biology teachers

Abstract

The investigation-action is a process of teachers' formation, related to the practice rationality that aims at improving teaching practice and subject constitution. The objective is to investigate the collective practice in teaching formation and the potential of the methodology of practice systematization in the initiation of formative dialogue, through the exam of evidences in the formation process. The aim is, also, to evidentiate the concepts of teaching and its influences in the levels of educative investigation. However, following the historic-cultural approach as a research perspective for the construction of results. Thus, a meeting of formation that had as theme the reading of the narratives from the logbook of the teachers in formation was selected for microgenetic analysis. The triple dialogue related to collaborative contexts of teachers formation was noticed, being important the reflexive narrative from the logbook and the sharing of the narratives to the triggering of the reflection, being as a mechanism that makes the dialogue formative. It is also possible to notice the concept of education influences the levels of educative investigation, which is in progress from a technical level to a practical and is also changing into emancipatory and critical. Therefore, the importance of the collaborative groups is confirmed, based on models of investigation-action, in the way that, the reflection makes the dialogue formative was perceived in the job.

Keywords: Reflection; Concepts of teaching; Investigation-action; Educational research.

Le déclenchement du dialogue formatif par le partage de récits dans un contexte de collaboration de formation de enseignants de Sciences et Biologie

Résumé

La recherche-action est un processus de formation de enseignants, sur la base de la rationalité pratique, qui vise à améliorer la pratique de l'enseignement et de la constitution du sujet. On a comme but rechercher le rôle du collectif enseignant dans la formation de enseignants et le potentiel de la méthodologie de systèmatisation de pratiques dans le déclenchement du dialogue formatif. Et on cherche mettre en évidence les concepts d'enseignement et leur influence sur les niveaux de la recherche en éducation. À cette fin, on suit l'approche historico-culturel, comme perspective de recherche pour la construction des résultats. Ainsi, on sélectionne pour l'analyse une réunion de la formation qui avait comme thème la lecture des récits de carnets de bord de enseignants en formation pour l'analyse microgénétique. On peut voir que le triple dialogue est émanait dans les contextes de collaboration de la formation des enseignants, c'est important la narration réflexive dans le carnet de bord et le partage des récits pour le déclenchement de la réflexion, ce qui sont des mécanismes qui rendent le dialogue formatif. On rend compte que les conceptions d'enseignement influencent les niveaux de la recherche en éducation, qui progressent d'un niveau technique et devient pratique et sont donc de plus en plus critiques ou émancipateurs. On réitère donc l'importance des groupes de collaboration, basée sur le modèle de la recherche-action, à mesure que on rend compte que la réflexion rend le dialogue formatif.

Mots-clés: Réflexion; Les conceptions de l'enseignement; Recherche-action; Recherche éducative.


1. INTRODUÇÃO

A tendência atual é a valorização do profesor reflexivo, tendo a investigação-ação como princípio teórico para a constituição de processos de formação de professores (Alarcão, 2010; Carr & Kemmis, 1988; Contreras, 1994; Rosa, 2004; Güllich, 2013).

Durante a investigação-ação, o professor participa ativamente do processo de reconstrução de práticas, à medida que é realizado uma reflexão teórica e sobre a prática que pode incidir em suas teorias implícitas da docência, transformando-as, e assim irá determinar mudanças na prática docente. Nesse sentido, se constitui em uma perspectiva de formação participativa e colaborativa. A reflexão no coletivo se constitui em possibilidade de romper com o isolamento do professor e posibilitar espaços de trocas que podem gerar novas indagações e assim vai sendo desenvolvido um processo de constante redimensionamento da reflexão.
 
Alguns coletivos de formação estão buscando efetivar essa proposta, que é o caso do contexto analisado, com a finalidade de constituir indícios para reconhecer alumas peculiaridades do processo, compreendendo-o melhor. Dessa forma, o trabalho objetiva investigar o papel do coletivo docente na formação de professores e o potencial do compartilhamento de narrativas no desencadeamento do diálogo, que se torna formativo à medida que transforme teorias e práticas, sendo nesse trabalho designado diálogo formativo (GÜLLICH, 2013), indicando indícios das potencialidades formativas do processo de formação. Bem como buscamos evidenciar as concepções de ensino e sua influência nos níveis de investigação educativa a partir de um coletivo de formação de professores de Ciências e Biologia.

Interessa-nos investigar a hipótese de que o desenvolvimento do diálogo formativo possa ser desencadeado através do compartilhamento e discussão de narrativas no coletivo docente. Foram selecionados fragmentos que contém indícios do desenvolvimento do diálogo e que possibilita lhe classificar como formativo, com base em Güllich (2013, p. 213), que institui o diálogo formativo "como o jogo de falas, de perguntas e respostas presentes nas manifestações que transcrevemos, que vão situando uma discussão cada vez mais crítica e reflexiva", e que pode culminar em transformação de teorías e práticas, resultando em mundanças na formação.  Importa ressaltar que o processo formativo que investigamos tem como matriz de referência a perspectiva da investigação-ação (Carr & Kemmis, 1988; Contreras, 1994; Autor, 2013), bem como a abordagem histórico-cultural baseada nos estudos de Vygotsky (2001; 2002), Góes (2000) e Silva (2013).

2. MARCO TEÓRICO

A formação de professores é um processo contínuo e a investigação-ação é uma proposta de formação de professores pautada na ideia de que a constituição do sujeito ocorre de forma autônoma e crítica, a partir da análise e reflexão da própria prática (Carr & Kemmis, 1988; Contreras, 1994; Alarcão, 2010; Rosa, 2004; Autor, 2013).

Para que integre um processo de investigação-ação, é necessário que o sujeito professor esteja disposto a analisar e refletir a sua prática docente (Marcelo, 1992). Ibiapina (2008, p. 17) defende que a reflexão precisa permear "todas as etapas da pesquisa, desde as etapas de planificação, de ação-intervenção e de teorização, à etapa de reconstrução da prática", sendo necessário, "a colaboração, círculos reflexivos, e a co-produção de conhecimentos entre pesquisadores e profesores, reforçando a concepção de reflexão formativa (Autor, 2013), condição essencial para que o diálogo torne-se também formativo.

Considerar o professor como dotado de saberes e um sujeito pensante implica reconhecer que seus saberes devem ser reconstruídos e não podem ser simplesmente substituídos, à medida que a internalização, de acordo com Vigotski (2007), pressupõe a reconstrução com base nos processos internos do indivíduo. Imbernón (2010) critica a formação a partir da imposição de teorias descontextualizadas e que não consideram os problemas da prática do professor. O sujeito precisa perceber que suas concepções e práticas docentes podem ser transformadas, aperfeiçoando o processo de ensino.

O contexto colaborativo, processo compartilhado de reflexão entre sujeitos em formação, é condição primordial para que o diálogo formativo se desenvolva. De acordo com Güllich (2013, p. 207) a "formação continuada, especialmente através do modelo de investigação-ação, tem facilitado ao professor o exame das suas práticas, o diálogo formativo com colegas de área, licenciandos em formação e professores da Universidade". Pois, em grupos colaborativos os sujeitos tem autonomia para compartilhar, dialogar, discutir e refletir sobre práticas e teorías.

A reflexão precisa ser mediada teoricamente e ter como objeto de reflexão a prática docente. Alarcão (2010, p. 49) destaca três formas de diálogo: "um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros, incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência, e o diálogo com a própria situação". A formação de professores se desenvolve na interação entre sujeitos com intenções formativas em comum e envolve o diálogo com os outros, isto é, a teoria e o coletivo docente, o diálogo interno do sujeito e o diálogo com a sua prática.

