Introdução
O movimento humano é influenciado tanto por forças provenientes do meio ambiente, tais como gravidade e atrito, quanto por forças mecânicas inerentes aos sistemas biológicos, tais como aquelas produzidas pelos componentes neuromusculares durante a contração muscular. A compreensão do movimento humano sobre a ótica das forças mecânicas que o geram, sejam elas internas ou externas ao corpo, é campo de estudo de uma área de conhecimento denominado biomecânica (Amadio & Serrão, 2007; Osar, 2017).
O movimento no contexto esportivo é bastante complexo e a análise biomecânica dá suporte não só ao entendimento mais amplo do movimento em si, mas também provê subsídios para quantificar o desempenho esportivo e para propor intervenções que busquem potencializar o rendimento atlético e prevenir cargas demasiadas e lesivas às estruturas corporais (Lees, 1999).
Especificamente em relação ao desempenho esportivo, vários estudos biomecânicos já mostraram a influência de diversas variáveis na otimização do gestual esportivo. Magnitude da força gerada (Amadio & Serrão, 2012; Machado, Osório, Silva, & Magini, 2010), capacidade de manter e recuperar o equilíbrio, capacidade de estabilização gerada pelos músculos profundos da região lombopélvica (Barbado et al., 2016; Yoshitomi et al., 2006), destreza na coordenação dos músculos e segmentos do corpo durante os movimentos (Amadio & Serrão, 2012; Lees, 1999), dentre outros, afetam diretamente a qualidade do desempenho (Boguszewska, Boguszewski, & Buśko, 2010; Corrêa, Alchieri, Duarte, & Strey, 2002).
Em esportes de combate, a exemplo do judô, variáveis como equilíbrio, estabilidade e potência muscular, são decisivas para o rendimento (Barbado et al., 2016; Yoshitomi et al., 2006). Diferente de outros esportes em que é possível caracterizar e detalhar o principal, ou os principais, gesto esportivo, como o chute (Andrade et al., 2015), o arremesso no basquete (Marko, Bendíková, & Rozim, 2015), o bloqueio no vôlei (Lobietti, 2009; Suda, Amorim, & Sacco, 2009), as diferentes modalidades de corrida no atletismo (Barnes & Malcata, 2017; Murphy, Lockie, & Coutts, 2003), uma dificuldade enfrentada nos estudos que envolvem esportes de combate é o fato de não haver um gestual ou um grupo de gestos predominante para o desempenho (Sterkowicz, Sacripanti, & Sterkowicz-Przybycień, 2013). Ao contrário, diferentes valências físicas e motoras contribuem parcialmente para o desempenho (Detanico, Dal Pupo, Franchini, & Santos, 2015; Loturco et al., 2017). Consequentemente, o estado da arte relativo às demandas mecânicas que determinam o sucesso em esportes de combate ainda é um campo aberto.
Alguns estudos reconhecem que o controle do equilíbrio (Barbado et al., 2016; Yoshitomi et al., 2006), a preensão manual (Ache Dias, Külkamp, Wentz, Ovando, & Borges Junior, 2011) e o bom controle e coordenação dos músculos estabilizadores do tronco são essenciais para o aprimoramento do desempenho no judô (Ache Dias et al., 2011; Barnes & Malcata, 2017; Kocjan & Sarabon, 2014; Koshida, Ishii, Matsuda, & Hashimoto, 2017; Sterkowicz-Przybycień & Fukuda, 2016; Yoshitomi et al., 2006). Entretanto, ainda há carência de estudos que explorem as relações entre variáveis motoras e valências físicas com o desempenho de judocas.
Por conseguinte, o objetivo deste estudo foi identificar o efeito de um grupo de variáveis mecânicas e fisiológicas sobre o nível de desempenho no judô, sendo as variáveis: controle do equilíbrio; força de preensão palmar; altura de salto; potência mecânica muscular dos membros inferiores; índice de elasticidade (IE); e índice de fadiga (IF). A hipótese do estudo é que haverá uma ou mais variáveis que expliquem o desempenho de judocas.
