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Revista iberoamericana de ciencia tecnología y sociedad

versión On-line ISSN 1850-0013

Rev. iberoam. cienc. tecnol. soc. vol.11 no.33 Ciudad Autónoma de Buenos Aires set. 2016

 

DOSSIER-ARTICULOS

Fóruns de Negociações Simulados no Ensino de Engenharia: Análise de uma Estratégia Didática

Foros de negociaciones simulados en la enseñanza de ingeniería: análisis de una estrategia didáctica

Simulated Negotiation Forums In The Teaching Of Engineering: Analysis Of A Teaching Strategy

Vágner Ricardo de Araújo Pereira e Carlos Roberto Massao Hayashi *

* Vágner Ricardo de Araújo Pereira: professor de física no Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos (UNIFEB), mestre em educação e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de São Carlos (PPGCTS/UFSCar), Brasil. E-mail: vagnerap2@gmail.com.  Carlos Roberto Massao Hayashi: doutor em educação e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de São Carlos (PPGCTS/UFSCar), Brasil. E-mail: massao@ufscar.br.


Este artigo apresenta a análise de uma estratégia didática denominada Fórum de Negociação Simulado, que foi desenvolvida junto a uma turma de engenharia de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo. A análise foi realizada à luz de autores do campo de estudos CTS (ciência, tecnologia e sociedade) e das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de engenharia. Os resultados indicam que os fóruns de negociações simulados são reconhecidos pelos estudantes como uma importante estratégia para a formação profissional. Destaque foi dado à interdisciplinaridade, pelo cruzamento de conhecimentos específicos de engenharia com outros aspectos, por exemplo, sociais, culturais e políticos. Além disso, foram valorizadas habilidades em construir e expor argumentos em defesa das ideias de determinado ator, representado pelo estudante no debate gerado. A oportunidade de ouvir ideias divergentes também foi considerada importante para a melhoria do processo de tomada de decisão em torno de um projeto tecnológico, cujos temas definidos para os fóruns foram caracterizados por controvérsias sociotécnicas.

Palavras-chave: Fórum De Negociação Simulado; Ciência; Tecnologia e sociedade (CTS); Ensino de engenharia.

Este artículo presenta el análisis de una estrategia didáctica llamada Foro de Negociación Simulado, desarrollada con un grupo de ingeniería de una institución del interior del Estado de San Pablo. El análisis se realizó con base en autores del campo de estudios CTS (ciencia, tecnología y sociedad) y pautas curriculares nacionales para las carreras de ingeniería. Los resultados indican que los foros de negociaciones simulados son reconocidos por los estudiantes como una importante estrategia para la formación profesional. Se priorizó la interdisciplinaridad, debido al cruce entre conocimientos específicos de ingeniería y otros aspectos, por ejemplo: sociales, culturales y políticos. Además, se valoraron las habilidades para elaborar y exponer argumentos en defensa de las ideas de determinado actor, representado por el estudiante en el debate generado. La oportunidad de escuchar ideas divergentes también fue considerada importante con el objetivo de mejorar el proceso de toma de decisión relativo a un proyecto tecnológico, cuyos temas, definidos para los foros, se caracterizaron por presentar controversias sociotécnicas.

Palabras clave: Foro de Negociación Simulado; Ciencia; Tecnología y sociedad (CTS); Enseñanza de ingeniería.

This article presents the analysis of a teaching strategy called Simulated Negotiation Forum developed with an engineering group from an institution from the inner area of the State of São Paulo. The analysis was conducted based on authors from the STS (science, technology and society) field of studies and on curricular national guidelines for the engineering courses of study. The results indicate that students see simulated negotiation forums as an important strategy for professional training. Its interdisciplinary aspect was prioritized due to the crossing between specific engineering knowledge and other aspects, such as social, cultural and political ones. Moreover, the skills to come up with and present arguments to defend the ideas of a specific player represented by a student in the resulting debate were greatly valued. The opportunity to listen to divergent ideas was also deemed important with the aim of improving the decision- making process in relation to a technological project whose themes, defined for the forums, were characterized by presenting sociotechnical controversies.

Key words: Simulated Negotiation Forum,;sSience; Technology and society (STS); Engineering teaching.


Introdução

Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa desenvolvida em uma instituição de ensino, do interior do Estado de São Paulo, Brasil. Conceitos do campo de estudos CTS (ciência, tecnologia e sociedade) fundamentam a construção de uma estratégia didática denominada Fórum de Negociação Simulado e instrumentos de coleta de dados, ambos elaborados para o ensino de engenharia. A análise foi realizada a partir da percepção dos estudantes à luz dessas teorias. Não é objetivo deste artigo analisar os argumentos utilizados pelos estudantes no fórum, o que ocorrerá em outro momento.

A proposta educacional presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de engenharia no Brasil (Brasil, 2002) orienta para uma formação humanista, que vai muito além dos aspectos técnicos de cada área, pois propõe uma formação crítica e reflexiva, visando uma atuação profissional que leva em conta diversos aspectos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais, para atender as demandas da sociedade contemporânea.

