Introdução
Os esportes de aventura quando tematizados nas aulas de Educação Física têm o potencial de despertar fortes emoções, principalmente pelas experiências de risco e aventura (Triani & Telles, 2020; Harper & Webster, 2017). Iqbal & Mansell (2021), reforçam que os resultados adquiridos pelas práticas de aventura estão relacionados a natureza, são benéficas a saúde mental e ao bem-estar. Além disso, Miranda, Lacasa & Muro (1995), afirma que, esses esportes buscam situações de intenso prazer psicomotor. Pois o objetivo desta modalidade está focado na autorrealização e na melhoria da qualidade de vida pois pretendem substituir competição, esforço e tensão.
No Brasil, o contexto escolar ainda é escasso de professores que adotam estas práticas esportivas devido a não especialização nessa temática (Tahara & Darido, 2018; Santos, Nunes, Santos, Reis & Mendes, 2014). Porém, apesar da escassez de professores especializados, já existe uma convicção que os esportes de aventura contribuem de forma significativa no desenvolvimento do bem-estar psicológico (Slee & Allan, 2019), e de habilidades e capacidades motoras necessárias ao desenvolvimento motor da criança (Ferreira & Pimentel, 2016).
Apesar de uma existente escassez de professores que trabalham essa temática, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC brasileira tem como uma das unidades temáticas as práticas corporais de aventura (Brasil, 2018). Que por sua vez corresponde às expressões e formas de experimentação corporal centradas nas perícias e proezas provocadas pelas situações de imprevisibilidade que se apresentam quando o praticante interage com um ambiente desafiador (Brasil, 2018). Uma das possibilidades que compõe os esportes de aventura é a corrida orientada.
Está modalidade esportiva tem como objetivo central a conservação da saúde física e mental (CBO, 2022). Atendendo assim as exigências contidas no BNCC. Essa modalidade de corrida representa uma ampla possibilidade multidisciplinar, pois através da prática de aventuras em ambientes abertos, vários outros temas podem ser trabalhados em conjunto com as demais disciplinas. Se tornando assim uma possibilidade de trabalho multidisciplinar (Melo Filho, 2018; De Oliveira Sousa, et al., 2020; Badau, 2017; Mackenzie, et al., 2018).
Nesse sentido, diante de pouquíssimos dados sobre os esportes de aventuras em escolares. o objetivo deste estudo foi analisar o comportamento socioemocional dos alunos diante de uma intervenção de corrida de orientação. Temos como hipótese que a corrida de orientação pode desenvolver competências socioemocionais em escolares do ensino médio.
Metodologia
O presente estudo caracteriza-se como estudo de caso com analise descritiva dos dados, segundo Thomas, Nelson & Silverman (2012), este tipo de pesquisa visa a compreensão profunda de uma única situação ou fenômeno. Ainda segundo os autores, este tipo de estudo não se restringe ao estudo de um indivíduo, mas pode ser utilizado em pesquisas que envolvam programas, instituições, organizações, estruturas políticas, comunidades e situações.
O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário do Rio São Francisco, sendo aprovado via parecer consubstanciado de número 4.322.977 e CAAE: 37473320.0.0000.8166.
Participantes
A pesquisa foi realizada com 72 alunos do Ensino Médio de um colégio situado na cidade de Paulo Afonso, Bahia-BR. Porém, somente 39 se mantiveram até o final do processo. A amostra foi composta de forma não aleatória, intencional e com participação voluntaria. Todos os alunos participantes da pesquisa foram autorizados pelos seus responsáveis legais mediante a assinatura um termo de consentimento livre e esclarecido, bem como os estudantes assinaram um termo de assentimento livre e esclarecido seguindo as recomendações da resolução 466/2012 do conselho nacional de saúde.
Instrumentos
Foi utilizado o questionário Big Five Inventory - BFI (McCrae & John, 1992) logo após o termino da corrida de orientação para identificar competências socioemocionais como extroversão, amabilidade, conscienciosidade, neuroticismo e abertura. Este questionário é validado e traduzido para aplicabilidade no Brasil (Hutz, Nunes, Silveira, Serra, Anton, & Wieczorek, 1998). O BFI é composto de 44 itens contendo 5 dimensões: I) extroversão, II) amabilidade, III) conscienciosidade, IV) neuroticismo e V) abertura. Os participantes classificam cada item em uma escala de 5 pontos que varia 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente); a analise das repostas são computadas como a média aritmética de cada item, ou seja, somando todos os valores dos itens de cada dimensão e dividindo pelo número de itens marcados na escala.
Procedimentos
Todos os alunos foram submetidos a uma experiência pedagógica na escola em que vivenciaram a corrida de orientação. Foi disponibilizado um mapa aos alunos onde continham informações de como chegar nos pontos de controle (PCs) e características do terreno. A principal característica da corrida de orientação é escolher o melhor percurso para chegar nos PCs no menor tempo possível (CBO, 2022).
Resultados e Discussão
O objetivo desta pesquisa foi analisar o comportamento socioemocional dos alunos submetidos a uma intervenção de corrida de orientação. Nosso principal achado foi que os alunos demonstraram um maior perfil para “abertura” e um menor perfil para “extroversão” conforme tabela 1.
