SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.34 suppl.1Astronomía en la formación inicial de profesores en físicaDiscutindo natureza da ciência a partir do esquema de Toulmin: contribuições para o ensino de física author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista de enseñanza de la física

Print version ISSN 0326-7091On-line version ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.34  supl.1 Cordoba Dec. 2022

 

Relatos de aula

Análise de artigos de divulgação científica sobre o centenário do eclipse de 1919 em Sobral e a suposta confirmação da relatividade geral

Clair de Luma Capiberibe Nunes1 

Wellington Pereira de Queirós1 

1Universidade Federal do Paraná, Brasil.. 2Departamento de Teoria e Prática de Ensino / Programa de Pós-Graduagao em Educado em Ciencias e em Matemática / Grupo de Pesquisa em Ensino e Aprendizagem em Ciencias e Matemática. *E-mail: mikaellyrafaela@gmail.com

Resumo

Energia é uma grandeza sem definigao que tem inegável importancia conceitual e tecnológica. No entanto, a literatura indica que o modo como ela é abordada na educagao básica é falho, favorecendo a construgao e a manutengao de concepgoes equivocadas sobre o conceito. Também, é dificultado o entendimento de que energia é um conceito presente em toda a Física e que apresenta caráter interdisciplinar e indissociável de sua transformagao e conservagao. Diante disso, este ensaio visa investigar como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aborda tal grandeza. A BNCC foi escolhida porque é o atual documento norteador da educagao básica brasileira. Assim, foram analisadas as habilidades referentes a energia nos anos iniciais e finais do ensino fundamental (EF) e do ensino médio (EM). Desse modo, chegou-se a conclusao de que o tratamento dado ao conceito é insuficiente, já que existem problemas nas habilidades desde os anos iniciais do EF até o EM. A natureza epistemológica do conceito nao é levada em consideragao pelo documento, tampouco é respeitada a dependencia entre o conceito de energia e a sua conservagao. Este ensaio pretende alertar sobre a adequagao do documento que norteia o ensino de Ciencias/Física aos seus conceitos. Sendo assim, embora a BNCC proponha uma reforma educacional, ao menos no que diz respeito ao conceito investigado, as dificuldades já relatadas pela literatura serao mantidas.

Palavras-chave: Educagao básica; Base nacional comum curricular; Ensino de física.

Abstract

Energy is an undefined quantity with an undeniable conceptual and technological importance. However, the literature indicates that the manner it is approached in Brazilian Basic Education is scant, favoring the construction and conservation of alternatives conceptions about the concept. Besides, it hinders to understand that energy is present in all Physics concepts and has an inter-disciplinary character and inseparable from its transformation and conservation. Therefore, the aim of this essay is to investigate how the Brazilian Common Curricular Base addresses this physical quantity. This document was chosen because it is the current guiding document for Brazilian basic education. Thus, were analyzed the skills referent to energy in the initial and final years of Elementary School (EE) and in the High School (HS). Thereby, it was concluded in this paper that the treatment given to the concept is insufficient, insofar as are problems in the skills from the early years of EE until the HS. The epistemological nature of the concept is not considered by the document analyzed and the dependence between the concept of energy and its conservation is not respected. This essay intends to warn about the adequacy of the document that guides Science / Physics teaching to its concepts. So, although the Brazilian Common Curricular Base proposes an educational reform, at least regarding the concept investi-gated, will be maintained the difficulties already reported by the literature.

Keywords: Brazilian basic education; Brazilian common curricular base; Physics teaching

introducto

Embora energia seja um conceito interdisciplinar e presente na linguagem cotidiana, pouco se sabe sobre sua natu-reza e na Física atual nao nos preocupamos com a sua definigao (Feynman, 2017). De acordo com Moreira (1998, p. 6) "energia, assim como outros conceitos físicos fundamentáis como, por exemplo, tempo, carga elétrica ou temp e-ratura, nao sao definidos". O autor explica que tais conceitos podem ser definidos apenas operacionalmente, por exemplo, ao se admitir que temperatura é aquilo que o termómetro mede. Desse modo, pode-se afirmar que a definigao de energia como a capacidade de realizar trabalho é apenas operacional, embora usual, retrata precariamente a essencia do conceito. No entanto, essa indefinigao nao o torna menos relevante - pelo contrário, o conceito conecta diferentes saberes, o que caracteriza a sua relevancia conceitual e tecnológica (Assis & Teixeira, 2003;Angotti, 1993).