Apesar das propostas curriculares apresentarem tais preocupações, a realidade da sala de aula no Brasil ainda está muito distante de operacionalizar tais propostas, oferecendo, na maioria das vezes, um ensino tradicional, que reforça a aprendizagem mecânica e a memorização de conteúdos técnicos. Há divergências entre a rotina da sala de aula e os documentos que formalizam burocraticamente essa realidade, bem como rupturas dessa vivência e as necessidades da sociedade para o século XXI, incluindo as do mercado de trabalho, pois questões éticas e culturais muitas vezes são desconsideradas.

Assim, o ensino tradicional de engenharia não vem cumprindo plenamente com seus objetivos, pois não proporciona condições para que os estudantes adquiram as habilidades e competências necessárias à formação de um profissional que atenda aos anseios da sociedade. Vários problemas podem ser identificados no sistema educacional, dentre eles o fato de os conhecimentos sistematizados na área tecnológica estarem estruturados para um ensino dissociado do mundo real, centrado no trabalho individual, cujo “ambiente de sala de aula desencoraja a participação ativa dos estudantes” (Bazzo, 2010: 28).

Para Casanova (2006: 68), a reflexão sobre a contemporaneidade, em busca de um mundo menos injusto, mais livre e menos destrutivo, depende de uma nova ação cívica, política, humana e ecológica, devendo “internalizar o novo sentido comum da criação humana nas mais distintas civilizações, culturas e níveis educativos”. Para isso, a educação deve estar voltada para a cidadania, envolvendo, nos processos de tomadas de decisão, o maior número possível de membros de diversos setores da sociedade.

A reflexividade ganha respaldo nos trabalhos de Giddens (1991: 49), quando afirma que a modernidade a incorpora, pois os conhecimentos das pessoas são intrínsecos às suas relações sociais.

“A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter (...) somente na Era da modernidade a revisão da convenção é radicalizada para se aplicar (em princípio) a todos os aspectos da vida humana, inclusive à intervenção tecnológica no mundo material” (Giddens, 1991: 49).

No Brasil, entre 2008 e 2013, o número de cursos de engenharia quase duplicou, tanto em escolas públicas quanto em escolas privadas, de acordo com o censo realizado pelo Ministério da Educação (Brasil, 2013). Esse crescimento não ocorreu de maneira homogênea no país, mas a expansão dos cursos acompanhou os indicadores econômicos e populacionais. “Verifica-se que nos Estados onde houve um crescimento econômico diferenciado ocorreu também um crescimento mais acentuado no número de cursos nos últimos anos” (Oliveira et al., 2013: 42). 

Desde a Segunda Guerra Mundial, de acordo com Schwartzman (2014), a educação superior vem crescendo vertiginosamente. No Brasil, observa-se um forte crescimento a partir de 1970. Para o autor, a justificativa para esse avanço é o fato da educação superior ser vista como essencial ao desenvolvimento tanto econômico como social dos países e, com isso, obter financiamento dos setores público e privado.

Na sociedade moderna, as pessoas se agrupam e se organizam para enfrentarem uma diversidade de problemas, além de interpretarem a si mesmos e o meio em que vivem. Para isso, assumem responsabilidades, administram conflitos e tomam decisões, sendo que a formação superior adquire papel de destaque (Schwartzman, 2014: 18).

1. O campo de estudos CTS como fundamento para uma estratégia didática no ensino superior

A partir da Segunda Guerra Mundial questões envolvendo ciência e tecnologia tornaram-se mais significativas, justamente pelo fato de que suas consequências podem afetar a vida de todos. Tais preocupações foram se avolumando a ponto de constituírem, atualmente, um importante campo de estudos, delineando pesquisas que abordam o impacto e as ameaças da ciência e da tecnologia na sociedade, bem como no seu sentido inverso, ou seja, o impacto e precauções da sociedade na construção da ciência e da tecnologia. Com isso, estabeleceu-se uma imbricada relação entre ciência, tecnologia e sociedade denominada CTS.

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia permaneceu blindado ao questionamento durante o período de rápido crescimento econômico que sucedeu a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, por volta dos anos de 1970, a consciência dos riscos que a tecnologia pode trazer, juntamente com seus benefícios em diversas áreas de conhecimento, aflorou. Problemas ambientais e de saúde pública, bem como a comunicação, começaram a ganhar importância concomitantemente a ideia de progresso (Nelkin, 1995: 445).

Duas tradições são reconhecidamente responsáveis pela origem desse campo de estudos, a norte-americana e a europeia. Enquanto a tradição norte-americana prioriza a tecnologia e suas consequências para a sociedade, destacando aspectos éticos, políticos e filosóficos, a tradição europeia prioriza a construção da ciência, utilizando como referência teorias antropológicas, sociológicas e psicológicas (Veraszto et al., 2011; Hayashi; Hayashi; Furnival, 2008). Discussões da corrente norte-americana podem ser bem adequadas à formação de estudantes de engenharia, pois estabelecem um forte vínculo com questões práticas, ao passo que a corrente europeia pode aproximar-se mais da formação de estudantes das áreas científicas, como biologia, física e química. Entretanto, pensando na formação do estudante como um profissional que atua na sociedade não somente como especialista, mas também como cidadão, e que pode opinar sobre questões que vão além de seu campo de atuação específico, ambas as tradições oferecem contribuições importantes na área da educação.

