SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número1El "Carancho del Monte": Dependencia personal y ejercicio del poder político en las entrañas del rosismo, 1829-1938Reglamento de la Uni�n de Estibadores y Jornaleros del Puerto de Veracruz, M�xico, 1939: ordenamiento del trabajo de un gremio industrialmente estrat�gico índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Travesía (San Miguel de Tucumán)

versión On-line ISSN 2314-2707

Travesía (San Miguel de Tucumán) vol.23 no.1 San Miguel de Tucumán jun. 2021

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Espinhos e flores: a tessitura de uma paisagem agrária na narrativa de Lima Barreto

Thorns and flowers: the weaving of an agrarian landscape in Lima Barreto’s narrative

 

Roberta Barros Meira*
Marília Garcia Boldorini**
Mariluci Neis Carelli***

* Docente do Programa em Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille. Campus Universitário, Bloco A, sala 221. Rua Paulo Malschitzki, 10, Zona Industrial Norte, CEP 89219-710, Joinville/SC. Brasil. Direção eletrônica: [rbmeira@gmail.com].
** Mestre do Programa em Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille. Campus Universitário, Bloco A, sala 221. Rua Paulo Malschitzki, 10, Zona Industrial Norte, CEP 89219-710, Joinville/SC. Brasil. Direção eletrônica: [mariliaboldorini@gmail.com].
*** Docente do Programa em Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille. Campus Universitário, Bloco A, sala 221. Rua Paulo Malschitzki, 10, Zona Industrial Norte CEP 89219-710, Joinville/SC. Brasil. Direção eletrônica: [mariluci.carelli@gmail.com].

RECIBIDO: 07/12/2020
APROBADO:
03/03/2021

 


RESUMEN

Este artigo analisa as ideias sobre agricultura apresentadas por Lima Barreto no romance Triste fim de Policarpo Quaresma. A narrativa de um dos principais escritores da Primeira República dá ensejo a que se possa discutir o fortalecimento das ciências agronômicas e os seus impactos em um país essencialmente agrícola. Ademais, ao aproximar literatura e história tem-se a oportunidade de acompanhar atores ainda sombreados como os pequenos agricultores, bem como detalhes preciosos como a relação homem/natureza e a desigualdade social que grassava pelas paisagens agrárias no Brasil. O olhar crítico de Lima Barreto possibilita perceber os caminhos tomados pela sociedade agrária brasileira no complexo processo de remodelar paisagens estabelecidas.

Palabras clave: Lima Barreto; Paisagens agrárias, Saberes tradicionais; História da Ciência.

ABSTRACT

This text analyzes Lima Barreto’s ideas on agriculture in the novel Triste fim de Policarpo Quaresma. The narrative of one of the main writers of the First Republic offers the possibility of discussing the strengthening of agronomic sciences and their impact on an essentially agricultural country. By bringing together Literature and History, we have the opportunity of accompanying little-studied actors and the social inequalities which dominated the Brazilian agrarian landscape. Lima Barreto’s critical view allows us to perceive the trajectories followed by Brazilian agrarian society in the complex process of remodelling well-established landscapes.

Keywords: Lima Barreto; Agrarian landscapes; Traditional knowledge; History of Science.


 