Apesar da natureza do conceito nao ser bem explicitada, sabe-se que "há certa quantidade, denominada energia, que nao muda nas múltiplas modificagoes pelas quais passa a natureza" (Feynman, 2017, p. 91), o que torna a co n-servagao sua característica mais relevante. Assim, percebe-se que a natureza do conceito energia está intimamente relacionada a conservagao da grandeza, de modo que nao é possível discutir uma coisa sem considerar a outra.

Com base em uma revisao de literatura, Assis e Teixeira (2003) constataram que as concepgoes iniciais mais co-muns sobre energia incluem considerá-la: algo material; sinónimo ou fonte de forga; obrigatoriamente associada ao movimento; e associada a atividades humanas. As autoras ainda ressaltam que a usual apresentagao de energia como "capacidade de realizar trabalho" restringe o conteúdo a mecánica e implica associagoes e confusoes com conceitos como forga, trabalho e movimento. Assim, pela visao desses autores, é possível notar que o modo como o conceito energia é abordado na educagao básica se distancia do ideal, já que nao explora a intrínseca relagao entre essa grandeza e a sua conservagao e transformagao, tampouco sua natureza epistemológica.

Diante da indefinigao do conceito energia e da precariedade da forma como é apresentado na educagao básica, torna-se necessário entender como o atual documento norteador da educagao brasileira sugere que o conceito seja abordado, a fim de refletir sobre quais lacunas podem permanecer no processo de aprendizagem da grandeza. Assim, este ensaio busca compreender como o conceito energia é abordado pelo Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento estruturante da educagao brasileira, cuja versao final foi publicada em 2017.

ii. base nacional comum curricular

A BNCC "é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgánico e progressivo de aprendizagens es-senciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da educagao básica" (Brasil, 2017, p. 7). O documento visa assegurar um nível comum mínimo e essencial de aprendizagens a todos os estudan-tes brasileiros, bem como assegurar o desenvolvimento de dez competencias gerais comuns a toda a educagao básica, entendidas:

Como a mobilizagao de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (Brasil, 2017, p. 8)

As competencias gerais dizem respeito as tres etapas normatizadas pelo documento: educagao infantil (EI), ensino fundamental (EF) e ensino médio (EM). Ainda:

BNCC e currículos tem papéis complementares para assegurar as aprendizagens essenciais definidas para cada etapa da educagao básica, uma vez que tais aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisoes que caracterizam o currículo em agao. (Brasil, 2017, p. 16)

Portanto, a BNCC nao deve ser entendida como o próprio currículo, mas sim como o guia das agoes curriculares. O documento visa orientar a elaboragao e a reelaboragao dos currículos estaduais e municipais, de modo que as competencias podem ser entendidas como objetivos comuns que os currículos devem assegurar em cada etapa da escolarizagao. No entanto, a organizagao da EI nao apresenta uma estrutura específica que aborde o conceito de energia, de modo que este ensaio contemplará apenas o EF e o EM.

A. Ensino fundamental

O EF é organizado na BNCC em áreas do conhecimento, cada qual com competencias específicas e relacionadas aquelas gerais da educagao básica. As áreas do conhecimento possuem um ou mais componentes curriculares, com.

No caso de áreas que possuem mais de um componente curricular, existem competencias específicas para cada um deles (Brasil, 2017). A título de exemplo, a área de conhecimento Linguagens possui os componentes curriculares Língua Portuguesa, Arte, Educagao Física e Língua Inglesa. Já a área de conhecimento de interesse deste ensaio, Ciencias da Natureza, possui apenas o componente curricular Ciencias no nível fundamental de ensino.