Métodos
Participantes
Este estudo, classificado como um estudo observacional transversal, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e aprovado com parecer 2.625.870. Todos os voluntários, ou seus respectivos responsáveis legais, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) em duas vias, ficando uma de posse do voluntário e a outra do pesquisador.
A amostra foi composta por 17 atletas de judô das cidades de Cascavel, Toledo e Marechal Cândido Rondon (todas do estado brasileiro do Paraná), provenientes de academias vinculadas à Federação Paranaense de Judô, de ambos os sexos, com graduação atual no judô entre faixas laranja e preta, recrutados de forma intencional e não probabilística.
Para compor a amostra o atleta deveria estar treinando de forma sistematizada por pelo menos duas vezes por semana e ininterruptamente nos últimos seis meses que antecederem as coletas. Não foram inclusos na amostra atletas que apresentaram: a) lesões musculoesqueléticas crônicas ou agudas ou doenças sistêmicas que limitassem ou contraindicassem os testes de desempenho; b) uso de medicamentos que atuassem no sistema cardiovascular e/ou autonômico.
Inicialmente foi realizada triagem para identificação de possíveis critérios de não inclusão ou exclusão e para registro dos dados de caracterização da amostra (características antropométricas, histórico de treinamento e graduação de faixa). As variáveis de caracterização da amostra, assim como suas respectivas médias e os desvios-padrão, foram: idade 17,1 ± 2,9 anos; estatura 172,9 ± 9,9 cm; massa corporal 70,6 ± 14,7 kg; treino semanal 3,8 ± 1,3 dias por semana; tempo de prática de judô 7,3 ± 2,5 anos. Quanto à graduação de faixa, foram identificados 1 atleta com faixa laranja, 2 atletas de faixa verde, 3 atletas de faixa roxa, 6 atletas de faixa marrom e 5 atletas de faixa preta. Quanto ao sexo, foram 15 atletas do sexo masculino e 2 do sexo feminino.
Procedimentos metodológicos
As coletas aconteceram no próprio dojo (centro de treinamento) das academias de judô das respectivas cidades dos atletas. Cada voluntário participou de uma bateria de testes realizada em um único encontro.
Teste de desempenho
Após a triagem inicial foi aplicado o teste de desempenho específico de judô Special Judo Fitness Test - SJFT (Detanico & Santos, 2012) em um tablado de EVA de dimensões de 7,50 m de comprimento por 2,90 m de largura. O SJFT consiste em um teste no qual o judoca deve projetar (arremessar) os seus oponentes, aplicando a técnica de projeção Ippon-Seoi-nage, o mais rápido e no maior número de vezes possível dentro de um intervalo de tempo pré-determinado. A duração de cada intervalo em que se realizaram as projeções foram divididos em três blocos de 15, 30 e 30 s respectivamente, com pausa passiva de 10 s entre os mesmos. Durante cada bloco, o executante arremessa dois adversários, distantes seis metros um do outro. O número de arremessos executados em cada um dos blocos foi registrado.
Imediatamente e também um minuto após o final dos três blocos de teste, foi verificada a frequência cardíaca (FC) do atleta por meio de um oxímetro de dedo (CMS 50 DL - Contec Med®). O desempenho foi quantificado por meio do índice calculado pela seguinte equação (Boguszewska et al., 2010):
onde: FCfinal = frequência cardíaca registrada imediatamente após o final dos 3 blocos de teste, medida em bpm; FC1 min = frequência cardíaca registrada após 1 minuto depois dos três blocos de teste, medida em bpm; nº arremessos = número de arremessos executados ao longo dos 3 blocos.
Para a realização do teste, os atletas foram agrupados em grupos de três indivíduos, respeitando a categoria de peso à qual pertenciam. Quanto melhor o desempenho no teste, menor o valor do índice. Para a classificação do Índice do SJFT, que é adimensional, seguiu-se a seguinte proposição (Franchini, Del Vecchio, & Sterkowicz, 2009): excelente, com índice ≤11,73; bom, com índice entre 11,74 a 13,03; regular, com índice entre 13,04 a 13,94; baixo, com índice entre 13,95 a 14,84; e muito baixo, com índice ≥14,85.
Na sequência foram realizadas as medidas de equilíbrio, preensão palmar e os testes de salto para: avaliação da potência mecânica muscular dos membros inferiores e a altura de salto; avaliação dos parâmetros de utilização do ciclo alongamento-encurtamento (CAE) pelo IE; avaliação dos parâmetros relacionados à resistência de força rápida pelo IF.
Testes de equilíbrio
Para a avaliação do equilíbrio foi utilizado o Baropodômetro Footwork Pro AM Cube (AM3) por uma plataforma com 4098 (64x64) capacitores ativos em uma superfície ativa 490 mm x 490 mm, acoplado ao software Footwork. O examinado permaneceu em posição confortável, a mais relaxada possível, com os pés posicionados livremente lado a lado. Durante o registro dos dados, com frequência de amostragem de 20 frames/segundo, os braços foram mantidos ao longo do corpo e o olhar mantido voltado para um ponto fixo com distância de 2 metros durante toda a coleta. Antes do início dos registros se permitiu um período de acomodação do indivíduo à plataforma por 10 s.
Cada voluntário foi avaliado em bateria de teste adaptada e baseada no Teste de Organização Sensorial (Sensory Organization Test - SOT). O SOT é realizado para testar tarefas dos sentidos visual, vestibular e proprioceptivo e é composto por seis etapas sensoriais, cujas respostas são percebidas e registradas por meio das variações no centro de pressão (COP) que refletem as informações somatossensoriais, influenciada pela presença ou ausência de visão e pelas aferências vestibulares (Medeiros et al., 2003). Cada etapa do SOT foi repetida duas vezes e cada uma durou 30 s e teve intervalo de descanso de 30 s entre elas.
Cada uma das seis etapas do SOT foram assim definidas: a) SOT I, plataforma fixa e olhos abertos e visão com referência fixa (avalia os sistemas visual, proprioceptivo e vestibular); b) SOT II, plataforma fixa e olhos fechados (avalia os sistemas proprioceptivo e vestibular); c) SOT III, plataforma fixa, olhos abertos e visão com referência oscilante (avalia os sistemas proprioceptivo, vestibular, e, sobretudo, visual); d) SOT IV, plataforma oscilante, olhos abertos e visão com referência fixa (avalia principalmente o sistema proprioceptivo); e) SOT V, plataforma oscilante e olhos fechados (avalia os sistemas proprioceptivo e vestibular, em condições de sobrecarga, devido à eliminação da aferência visual e à referência oscilante); f) SOT VI, plataforma oscilante, olhos abertos e visão com referência oscilante (avalia os sistemas proprioceptivo, visual e vestibular). O estímulo da visão com referência oscilante foi criado com um óculo de realidade 3D com listras pretas e brancas em movimentos. A oscilação da plataforma foi proporcionada por uma plataforma de madeira sobre um conjunto de molas em cada um dos cantos, como ilustrado na Figura 1.
Figura 1: Exemplo do teste de equilíbrio no SOT VI, com plataforma oscilante, olhos abertos e visão com referência oscilante.
Os deslocamentos do COP foram avaliados pelos registros gráficos referentes à estatocinesia (área do centro de pressão) e à estabilometria (coordenadas em função do tempo para as oscilações médio-laterais e ântero-posteriores). A partir destes registros gráficos, foi determinada a área elíptica do deslocamento do COP no plano da plataforma, com 95% dos pontos selecionados, dados em unidade de área (cm.) (COParea) (Vega & Ruiz, 2005).
Para o tratamento matemático, os dados de equilíbrio foram agrupados por sistemas, adaptado da metodologia descrita por (Medeiros et al., 2003). Os sistemas foram avaliados utilizando a medida de deslocamento do COParea.
- O sistema somatossensorial (SOM) foi a razão dos deslocamentos do COP por SOT II / SOT I.
- O sistema visual (VIS) foi a razão dos deslocamentos do COP por SOT IV / SOT I.
- O sistema vestibular (VEST) foi a razão dos deslocamentos do COP por SOT V / SOT I.
Avaliação da força muscular de preensão palmar
A avaliação da força muscular de preensão palmar foi realizada com o dinamômetro da marca North Coast Medical®, modelo NC70154, previamente calibrado e com escala em libras por polegada quadrada (lbf∙in-2). A avaliação foi aplicada apenas no membro superior dominante. Para tanto, o avaliado permaneceu na posição sentada, em uma cadeira, com os quadris e joelhos a 90º de flexão e os pés apoiados no chão. Os membros superiores foram posicionados com o ombro em adução e flexão em torno de 45º; cotovelo a 45º com antebraço e punho em posição neutra, apoiados sobre uma mesa.
O atleta foi orientado a fazer uma força de preensão contra o dinamômetro e sustentá-la por cinco segundos para que fosse computado o registro. O teste foi realizado em quatro tentativas, com intervalo de 60 s entre elas, sendo que a primeira foi descartada da análise estatística e serviu apenas para efeito de aprendizado. Foi considerado para a análise estatística o maior valor executado dentre as três últimas tentativas. Porém, caso o maior valor ocorresse na última tentativa, novas tentativas foram realizadas até que se observasse um valor menor (Pereira, Cardoso, Itaborahy, & Machado, 2011; Schlüssel, Anjos, & Kac, 2008).
Avaliação da potência mecânica muscular dos membros inferiores (Ẅ) e dos parâmetros de utilização do CAE
A Ẅ foi mensurada por saltos, tanto por saltos do tipo Squat Jump (SJ), que avaliou a vertente contrátil da Ẅ, quanto por saltos do tipo Counter-Movement Jump (CMJ), que avaliou a vertente elástica da Ẅ (Ferreira, Carvalho, & Szmuchrowski, 2008).
No SJ não há o contramovimento, que é a aceleração do centro de massa em sentido descendente previamente ao ato de saltar e, por isso, a ação concêntrica dos agonistas é predominante. Ao contrário, no CMJ há a presença do contramovimento que alonga a musculatura agonista, ativa o ciclo alongamento encurtamento, e mobiliza energia elástica proveniente do estiramento da unidade musculotendínea que, somada ao trabalho concêntrico agonista, potencializa o desempenho do salto (Dal Pupo, Detanico, & Santos, 2012).
Para a determinação da Ẅ, altura do salto e tempo de voo, para ambos os tipos de salto, os atletas saltaram sobre o tapete de contato JumpTest® (Hidrofit LTDA, Belo Horizonte, Brasil) com dimensões de 50 X 66 cm. O tapete de contato foi conectado a um computador portátil (Itautec Infoway, Intel® Core i3 370M 2,40 GHz, 8,00 GB memória RAM) no qual estava instalado o software Multisprintfull® (Hidrofit, Belo Horizonte, Brasil) que processou os dados em tempo real. Esse tapete é composto por duas superfícies condutivas que respondem às pequenas pressões fechando o sistema. Após a perda de contato dos pés do avaliado com o tapete, durante o despregue no salto, o sistema é aberto e um cronômetro no software é acionado e se mantém cronometrando até que o avaliado retome o contato com o tapete, feche novamente o sistema e pare a cronometragem. Levando-se em conta o tempo de voo, obtido pelo cronômetro, a altura de salto é calculada como (Couto, Costa, Barbosa, Chagas, & Szmuchrowski, 2012; Ferreira et al., 2008):
onde: h = altura do salto; g = aceleração da gravidade (9,81m∙s.²); t = tempo de voo (s).
No SJ, o voluntário, já sobre o tapete de contato, realizou um salto máximo a partir de uma posição estática semiagachada na qual o joelho estava fletido a aproximadamente 90°, com o tronco o mais ereto possível e as mãos posicionadas na cintura onde deveriam permanecer por toda a excursão do salto (Detanico, Dal Pupo, Franchini, & Santos, 2012). Foi solicitado dois saltos máximos com intervalo de dois minutos entre eles e considerado o maior valor para a análise.
Em sequência, no CMJ, os avaliados iniciaram o salto a partir da posição ortostática com os joelhos estendidos e as mãos na cintura. Ao iniciar o salto eles deveriam primeiro fletir o joelho até cerca de 90° e então saltar o mais alto possível sem tirar as mãos da cintura (Detanico et al., 2012). Também foram solicitados dois saltos máximos com intervalo de dois minutos entre eles e foi considerado o maior valor para a análise.