As narrativas compartilhadas com outros docentes proporcionam a discussão e a proposição de novas ideias pelo coletivo. As narrativas também trazem conhecimentos pedagógicos que poderão ser reconstruídos através da análise, discussão e reflexão no coletivo. A escuta das narrativas de outros docentes permite que estes "atribuem-lhes um sentido e apropriam-se do seu conteúdo de uma forma muito particular (através do filtro de seus próprios conhecimentos e vivências), retirando dessas histórias os aspectos que consideram mais significativos" (Reis, 2008, p. 4).

A transformação da prática somente ocorre com um aporte teórico que auxilie na reflexão sobre a ação e isso pode ser proporcionado pelo coletivo de formação e pela mediação teórica no encontro Escola - Universidade.

A constituição docente pode ocorrer no processo de investigação-ação coletivo, que possibilita a interação entre sujeitos (Zanon, 2003), espaço formativo de diálogo e reflexão. Segundo Autor (2013, p. 164), "o coletivo impõe a discussão e o diálogo que, a meu ver, são os embriões da reflexão, não qualquer reflexão, uma reflexão formativa". Nesse sentido, o diálogo quando reflexivo se torna formativo, da mesma forma, a reflexão intrapessol se desenvolve e fortalece a partir da reflexão interpessoal.

Com apoio em Vigotski (2008), entendo que o sujeito se constitui na interação com o outro. Nessa perspectiva teórica é dado ênfase às experiências sócio-interacionistas na constituição do sujeito (VIGOTSKI, 2008). Goés (1991), com base em Vigotski apud Castanho e Costa (1999, p. 49), "o conhecimento constrói-se na interação sujeito-objeto numa ação socialmente mediada".

Os contextos colaborativos de formação de professores proporcionam discussões e diálogos. O professor enquanto sujeito é dotado de pensamento que lhe caracteriza e possibilita o desenvolvimento de conhecimentos a partir das interações sociais (VIGOTSKI, 2008). "A interação social construída entre o grupo de professores, bem como entre os diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado, fornece a matéria-prima para o desenvolvimento profissional docente" (IBIAPINA; FROTA, 2008, p. 136).

Ibiapina (2008, p. 39) também descreve a importância do diálogo, à medida que descreve a necessidade do professor formador mediar esse processo, em que "os partícipes compartilham significados e sentidos, questionam ideias, concordam ou discordam das opiniões de seus companheiros".

A concepção de professor investigador de sua aula se baseia na premissa de que as particularidades de sua atuação docente impõe um processo transformador a qualquer interferência externa. O professor atribui valores às teorias ou modelos educativos em cosonância com seus próprios conhecimentos pedagógicos (Porlán & Martín, 2001). A investigação da prática e reflexão são processos alternativos para auxiliar na mediação da produção do conhecimento e da prática de professor.

A prática do professor precisa ser constantemente repensada e reconfigurada, para atender aos propósitos da educação contemporânea. A ação pode tornar-se formativa, conquanto se desenvolva procesos de reflexão e reelaboração da prática (Guillot, 2008). O professor precisa estar capacitado para fazer a análise crítica e reflexiva de sua prática, para também formar alunos com caráter crítico e reflexivo (Alarcão, 2010). A investigação-ação possibilita a constituição da autonomia, pelo desenvolvimento do perfil investigativo e reflexivo.

Considerando o papel constitutivo da reflexão no processo de formação do professor, Alarcão (2010), reiterado pelo Autor (2013) nos convidam a ampliar o modelo da investigação-ação para investigação-formação-ação, à medida que esse método formativo do sujeito professor é pautado por processos que levem à reflexão sobre e para ação docente e que estejam inspirados na pesquisa da própria prática.

O diário de bordo é o instrumento adotado para a reflexão escrita do processo de formação para auxiliar na reflexão e se torna um organizador das ideias e do processo de constituição, pois instaura o hábito de investigar a própria prática. Uma estratégia que os processos de formação podem utilizar é o compartilhamento de narrativas, pois a "leitura e discussão dos diários de classe pode facilitar o descobrimento dos "obstáculos internos", favorecendo a implantação progressiva de uma estratégia de reflexão conjunta sobre e para a ação" (Porlán & Martín, 2001, p.37 [grifos do autor]).

A escrita no diário de bordo é o momento pessoal da reflexão nutrido pela reflexão interpessoal desenvolvida no coletivo docente, que se constitui em um espaço de diálogo e compartilhamento de ideias. Ibiapina (2008, p.46-47) escreve que "a reflexão interpessoal e a intrapessoal, embora representem momentos distintos, formam unidades indivisíveis no processo de desenvolvimento profissional e na formação da consciência reflexiva, uma vez que um nível auxilia na construção do outro". Nesse sentido, o compartilhamento de práticas e ideias auxilia na reflexão do sujeito, que se constitui pela troca e no coletivo. De acordo com Rosa & Schnetzler (2003, p. 33), a espiral autorreflexiva se desenvolve sendo "necessário que cada um traga, dentro de si, questões de investigação que o mobilizem na direção de novos planejamentos, novas ações e reflexões". Dessa forma, um problema prático reconhecido por determinado professor e compartilhado, pode auxiliar no reconhecimento do mesmo no coletivo e interesse conjunto para diálogo, reflexão e replanejamento.

As narrativas muitas vezes trazem vivências com situações dilemáticas da prática docente; o seu compartilhamento permite ao professor perceber que a docência é uma atividade constante de aprendizado e reflexão para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem. "O sucesso pessoal e profissional dos seres humanos passa, decisivamente, pelas suas capacidades de interação, ou seja, pelas suas capacidades de ouvirem e compreenderem as narrativas das pessoas que os rodeiam" (Reis, 2008, p. 15).

Vário autores (SCHÖN, 1992; SILVA; SCHNETZLER, 2000; GÜLLICH, 2013; GÜLLICH; ZANON, 2013) propõem o espelhamento de práticas. "A análise que o profissional/professor faz da situação homóloga permite-lhe visualizar aspectos problemáticos da sua prática que podem tornar-se objeto de reflexão individual e coletiva" (SILVA; SCHNETZLER, 2000, p. 52). Dessa forma, pode-se engendrar a problematização e reflexão a partir do espelhamento, que pode se constituir em uma "prática propulsora da reflexão acerca das práticas" (GÜLLICH, 2013).

Para tanto, acreditamos que o compartilhamento de narrativas no coletivo docente é uma metodologia interessante por desencadear a comparação com a sua própria prática e o desenvolvimento do diálogo, que se torna formativo de novas concepções de docência, de ensino e de aprendizagem e/ou possibilita a ressignificação destas. "Começar com a leitura e análises dos acontecimentos refletidos no diário gera uma dinâmica de intercâmbios de pontos de vista que eleva o nível da comunicação" (Porlán & Martín, 2001, p. 37). Nesse sentido, a sistematização de práticas precisa instaurar a discussão e avaliação de concepções docentes, culminando na reflexão pessoal de cada sujeito. Reafirmamos a relevância do coletivo docente e da reflexão interpessoal com Rosa (2004, p.58), "somente no âmbito interpessoal é que a espiral autorreflexiva se desenvolverá". Portanto, a reflexão interpessoal e intrapessoal são processos distintos que contribuem para a constituição do sujeito, a narração escrita auxilia na organização do pensamento pela explicitação das ideias e seu reconhecimento; já o coletivo docente auxilia no desenvolvimento de novas ideias e indagações.

Os conhecimentos compartilhados nas interações docentes podem ser internalizados pelos sujeitos, na acepção de Vigotski. "A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos" (VIGOTSKI, 2007, p. 58). O exercício de reflexão pode tornar-se preponderante na internalização de conhecimentos, à medida que requer a reconstrução própria do sujeito. A possibilidade de se alcançar a internalização de saberes, partilhados no coletivo, justifica a importância de interações vivenciadas no coletivo docente. E nesse sentido, o diálogo pode tornar-se formativo.

3. METODOLOGIA

A investigação segue uma abordagem qualitativa de pesquisa, a partir da análise temática dos conteúdos, conforme Lüdke & André (2011), pois identificamos episódios temáticos pelo conteúdo da discussão.
 