As competencias específicas devem facilitar o desenvolvimento entre os anos iniciais (1° ao 5° ano) e anos finais (6° ao 9° ano) do ensino fundamental. Para que as competencias específicas sejam asseguradas, cada componente curricular é dividido em unidades temáticas, as quais, em Ciencias, sao: Matéria e Energia; Vida e Evolugao; e Terra e Universo. As competencias específicas da área Ciencias da Natureza se referem as tres unidades temáticas, de modo que para o EF nao existem relagoes explícitas entre elas e a unidade temática de interesse deste ensaio. Uma vez que este ensaio visa compreender como a BNCC aborda o conceito energia, a unidade temática investigada será Matéria e Energia. De acordo com o documento:

A unidade temática Matéria e Energia contempla o estudo de materiais e suas transformagoes, fontes e tipos de energia utilizados na vida em geral, na perspectiva de construir conhecimento sobre a natureza da matéria e os diferentes usos da energia. (Brasil, 2017, p. 325)

As unidades temáticas tem objetos de conhecimento específicos para cada ano e esses objetos, por sua vez, tem habilidades específicas que os garantem. As habilidades sao identificadas na BNCC por um código alfanumérico, no qual o primeiro par de letras indica a etapa da educagao básica, o primeiro par de números, o ano a que se refere a habilidade; já o segundo par de letras indica o componente curricular e o segundo par de números, indica a numera-gao sequencial (nao hierárquica) da habilidade no ano (Brasil, 2017). Mesmo afirmando que "as habilidades nao descrevem agoes ou condutas esperadas do professor nem induzem á opgao por abordagens ou metodologias" (Brasil, 2017, p. 30), sabe-se que elas orientam tais escolhas, de modo que a forma com a qual abordam os conteúdos será refletida no ambiente escolar.

A figura 1 sintetiza a estrutura da BNCC para o EF (lado esquerdo) e o recorte da análise feita neste ensaio (lado direito).

FIGURA 1: Fluxograma da estrutura da BNCC para o EF e o recorte da análise para este ensaio. Fonte: As autoras (2021).

B. Ensino médio

No EM, é dado continuidade ao desenvolvimento dos conteúdos do EF. Contudo, sua organizagao é simplificada quando comparada a do EF. No EM, há quatro áreas do conhecimento, sendo a área de interesse deste ensaio a de Ciencias da Natureza e suas Tecnologias (CNT). De maneira análoga ao EF, cada área do conhecimento apresenta competencias específicas de área, garantidas pelas habilidades, sendo estas descritas por um código alfanumérico similar ao do EF.

Apenas duas áreas do conhecimento possuem componentes curriculares explicitados, sao elas: Linguagens e suas Tecnologias, com o componente Língua Portuguesa, e Matemática e suas Tecnologias, com o componente Matemática. Sobre isso, o documento explica:

Em fungao das determinares da Lei n° 13.415/2017, sao detalhadas as habilidades de Língua Portuguesa e Matemática, considerando que esses componentes curriculares devem ser oferecidos nos tris anos do ensino médio. (Brasil, 2017, p. 32)

Assim, nao existem, por exemplo, habilidades específicas para a Física, tampouco é assegurada a oferta da disciplina nos tres anos do EM. Para o EM, sao acrescentados, ainda, itinerários formativos, cuja discussao a respeito foge do escopo deste ensaio.

No EM, em relagao ao EF, mantém-se a unidade temática Matéria e Energia, mas Vida e Evolugao e Terra e Universo fundem-se em Vida, Terra e Cosmos. A fim de atingir o objetivo deste ensaio, a unidade temática analisada será Matéria e Energia. De acordo com a BNCC:

Em Matéria e Energia, no ensino médio, diversificam-se as situagoes-problema, referidas nas competencias específicas e nas habilidades, incluindo-se aquelas que permitem a aplicagao de modelos com maior nivel de abstragao e que buscam explicar, analisar e prever os efeitos das interagoes e relagoes entre matéria e energia. (Brasil, 2017, p. 548)

A área de conhecimento CNT possui tres competencias específicas, sendo que a primeira delas, Matéria e Energia, se relaciona a unidade temática foco deste ensaio. Essa competencia sugere que os estudantes devem:

Analisar fenómenos naturais e processos tecnológicos, com base nas interagoes e relagoes entre matéria e energia, para propor agoes individuais e coletivas que aperfeigoem processos produtivos, minimizem impactos socioambientais e melho-rem as condigoes de vida em ámbito local, regional e global. (Brasil, 2017, p. 553)

Diante disso, para o EM serao analisadas as habilidades relacionadas a essa competencia específica que abordam o conceito de energia sob a perspectiva da Física.