“Em uma sociedade onde cada vez mais a tecnologia se faz presente e os cidadãos querem fazer parte do seu desenvolvimento, a estrutura curricular claudicante fundamentada em metodologias ultrapassadas precisa ser revista e modificada” (Veraszto et al., 2011: 204).

Benakouche (2011) destaca três temas para o campo de estudos CTS, ou seja, os riscos tecnológicos e científicos, a participação pública em ciência e a formação para a prática científica e para a inovação tecnológica. Tais temas podem se desdobrarem em diversos outros, ainda mais específicos. Entretanto, no ensino de engenharia, o último tema assume maior relevância, cujas teorias sociológicas podem oferecer importantes contribuições. Destaca-se aqui a Teoria Ator-Rede (ANT, na sigla em inglês), as controvérsias sociotécnicas e a Construção Social da Tecnologia (SCOT, na sigla em inglês).

A ANT tem suas origens na tentativa de compreender o processo de construção da ciência e da tecnologia, da tecnociência, tendo em vista que o desenvolvimento de ambas envolvem processos semelhantes. A ANT representa a tecnociência como uma criação de redes que vão se ampliando e, assim, ficando mais poderosas. No entanto, os atores da ANT são heterogêneos incluindo tanto seres humanos quanto artefatos, sem distinção metodológica significativa entre eles. Ambos formam associações, ligando-se com outros atores para formarem redes. Humanos e não humanos têm interesses que precisam ser acomodados, podem ser administrados, o que os levam a agir (Sismondo, 2010).

O objetivo, de acordo com Fenwick e Edwards (2012), é entender como os atores interagem e se mantêm juntos, agrupando-se em redes. As análises ANT focalizam detalhadamente as negociações por meio dos pontos de conexão. Os elementos podem se conectar com outros de maneira a obter ganhos dentro de uma situação quando estão, de fato, conectados.

O intrincado elo entre a técnica e a dinâmica social são aspectos relevantes à ANT, ou seja, os atores discordam e negociam acerca das características técnicas, tanto quanto sobre suas consequências sociais. Os atores envolvidos fazem isso através de um processo de constante negociação, assumem compromissos, estabelecem argumentos e geram conflitos durante a implantação de seus planos (Jolivet; Heiskanen, 2010).

O ensino superior, de acordo com Fenwick e Edwards (2014), é fundamentalmente constituído por conhecimentos práticos, que muitas vezes são apresentados como verdade absoluta. Dessa forma, o conhecimento estabelecido e o ceticismo são colocados em posições antagônicas. Entretanto, como afirmam esses autores, a constituição desse antagonismo, sua circulação e seu poder em direcionar e avaliar as atividades pedagógicas são mais frágeis do que parecem. Logo, a prática pedagógica deve fornecer elementos para que os estudantes de engenharia possam analisar projetos tecnológicos, debater sobre seus aspectos técnicos e sociais, características essenciais para uma formação crítica e reflexiva.

Em relação às controvérsias, Johnson e Johnson (1985: 254) afirmam que as situações de conflito são percebidas de forma negativa, de maneira geral, tanto nas escolas quanto na sociedade. Entretanto, situações envolvendo conflitos estruturados, como as controvérsias sociotécnicas, podem trazer diversos efeitos positivos no ambiente educacional (Johnson e Johnson, 1985: 254). OQuadro 1apresenta uma comparação entre as características da aprendizagem centrada em controvérsia, em debate ou individualista.

Quadro 1. Comparação entre as características da aprendizagem

Johnson e Johnson (1985) diferenciam controvérsia e debate pelo fato de que para a controvérsia as ideias, informações, conclusões ou opiniões entre duas pessoas são incompatíveis, dessa forma, buscam um acordo entre si. No debate, também há discordância entre os argumentos, entretanto, há um vencedor, ou seja, aquele que apresenta os melhores argumentos.

O trabalho desenvolvido por Johnson e Johnson (1985) abrangeu estudantes da educação básica. Assim, para a educação superior, é possível considerar um nível de autonomia maior ao estudante, permitindo que eles escolham os temas controversos de acordo com seus interesses, a partir de pesquisa orientada para a elaboração de argumentos e a identificação dos atores que participam da controvérsia, visando estruturar o debate para estabelecer o consenso, se possível, sobre determinado tema.

As controvérsias ajudam a revelar os eventos que estão inicialmente isolados e são de difícil identificação, pois diferenciam os grupos envolvidos. Segundo Callon, Lascoumes e Barthe (2009), as controvérsias auxiliam na descrição minuciosa de uma situação, tornando-a inteligível, e as relações sociais se revelam durante o desenvolvimento do processo. A controvérsia traz à tona, por exemplo, que as mobilizações provocadas pela introdução de grandes projetos não são explicadas simplesmente pelos possíveis riscos, mas também por suas relações com a localização, sua história e os grupos dominantes (Callon, Lascoumes e Barthe, 2009).