O software Multisprintfull® calculou a Ẅ de cada salto, expressa em watts (W), pela seguinte equação, sendo posteriormente normalizada pela massa do voluntário e expressa pela unidade W∙kg-1:
Ẅ = m· g· (h/t)
onde: Ẅ = potência mecânica muscular, obtida pelo tapete de contato para cada salto; m = massa corporal em quilogramas; g = aceleração da gravidade (9,81m∙s.²); h = altura do salto (m); t = tempo de voo em segundos.
Determinação do IE
O parâmetro de utilização do CAE foi calculado com base na altura do salto, sendo ele o percentual de aumento do pré-estiramento, também descrito como IE (Cazas et al., 2013; Tufano et al., 2013; van Hooren & Zolotarjova, 2017). O IE foi calculado como:
IE = (hCMJ – hSJ) / hSJ · 100
onde: IE = índice de elasticidade; hCMJ = altura do salto no Counter-Movement Jump; hSJ = altura do salto no Squat Jump.
Avaliação dos parâmetros relacionados à resistência de força rápida (RFR)
A potência mecânica relacionada à RFR, que reflete a capacidade de o sistema neuromuscular retardar o aparecimento do processo de fadiga (Hespanhol, Silva Neto, Arruda, & Dini, 2007), bem como o IF (Bosco, Komi, Tihanyi, Fekete, & Apor, 1983), foram avaliados por uma bateria de saltos verticais intermitentes máximos, do tipo CMJ, com maior número de saltos possíveis por 60 s, sendo esse trecho de 60 s dividido em quatro trechos de 15 s com um intervalo de recuperação de 10 s entre cada trecho. Durante a realização do teste os sujeitos receberam motivação verbal para manterem o esforço máximo e o posicionamento correto de fletir o joelho até 90º durante a fase de contato com o tapete antes do novo salto, o tronco o mais reto possível e as mãos na cintura (Bosco et al., 1983; Storniolo, Fischer, & Peyré-Tartaruga, 2012).
A resistência de força rápida foi a média das potências geradas em cada salto durante todo o trecho total de 60 s (ẄRFR_0a60s). Também foram calculadas as potências relativas à RFR para cada um dos trechos de 15 s. Por conseguinte, foram calculados, além da ẄRFR_0a60s, outros quatro valores de potência, a saber: potência média correspondente aos saltos desempenhados no primeiro trecho de 15 s (ẄRFR_trecho1), no segundo trecho (ẄRFR_trecho2), no terceiro trecho (ẄRFR_trecho3), e no quarto trecho (ẄRFR_trecho4) (Bosco et al., 1983; Hespanhol et al., 2007).
O IF representa a redução percentual na potência mecânica muscular entre aquela produzida no primeiro trecho de 15 s, onde se espera que a potência seja máxima, e aquela produzida no último trecho de 15 s, onde se espera uma redução importante da potência. Quanto maior o valor percentual do IF, menor terá sido o efeito da fadiga, sendo calculado como (Hespanhol et al., 2007):
IF = (ẄRFR_trecho4 / .RFR_trecho1) · 100
onde: IF = índice de fadiga; ẄRFR_trecho4 = potência média correspondente aos saltos desempenhados no último trecho de 15 s do teste; ẄRFR_trecho1 = potência média correspondente aos saltos desempenhados no primeiro trecho de 15 s do teste.
Análise estatística
Para análise estatística foi usado o software SPSS 20. O nível de significância adotado foi de 5% (α = 0,05). O teste estatístico utilizado foi o Generalized Linear Model (GLzM), sendo que cada variável independente (variáveis mecânicas e metabólicas) foi testada individualmente como preditora do desempenho (índice do SJFT). Testou-se o melhor ajuste dos dados por dois modelos de distribuição: Linear e Gama, e definido pelo modelo que obteve o menor valor de Quase-Likelihood under Independence Model Criterion (QIC).