De maneira análoga a figura 1 apresentada para o EF, a figura 2 sintetiza a estrutura do documento analisado (lado esquerdo) e o recorte da análise feita para o EM (lado direito).

FIGURA 2: Fluxograma da estrutura da BNCC para o EM e o recorte da análise para este ensaio. Fonte: As autoras (2021).

ENSINO FUNDAMENTAL

Ao analisar as habilidades da unidade temática Matéria e Energia dos anos iniciais do EF, constatou-se que energia figura pela primeira vez no 5° ano, na habilidade EF05CI02, presente no objeto de conhecimento Ciclo hidrológico. Ela diz respeito a aplicadlo dos conhecimentos de estados físicos da água na explicadlo do ciclo hidrológico, bem como sua implicadlo, entre outras coisas, na geradlo de energia elétrica. Esse é o primeiro momento em que o con-ceito energia é citado; no entanto, além de abordar uma forma específica de energia, o conceito desempenha apenas papel secundário na habilidade.

O conceito energia volta a aparecer apenas nos anos finais do EF, especificamente no 7° ano, em 4 habilidades específicas, no 8° ano, em 6 habilidades, e no 9° ano, em 3 delas.

Para o 7° ano, foram identificadas duas habilidades relacionadas ao objeto de conhecimento Formas de propagadlo de calor. A habilidade EF07CI02 diz respeito a diferenciadlo de temperatura, calor e sensadao térmica em situa-does de equilibrio termodinamico cotidianas; e a habilidade EF07CI03 sugere que os conhecimentos de formas de propagadlo de calor sejam aplicados para justificar o uso de materiais condutores ou isolantes e para explicar o funcionamento de alguns equipamentos, por exemplo a garrafa térmica, além de extrapolar esse conhecimento para novas soludoes tecnológicas. Uma vez que nlo existe espado anterior na Base para discutir questoes relativas a energia e sua conservadlo, isso implica em que da abordagem decorra a admisslo equivocada de que calor e energia térmica seriam sinónimos. Assis e Teixeira (2003, p. 49) alertam que existem concepdoes equivocadas em associ-adlo ao conceito de energia, entre elas a de calor como uma forma de energia, e nlo como energia em transito devido a um gradiente de temperatura. A própria definidlo do objeto de conhecimento é feita de modo equivocado, uma vez que calor é um processo de transferencia de energia e processos nlo podem ser propagados.

Ainda no 7° ano do EF, a habilidade EF07CI04, pertencente ao objeto de conhecimento Equilibrio termodinamico e vida na Terra, propoe que seja feita a avahadlo da importancia do equilibrio termodinamico para a vida na Terra, bem como para máquinas térmicas e demais situadoes. Já o objeto de conhecimento História dos combustíveis e das máquinas térmicas apresenta a habilidade EF07CI05, que trata de discussoes históricas sobre uso de máquinas térmicas e diferentes tipos de combustíveis, avaliando também questoes económicas e socioambientais envolvidas. Apesar de existirem habilidades referentes a máquinas térmicas, em nenhum momento o documento indica a dis-cusslo sobre o funcionamento de tais máquinas, o que incluiria sua dependencia para com o conceito de energia térmica.

No 8° ano do EF, o conceito energia aparece intrinsecamente relacionado a eletrodinamica. Para o objeto de conhecimento Fontes e tipos de Energia, a habilidade EF08CI01 propoe identificadlo e classificadlo de fontes de energia em renováveis e nlo renováveis e identificadlo e classificadlo de diferentes tipos de energia em ambientes cotidianos. O objeto Circuitos elétricos apresenta, na habilidade EF08CI02, a construdlo de circuitos elétricos com elementos básicos e, em seguida, sua comparadlo com análogos residenciais. Já para o objeto de conhecimento Transformadlo de Energia, a habilidade EF08CI03 indica a classificadlo de equipamentos elétricos residenciais em reladlo ao tipo de transformadlo de energia que envolve seu funcionamento. Embora as habilidades anteriores já tratassem de diferentes tipos de energia, somente nesse momento o assunto é citado explicitamente no documento. De acordo com Angotti (1993, p. 193), o ensino de ciencias naturais com enfase conceitual é justificado "pela necessidade de articulando entre saberes que, pela sua origem, abordagem, separagao rígida em disciplinas de currí-culos, parecem distintos, embora mantenham tragos comuns". Apenas a classificadao dos diferentes tipos de energia nos equipamentos, sem a discusslo sobre a existencia de tipos de energia, poderia levar ao entendimento de que esses tipos slo desassociados. Além disso, nlo é explorada a diferenda entre formas e fontes de energia.