Introdução

As discussões sobre a vocação agrícola, o atraso que grassava nos espaços rurais e o fortalecimento das ciências agronômicas são questões essenciais para compreender as transformações e as permanências nas paisagens rurais no Brasil no primeiro quartel do século XX. O processo de racionalização técnico-científica que revestiu a agricultura brasileira atuou frontalmente contra os saberes tradicionais herdados das culturas indígena, africana e europeia que se mesclavam no país desde o período colonial. O fortalecimento da postura que aproximava ciência e agricultura buscou excluir os saberes rurais diversos, ao mesmo tempo que deixava brechas para a continuidade de uma paisagem agrícola moldada durante séculos –com fortes lastros de exclusão social, na concentração de terras e na degradação ambiental. No Brasil, a coexistência nem sempre pacífica desses modos de produção chamaria a atenção de agricultores e estadistas ligados à questão agrária, mas, igualmente, de literatos de posições diversas que passaram a discutir as ciências agronômicas e os seus reflexos na sociedade agrária brasileira.1
Esses intérpretes do Brasil esforçaram-se por entender melhor a paisagem agrária, que, na visão dos seus predecessores, como Sérgio Buarque de Holanda, podia ser entendida como pares de oposição não antagônicos, significando tanto a riqueza como a lavoura de cunho primitivo e predatório (Holanda, 1972). Assim, as expectativas agrícolas desejáveis ou não para o Brasil no século XX se entrelaçam com temas como a ciência, a imigração, os saberes tradicionais, as riquezas naturais e, como não poderia deixar de ser, um dos traços de um passado sempre presente: a convivência secular entre a pobreza e a riqueza nos espaços rurais que explicava para esses homens o Brasil como ele era e como ele foi. Nesse sentido, em uma realidade profundamente marcada por visões de mundo ora conflitantes ora convergentes, chama a atenção que os textos literários são testemunha-chave de um mundo em que coexistiam duas agriculturas e seus modos de vida2 e que albergavam, para literatos como Lima Barreto,3 “manitus e manipansos (...), exorcismos, benzeduras e fumigações” (Barreto, 2005: 346) e máquinas agrícolas como “charrua dupla, um capinador mecânico, um semeador, um destocador, grades, tudo americano, de aço” (Barreto, 2005: 346).
Ao procurar entender essa ordem de ideias e fatos que estruturaram o cenário agrário brasileiro na primeira metade do século XX, percebe-se que a obra de Lima Barreto prima por uma excepcional riqueza de informações por apresentar o que Antonio Candido chamaria de uma busca pela “representação direta da realidade”, aproximando-se nos seus escritos mais do documento do que da ficção. Ou melhor, os problemas humanos e sociais que desfilam a cada página de Lima Barreto são utilizados para desvendar a realidade e a identidade presentes em um país marcado por uma “organização defeituosa da sociedade” (Candido, 1989). Tal qual afiança Lilia Schwarcz (2017), Lima Barreto desvelava verdades em geral silenciadas, e críticas aos políticos e às políticas seletivas, falta de incentivo cultural, ausência de preocupação com o meio ambiente e desfaçatez dos jornalistas e literatos eram temas recorrentesna sua obra. Sua intenção era denunciar esses assuntos e setores problemáticos que, segundo o autor, punham em risco a força da República.
No contexto em que essa literatura foi produzida, ou seja, no nascer da Primeira República, podemos identificar nas suas entrelinhas uma interpretação que vinculava o Brasil fortemente às desigualdades sociais consolidadas nos espaços rurais ao longo de um passado colonial e escravista que deixou profundas sequelas no Império e na República.4 A riqueza propiciada pela vocação agrícola e os recursos naturais tão alardeados nos espaços políticos e intelectuais, pelo crivo do olhar de um autor que se encontrava mais próximo dos espaços sombreados, resultaram em uma obra que punha na linha de frente temas como a concentração de terras, a pobreza dos pequenos agricultores, o racismo e uma degradação ambiental crescente.
Nesse sentido, a apresentação feita por Lima Barreto da situação vivida nos espaços rurais pelos seus diversos atores e os seus impactos nas cidades brasileiras, como o progressivo aumento dos preços dos produtos alimentícios, permite recuperar elementos importantes para a compreensão de uma paisagem agrária que se entrelaça com a literatura e com a história da ciências, principalmente quando se confrontam as ciências agronômicas e os saberes tradicionais, assim como a pobreza e a riqueza, o atraso e o progresso, a civilização e a barbárie. Essa teia formada pela ciência que se espraia por diversas direções na sociedade, como bem demonstram os textos de Lima Barreto, refletiuno próprio processo de afirmação de uma imagem científica do mundo que na virada dos séculos XIX-XX atingiu fortemente o terreno da agricultura, bem como as teorias sobre a humanidade e as desigualdades entre os homens (Schwarcz, 2018). Podemos notar que, ao apresentar os impactos da valorização da ciência agronômica, Lima Barreto resgatou o que seria para ele o cerne da questão, ou seja, as populações abandonadas do campo consideradas inferiores e atrasadas aos olhos dos técnicos.5
Inúmeras pesquisas têm demonstrado que a literatura descortina de forma notável aspectos ainda sombreados da história, e as obras literárias ganham cada vez mais espaço como fontes primárias fulcrais em pesquisas historiográficas já bastante consolidadas,6 haja vista servirem para informar e interpretar a estrutura social, bem como a mentalidade de populações marginalizadas, sobretudo da área rural, incluindo a visão que delas tinham os letrados urbanos (Santos e Segatto, 2020). Como defende Denilson Botelho, a literatura pode ser pensada como experiências vividas que apontam para resquícios do passado que estão presentes quando interrogamos qualquer documento. Para ele, “pensar a literatura como fonte documental é pensar simultaneamente, sobre o escritor como intelectual, sobre as condições de materialidade da obra, sobre o público leitor e suas estratégias e apropriações de leitura” (Botelho, 2013: 49).
Como não poderia deixar de ser, essa construção historiográfica ampla que pensa a literatura e se fortaleceu principalmente a partir da década de 1980 ainda tem discussões em aberto, como o interesse dos literatos pelas questões agrárias e ambientais. Intérpretes de um país que se reestruturava pelas novas ideias vindas com uma República que se vinculou profundamente ao urbano, escritorescomo Lima Barreto possuem uma contribuição fundamental para o conhecimento da sociedade rural brasileira, a sua relação com a ciência e com os saberes tradicionais. Nossos objetivos são recuperar parte dessa discussão que impacta as paisagens agrárias brasileiras até hoje e analisar as ideias que circularam pelos espaços literários e técnicos.