Esta investigação tem como fonte empírica as gravações de áudio dos Ciclos Formativos em Ensino de Ciências, projeto de extensão do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciências e Matemática (GEPECIEM), da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Cerro Largo/RS. Este é um grupo colaborativo, baseado na perspectiva de Ibiapina (2008), em que todos os profesores são considerados em formaçao. Desenvolve uma ação de extensão denominada Ciclos Formativos no Ensino de Ciências, com encontros mensais entre professores da Educação Básica de Ciências e Biologia em formação continuada, licenciandos da área de Ciências Biológicas e professores formadores da Universidade da área do Ensino de Ciências/Biologia, baseados na tríade interativa entre as três categorias de sujeito, descrita por Zanon (2003). O grupo iniciou as atividades de formação na metade de 2010, sendo que alguns sujeitos participam desde a sua fundação e outros foram aderindo à cada ano (esta publicação foi produzida com base em um encontro de 2013).
O papel do professor formador além de organizar os Ciclos Formativos de acordo com anseios formativos do Grupo e desenvolver pesquisas na academia, cabe exercer a função de "amigo crítico". Conforme Carr & Kemmis (1988, p. 173), em "relações colaborativas, […] o "observador" se converte em um "crítico amigo" que ajuda aos "atores" para que ajam com mais sabedoria, prudência e sentido crítico no processo de transformar a educação", colaborando para o desenvolvimento do diálogo e reflexão, ao mesmo tempo em que realizam a sua formação continuada. Da mesma forma, professores da Educação Básica e Licenciandos são protagonistas do processo de formação, continuada e inicial, respectivamente.

Os encontros são gravados em áudio e transcritos, com o consentimento dos participantes do grupo para o uso das falas na pesquisa. Para esta publicação selecionamos análises obtidas do encontro de 26 de novembro de 2013, que teve como temática o compartilhamento de narrativas de diários de bordo de professores em formação. As narrativas são produzidas pelos integrantes do grupo como instrumento de análise e reflexão sobre a prática docente, encontros dos Ciclos Formativos, leituras, aulas da graduação (para licenciandos e professor formador), aulas de escola (para professor de Educação Básica) e pesquisas na área da Educação. Foram compartilhadas narrativas por um professor de Educação Básica, um licencinado e um professor formador.

O encontro foi transcrito, seguindo-se de análise dos turnos de falas, os quais foram organizados em episódios que podem conter indicativos da importância do coletivo docente na formação de professores, evidenciar indícios do desenvolvimento do diálogo formativo a partir da sistematização de práticas e indícios sobre a influência das concepções de ensino no desenvolvimento dos níveis de investigação educativa.

A transformação da gravação em dados de pesquisa envolveu a seleção de episódios, que se caracterizou como um recorte da gravação que contêm indícios da questão que propomos a discutir e compreender. A fase de seleção dos episódios envolveu ver e rever as gravações várias vezes, seguido de transcrição e classificação dos episódios e turnos de falas. As transcrições foram fiéis às gravações, devido a importância de se conservar todos os aspectos da gravação, como pausas e entonações, para uma análise detalhada dos episódios, conforme recomenado por Carvalho (2006)i. Esclarecemos que, neste referencial, os dados são como um mosaico, e para serem interpretados em suas múltiplas facetas precisam ser olhados por diversas perspectivas. Dessa forma, os recortes que compõem os episódios foram selecionados para evidenciarem pistas do que se está investigando, portanto um recorte pode ser interpretado por diferentes olhares.

No caso das transcrições das falas dos encontros cada manifestação feita por parte de cada sujeito de pesquisa foi identificada por meio de numeração dos sucessivos turnos de falas referidos como: T1, T2, T3,.... Para cada espisódio foi usado uma sequência do número 1 até o final dos números expressos.

Fizemos uso do termo de consentimento livre e esclarecido e os sujeitos foram nomeados conforme sua categoria (Professor, Licenciando, Professor Formador) e com um número, o que garante o sigilo e anonimato aos sujeitos de pesquisa.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. COMPREENDENDO UM PROCESSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA

 
Episódio 1: O papel do coletivo docente no processo de formação de professores: os avanços na constituição docente

O processo de constituição docente ocorre de forma compartilhada, no coletivo, que se constitui em um espaço para a troca de ideias e reflexão coletiva. O diálogo desencadeado no coletivo docente pode culminar em transformação de concepções docentes, caracterizando avanços na constituição docente, e dessa forma tornando-se formativo. As interações vivenciadas em um coletivo colaborativo podem contribuir para a internalização de conhecimentos, pois o sujeito se consitui pelas interações sociais (Vigotski, 2008).

No episódio abaixo é possível deflagrar indícios de reconhecimento e transformação de concepções ao longo do diálogo, que emanam a partir do compartilhamento de uma narrativa do diário de bordo pela Professora 18. A narrativa se estruturava em uma descrição e reflexão sobre um encontro dos Ciclos Formativos que teve como temática a Situação de Estudo. O objetivo do compartilhamento de narrativas era possibilitar o surgimento de reflexões conjuntas sobre a prática compartilhada, com o desenvolvimento do processo de espelhamento de práticas (SCHÖN, 1992; SILVA; SCHNETZLER, 2000; GÜLLICH, 2013; GÜLLICH; ZANON, 2013). A Professora 03 dialoga a partir da narrativa compartilhada pela Professora 18, o que evidencia o espelhamento com suas teorias ou práticas, adentrando no diálogo o Professor Formador 1, no recorte deste primeiro episódio:

T1: [...] (eu) acho que... daí então assim ó... nós... nós... nós temos o DNA... como negar isso? não tem como negar... isso faz parte do ser... aí que entra o ENTENDIMENTO... o diálogo... a compreensão... a reflexão... o ACEITAR... para conseguirmos um (humano) melhor... e assim um mundo... que... onde é possível viver bem com tantas diferenças... cada um tem a sua (decisão) [...] ou até de química... ela tem uma [...] (quando entrei em corpo) humano... e aprendeu [...]  tem que ter... ele que com essa química (provavelmente)... da matemática... isso começa a martelar... entrou guela abaixo... mas isso pra ele tem... tem tanta... né... tem outras  [...] de... precisamos (aprender) viver com essa diversidade... manter o planeta realmente em paz... (ser) simples conviver com humanos [...] sensíveis... após [...] e eu tava começando [...] agora (me perdi) [...] acho que [...] na escola... mas esse aprendizado... (como esse) que a Professora 18 leu1... olha... valeu o dia... sabe, clareou muita coisa pra mim... sei... eu já tinha... a gente já tinha conhecimento disso... mas parece que [...] eu sei (por mim)... muito dessa leitura que ela fez... e eu vou ampliar isso aqui... uma vez que a... (Professora 03).
T2: reflexão... (Professor Formador 1).
T3: __________ disto... que a minha fala... (foi) muito bom [...] muito... tem muita coisa escrita guardada... que eu vou ampliar [...] (Professora 03).
T4: reflexão... (Professor Formador 1).
[...]
T5: [...] transforma o que ele PEGA... o que ele VÊ... o que ele ESCUTA... em OUTRAS COISAS... mais ou menos como a Professora 03 fez... ela EXPLICOU O QUE... uma fala do sujeito... significou pra ela... e ainda VALOROU... TRANSFORMOU ISSO em aula... que MODIFICA ELA... ela torna isso valorativo... isso seria um nível bem reflexivo... da narrativa... claro que ali... a Professora 03 fez rapidamente por escrito... disse que ia melhora né... e ela também fez... ah:: ... oralmente a parte valorativa... ela APROFUNDOU quando ela foi explicar... falou... (Professor Formador 1).
T6: [...] então mais valorativa também ao final... de explicativa para valorativa... veja que as três aulas... tem  movimentos... ah:: ... INTERATIVOS... não é só uma aula... expositiva que o professor relata... mas isso também é porque... qual é o de nós que não relataria a sua melhor aula (aqui) que fosse pra relatar? (Professor Formador 1).
[...]
T7: e... ó... cuidado profe... (Professor Formador 1).
T8: Porque as minhas a maioria... já é... já é expositiva... (Professora12).
T9: então... mas eu vejo que às vezes... faz o esforço pra relatar é bem legal... isso é bom... isso também eu acho que é um esforço de mudança... quero dizer isso [...] positivo... eu e a Professora 12 discutimos muito o uso do livro... a aula tradicional [...] (Professor Formador 1).
[...]
T10: hoje comentamos em sala... a participação foi boa... pensei como REALMENTE a aprendizagem precisa ter SIGNIFICADO para o ALUNO... e como ele aprende no mundo da prática... penso em como é DIFÍCIL nós professores ABANDONAR e SUPERAR o modelo tradicional de TRABALHAR... mas aos POUCOS e com as reflexões feitas nos Ciclos Formativos da Universidade... VAMOS MELHORANDO... foi bem o relato da aula... (Professora 20).