Na mesma série, no objeto de conhecimento Cálculo de consumo de energia elétrica está a habilidade EF08CI04, que preconiza o cálculo do consumo de energia elétrica pelos eletrodomésticos com base na potencia do equipa-mento e no tempo de consumo, a fim de avaliar a contribuidlo de cada aparelho no consumo mensal de eletricida-de. Já no objeto de conhecimento Uso consciente de energia elétrica, tem-se duas habilidades distintas. A codificada como EF08CI05 solicita que sejam propostas adoes em ambientes coletivos para otimizar o uso da energia elétrica por meio da escolha de equipamentos sustentáveis e de hábitos de consumo responsáveis. Já a habilidade EF08CI06 propoe que os impactos socioambientais e as semelhandas e as diferendas da geradlo de energia elétrica em diferentes tipos de usina sejam comparados e, ainda, assinala que seja discutido o percurso da energia até os ambientes nos quais ela é usada. A discusslo sobre as características das diferentes usinas nlo pode ser feita sem falar sobre os tipos de energia envolvidos. Conforme apontamentos discutidos até aqui, principalmente no modo como os tipos de energia slo abordados, possivelmente haverá impacto nessa habilidade. Também, o princípio de conservadlo de energia deixa de ser explorado, de modo que o conceito energia pode permanecer menos aprimorado. Para Henri-que (1996, p. 12 como citado em Assis & Teixeira 2003, p. 46) "nas abordagens tradicionais, este conceito é tratado como se tivesse existencia independente da conservagao", o que, para o autor, estaria na contramlo da natureza do conceito, já que ele "emergiu na ciéncia para dar conta de 'algo' que ao se transformar se conserva" (Henrique, 1996 como citado em Assis & Teixeira, 2003, p. 29).

Com relagao ao 9° ano do EF, as habilidades relacionadas a Física se voltam para a Física Moderna. Nao existem habilidades diretamente relacionadas a energia, no entanto é possível fazer algumas aproximares. O objeto de conhecimento Estrutura da matéria inclui a habilidade EF09CI03, que tem como objetivo assegurar que os estudan-tes identifiquem modelos que descrevem a constituido atómica e molecular, bem como sua evolugao histórica. Embora esse seja um momento oportuno para falar de energia nuclear e sua relagao com usinas nucleares, ela nao é citada diretamente.

Por sua vez, o objeto de conhecimento Radiagoes e suas implicagoes na saúde possui duas habilidades. A habilidade EF09CI06 menciona que seja feita a classificagao das radiagoes eletromagnéticas de acordo com a frequencia, a fonte de emissao e as aplicagoes, voltando a discussao, também, para as aplicagoes cotidianas. Já a habilidade EF09CI07 argumenta sobre a importancia do avango tecnológico no emprego das radiagoes na Medicina, tanto para diagnosticar quanto para tratar doengas. No entanto, nao é indicado espago para debater o que é radiagao e qual sua relagao com energia.

A partir da análise, constata-se que em diferentes momentos o documento deixa margem para fortalecer enganos conceituais conhecidos na literatura. Isto ocorre, por exemplo, quando a diferenciagao entre calor e energia térmica nao é explicitada. Também, a BNCC deixa de indicar relagoes importantes, como quando nao explora a importancia e generalidade da conservagao de energia.

ENSINO MÉDIO

As habilidades do EM correspondem a todos os anos dessa etapa escolar. Nao existem objetos de conhecimento para o EM, de modo que as habilidades se referem tanto ao estudo da matéria quanto ao da energia. Assim, será destacado apenas o tratamento dado a energia, como ocorre em 5 habilidades.