Uma meta-análise recente, McEwan, Boudreau, Curran, & Rhodes (2019), identificaram o perfil de participantes de esportes de aventura, segundo os autores, os participantes destas modalidades esportivas são mais propensos a desenvolver perfil de extroversão (segundo os próprios autores são pessoas com uma abordagem enérgica e assertiva do mundo) e menos propensos ao neuroticismo. Para nossa amostra, os perfis que foram mais propensos após a intervenção da corrida de orientação foi a abertura seguida de amabilidade (tabela 1), talvez esses perfis possam ser influenciados pela faixa etária, já que nossa amostra é composta por adolescentes. Para Hutz et al (1998), os perfis de maior propensão apresentado em nossa pesquisa (abertura e amabilidade) engloba características como flexibilidade de pensamento, fantasia e imaginação, abertura para novas experiências e interesses culturais para o primeiro perfil. Já para o segundo, os indivíduos tendem a ser socialmente agradável e caloroso. O único ponto em comum entre nossa pesquisa com a de McEwan et al (2019), foi o baixo perfil de neuroticismo. Este traço está ligado a características de personalidade envolvendo afeto positivo e negativo, ansiedade, estabilidade emocional, etc. (Hutz et al, 1998). Diante destas informações, é possível hipotetizar que independentemente da idade, os indivíduos que são expostos aos esportes de aventura são menos propensos a desenvolver o neuroticismo. Pois, este perfil vem sendo associado fortemente a ter tendencia de experimentar afetos negativos e depressão (Ormel et al, 2013, Jeronimus, Kotov, Riese, & Ormel, 2016)
Os achados acima citados, é de grande importância pois revelam o grande potencial dos esportes de aventura em especial a corrida de orientação no desenvolvimento emocional das pessoas. Pois diante de uma única intervenção foi possível perceber que os perfis abertura e amabilidade são mais suscetíveis a uma maior relação interpessoal (O'Tuathaigh, Nadhirah Idris, Duggan, Costa, & Costa, 2019).
Já em relação a conscienciosidade, este perfil está sendo relacionado a autoestima (Bojanić, Nedeljković, Šakan, Mitić, Milovanović & Drid, 2019). Estudos que analisaram a autoestima em esportes, identificaram que tanto as modalidades individuais quanto as coletivas, aumentam a autoestima dos praticantes em relação aos não praticantes (Šagát et al, 2021; Monteiro, Novaes, Santos, & Fernandes, 2014; Ali, Ichraf, Khaled, Liwa & Ali, 2013). Este é um ponto importante a ser considerado, tendo em vista que a atividade proposta por nossa pesquisa pode ser trabalhada tanto como individual ou em grupo.
Um dado que não pode ser desconsiderado é o neuroticismo. Alguns estudos apontam que este perfil está altamente relacionado com emoções ruins e com vulnerabilidade para cometer delitos (Kulig, Cullen, Wilcox, & Chouhy, 2019; Cho, Hong, Espelage & Choi, 2017; Deryol, Wilcox & Dolu, 2017; Pratt & Turanovic, 2016; Delisi, Tostlebe, Burgason, Heirigs & Vaughn, 2018). Nossos dados demonstram que a corrida de orientação pode ser um importante agente contra esse perfil emocional. o predomínio para essa amostra foram os perfis relacionados a Abertura, Amabilidade e Conscienciosidade. E conforme os trabalhos citados de Piepiora (2021.a,b). Esses perfis possuem relação inversa com o neuroticismo.
Em relação ao resultado geral dos cinco grupos de personalidade, podemos observar que os três perfis que mais foram observados após uma corrida de orientação (Amabilidade, Conscienciosidade e Abertura) são associados a melhores relações interpessoais e a uma melhor autoestima. Esses resultados corroboram com nossa hipótese de que a corrida de orientação pode desenvolver competências socioemocionais em escolares do ensino médio. Apesar destes resultados, os esportes de aventura em especial a corrida de orientação não vem sendo bem trabalhada no Brasil, Franco, Tahara, & Darido (2018), identificaram que apenas 6 estados federativos brasileiros apresentam os esportes de aventuras dentro das propostas de conteúdo. Apesar de ser algo exigido pelo BNCC.
Diante de todo o exposto e dada a importância do assunto, é imprescindível que as escolas e professores busquem aplicar essa modalidade de atividade física em seus conteúdos uma vez que a mesma é componente obrigatório do BNCC.
Conclusão
O presente trabalho conclui que a corrida de orientação, se mostra eficaz no desempenho emocional dos escolares pois os perfis de maior as maiores medias foram para os perfis de: Abertura, amabilidade e conscienciosidade. Está intervenção também atende aos requisitos presentes no BNCC sobre o desenvolvimento emocional como também sobre a necessidade de práticas de aventura para a Educação Física.
Porém, entendemos que mais pesquisas seja realizada sobre esta temática e que abordem caráter transversal ou longitudinal para um maior aprofundamento sobre o debate deste tema. Ao que parece, este é o primeiro trabalho que analisou o perfil socioemocional dos escolares em uma intervenção de esportes de aventuras.