De acordo com Chinchilla e Muniesa (2004), a utilização de controvérsias no ensino de engenharia não é tanto para estimular a cultura intelectual que ajude o estudante a compreender o contexto de desenvolvimento científico e tecnológico, mas proporcionar competências próprias de desempenho do trabalho do engenheiro. Para eles, a controvérsia não é algo necessariamente polêmico, mas envolve um debate acerca do conhecimento técnico e científico, ainda não estabilizado. Schlierf (2010) desenvolveu dois trabalhos na Escola de Minas de Paris, um voltado a estudantes de mestrado profissional, no qual eles deveriam estabelecer uma pesquisa em torno de uma questão controversa e conduzir entrevistas com os atores envolvidos. O outro trabalho estava relacionado com a construção de páginas na Web, sobre questões controversas e envolvia estudantes de graduação.

A ideia, segundo Schlierf (2010), era entender as diferentes dimensões da disputa. No estudo, os participantes tiveram o cuidado para não tomar posição na fase de exploração, podendo, apenas ao final, estabelecer uma avaliação na sequência das conclusões. As análises das partes interessadas, por vezes, mostravam uma inclusão explícita de atores não humanos.

Para Schlierf (2010), as situações de controvérsias tecnocientíficas oferecem condições privilegiadas para se descobrir a produção dos conhecimentos científicos e as realidades tecnológicas. Elas constituem elemento básico do campo CTS por desmontar posições positivistas e deterministas do desenvolvimento científico e tecnológico.

Barbosa e Lima (2009) afirmam que a abordagem de temas controversos tem ocupado lugar de interesse tanto nas publicações científicas internacionais quanto brasileiras. Pesquisa por eles desenvolvida, na área de ciências biológicas, identificou que a maioria da produção brasileira está baseada em trabalhos empíricos, tanto no ensino básico quanto no ensino superior, com abordagem qualitativa. Para Silva e Carvalho (2007:7), a utilização de temas controversos permite romper com algumas concepções arraigadas no ambiente educacional, principalmente na área de engenharia, como a de verdade absoluta, neutralidade da ciência e da tecnologia e o determinismo em relação ao desenvolvimento tecnológico.

Outra linha de estudos do campo CTS, denominada SCOT, também contribuiu para a elaboração do material instrucional proposto nesta pesquisa. Oudshoorn e Pinch (2007) afirmam que a abordagem da construção social da tecnologia considera que os usuários de um artefato tecnológico desempenham um papel importante na construção da tecnologia, uma vez que diferentes grupos sociais podem dar diferentes significados a tecnologia. Esta ideia é conhecida como flexibilidade interpretativa.

Conforme Bijker, Hughes e Pinch (1997: 40), não há flexibilidade somente na forma como as pessoas pensam ou interpretam os artefatos, mas também na forma como os artefatos são projetados. Os autores afirmam que isto pode ser demonstrado entrevistando-se técnicos envolvidos em uma controvérsia tecnológica contemporânea.

Segundo Bucchi (2004), a construção social da tecnologia articula-se em três fases consecutivas:

a) A demonstração da flexibilidade interpretativa de dispositivos tecnológicos, ou seja, o mesmo artefato pode ser concebido de diversos modos e formas, uma vez que não há uma única solução;

b) A análise dos mecanismos através dos quais a flexibilidade interpretativa é encerrada e o artefato assume uma forma estável;

c) A conexão desses mecanismos de fechamento com os meios sociopolíticos mais amplos.

O objetivo geral desta abordagem é ir além da reconstrução da inovação tecnológica por retrospectiva, de modo que cada artefato resulta de uma sequência necessária de tentativas que produz o modelo mais eficiente, onde o que essencialmente importa são as propriedades técnicas dos artefatos. Para Bucchi (2004), um artefato também resulta da negociação entre grupos sociais. O artefato deve resolver os problemas que tais grupos consideram importantes, sendo que suas características não são estabelecidas pelo fabricante, mas estão sujeitas a flexibilidade interpretativa dos atores envolvidos.

A força do SCOT, segundo Oudshoorn e Pinch (2007), é que seu estudo se concentra nas práticas dos usuários e nos fóruns que emergem. Ele explora como as fronteiras entre a concepção e a utilização, entre a produção e o consumo, são permeáveis, sendo que as diversas tecnologias estudadas incluem não apenas produtos e serviços, mas também sistemas tecnológicos de grande escala, que podem ter um impacto negativo, considerando os riscos para a sociedade. Segundo os autores, a unidade de análise do SCOT é o grupo social, dando menos atenção aos usuários individuais e considerando as relações de poder.

Assim como nas controvérsias científicas, uma das muitas interpretações disponíveis prevalece. A análise dos dispositivos tecnológicos deve aplicar o mesmo princípio de simetria desenvolvido pela sociologia do conhecimento científico para o estudo das controvérsias, adotando uma perspectiva imparcial sobre a eficácia ou ineficácia de um artefato. Nesse sentido, as falhas que surgem no processo de desenvolvimento tecnológico são tão importantes sociologicamente como os sucessos (Bucchi, 2004).