A formação pela via da investigação-ação precisa ocorrer com a disposição do professor para refletir e transformar a sua prática, como também é necessário que tenha inquietudes e questões de investigação para serem confrontadas no coletivo docente, para que assim seja reformulada a atividade educativa no contexto da sala de aula.

A reflexão coletiva é fundamentalmente importante para a constituição do conhecimento pedagógico do professor, o que pode ser percebido a partir da fala da Professora 3, em que descreve a importância da leitura da narrativa realizada pela outra Professora:

"mas esse aprendizado... (como esse) que a Professora 18 leu2... olha... valeu o dia... sabe, clareou muita coisa pra mim" (Professora 3).

Assim, percebemos que o coletivo é importante para o compartilhamento de concepções pedagógicas, impulsionando a reflexão conjunta e pessoal dos sujeitos, conforme pode ser percebido em outra fala:

"eu já tinha... a gente já tinha conhecimento disso... mas parece que [...] eu sei (por mim)... muito dessa leitura que ela fez... e eu vou ampliar isso aqui3"... (Professora 3).

Dessa forma, o coletivo docente se constitui em um importante contexto formativo de professores, pois possibilita o compartilhamento de práticas e a prática necessita ser dialogada, como um processo de investigação que se dá no coletivo de formação, pelo diálogo. Vigotski (2008) defende a importância das interações sociais para a constituição do sujeito. Almeja-se que esses processos reflexivos possam transformar teorias e práticas. Vigotski (2007, p. 58 [grifos do autor) afirma que "um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal", podendo se aplicar à formação de conceitos, e portanto é possível a internalização de saberes compartilhados no coletivo. O Professor Formador 1 tem o intuito de que a reflexão realizada pela Professora 3 sobre a narrativa compartilhada pela Professora 18 seja percebida pela Professora e outros participantes do coletivo, quando fala:

"mais ou menos como a Professora 03 fez... ela EXPLICOU O QUE... uma fala do sujeito... significou pra ela... e ainda VALOROU... TRANSFORMOU ISSO em aula... que MODIFICA ELA... ela torna isso valorativo... isso seria um nível bem reflexivo... da narrativa..." (Professor Formador 1).

Portanto, podemos ressaltar a importância das "relações colaborativas, nas quais o "observador" se converte em um "crítico amigo" (Carr & Kemmis, 1988, p. 173). O professor formador precisa conduzir a formação para a reflexão e transformação efetiva na prática dos profissionais em formação, que é realizada com base em análise de textos da Didática das Ciências, o compartilhamento e discussão dos conhecimentos práticos do professor e de experiências e as reflexões interpessoais. A intervenção do professor formador é uma pesquisa de segunda ordem, realizada através de um processo de diálogo reflexivo sobre as práticas e seus atores (Autor, 2013). Dessa forma, o processo formativo ocorre no coletivo docente, que auxilia na investigação, reflexão e reformulação da prática do professor.

O Professor Formador 1 ressalta que a reflexão narrativa da Professora, além de descritiva e explicativa, torna-se também valorativa. É importante que os profesores reconheceçam que o desenvolvimento da capacidade de reflexão é gradativo, retrospectivo e prospectivo, como também afirma Alarcão (2010). Porlán & Martín (2001) descrevem os níveis de reflexão: descritivo, analítico-explicativo e valorativo (ou reflexivo, propriamente dito). Nas palavras dos autores, inicialmente a reflexão tende a ser apenas uma descrição superficial dos acontecimentos, posteriormente se constitui em análise e, mais tarde, em reflexão. Assim, o Professor Formador 1 busca guiar a construção das concepções sobre reflexão dos professores, quando fala que:

"então mais valorativa também ao final... de explicativa para valorativa..." (Professor Formador 1).

Segundo Carr & Kemmis (1988, p. 173), é necessário que seja construído entre os investigadores e participantes "relações colaborativas", assim é papel dos professores formadores intensificar a mediação e valorizar o que é trazido da prática para aprofundar compreensões, concepções e práticas, a fim de aprimorar os processos de formação pelo mecanismo de reflexão sobre as práticas. Percebemos que o Professor Formador 1 busca que os professores reconheçam a relevância da descrição que evolui gradativamente para reflexão, pois o processo formativo, além de intencional e deliberado, precisa ser explicitado pelos participantes.

No turno T8, evidenciamos que a Professora 12 percebe que a maioria de suas aulas são expositivas:

"porque as minhas a maioria... já é... já é expositiva..." (Professora 12).

Podemos perceber que essa constatação ocorre após a discussão do Professor Formador 1 sobre o relato de prática apresentado, dizendo que:

"não é só uma aula... expositiva que o professor relata..." (Professor Formador 1).

Nesse sentido, o diálogo no coletivo docente está se configurando em um espaço de reconhecimento e explicitação de concepções e teorias de ensino, o que pode suscitar em reflexão e quiçá transformação da prática docente. A reflexão sobre a concepção tradicional de ensino, por meio de aulas expositivas e uso excessivo do livro didático é uma das temáticas recorrentes no coletivo de formação, portanto acreditamos que o processo de formação pode gerar mudanças das concepções dos docentes, por meio da internalização de novas ideias (VIGOTSKI, 2007). "A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de autoformação participativa" (Nóvoa, 1992, p.25). A formação deve ser partilhada e colaborativa, para que a partir do diálogo formativo cada sujeito possa melhorar a sua prática educativa.

Percebemos a crítica realizada pelo Professor Formador 1 às aulas tradicionais sustentadas especialmente pelo uso do livro didático, após a fala da Professora 12, que reconhece que a maioria das suas aulas são expositivas. O Professor Formador 1 busca enriquecer o diálogo sobre as aulas tradicionais trazendo à reflexão a questão do livro didático:

"eu e a Professora 12 discutimos muito o uso do livro... a aula tradicional [...]" (Professor Formador 1).

Portanto, o coletivo docente colaborativo é importante para a formação dos professores, pois pelo diálogo formativo é construído o percurso formativo, em parte guiado pelos professores formadores e enriquecido pelo contraste de opiniões com os participantes do grupo. O professor precisa refletir, mas o processo de formação deve ocorrer de forma compartilhada, e o sujeito precisa ser guiado para que a reflexão resulte em constituição docente e melhoria de sua prática educativa. A importância das reflexões conjuntas no coletivo docente é narrada pela própria Professora 20:

"mas aos POUCOS e com as reflexões feitas nos Ciclos Formativos da Universidade... VAMOS MELHORANDO".

Isso reafirma a relevância da formação coletiva, à medida que é reconhecido e narrado pela própria Professora em seu diário de bordo, que foi compartilhado no coletivo para que a narrativa pudesse ser problematizada e refletida, e realizado um contraste com experiências ou ideias semelhantes ou contrárias.