Nas análises de regressão, o melhor ajuste dos dados se deu pelo Modelo de distribuição Linear, já que em todos os casos o QIC deste modelo, comparado ao Modelo de distribuição Gama, foi menor. O Exp(β) é um indicador de mudanças nas chances resultantes de uma unidade no previsor de regressão. Assim, valor de Exp(β) menor que 1 indica que a variável preditora (variável independente) se relaciona positivamente com a variável predita (variável dependente). Ao contrário, valor de Exp(β) maior que 1 indica que a variável preditora se relaciona de forma negativa com a variável predita.
Resultados
Os valores médios e seus respectivos desvios-padrão para as variáveis estudadas, tanto as independentes quanto a variável dependente, estão descritos na tabela 1. O valor médio do Índice do SJFT foi classificado como “Baixo”.
Tabela 1: Variáveis mensuradas, valores médios e seus respectivos desvios-padrão
Legenda: SJFT, Special Judo Fitness Test; SJ, Squat Jump; CMJ, Counter-Movement Jump; SOM, Sistema Somatossensorial; VIS, Sistema Visual; VEST, Sistema Vestibular; IF, Índice de Fadiga; IE, Índice de elasticidade.
Legenda: SJFT, Special Judo Fitness Test; SJ, Squat Jump; CMJ, Counter-Movement Jump; SOM, Sistema Somatossensorial; VIS, Sistema Visual; VEST, Sistema Vestibular; IF, Índice de Fadiga; IE, Índice de elasticidade.
Os resultados para cada variável preditiva sobre o índice SJFT são apresentados na Tabela 2.
Tabela 2: Estatística de Wald (WALD CHI.), graus de liberdade do modelo (DF), nível de significância encontrado no modelo (SIG), o valor de Exp(β) e seus respectivos limites, inferior (INF) e superior (SUP), de intervalo de confiança de 95% (IC-95) para as variáveis estudadas.
Legenda: SJ: Squat Jump; CMJ: Counter-movement Jump; SOM: Sistema Somatossensorial; VIS: Sistema Visual; VEST: Sistema Vestibular; IE: Índice de elasticidade; IF: Índice de fadiga
Legenda: SJ: Squat Jump; CMJ: Counter-movement Jump; SOM: Sistema Somatossensorial; VIS: Sistema Visual; VEST: Sistema Vestibular; IE: Índice de elasticidade; IF: Índice de fadiga
Foi encontrado que a A_SJ e o IE influenciaram significativamente o desempenho no SJFT, entretanto as direções dos efeitos foram diferentes. A A_SJ apresentou uma relação direta, de forma que quanto maior essa variável, maior será a chance de aprimoramento do desempenho no SJFT. Já o IE apresentou uma relação inversa, de forma que quanto maior a contribuição elástica, pior será o desempenho no SJFT.
Discussão
O objetivo principal do estudo foi identificar o efeito de um grupo de variáveis mecânicas e fisiológicas sobre o nível de desempenho no judô, medido pelo SJFT. A hipótese do estudo foi que uma ou mais variáveis explicariam o desempenho de judocas, e os resultados encontrados confirmaram tal hipótese.
Estudos na área da biomecânica e desempenho desportivo sugerem que os resultados nos testes SJ e CMJ dependem da especificidade do esporte (Dal Pupo et al., 2012; Galdi & Bankof, 2001; Rodrigues & Marins, 2011; Rosa et al., 2016), de forma que os níveis de recrutamento muscular, taxa de utilização excêntrica, aproveitamento do ciclo alongamento-encurtamento, IE e potência muscular podem ter, dependendo do esporte estudado, maior ou menor influência no desempenho (Detanico et al., 2012; Ferreira et al., 2008; Rosa et al., 2016).
A utilização dos testes de salto no contexto do judô apresenta conclusões divergentes quanto a quais parâmetros definem mais adequadamente o nível de desempenho dos judocas. Estudos sugerem que o nível de recrutamento muscular medido pelo SJ tem relação direta com o desempenho nos atletas de esportes de combate (Monteiro, Massuça, García, Carratala, & Proença, 2011) e é tanto maior quanto maior for o nível de condicionamento do atleta (Branco et al., 2018). A velocidade de recrutamento muscular tem sido apontada como determinante em esportes que requeiram ações musculares de alta intensidade (van Hooren & Zolotarjova, 2017).