O amadurecimento do campo de estudos CTS, em vários países, aponta para uma diversificação de propostas para análise, avançando além das duas correntes originais, a norte americana e a europeia, por considerar, no estudo do desenvolvimento científico e tecnológico e suas implicações, o contexto e a cultura locais bem como as várias instituições, governamentais ou não governamentais, que participam do processo. Como afirma Vessuri (2015) de forma enfática,

“Hoje existem importantes comunidades de pesquisa em mais países do que a velha turma bem conhecida. Em todos os lugares as pessoas estão repensando criticamente as relações entre saber e poder, contribuindo para mudar a arquitetura da ciência mundial e a influência científica. (...) Cientistas sociais mais maduros e ubíquos começam a fazer perguntas mais frequentes e sistemáticas sobre as categorias sociais e as tradições estabelecidas, que até o passado recente foram tomadas como fundamentais ou outras que foram ignoradas ou relegadas sob o peso das formas canônicas do conhecimento científico social criado no Ocidente. (...) No processo, o Ocidente está finalmente vindo a tomar o seu lugar no mundo como mais uma variedade cultural especial e não como o porta-estandarte” (Vessuri, 2015: 305).

A globalização e as tecnologias de informação e comunicação deram um novo significado ao termo local ou regional, pois é possível encontrar especialistas, instituições, agências, grupos e movimentos instalados em determinada região, mas que não mantêm vínculos locais, pois possuem caráter internacionais (Beck, 1999: 215).

Beck (2011) afirma que à medida que as nações se isolam para resolver problemas impostos pela modernidade os riscos e as incertezas aumentam, pois as barreiras entre as nações também aumentam. Essa nova maneira de analisar a realidade leva a permeabilidade das fronteiras entre as nações, não no sentido de invasão de territórios, mas em termos de compartilhamento de soluções negociadas, como forma de evitar os efeitos das possíveis catástrofes que a humanidade está sujeita. Assim, a globalização traz novas formas de articulação e dependência entre pessoas e nações, e somente incluindo as vozes dos países periféricos, os mais ameaçados, é que as respostas aos problemas de risco são efetivas.

2. Fóruns de Negociações Simulados: uma estratégia didática interdisciplinar

Romper com a metodologia de ensino tradicional exige esforço e criatividade. No ensino tradicional, não há compromisso entre o conteúdo abordado e a realidade, sendo que o estudante tem um papel passivo no processo de ensino e aprendizagem. A proposta analisada neste artigo foi elaborada tomando como referência debates envolvendo temas controversos e tecnologia, visando à participação ativa de estudantes de engenharia no seu processo de aprendizagem. A proposta foi denominada Fórum de Negociação Simulado e desenvolvida em horário extracurricular.

Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa que foi delineada na forma de estudo de caso, com análise qualitativa de dados, para responder o seguinte problema: como os Fóruns de Negociações Simulados contribuem para os pensamentos crítico e reflexivo no ensino de engenharia, segundo a percepção do estudante? Para responder esta questão, foi elaborado um conjunto de atividades didáticas e alguns instrumentos de coleta de dados como forma de obter a percepção dos estudantes envolvidos e mapear a implantação de tal estratégia.

A escolha do estudo de caso representa uma estratégia adequada quando se busca responder questões do tipo “como” e “por que”, em que o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da realidade, buscando a essência do que se está procurando responder, uma vez que as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidas, tendo em vista uma situação tecnicamente única (Yin, 2001).

A pesquisa foi realizada em uma turma de engenharia de uma instituição privada do interior do Estado de São Paulo, Brasil. De um total de 41 estudantes, 25 participaram da primeira etapa da pesquisa. Os Fóruns de Negociações Simulados foram filmados e transcritos para análise, com base em autores do campo de estudos CTS. Essa primeira etapa foi desenvolvida no primeiro semestre de 2014, em horário extra aula, considerando que o pesquisador também atuou como professor de Física da turma. Posteriormente, uma segunda etapa foi realizada, com um questionário que procurou obter a percepção dos estudantes, no segundo semestre de 2015. Entretanto, nesta etapa final, 20 estudantes participaram da pesquisa, pois dois abandonaram os respectivos cursos de engenharia e três deles não devolveram os questionários respondidos ao pesquisador.

No período de engajamento, na primeira etapa do trabalho, houve a apresentação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de engenharia (Brasil, 2002); a discussão sobre a influência da tecnologia em algumas profissões, baseada no texto de Schreiber (2014) e a pesquisa de inovação tecnológica realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) (Brasil, 2011); a discussão sobre o papel do engenheiro no século XXI, baseada no texto de Bazzo, Linsingen e Pereira (2003); a apresentação de algumas questões para reflexão sobre o conceito de tecnologia, adaptadas de Veraszto (2009).

Além disso, dois trechos do filme 2001 - Uma odisseia no espaço (Kubrick, 1968) foram mostrados. O trecho inicial do filme apresenta a utilização de um osso pelo homem primitivo como ferramenta e arma, visando superar seus concorrentes na busca por alimentos e água, e o trecho final apresenta a evolução da tecnologia na criação da inteligência artificial e a conquista do espaço. As atividades desta etapa de engajamento foram realizadas em dois encontros de aproximadamente duas horas cada um.

Após o período de engajamento, foram apresentados slides sobre a construção social da tecnologia, mostrando o modelo da bicicleta de roda alta, a Penny Farthing, do final do século XIX, com base no estudo de Bijker, Hughes e Pinch (1997). Nessa  apresentação, discutiu-se a influência de alguns grupos de atores, por exemplo, mulheres, idosos e crianças, na busca por um modelo seguro de bicicleta, cujo risco de cair fazia parte da diversão. Nessa etapa, foi dada ênfase ao significado das controvérsias científicas e tecnológicas.

Para ilustrar o conceito de controvérsia dois vídeos foram utilizados: controvérsia científica, DNA - A construção social da descoberta, com produção coordenada por Rigolin (2012); e outro sobre controvérsia tecnológica, produzido pela Globo News (2010), sobre alimentos transgênicos. Uma apresentação foi elaborada com o objetivo de dar destaque à diferença entre controvérsia e conflito. Uma controvérsia é uma disputa pública persistente que faz parte do processo de desenvolvimento científico e tecnológico (Frota Pessoa Jr., apud Assad, 2013), envolve aspectos racionais e emocionais, pressões institucionais, influências políticas, rivalidades e até fraude. Um conflito está relacionado com uma disputa restrita a um pequeno número de pessoas. Gordillo (2005) apresenta algumas ideias de controvérsias sociotécnicas, que foram complementadas nesta pesquisa, para servirem de referência aos estudantes. Esta etapa levou cerca de duas horas.

Os 25 estudantes engajados na primeira etapa do trabalho se dividiram em sete equipes multidisciplinares, considerando que três cursos de engenharia estavam envolvidos, mecânica, produção e química. Cada equipe escolheu espontaneamente um tema, considerado controverso, para debater no Fórum de Negociação Simulado. Os estudantes representaram atores ou grupos sociais, que eles próprios identificaram, envolvidos na controvérsia. Esta etapa levou cerca de seis horas, considerando desde a formação das equipes, definição dos temas e debate.

O Quadro 2mostra os temas escolhidos pelas equipes para o Fórum de Negociação Simulado, e os atores representados pelos estudantes no debate, também por eles definidos. Nota-se que há mais atores do que estudantes, assim, em alguns casos, foi necessário que um estudante representasse mais de um ator. Dessa forma, ele precisou obter informações a respeito do tema sob mais de um ponto de vista.

Quadro 2. Temas e atores envolvidos nos Fóruns de Negociações Simulados

A interação entre os representantes de cada setor da sociedade, cujos pontos de vista foram defendidos pelos estudantes, presumivelmente, desempenha papel relevante na formação profissional dos mesmos, pois Giddens (2008) tem uma posição contrária à concepção de que os indivíduos assumem papéis sociais pelo simples fato de fazerem parte de uma cultura. Para ele, os indivíduos concebem e assumem papéis sociais no decorrer do processo de interação social. Assim, criar oportunidades para simular tais interações sociais no ambiente escolar é fundamental para a formação de profissionais, particularmente na área de engenharia.

Pesquisa desenvolvida por Veraszto et al. (2011) concluiu que estudantes de graduação do Estado de São Paulo, Brasil, consideram que os atores que melhor representam a sociedade nos processos de tomada de decisão tecnológica são: governo, instituições educacionais e de pesquisa e cidadãos de maneira geral. Assim, os estudantes se sentem aptos a participarem ativamente do processo de tomada de decisão, bem como esperam uma posição do governo. Entretanto, não acreditam que as empresas privadas procurem tomar decisões adotando como referência o bem- estar social, mas são pautadas pelo lucro e a hegemonia no mundo dos negócios (Veraszto et al., 2011).

Os fóruns ocorreram de acordo com cronograma estabelecido em conjunto com as equipes. Foi utilizada uma sala de aula convencional, na qual a mesa do professor serviu de bancada para as discussões. O tema e os atores foram devidamente identificados por meio de placas, para que não surgissem dúvidas no momento das transcrições dos vídeos.

3. Resultados e discussão

Os dados do primeiro questionário, aplicado no primeiro semestre de 2014, sobre a questão se o estudante considera possível estabelecer consenso na implantação de determinada tecnologia, por meio de fóruns de negociações, indicaram que 60% daqueles que participaram da pesquisa se mostraram a favor, 24% contra e 16% afirmaram que depende de cada caso.

O Quadro 3, a seguir, apresenta as categorias de respostas obtidas a partir das justificativas dos estudantes, do questionário 1, para a questão: Você acredita que é possível, para os diversos setores da sociedade, estabelecer um consenso sobre a implantação de determinada tecnologia por meio de fóruns de negociações, ou seja, utilizá-los para resolver pontos controversos que surgem no desenvolvimento e implantação de um projeto? Por quê?