Dessa forma, percebemos que o coletivo docente é necessário para auxiliar o professor na reflexão sobre a sua docência. O sujeito, ao escutar o outro, também reflete sobre sua docência. A reflexão ocorre a partir do contraste de opinião com o outro, pois o sujeito reflete quando percebe novas possibilidades de pensamento e de atuação docente, e assim reiteramos a relevância da interações em grupos colaborativos. Na defesa de que o diálogo formativo é um processo que favorece a constituição docente, passamos a discutir o desencadeamento do deste processo no coletivo de formação.

Episódio 2: O desencadeamento do diálogo formativo em coletivos colaborativos de formação de professores através do compartilhamento de narrativas

Percebemos que o compartilhamento de narrativas é uma estratégia de formação viável para desencadear o diálogo formativo, conforme se evidencia no episódio abaixo:

T1: eu não sou tão... assim... o contrário... eu sou bastante forte assim... às vezes bastante DURO... com a formação dos meus alunos... eles sabem disso... claro que é bastante objetivada... eles sabem que é intencionada... é deliberadamente intencionada e é também deles... eu acredito que a maioria entenda se não já tinham brigado comigo... (Professor Formador 1).
T2: eu também sou assim... (Professora 18).
T3: mas assim eu... (Professor Formador 1).
T4: [...] esses tempo eu rodei quatro alunos... (Professora 18).
T5: é... é às vezes a gente também é um pouco radical... mas eu gostei de ouvir a Professora 18... que ela colocou um ponto que eu insisto... às vezes de modo até um pouco contrário...  eu gostei de ouvi o que a senhora disse ali sobre a FALA... a LINGUAGEM né... a tradição cultural da origem né... que é tão caricante lá na geração... que me reconheceram num outro país... de que lado do país seria a sua origem... ah:: ... familiar... que me comoveu bastante ouvi aquela parte... por isso que eu disse que meus alunos com certeza entenderiam... (Professor Formador 1).
[...]
T6: eu não consigo... eu não posso... havia MUITO isso nas minhas duas colegas... elas diziam eu não posso... não do conta... não sei... e hoje eu acho que elas nem... a... nem pensam em não ser... eu sei e posso ensinar alguém a fazer... eu vejo assim minhas colegas hoje... (Professor Formador 1).
T7: fizemos... está errado... vamos fazer de novo... (Professor 12).
T8: a visão acho que de formação mudou... (Professor Formador 1).
T9: mas... essa coisa de permitir que a gente possa FAZER sem pensar no CERTO ou ERRADO... pelo menos a [...] está fazendo com o POLITÉCNICO... tudo o que nós estamos INVENTANDO eles dizem... está certo... então a gente... aos poucos tu está começando a acreditar naquilo que tu faz [...] não é... (Professora 12).
T10: porque precisa fazer... a gente tem que... (Professor Formador 1).
T11: tu tem que fazer uma coisa na tua escola... (Professora 12).
[...]
T12: é... e a nossa 7ª série gente é... ela é... é... ah [...] nós temos uma [...] (turma) MAIOR... mas uma turma assim MUITO sem ordem... e MUITO DIFÍCIL de ma/... MANTER eles atentos... assim então... nó/... nós passamos o ANO... eu pelo menos passei o ano sofrendo com eles assim... que eles são muito:: ... ah:: ... vamos dizer assim... (lá) não sei se é bem a palavra certa né... mas... na escola nós queremos assim então... passamos por umas situações BEM complicadas... por isso que eu... citei... é... eles são muito amados... mas... às vezes... às vezes são... então hoje posso dizer que a aula de Ciências na 7ª série foi PRAZEROSA... então na SEXTA-FEIRA... dia vinte três de onze... tivemos amostra de trabalhos na escola... eles participaram mostrando seus trabalhos [...] então pedi que eles citassem a orelha produzida por um grupo de alunos do politécnico... que estudaram a música... som... na aula... fizeram um festival de música na ESCOLA e confeccionaram uma orelha GIGANTE onde a gente ENTRAVA... VIA AS PARTES... e no final do vídeos... sobre o sentido da audição... como a gente está explicando os sentidos humanos foi importante para a 7ª série... hoje comentamos em sala... a participação foi boa... pensei como REALMENTE a aprendizagem precisa ter SIGNIFICADO para o ALUNO... e como ele aprende no mundo da prática... penso em como é DIFÍCIL nós professores ABANDONAR e SUPERAR o modelo tradicional de TRABALHAR... mas aos POUCOS e com as reflexões feitas nos Ciclos Formativos da Universidade... VAMOS MELHORANDO... foi bem o relato da aula... (Professora 20).
[...]
T13: ouvi hoje... me caiu a ficha assim ó... que a Professora 18... a:: ... leu... como eu sou [...] trabalho a parte do [...] nas escolas também... isso logo me... me puxa... quando ela colocou assim... nós somos diferentes do olhar... do ser... do pensar... é IMPORTANTE saber CONVIVER com essas diferenças... e aí muitas vezes nós pagamos... a:: ... nós muitas vezes não temos [...] (isso como) um TODO... o ser humano... ah:: ... conviver com essas diferenças... trazermos as nossas origens... que está na nossa [...] extra/... extra/... extravasa uma carga muito grande do DNA...  e não somos nós.. os alunos nossos também... muitas vezes nós nem nos... nos damos conta dessas coisas... (Professora 03).

No T2: "eu também sou assim..." (Professora 18), percebemos que a Professora realiza um diálogo consigo própria, pois percebe pela reflexão suscitada pela fala do Professor Formador 1 uma semelhança com suas concepções enraizadas. À medida que isso ocorre, notamos que incide a reflexão, ou diálogo consigo próprio, segundo Alarcão (2010). Dessa forma, é possível no coletivo deflagrar o diálogo pessoal com suas próprias concepções, o que pode se tornar um instrumento eficaz para a análise, reflexão e transformação dessas concepções, e quiçá de mudanças na prática docente. "O intercâmbio, a contrastação e análise [...] facilita a ampliação de pontos de vista iniciais e favorece, portanto, a evolução das concepções" (Porlán & Martín, 2001, p. 38). No momento em que em nível pessoal nos questionamos e nos deparamos com ideias controversas poderemos realizar um diálogo intrapessoal, desencadeado pelo reconhecimento de novas possibilidades e concepções relacionadas à docência.

De acordo com Zeichner (2008, p. 539), "o processo de compreensão e de melhoria de seu próprio ensino deve começar da reflexão sobre a sua própria experiência e que o tipo de saber advindo unicamente da experiência de outras pessoas é insuficiente". Nesse sentido, a formação pode partir da reflexão do sujeito sobre o processo descrito por análise da teoria, da prática e da reflexão coletiva. Dessa forma, ressaltamos o potencial formativo do diálogo nos três níveis: diálogo consigo próprio, com o outro e com a teoria, com base em Alarcão (2010).

O fragmento abaixo foi recortado da leitura realizada pela Professora 20 (2013), de uma narrativa de seu diário de bordo. Podemos perceber que a narração reflexiva de sua prática contribui para que reconheça as concepções que sustentam a sua prática pedagógica, explicitando a necessidade de superar o ensino tradicional com o desenvolvimento de atividades práticas e aulas significativas para os alunos:

"pensei como REALMENTE a aprendizagem precisa ter SIGNIFICADO para o ALUNO... e como ele aprende no mundo da prática... penso em como é DIFÍCIL nós professores ABANDONAR e SUPERAR o modelo tradicional de TRABALHAR... mas aos POUCOS e com as reflexões feitas nos Ciclos Formativos da Universidade... VAMOS MELHORANDO..." (Professora 20). 

A formação vivenciada no coletivo pela investigação-ação guia o processo de reflexão e constituição do sujeito, o que gera a explicitação de teorias implícitas, concepções, ideias ou ideários de docência, visão de docência de ciência e de experimentação. Provavelmente, o reconhecimento dessas ideias teve como origem a leitura de referenciais sobre o tema e a formação no coletivo docente, portanto a partir de um diálogo instaurado com a teoria e com o coletivo. Ao mesmo tempo, percebemos o diálogo com a situação prática, a partir da análise e reflexão sobre a ação que possibilitou reconhecer a necessidade de superar o ensino tradicional e incorporar atividades experimentais, possibilitado pela comparação com a teoria e iniciado pela atitude de escrever no diário.

Nesse sentido, podemos perceber o potencial formativo do diálogo, com base na transformação conceitual e prática, evidenciado no relato da Professora. Acreditamos na relevância do diálogo pela troca de ideias, concepções e práticas docentes que pode provocar a reflexão pelo professor sobre sua docência. A reflexão da prática pelo professor é necessária para a mudança concreta na prática em sala de aula sendo importante que seja nutrida pela leitura de referenciais, reflexão da prática interpessoal e intrapessoal (Ibiapina, 2008). A importancia da reflexão interpessoal implica na necessidade das interações entre grupos de professores. Esse movimento de diálogo consigo mesma, com a teoria e com a situação, realizado pela Professora 20, é possibilitado pelos movimentos de formação desenvolvidos nos Ciclos Formativos em Ensino de Ciências.

Rosa & Schnetzler (2003), com base em Carr & Kemmis (1988), defendem também que o papel do professor formador é além de observador, constitui-se "amigo crítico". Este tem o papel de colaborar para o desenvolvimento da reflexão crítica no coletivo docente, instaurando um processo de melhoria das práticas. Nesse sentido, percebemos no T1 que o Professor Formador 1 realiza uma comparação com a sua própria prática, a partir da sistematização da prática da Professora 18. Nesse sentido, percebemos indícios do espelhamento de práticas:

 "eu não sou tão... assim..." (Professor Formador 1).

Porém, destacamos que a fala do Professor Formador 1 é intencionada, com o objetivo de desenvolver o diálogo para deflagrar a reflexão de cada sujeito.

Nesse sentido, a partir desse instrumento de formação que é utilizado no modelo de investigação-ação - a sistematização de práticas - percebemos que gera o movimento de análise da narrativa do outro, que no diálogo formativo gera um diálogo com sua própria docência, podendo ser compreendido como espelhamento de práticas (Autor, 2013), ou "sala de espelhos", segundo Schön (1992), em que o sujeito, a partir da narrativa de outro sujeito, analisa uma situação prática própria. Os sujeitos professores que escutam a narrativa podem relembrar uma situação prática análoga, ressignificando-a a partir da reflexão realizada no coletivo, realizam uma comparação com a situação vivenciada, incorporando outras ideias e assim produzindo e reconstruindo conhecimentos de professor: os saberes experienciais (TARDIF, 2002).

A partir da narrativa compartilhada pela Professora 18, a Professora 03 explicita as semelhanças com a sua própria prática, dizendo que:

"ouvi hoje... me caiu a ficha assim ó... que a Professora 18... a:: ... leu... como eu sou [...] trabalho a parte do [...] nas escolas também... isso logo me... me puxa... quando ela colocou assim... nós somos diferentes do olhar... do ser... do pensar... é IMPORTANTE saber CONVIVER com essas diferenças..." (Professora 3).

Dessa forma, percebemos que a narração culmina em espelhamento na prática da Professora que escuta. A Professora 03 também diz que aprendeu com a narração da Professora 18:

"mas esse aprendizado... (com esse) que a Professora 18 leu... olha... valeu o dia... sabe, clareou muita coisa pra mim... sei... eu já tinha... a gente já tinha conhecimento disso... mas parece que [...] eu sei (por mim)... muito dessa leitura que ela fez..." (Professora 18).

Provavelmente, esse aprendizado é resultado do diálogo com sua própria prática emanada a partir da narração da Professora 18, nesse sentido também se concretiza o espelhamento de práticas, isto é, a análise e reflexão da prática e de concepções a partir da narração da Professora 18. Segundo Silva & Schnetzler (2000, p. 52), "a análise que o profissional/professor faz da situação homóloga permite-lhe visualizar aspectos problemáticos da sua prática que podem tornar-se objeto de reflexão individual e coletiva". O compartilhamento de narrativas no coletivo docente pelo processo de sistematização de práticas é um mecanismo de reflexão que possibilita a comparação com aspectos similares de sua própria prática, e facilita o desencadeamento do diálogo formativo. Na parceria colaborativa, a reflexão e a intervenção na realidade se viabilizam a partir da interação entre pares que assumem papéis específicos no processo (Rosa & Schnetzler, 2003), ressaltando-se a importância das interações em um processod e formação compartilhado. O conteúdo das reflexões em processos formativos também é objeto de nossa análise, especialmente ligando-se a influência que as concepções e teorias docentes têm no desenvolvimento dos níveis de reflexão.

Episódio 3: A influência das concepções de ensino nos níveis de investigação: indícios deflagrados ao longo do diálogo

O professor se constitui em um autêntico investigador de sua atividade educativa, quando pensamos a carreira docente na perspectiva da investigação-ação. As concepções de ensino caracterizam a docência e determinam a atuação em sala de aula, assim como também influenciam nos níveis de investigação educativa, conforme afirma Rosa & Schnetzler (2003), baseados nos níveis de investigação propostos por Carr & Kemmis (1988): técnico, prático e estratégico ou crítico.

T1: aos vinte e cinco dias do mês de junho... às oito horas... no auditório da Universidade Federal da Fronteira Sul... realizou-se o quarto encontro de formação continuada dos professores de Biologia... dirigida pela Professora Formadora 11... tratando sobre questões e controversas em perspectiva crítica da educação ambiental... carta da terra... questionar... você é a parte do meio ambiente? como é o meio ambiente? porque educação ambiental? como a realidade se transforma? ambientalista x metereologista... vivemos uma sociedade de risco... o Brasil ocupa a sex/... a sexta posição de ranking mundial da importação de agrotóxicos... a entrada desses produtos aumentou 276%... sendo que os agrotóxicos... meio ambiente atinge o solo e água... efeito estufa... consumo induzido... educar ambientalmente é apenas pensar na importância dos conhecimentos ecologicamente corretos? a visão da pessoa... preciso cuidar de mim e das outras pessoas... após esta discussão... foram trabalhados cartuns em grupo... e logo após apresentados... posterior ao encontro... então eu já sou bem mais sucinta... como nossos alunos dizem... não sei professor se está certo... (Professora 21).
[...]
T2: ha:: ... ótimo... e:: ... eu já vou identificar outro traço da:: ... no diálogo da Professora 21... eu... eu acho que a formação... depois nós vamos caminhar um pouco mais pra... pra aula... pra alta da investigação-ação... vocês vão perceber no início do ano que vem a nossa proposta também vai ter atualização... vai começar com uma de genética inclusive... estou prometendo... porque a profe me pediu... gente procurou ela... ela disse... nós vamos entrar um pouco mais em sala de aula... do como fazer... acho que é importante... mas eu vejo todo mundo assim bem disposto a compartilhar o que fazem... o que sabem... se nós embarcarmos nessa proposta... sempre vai está certo né Professora 21... se nós embarcarmos nessa proposta... que a perspectiva é que está certo... vai só melhorar... eu acho que é assim que a gente tem que vê... mas se nós não quisermos escrever... não topamos esse... essa formação... temos que nos questionar... vale a pena vir na Universidade uma vez por mês pra fazer uma coisa que a gente não concorda... talvez daí não vale a pena né... acho que essa é a grande pergunta... se vale a pena vir aqui... se está valendo a pena um pouco... porque também nunca agrada todos... nem tudo... mas ir dialogando... abrir mais o debate... (Professor Formador 1).
[...]
T3: [...] mas esse aprendizado... (com esse) que a Professora 18 leu... olha... valeu o dia... sabe, clareou muita coisa pra mim... sei... eu já tinha... a gente já tinha conhecimento disso... mas parece que [...] eu sei (por mim)... muito dessa leitura que ela fez... e eu vou ampliar isso aqui... uma vez que a... (Professora 03).
T4: reflexão... (Professor Formador 1).
T5: __________ disto... que a minha fala... (foi) muito bom [...] muito... tem muita coisa escrita guardada... que eu vou ampliar [...] (Professora 03).
[...]
T6: ah Professora 12... ___________  Professora 12 vai [...] (Professor Formador 1).
T7: ah:: ... então assim ó... ah:: ... solicitei que os alunos trouxessem... ah:: ... vários produtos para a nossa aula... então primeiro... na aula [...] (produtos)... sabores e coisa [...] ah:: ... sempre realizei uma atividade experimental demonstrando... ah:: ... para identificação do caráter ácido ou base... e essa vez analisei o relatório para que os alunos identificando o caráter ácido ou básico dos produtos... distri/...distribui os roteiros para os alunos e pedi que fossem ANOTANDO no diário tudo o que eles iam realizando... observando... ah:: ... como as primeiras funções apresentadas... (nuance... cor) ocorreu uma curiosidade e um... uma conversação na sala... entre os grupos... entre os componentes do grupo menor... os componentes do grupo... uma ANSIEDADE para descobrir que OUTRAS funções apresentavam o mesmo comportamento... os alunos discutiam os resultados... emprestavam produtos para o (mucoso) ... para também poder observar... ah:: ... as mudanças [...] a aula foi maravilhosa... não precisei chamar atenção de NENHUM aluno... fizeram exatamente o que foi solicitado... após verificar todas as soluções... guardaram [...] os materiais... na sala de aula buscaram no livro didático a referência e identificar o caráter ácido e básico... dos produtos... essa prática... foi diferente... os alunos ficaram ENVOLVIDOS... DIALOGARAM... INTERAGIRAM... participaram MUITO... o que eu não observava quando eu fazia a demonstração... que [...] realizar MAIS as atividades práticas... os alunos se... (Professora 12).

No turno T1, é possível perceber que a Professora 21 descreve um encontro dos Ciclos Formativos, em que a narrativa contém falas de outra participante, e não se observa análise ou reflexão por parte do sujeito na narrativa. Isso evidencia um nível técnico de investigação, baseado na racionalidade técnica e atrelado ao conceito de ensino por transmissão de conhecimentos. Neste nível, "o papel da investigação consiste em informar acerca dos detalhes técnicos ao praticante" (Carr & Kemmis, 1988, p. 52). Após a leitura de sua narrativa do diário de bordo, a Professora fala, se reportando ao Professor Formador 1:

"não sei professor se está certo" (Professora 21).

Neste fragmento é possível perceber que a Professora está habituada a um modelo de formação de atualização de conceitos e práticas pedagógicas, demonstrando novamente uma concepção de transmissão de conhecimentos, em consideração a insegurança no relato de sua aula. Neste momento, o Professor Formador 1 ressalta:

"eu acho que a formação... depois nós vamos caminhar um pouco mais pra... pra aula... pra aula da investigação-ação... vocês vão perceber no início do ano que vem a nossa proposta também vai ter atualização... vai começar com uma de genética inclusive... estou prometendo... porque a profe me pediu" (Professora Formador 1).

 Portanto, o Professor Formador 1 reconhece a concepção de formação da Professora, e busca remodelar:

"nós vamos entrar um pouco mais em sala de aula... do como fazer... acho que é importante... mas eu vejo todo mundo assim bem disposto a compartilhar o que fazem... o que sabem... se nós embarcarmos nessa proposta... sempre vai está certo né Professora 21... se nós embarcarmos nessa proposta... que a perspectiva é que está certo... vai só melhorar..." (Professor Formador 1).

Após reiterar a relevância da atualização de conteúdos, o Professor Formador 1 comenta a importância de compartilhar as experiências e conhecimentos pedagógicos, e aprimorá-los. Assim, baseado no método da investigação-ação, reitera que partem/partimos da perspectiva de que está certo, porém no coletivo vamos aprimorar os conhecimentos e ações em sala de aula. O Professor Formador 1 busca reafirmar o modelo de formação para que os sujeitos compreendam a proposta de formação baseada na melhoria da prática pedagógica através da investigação-ação, que está pautada numa racionalidade prática e não técnica. Também pode ser percebido que a Professora 21 está desenvolvendo a narração de suas aulas, que aos poucos pode se constituir em um processo investigativo e formativo, o que evidencia a aceitação do modelo de formação, ainda que sem a definitiva consciência sobre o processo.

De acordo com Rosa & Schnetzler (2003, p. 2), "na parceira colaborativa, a reflexão e a intervenção na realidade se viabilizam a partir da interação entre pares". A formação do professor ocorre a partir das interações sociais, que viabilizam a troca e movimentos de reflexão partilhados, que podem suscitar em reflexão pessoal e problematização de sua ação e teorias, coma formulação de novas possibilidades de intervenção. Portanto, a reflexão e a transformação da prática são duas formas de intervenção. "A contribuição da investigação educativa à prática educativa deve evidenciar-se em melhoras reais das práticas educativas concretas, dos entendimentos atuais destas práticas por seus praticantes e das situações concretas em que estas práticas se produzem" (Carr & Kemmis, 1988, p.172). Portanto, na investigação-ação o sujeito investiga a sua ação, reflete e a transforma, trazendo dentro de si concepções de ensino, que a partir do diálogo e reflexão compartilhada podem ser transformadas e aprimoradas na prática educativa.

No turno T3 observamos que a partir da narrativa compartilhada, a Professora 3 se reconhece naquelas concepções e afirma que irá ampliar aquele conhecimento:
"sabe, clareou muita coisa pra mim... sei... eu já tinha... a gente já tinha conhecimento disso... mas parece que [...] eu sei (por mim)... muito dessa leitura que ela fez... e eu vou ampliar isso aqui [...] tem muita coisa escrita guardada... que eu vou ampliar" (Professora 03).

Neste fragmento, podemos perceber a autonomia da Professora que buscará aprofundar o seu próprio conhecimento em forma escrita, o que deverá gerar reflexão e construção autônoma de significados. Dessa forma, é evidenciado o nível emancipatório de aprendizagem, que instiga o professor a realizar um exame sistemático, em que "planeja cuidadosamente, trabalha deliberadamente, observa sistematicamente as consequências de suas ações, e reflete criticamente sobre as limitações da situação e sobre as possibilidades práticas da ação estratégica considerada" (Carr & Kemmis, 1988, p. 57).

No T7, podemos perceber na narrativa compartilhada pela Professora 12 que a mesma reconhece a relevância da participação, interação e diálogo em sala de aula, assim ressalta a necessidade de realizar mais atividades práticas:

"essa prática... foi diferente... os alunos ficaram ENVOLVIDOS... DIALOGARAM... INTERAGIRAM... participaram MUITO... o que eu não observava quando eu fazia a demonstração... que [...] realizar MAIS as atividades práticas... os alunos se..." (Professora 12).

A interação e o diálogo supõem troca de ideias, portanto o ensino não é transmissivo, os conceitos são construídos através do diálogo, o que demonstra uma concepção de ensino de caráter dialógico. Dessa forma, na narrativa da Professora percebemos que o nível de investigação educativa é pautado na racionalidade prática correspondendo ao nível prático, à medida reflete sobre a importância da prática de ensino dialógica e o papel das atividades práticas para a maior participação dos alunos. Esse processo de análise e reflexão sobre a prática é desenvolvido de forma particular e narrado no diário de bordo, porém é importante destacar que a reflexão crítica pode ser percebida nas narrativas e pode ser resultado do processo formativo no coletivo docente, porém no episódio transcrito não está explícita. A reflexão é pessoal e a professora percebe novas possibilidades de atuação pedagógica, assim preserva a sua autonomia e se constitui pela reflexão da prática, à medida que é possível perceber evidências da transformação de concepções de ensino. 