A habilidade EM13CNT101 sugere que os estudantes analisem e representem as transformagoes e as conserva-goes em sistemas que envolvem, entre outras coisas, quantidade de energia, para que, com base nisso, sejam realizadas previsoes a respeito de seu funcionamento em situagoes diversas. A habilidade EM13CNT102 se refere a termodinamica e indica, também, que sejam construídos protótipos de sistemas térmicos, considerando a sustenta-bilidade e observando os efeitos das variáveis termodinámicas no processo. A habilidade EM13CNT103 indica que o conhecimento sobre radiagoes seja usado para avaliar os riscos e as possibilidades de sua utilizagao para, entre outras coisas, a geragao de energia elétrica. A habilidade EM13CNT106 preconiza que os estudantes considerem solu-goes para as demandas envolvendo a geragao, o transporte, a distribuigao e o consumo de energia elétrica, refletindo sobre as questoes envolvidas no processo, como a produgao de residuos. A habilidade EM13CNT107 se ocupa do eletromagnetismo, indicando o estudo do funcionamento de geradores, motores elétricos, bobinas, transformadores, pilhas e demais dispositivos, considerando os processos de transformagao e condugao de energia relacionados, a fim de que sejam propostas agoes sustentáveis.

Em comum, essas habilidades pressupoem um conhecimento científico que seria desenvolvido no EF e serviria de base para consolidar e aprofundar aspectos que envolvem a cidadania e a atuagao em sociedade, principalmente. No entanto, ocorre recorrencia a questoes problemáticas já discutidas para o EF, como a nao diferenciagao entre calor e energia térmica, que será refletida na habilidade do EM sobre sistemas térmicos, bem como a falta de defini-gao de radiagao no EF, que dificultará o sucesso da habilidade do EM que se refere ao conceito. Por serem consecutivos, há o impacto do EF sobre o EM, o que poderia levar a prejuízos ao desenvolvimento das habilidades estruturantes da aprendizagem de conteúdos interligados.

Assim, mesmo nao apresentando objetos de conhecimento, percebe-se nas habilidades dispostas para o EM o mesmo tratamento dado as do EF, portanto, repetindo-se inconsistencias conceituais e sendo afetado por elas. Muitas vezes, inclusive, reiterando concepgoes alternativas amplamente criticadas e combatidas nas pesquisas da área há décadas, em ámbito internacional (Champagne, Gunstone & Klopfer, 1983; Brown, 1992; Scott, Asoko & Driver, 1992; Eryilmaz, 2002) e nacional (Arruda & Villani, 1994; Mortimer, 2016).

CONSIDERALES FINAIS

Diante da importáncia do conceito de energia e da abrangencia e impacto da BNCC, a existencia de uma unidade temática denominada Matéria e Energia traz grandes expectativas. No entanto, ao analisar as habilidades referentes a energia, é possível inferir que o conceito é negligenciado desde os anos iniciais do EF até o EM.

A natureza epistemológica e interdisciplinar e a evoludlo histórica da grandeza nao sao levadas em consideradlo pelo documento. Ainda, nenhuma habilidade se refere especificamente ao principio de conservadlo de energia, o que dificulta a compreenslo de que o conceito energia é comum a todas as áreas da Física. As habilidades que indi-cam apenas classificaglo em diferentes tipos de energia corroboram com essa vislo.

No EF, a diferenciadlo entre calor e energia térmica nlo é sugerida e também nlo é indicada a dependencia des-sa forma de energia com o funcionamento de máquinas térmicas. Já no EM, além das inconsistencias relatadas, a relaglo entre energia e entropia nlo é abordada nas habilidades que se referem a termodinámica, o que poderia ser oportunamente realizado já que, conforme ressalta Angotti (1991, p. 140 como citado em Assis & Teixeira 2003, p. 41), o conceito de energia "sinaliza para o mais sofisticado principio da termodinámica, o do crescimento da entropia''.

Além disso, nlo slo bem explorados os conceitos de radiadlo e energia nuclear, o que é preocupante, uma vez que eles frequentemente slo apresentados pela midia e por demais meios de comunicadlo de maneira nlo científica (Valente, Barcellos, Salém & Kawamura, 2008; Araújo & Dickman, 2013), favorecendo a construdlo e a manuten-dlo de concepdoes equivocadas sobre a Física Nuclear. Assim, o ideal é que didaticamente tais concepdoes sejam discutidas para que os estudantes possam se posicionar de maneira científica sobre assuntos atuais, por exemplo, sobre o uso de energia nuclear. E, uma vez que a BNCC se mostra preocupada com a formadlo do cidadlo, deveria, neste caso, fomentar discussoes sobre decisoes energéticas.