Quadro 3. Categorias de respostas do questionário 1

Uma vez reconhecida a importância dos fóruns de negociações para uma sociedade democrática, foi solicitada uma análise, aos estudantes participantes dos debates, sobre sua implantação como estratégia didática no ensino de engenharia, visando estabelecer suas percepções. Para isso, um segundo questionário foi elaborado e aplicado no segundo semestre de 2015, cerca de 15 meses depois do término da primeira etapa.

Três questões desse segundo questionário são analisadas neste artigo, são elas:

1) A sua experiência no Fórum de Negociação Simulado tem alguma semelhança com outra atividade acadêmica desenvolvida em alguma disciplina do seu curso?

2) Você acredita que as atividades do projeto foram úteis para a sua formação em engenharia?

3) Você gostaria de participar de outra atividade semelhante envolvendo debate sobre uma situação controversa?

O Quadro 4, a seguir, apresenta os resultados obtidos das respostas à primeira questão do segundo questionário. Nota-se, a partir da análise do Quadro 4, que alguns estudantes identificam certas disciplinas, principalmente o Projeto Integrado, como proporcionando uma experiência semelhante, em termos de uma análise crítica a respeito do desenvolvimento de um projeto ou produto. Entretanto, a maioria identificou que dificilmente as disciplinas do currículo tradicional fornecem experiências que estão relacionadas ao debate de temas controversos e a oportunidade de ouvir os diversos atores interessados em um projeto sociotécnico.

Quadro 4. Resultados obtidos para a questão 1 do questionário 2

A disciplina denominada Projeto Integrado foi inserida no currículo desses cursos de engenharia, na referida instituição, com o objetivo de contribuir para a formação desses profissionais, como forma de desenvolver habilidades de identificação, formulação e resolução de problemas, por meio da elaboração e desenvolvimento de maquetes e projetos, que possam promover a integração dos conteúdos das disciplinas, para que consigam, dessa maneira, conceber o conhecimento como um todo sistêmico, no âmbito da interdisciplinaridade. Sendo assim, o Fórum de Negociação Simulado vem somar à essa disciplina valores como o trabalho em equipe e a interdisciplinaridade, além de criar um ambiente de livre debate, estímulo à pesquisa e melhoria da argumentação, visando maior segurança nas tomadas de decisões que envolvem temas sociotécnicos, a partir do estímulo ao raciocínio crítico e reflexivo acerca de questões tecnológicas, aspectos importantes ao profissional no mundo moderno.

O Quadro 5 apresenta os resultados obtidos das respostas à questão 2 do questionário 2. Todos os estudantes afirmaram que as atividades desenvolvidas no Fórum de Negociação Simulado foram úteis para a sua formação na área de engenharia. A partir da análise dos argumentos dos estudantes pode-se notar que dois aspectos se destacam: o desenvolvimento da criticidade, considerando os aspectos positivos e negativos de um projeto, visando a tomada de decisão embasada em pesquisa e a criação de um ambiente propício ao debate democrático de ideias, com o confronto dos diversos pontos de vista, representados pelos atores. Tais características são desejáveis ao profissional da engenharia no mundo atual, além de aproximar o ambiente acadêmico da realidade do trabalho na área.

Quadro 5. Resultados obtidos para a questão 2 do questionário 2

O reconhecimento dessas características por parte dos estudantes fortalece a hipótese deste trabalho, ou seja, a de que os Fóruns de Negociações Simulados favorecem o desenvolvimento dos pensamentos crítico e reflexivo no ensino de engenharia, podendo caracterizar uma boa estratégia didática com a finalidade de estimular a participação ativa dos estudantes.

Há indícios de que a gravação em vídeo, utilizada para registrar o debate organizado no Fórum de Negociação Simulado e fornecer elementos para análise, seja um fator importante para motivar os estudantes a aprofundarem a pesquisa sobre os temas controversos, dando maior seriedade ao projeto. Durante o debate, alguns estudantes levaram anotações para não se esquecerem de argumentos importantes ou de algum detalhe do projeto a ser discutido, além da vestimenta utilizada um pouco mais formal. Nada disso foi sugerido pelo pesquisador, mas surgiu espontaneamente em função da gravação. Dessa forma, o vídeo pode ser um elemento pedagógico importante para o Fórum de Negociação Simulado, e não apenas como recurso de pesquisa. Entretanto, mais pesquisas precisam ser desenvolvidas para investigar este indício.

O Quadro 6, a seguir, apresenta os resultados obtidos das respostas à questão 3 do questionário 2. A maioria dos estudantes (95%) se mostrou favorável a esse tipo de estratégia didática. Apenas um estudante, o que corresponde a 5%, se mostrou contrário à participação em atividades semelhantes, pois assumiu uma postura inflexível acerca de suas opiniões já definidas. Ele argumentou da seguinte maneira: “Eu já tenho uma ideia formada em relação a tecnologia”. Essa afirmação indica a falta de disposição ao debate sobre a concepção de tecnologia e como ela é construída socialmente.

Quadro 6. Resultados obtidos para a questão 3 do questionário 2

O Quadro 7, a seguir, apresenta as sugestões dos estudantes para as disciplinas tradicionais do curso de engenharia. Uma solicitação que também fez parte do questionário 2.

Quadro 7. Sugestões dos estudantes a partir da experiência no Fórum de Negociação Simulado

A maioria dos estudantes (80%) apresentou sugestões às disciplinas tradicionais dos cursos de engenharia, baseado em sua participação nos debates dos fóruns de negociações simulados. Apenas quatro estudantes (20%) não apresentaram sugestões. De acordo com as sugestões dos estudantes, nota-se o reconhecimento em agregar as disciplinas específicas com os aspectos sociais, além de envolver debate sobre assuntos sociotécnicos controversos. Essa estratégia didática, que culminou nos Fóruns de Negociações Simulados, foi considerada positiva pelos estudantes, como forma de desenvolver a elaboração de melhores argumentos e a expressão oral dos mesmos em um debate. Também foi considerada positiva a experiência em ouvir opiniões divergentes das suas, estimulando o senso crítico e o debate democrático de ideias.

Considerações finais

Diante da realidade atual, o conhecimento é o principal produto. Assim, cabe às instituições de ensino oferecerem uma educação que vá além da técnica, da especialidade de cada área, mas que seja cercada de aspectos humanísticos visando preparar os estudantes para a reflexão, a criticidade e a inovação, em busca de melhores condições de vida para a sociedade como um todo. Uma reflexão que ilumine as incertezas imbricadas no processo de construção da ciência e da tecnologia. Dessa forma, o diálogo deve ser aceito e facilitado entre as partes por meio de procedimentos e argumentos que precisam fazer parte tanto das relações sociais quanto dos processos educacionais.

Os resultados desta pesquisa indicam que o desenvolvimento do raciocínio crítico e reflexivo no ensino de engenharia depende da participação ativa do estudante, em contato com situações reais que são propiciadas pelas estratégias didáticas, nas quais ele possa se tornar protagonista do seu processo de aprendizagem.

Durante o desenvolvimento das atividades, algumas limitações foram encontradas. Como as atividades foram realizadas em horário extra aula, foi encontrada dificuldade em desenvolvê-las para estudantes do período noturno, considerando que o horário desses estudantes é sobrecarregado com disciplinas, além do fato de que a maioria possui um emprego durante o dia e, alguns deles, ainda viajam de cidades da região até chegarem na instituição de ensino. É comum às instituições particulares oferecerem cursos no período noturno, pois a demanda é maior.

Além disso, as atividades da pesquisa concorriam com as demais atividades acadêmicas dos estudantes, limitando o tempo para pesquisa e, consequentemente, maior aprofundamento no estudo dos temas escolhidos. A falta de experiência em atividades nas quais os estudantes participam de forma ativa, também contribuiu para que eles não tratassem o tema escolhido com maior profundidade. Acredita-se que, oferecendo outras oportunidades para que eles sejam protagonistas no processo de aprendizagem, possa melhorar o nível de raciocínio crítico e reflexivo sobre os temas que estão presentes no dia-a-dia das pessoas e são permeados por controvérsias sociotécnicas.

As situações controversas podem abrir espaço ao ceticismo, ao espírito crítico e reflexivo, aspectos extremamente importantes ao profissional da engenharia. Esses aspectos muitas vezes são reconhecidos, constando em diversos documentos burocráticos, entretanto, eles perturbam a rotina acadêmica estabelecida, uma vez que tem levado ao desencorajamento da participação ativa do estudante, com estímulo à aprendizagem mecânica e a memorização.

A visão instrumental e determinista da tecnologia encobre os atores envolvidos no processo social de tomada de decisão, bem como suas conexões. Desta forma, aproximar o campo de estudos CTS da educação superior, em especial do ensino de engenharia, pode ser um meio de articular os aspectos inerentes à formação tecnológica com os contextos sociais e culturais, fornecendo elementos para a análise das transformações que ocorrem na sociedade em nível global, mas que geram impactos significativos nas dinâmicas locais (Mendéz et al., 2010).

É importante destacar que os Fóruns de Negociações Simulados devem complementar as aulas teóricas e de laboratório, aproximando o estudante de questões reais, mais complexas do que os modelos estudados, cuja estrutura disciplinar não é suficiente para propor soluções. Além disso, pode apresentar, de uma forma inovadora, situações interdisciplinares, colocando o estudante a frente de sua trajetória educacional, assumindo responsabilidades.

Nesse sentido, ceticismo, criatividade e reflexividade em relação à ciência e à tecnologia dependem das perspectivas com que são enfocadas e se manifestam, diante de uma diversidade de cenários culturais e não somente de suas características universais. Dessa forma, é possível mobilizar os potenciais endógenos, cujas soluções tecnológicas precisam considerar as especificidades locais, apesar do contexto global do mundo moderno (Vessuri, 2002).

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