Carr & Kemmis (1988, p. 58), nos apontam que "para uma autonomia profissional mais extensa e umas responsabilidades mais dilatadas, é preciso que sejam os próprios docentes quem constroem a teoria educativa, por meio de uma reflexão crítica sobre seus próprios conhecimentos práticos". Nesse sentido, destacamos que a detecção do nível de investigação emancipatório ou crítico não se tornou possível nos turnos de fala analisados. Porém, defendemos que pelo processo de formação vivenciado no coletivo docente em questão, este nível esteja presente. Portanto, podemos inferir que o grupo de formação avança para esse nível mais profícuo de constituição/formação docente, porém este é um processo gradativo que se dá pelo desenvolvimento da reflexão dos sujeitos em formação. Em contexto prático de atuação docente é possível sugerir várias ações contextuais que demonstrem o nível emancipatório ou crítico, como a escrita de relatos de experiência por parte de professores participantes para o Encontro Investigações na Escola. Torna-se importante frisar que defendemos a possibilidade de desenvolvimento do nível emancipatório ou crítico pela reflexão do professor e construção autônoma do conhecimento pedagógico, pois o coletivo de formação tem como princípio a investigação-ação que favorece este tipo de desenvolvimento de investigação educativa.

Portanto, as concepções de ensino podem influenciar no nível de investigação educativa, sugerindo na necessidade de transformar as concepções para a formação do professor investigador e reflexivo. Por isso, a mudança na formação dos professores implica em transformar suas crenças, para que compreendam o processo de investigação e reflexão como formativo de sua docência, e também como possibilidade de formação dos alunos em sujeitos reflexivos (Alarcão, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados, podemos perceber que o triplo diálogo, na acepção de Alarcão (2010), é emanado em contextos colaborativos de formação de professores. O diálogo consigo mesmo é emanado quando o professor questiona suas próprias concepções, possibilitado pelo diálogo com a teoria e com os outros, que propõe novas concepções de docência, o que implica em dialogar internamente e questionar-se sobre suas concepções e práticas docentes. Podemos perceber também que a narração escrita no diário de bordo pode se concretizar em uma possibilidade para o diálogo consigo próprio, com a teoria e com a situação prática. Porém, defendemos a relevância do compartilhamento das narrativas para o contraste de ideias, tornando o diálogo ainda mais profícuo e formativo, reitando-se a importância das interações sociais em contextos colaborativos para a constituição docente.

O diálogo torna-se formativo, uma vez que percebemos o desprendimento de aulas tradicionais, com o reconhecimento da importância de atividades práticas e significativas aos alunos. O reconhecimento de concepções de docência a partir do diálogo é eminente, como no exemplo em que a Professora reconhece que é muito dura com os alunos. Essa fala pode evidenciar um movimento de formação que tem o diálogo com o outro, consigo próprio, com a teoria e com a situação prática. Desta forma, ressaltamos a importância da formação compartilhada, no coletivo, à medida que os movimentos formativos e dialogados aos poucos, na fala dos professores, vão evidenciando a constituição de profesores, de Ciências e Biologia, mais autônomos e críticos. Em nosso entendimento, à medida que o diálogo pode tornar-se formativo, evidencia-se a relevância do coletivo docente, pois, pode transformar teorias e práticas, conforme almejado.

A relevância do compartilhamento de práticas e reflexão no coletivo é reconhecida pelos sujeitos, o que reafirma as potencialidades da metodologia de formação que adotamos no grupo já descrito e que defendemos: investigação-ação. O coletivo docente é um momento em que pode ser identificado o desenvolvimento do diálogo e a reflexão compartilhada. Ressaltamos que o processo de diálogo reflexivo que analisamos é guiado pelo professor formador, que adverte sobre a importância da narração das aulas, investigação e reflexão e demarca um papel de mediação na figura dos formadores.

Percebemos que as concepções de ensino influenciam nos níveis de investigação educativa. É evidenciada uma concepção de transmissão de conhecimentos, à medida que a uma Professora apenas descreve em seu diário de bordo as falas da palestrante, sem analisar ou refletir. Isso demonstra também a relação com um modelo de formação de atualização de conhecimentos, portanto evidencia um nível técnico de investigação, baseado na racionalidade técnica. É possível perceber também que algumas concepções de aprendizagem estão se transformando e podem ser aprimoradas. Por exemplo, enquanto os sujeitos descrevem a importância da participação, interação e diálogo em sala de aula durante o desenvolvimento da aula prática, evidencia-se uma concepção de ensino de caráter dialógico, baseada numa racionalidade prática, o que também caracteriza o nível de investigação prático, pois é evidente a reflexão do sujeito sobre a sua prática. Ademais apostamos que todo o processo formativo esteja promovendo no grupo em curto prazo um nível de Investigação Educativa emancipatório ou crítico, pois o coletivo docente dá pistas, sinais, indicativos (tais como a produção de diálogos e escritas cada vez mais reflexivas) de que o processo atua sobre as concepções e práticas dos professores envolvidos na formação.

Nesse sentido, reiteramos a importância do diário de bordo para a narração escrita, uma vez que o mesmo é um instrumento de diálogo e reflexão. O método de sistematização de práticas também é um momento profícuo para o compartilhamento de ideias e reflexão conjunta. Com base nisso, ressaltamos o potencial do compartilhamento de narrativas para a análise e reflexão da própria prática pelo professor, que realiza um diálogo formativo consigo próprio. Esse diálogo consigo próprio, emanado a partir da escuta da narrativa do outro, é importante que incentive também o diálogo no coletivo. O diálogo em todos os seus níveis se somam para gerar uma reflexão sobre o movimento de formação. Desse tipo de ação reflexiva depreende-se o conceito de investigação-formação-ação. Ressaltamos, assim, a relevância de grupos colaborativos, baseados no modelo da investigação-ação, que tem o diálogo formativo e a reflexão como princípios formativos, pois percebemos que esse movimento de formação repercute em transformação de concepções e práticas docentes.

Notas al pie

1Para a manutenção do anonimato, o sujeito de pesquisa foi nomeado como "Professora 18", conforme descrito na metodologia.

2A Professora 3 refere-se à leitura da narrativa realizada pela Professora 18, mais específicamente, segundo a professora: "quando ela colocou assim... nós somos diferentes do olhar... do ser... do pensar... é IMPORTANTE saber CONVIVER com essas diferenças..." (ver episódio 2, T13).

3A Professora 3 destaca que irá ampliar a reflexão em outro momento. Porém, anteriormente já reflete sobre a importância de "conviver com essas diferenças... trazermos as nossas origens..." (ver episódio 2, T13), por exemplo. Portanto, pode ser um indício do surgimento de reflexões a partir do compartilhamento de narrativas.

iNormas para a transcrição de sinais (Carvalho, 2006, p. 36): Para marcar qualquer tipo de pausa deve-se empregar reticências no lugar dos sinais típicos da língua escrita, como ponto final, vírgula, ponto de exclamação, dois pontos e ponto-e-vírgula. O único sinal de pontuação a ser mantido é o ponto de interrogação; hipóteses do que se ouviu (  ); inserção de comentários do pesquisador (( )); prolongamento de vogal ou consoante::; truncamento de palavras/; silabação -; letras maiúsculas para entonação enfática; turnos superpostos  _____; falas simultâneas [ ]; simultaneidade das diversas linguagens, por exemplo, oral e gestual, deve-se alterar a formatação da fonte utilizando letras em negrito, itálico ou sublinhado.

BIBLIOGRAFÍA

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