De modo geral, foi possível observar que os problemas relatados no EF se refletem no EM, tornando a aprendi-zagem do conceito energia questionável em toda a educadlo básica. Assim, apesar de a BNCC propor em seu discurso a melhoria da educadlo brasileira, ao menos no que diz respeito ao conceito tratado neste ensaio, as dificuldades já relatadas pela literatura serlo mantidas. Cabem entlo reflexoes, como as feitas por Mozena e Ostermann (2016) e Franco e Munford (2018), sobre os reais interesses envolvidos na elaboradlo e na implementadlo do documento.

Embora este ensaio se refira a um documento nacional, é de interesse que esse tipo de análise seja feito para ou-tros documentos que regem a educadlo de cada país, uma vez que o ensino de Física no Brasil apresenta dilemas adequadamente comparáveis aos de outros lugares, sobretudo no contexto latino-americano.

REFERENCIAS

Angotti, J. A. P. (1993). Conceitos unificadores e ensino de Física. Revista Brasileira de Ensino de Fisica, 15(1-4), 191-198. [ Links ]

Araújo, M. C. & Dickman, A. G. (2012). Energia nuclear e radioatividade: Como estes tópicos slo abordados pelos pro-fessores no ensino médio. Apresentado no IX Encontro Nacional de Pesquisa em Educagao em Ciencias, 10-14 de no-vembro, Águas de Lindóia, SP. [ Links ]

Arruda, S. M. & Villani, A. (1994). Mudanda conceitual no ensino de Ciencias. Caderno Catarinense de Ensino de Fisica, 11(2), 88-99. [ Links ]

Assis, A. & Teixeira, O. P. B. (2003). Algumas consideradoes sobre o ensino e a aprendizagem do conceito de energia. Ciéncia & Educagao, 9(1), 41-52. [ Links ]

Brasil. Ministério da Educadlo. Secretaria de educadlo básica. (2017). Base Nacional Comum Curricular. Educagao é a base. Brasília: MEC/CONSED/UNDIME. Obtido em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em 23 de setem-bro de 2020. [ Links ]

Brown, D. E. (1992). Using examples and analogies to remediate misconceptions in Physics: Factors influencing conceptual change. Journal of Research in Science Teaching, 29(1), 17-34. [ Links ]

Champagne, A. B., Gunstone, R. F. & Klopfer, L. E. (1983). Effecting Changes in Cognitive Structures Amongst Physics Students. Washington, D.C.: ERIC Clearinghouse. [ Links ]

Eryilmaz, A. (2002). Effects of conceptual assignments and conceptual change discussions on students' misconceptions and achievement regarding force and motion. Journal of Research in Science Teaching, 39(10), 1001-1015. [ Links ]

Feynman, R. F. (2017). Fisica em 12 ligoes: fáceis e nao tao fáceis. (2a ed.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. [ Links ]

Franco, L. G. & Munford, D. (2018). Reflexoes sobre a Base Nacional Comum Curricular: Um olhar da área de Ciencias da Natureza. Revista Horizontes, 36(1), 158-170. [ Links ]

Moreira, M. A. (1998). Energia, entropia e irreversibilidade. Textos de Apoio ao Professor de Física, (9), 1-38. [ Links ]

Mortimer, E. F. (2016). Construtivismo, mudanza conceitual e ensino de ciencias: para onde vamos? Investigares em Ensino de Ciéncias, 1(1), 20-39. [ Links ]

Mozena, E. R. & Ostermann, F. (2016). Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Ensino de Física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 33(2), 327-332. [ Links ]

Scott, P. H., Asoko, H. M. & Driver, R. H. (1992). Teaching for conceptual change: A review of strategies. Research in Physics Learning: theoretical issues and empirical studies, 310-329. [ Links ]

Valente, L., Barcellos, M. E., Salém, S. & Kawamura, M. R. D. (2008). Física nuclear: Caminhos para a sala de aula. Apresentado no XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física, 21-24 de outubro, Curitiba, PR. [ Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons