INTRODUÇÃO
O melanoma cutâneo (MC) é uma neoplasia originada nos melanócitos, sendo considerada um dos tumores cutâneos mais agressivos e também pelo grande potencial metastático. Embora o MC represente apenas 4% das neoplasias cutâneas, a sua taxa de mortalidade pode chegar a 90% 1-3.
As topografias mais frequentes das lesões variam conforme sexo e etnia. Em homens, as lesões costumam ser mais comumente no dorso e membros superiores, já as mulheres apresentam maior incidência de lesões em dorso e membros inferiores. Quanto à etnia, a grande maioria ocorre nos caucasianos, sendo menos prevalente em negros 4. Os principais tipos histológicos de MC conforme a frequência são melanoma extensivo superficial (MES), 70%; melanoma nodular (MN), 15%; lentigo maligno melanoma (LMM), 5%; melanoma lentiginoso acral (MLA), 7-9% 4.
Os dados brasileiros sobre este assunto estão, normalmente, ligados aos grandes centros de referência, localizados nas capitais ou regiões metropolitanas. Por este motivo, faltam informações atualizadas dos centros de referência localizados no interior dos estados brasileiros. Esses dados são necessários para melhorar as políticas de prevenção do MC em todo o território brasileiro. Este estudo teve como objetivo caracterizar o perfil epidemiológico e descrever os dados histopatológicos dos pacientes diagnosticados com MC através de revisão dos laudos anatomopatológicos do Laboratório de Patologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo analítico de dados descritos nos laudos anatomopatológicos do Laboratório de Patologia da UFSM entre o período de Janeiro de 2013 a Junho de 2015. Os usuários do laboratório incluem todos os pacientes do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), os outros serviços de patologia da cidade não possuem convênio com o Sistema Único de Saúde. O levantamento foi realizado através da busca eletrônica no sistema do serviço de patologia, todos os casos descritos foram analisados e revisados pelo serviço de patologia da UFSM, seguindo as diretrizes da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Os casos duvidosos foram revisados conforme protocolo interno do laboratório e quando necessário foi realizado exame imuno-histoquímico. Como critério de inclusão, utilizou-se o diagnóstico de melanoma cutâneo primário com confirmação histopatológica no período descrito anteriormente.
As variáveis estudadas foram: idade, sexo, topografia da lesão, tipo histológico, índice de Breslow e nível de Clark. Realizou-se a análise descritiva com estudo de frequência e porcentagem. Para as variáveis quantitativas, foram calculadas as medidas de tendência central (média e mediana). Utilizou-se o programa Microsoft Excel®. Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFSM, sob número CAAE: 54672816.7.0000.5346.
RESULTADOS
Foram analisados 49 casos de melanoma cutâneo diagnosticados no período de Janeiro de 2013 a Junho de 2015. Foram diagnosticados 25, 15 e 9 casos em 2013, 2014 e 2015, respectivamente. A idade mínima e máxima foram de 24 e 94 anos, respectivamente. A mediana das idades de todos os casos foi de 66 anos. Conforme o sexo, a mediana foi de 65 anos para o sexo masculino e 66 anos para o sexo feminino.
Dentre as faixas etárias, o maior número de casos ocorreu entre 70-79 anos. Não houve casos diagnosticados entre 0-20 anos e 40-49 anos. O sexo feminino apresentou o maior número de casos, estando a frente do sexo masculino na grande maioria das faixas etárias. (Tabela I)
O lentigo maligno melanoma foi o tipo histológico mais frequente, seguido do melanoma extensivo superficial, melanoma nodular e melanoma lentiginoso acral. Houve casos não classificados histologicamente. (Tabela I)
Quanto a espessura da lesão, a grande maioria foi classificada como in situ, seguida de ≤ 1mm, entre 2,01-4mm e > 4mm. No sexo feminino predominou as espessuras in situ e ≤ 1mm, já no sexo masculino predominou > 4mm e entre 2,01-4mm. Tendo em vista o nível de Clark, o maior número de casos eram nível I, seguido pelos níveis III, IV e II. No sexo feminino, o mais comum foi nível I, e no sexo masculino, nível IV. (Tabela I)
A cabeça foi a topografia mais comum, seguida pelo tronco e membros superiores. Não houve diferenças entre os sexos quanto às topografias mais frequentes. (Gráfico I)
GRÁFICO I: localização do melanoma cutâneo em relação ao sexo
DISCUSSÃO
O melanoma cutâneo é a neoplasia cutânea de pior prognóstico, sendo assim um importante tema a ser estudado. No presente estudo, houve predomínio de MC em pacientes do sexo feminino, conforme descrito em estudos prévios no estado do Rio Grande do Sul 5-8, e também em outras regiões do Brasil 7,9-14.
Dois estudos retrospectivos realizados em Centros de Referência em Dermatologia do Sistema Único de Saúde em Porto Alegre (RS) descreveram a idade média do diagnóstico aos 55,6 anos 5 e 53,7 anos 6. Da mesma forma, estudos realizados nas cidades de Chapecó (SC) 9 e Passo Fundo (RS) 7 descreveram idade média dos pacientes de 54 anos e 51,7 anos, respectivamente. A idade média dos pacientes no momento do diagnóstico, nesse estudo, foi de 63,5 anos para ambos os sexos, em torno de 10 anos acima, em comparação com os outros estudos citados. Essa divergência com a literatura pode estar relacionada ao fato de a maioria dos casos serem de LMM, que possui evolução lenta e ocorre em pessoas de maior faixa etária devido a um dano solar crônico sobre a pele.
No último estudo realizado em Santa Maria (RS) 8, publicado em 2012, foram analisados 105 casos de MC, e a faixa etária mais frequente foi 40-59 anos. Diferente deste estudo, a faixa etária de maior prevalência verificada foi de 70-79 anos e, curiosamente, não houve casos entre 40-49 anos.
Os tipos histológicos mais frequentes descritos nos estudos realizados na região sul do Brasil são MES (59,0-66,5%), MN (14,6-25,3%) e LMM (10,0-15,6%) 5-7,9. Curiosamente, nota-se uma discrepância na prevalência dos tipos histológicos encontrados no nosso estudo em relação a maioria dos estudos revisados. Apesar da grande maioria dos estudos publicados corroborarem com a epidemiologia anteriormente descrita, dois estudos publicados em 2013 15 e 1996 16 vem ao encontro das estatísticas encontradas por nós, onde houve predomínio do tipo LMM (36,7%), seguido de MES (32,7%) e MN (10,2%).
O LMM não é o tipo histológico mais frequente de melanoma, sendo encontrado em aproximadamente 10% dos casos. Acomete principalmente pessoas na sétima década de vida e está intimamente relacionado com a exposição solar crônica, tornando difícil o diagnóstico diferencial de hiperplasia melanocítica atípica, que também é encontrada em pele muito danificada pelo sol. As lesões do LMM ocorrem, principalmente, na face e possuem crescimento lento, sua forma in situ é conhecida como lentigo maligno. Na dermatoscopia, pode-se encontrar padrão granular anular e estruturas romboides 17.
O fato do MC ocorrer mais frequentemente na região do tronco em homens e mulheres parece consenso na literatura 5-7,9,10,14. Entretanto, a topografia das lesões nos 49 casos analisados neste estudo foi de 45% em cabeça e pescoço, 31% em tronco e 12% em membros superiores. O subtipo LMM é mais comum na região da cabeça e pescoço (53,7-90%)15,18, o que é corroborado pelo nosso estudo, uma vez que 72,2% dos casos de LMM acometeram a região da cabeça e pescoço dos pacientes.
Assim como em estudos anteriores, as pacientes do sexo feminino apresentaram lesões mais finas conforme o índice de Breslow 10,15, o que explica melhores índices de sobrevida nas mulheres. Nos homens, lesões com espessura > 4mm corresponderam à 25% dos casos, seguida de lesões de 2,01-4mm com 20% dos casos, o que mostra que o diagnóstico foi tardio, acarretando pior prognóstico e sobrevida nesses pacientes, podendo estar relacionado com a demora dos homens em buscar atendimento médico somado ao intervalo de tempo do encaminhamento da atenção básica ao atendimento em um hospital terciário. No caso do LMM, a maioria das lesões foram in situ (55,5%), mesma característica apresentadas no estudo realizado em Brasília 15.
A região central do Rio Grande do Sul recebe alto índice de radiação UV devido à destruição da camada de ozônio. Em Santa Maria, o índice UVB chega a 13 durante o verão, sendo classificado como de categoria de intensidade extrema. Este índice vai de 0 a 16. Quanto mais alto, maior o risco de danos à pele e de aparecimento do câncer 19. Além disso, o estado do Rio Grande do Sul apresenta uma alta proporção de descendentes de europeus, com pessoas de pele mais clara, o que pode contribuir como fator de risco para o desenvolvimento de melanoma cutâneo nessa região 20.
Na literatura, encontramos algumas características epidemiológicas que geram dúvidas quanto a relação da luz solar e o desenvolvimento dos melanomas: idosos não são a principal faixa etária acometida apesar de, em teoria, possuírem uma maior exposição solar cumulativa; em estudos caso-controles, a exposição solar cumulativa durante a vida adulta e queimaduras solares não foram associadas com elevação do risco; LMM é o único subtipo que coincide com locais de maior exposição solar. No entanto, estudos em animais e humanos mostraram que as radiações UVA e UVB estão associadas a um maior risco no desenvolvimento de melanoma, sendo UVB o fator mais forte 17.
Sabemos que diversas mutações genéticas foram identificadas como predisposição ao desenvolvimento de melanoma. O MC1R, um gene de pigmentação, está relacionado com o risco para desenvolvimento de melanomas mutantes BRAF 17. Aproximadamente 25% dos casos de melanoma familiar estão relacionados com mutações da linha germinativa CDKN2A, que também está relacionada com maior risco de desenvolver câncer de pâncreas 17,21. A recomendação do International Melanoma Genetics Consortium recomenda que os testes genéticos para mutações CDKN2A sejam realizados apenas em protocolos de pesquisa 17. Nosso estudo não tinha o objetivo de realizar pesquisa de mutações genéticas e também não teve contato com os pacientes e seus prontuários para buscar a história familiar ou pessoal de melanomas, apesar de essa associação estar cada vez mais forte e bem descrita na literatura mundial.
CONCLUSÕES
A epidemiologia do MC, neste estudo, mostrou padrões diferentes dos descritos anteriormente na literatura brasileira. Houve um maior número de casos de LMM, o que levou ao predomínio de faixas etárias mais avançadas e lesões na região da cabeça e pescoço, além disso, a maioria das exéreses foram realizadas precocemente, mostrando que campanhas de prevenção estão surtindo efeito. O trabalho apresentou algumas limitações, em alguns casos, a classificação do fototipo dos pacientes não foi descrita pelo médico que realizou a exérese da lesão, que nem sempre era dermatologista, então, como este estudo não utilizou o prontuário dos pacientes, houve uma perda de informações relevantes.
Na opinião dos autores, o predomínio do LMM no presente estudo provavelmente ocorreu devido à população atendida no Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário de Santa Maria, em sua maioria, ser composta por pessoas de pele clara, as quais possuem exposição solar ocupacional e cotidiana. Esse tipo de exposição, ao contrário da exposição episódica ou de lazer, é um fator determinante para o desenvolvimento do LMM. Tais fatos devem ser considerados pelos gestores locais na adoção de políticas de saúde que proporcionem o diagnóstico precoce do melanoma cutâneo e, consequentemente, leve a um melhor prognóstico dessa neoplasia.