Um estudo realizado com 63 atletas dos times nacionais de diversos países, sugeriu que o principal pré-requisito para melhor desempenho no judô seria o pico da taxa de recrutamento muscular medido no SJ (Monteiro, Massuça, García-García, & Calvo-Rico, 2012). Esse achado corrobora os resultados do presente estudo, já que a altura SJ está relacionada com a força máxima, atribuída basicamente ao recrutamento neural e sem a participação da energia elástica (Dal Pupo et al., 2012). Porém, outro estudo comparando judocas de diferentes níveis de experiência mostrou o CMJ como preditor de desempenho (Dal Pupo et al., 2012; Monteiro et al., 2011) e nível dos atletas (Detanico, Dal Pupo, Graup, & Santos, 2016).
Sugere-se que o aproveitamento do CAE, que pode ser quantificado pelo IE (Cazas et al., 2013; Tufano et al., 2013; van Hooren & Zolotarjova, 2017), é importante para o desempenho de alguns esportes (Galdi & Bankof, 2001), tais como como o salto do handebol (Rosa et al., 2016) e do basquete (Carvalho, 2008). Porém, devido à natureza explosiva e intermitente do substrato biomecânico nos gestos esportivos característicos do judô, sugere-se que um rápido recrutamento muscular e um pequeno tempo de reação seriam os pontos-chave para o aprimoramento do desempenho neste esporte (Machado et al., 2010; Monteiro et al., 2012; Rodrigues & Marins, 2011; van Hooren & Zolotarjova, 2017).
Durante atividades que envolvam o CAE, quando ocorre a passagem da fase excêntrica para a concêntrica, os músculos podem utilizar parte desta energia rapidamente, aumentando a geração de força na fase subsequente, com menor gasto metabólico e maior eficiência mecânica. Porém, se a passagem de uma fase para outra for lenta, a energia potencial elástica será dissipada sob forma de calor, não sendo convertida em energia cinética (Neto, Mocroski, & Andrade, 2005). Como o SJTF é um teste que induz certo grau de fadiga, é possível que haja um aumento na duração da transição entre as fases excêntrica e concêntrica. Por isso acreditamos que uma maior participação da energia elástica pode afetar negativamente essa característica explosiva e, por conseguinte, prejudicar o desempenho. Entretanto, estudos futuros com visão mecanicista são necessários para que se possa entender de forma clara os mecanismos envolvidos e a contribuição da energia elástica nos gestos esportivos relacionados ao judô.
A influência do equilíbrio e da estabilidade de tronco com o nível de habilidade do judô foi previamente sugerida como significativa (Barbado et al., 2016; Kocjan & Sarabon, 2014; Koshida et al., 2017; Yoshitomi et al., 2006), assim como a preensão manual (Ache Dias et al., 2011; Yilmaz, 2015); porém, os resultados do nosso estudo não indicaram efeitos significativos quanto à essas variáveis sobre o índice do SJFT.
Um estudo realizado com sete judocas utilizando dinamômetro para mensuração da força de preensão manual em ambos os membros juntamente com utilização de baropodometria para medir o deslocamento do COP afirmou que a força de preensão manual em postura estática afeta o equilíbrio em posição estática restrita, pois ao realizar a preensão, o atleta deslocaria mais seu COPárea (Ache Dias et al., 2011). Contudo, não foi objetivo deste estudo aplicar técnicas de regressão múltiplas, que permitiria analisar as interações entre as variáveis preditoras.
A principal limitação do estudo foi que a avaliação das variáveis ocorreu em um mesociclo de transição, já que muitos atletas já haviam encerrado suas atividades competitivas do ano. Essa limitação pode justificar a classificação geral dos atletas como sendo baixa no SJFT, já que período de destreino reduz as capacidades biomotoras (Oliveira et al., 2009).
Conclusão
Observou-se que a A_SJ e o IE afetaram o desempenho no SJFT, sendo que maiores alturas de salto SJ predizem um desempenho aprimorado; e maior contribuição da energia elástica com valores mais altos de IE predizem desempenho piorado. As demais variáveis (potências musculares, altura no CMJ, preensão palmar, equilíbrio e IF) não afetaram o desempenho no SJFT.