“Como era tão simples viver na nossa terra!”.7 os discursos sobre a vocação agrícola na Primeira República

A ideia de uma agricultura calcada na ciência que se contrapunha aos antigos métodos de cultivo, presente não só nos discursos dos técnicos, mas também nas crônicas e nos romances da Primeira República, buscava definir o que era para esses diversos atores o modelo de progresso agrícola ideal para o país. É interessante notar que no Brasil, desde as últimas décadas do século XIX e no início do século XX, se percebeuma forte discriminação da agricultura tradicional, realizada pelos pequenos agricultores, com o fortalecimento da figura do engenheiro agrônomo e a criação de institutos agronômicos e de vários periódicos agrícolas. Esse discurso iria fortalecer-se com a organização da Sociedade Nacional da Agricultura, em 1897, e do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em 1909 (Mendonça, 1997), fundamentado no ideário positivista, ou seja, na crença na evolução da sociedade e no papel da ciência como chave para o progresso, bem como nas ideias iluministas de uma “ciência útil” à sociedade (Bhering e Maio, 2011). Logo, a ciência passou a assenhorar-sedo campo, e as ideias em voga sobre o progresso agrícola proporcionaram os meios para o fortalecimento da agronomia e do avanço das terras dos grandes proprietários atrelada à perseguição aos pequenos agricultores. Ademais, a Primeira República marcaria de maneira bastante evidente a continuidade do que Sérgio Buarque de Holanda consideraria como o “novo descobrimento do Brasil” (Holanda, 1976), que começou a ser pensado no início do século XIX com a vinda das missões artísticas e que trariam um olhar mais acurado para as áreas que distavam dos grandes centros urbanos ou do litoral.8 As visões que se tinham para os espaços rurais sempre podiam destoar um pouco. Se a ciência agronômica era um ponto em comum, escritos como o de Lima Barreto demonstram que o seu reconhecimento como a salvação da lavoura estava longe de ser considerado unanimidade. Os discursos dos técnicos e estadistas esbarravam nos objetivos nem sempre homogêneos que os diversos setores envolvidos e os seus beneficiários de fato buscavam. Nesse sentido, os problemas de carestia e altos preços dos alimentos, a concentração de terras, a imigração europeia, a falta de incentivos para os pequenos agricultores e a contestação da eficácia de técnicas agrícolas pensadas para outros países aparecem nos textos de Lima Barreto mais como um questionamento das ideias de atraso e progresso defendidas tanto pelos técnicos como por parte dos estadistas e dos grandes agricultores. A seu ver, havia que reconsiderar aqueles que seriam os problemas mais graves dos espaços rurais brasileiros e as soluções que deveriam ser implementadas.
Ora, em Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance publicado em formato de folhetim em 1911 e lançado em 1915, Lima Barreto expõe uma das suas interpretações mais claras sobre a glorificação de uma vocação agrícola considerada sem par quando comparada com outros países versus os graves problemas que grassavam no Brasil rural. Chama a atenção que essas duas visões são apresentadas seguindo as fases da vida do protagonista, isto é, o Policarpo Quaresma9 urbano encantado com as narrativas paradisíacas que conflita com as novas visões da realidade agrária surgidas com o choque de realidade vivenciado a partir do momento em que a personagem abandonou a cidade e se adentrou no sertão, nos espaços rurais. Note-se ainda que se trata de um sertão não tão longe da cidade do Rio de Janeiro e que dispunha de uma estação ferroviária.10 Importa lembrar, como aponta Nísia Trindade Lima, que a ideia de sertão ou de rural se entrelaçava nesse período com certo exotismo ligado à autenticidade buscada pelos intelectuais e à “distância em relação ao poder público”. Esse discurso também viria acoplado à ideia de polos duais ao contrapor atraso e progresso, isto é, os “espaço da natureza e da barbárie” versus a “civilização” (Lima, 2013: 59-60).
Nesse sentido, Quaresma expõe discursos muito distintos que retratam a mesma paisagem, ora que glorificam os espaços rurais pelas suas riquezas naturais e pelo progresso da grande lavoura, ora que reforçam o exótico da natureza e o atraso de parte da população rural –os pequenos agricultores, posseiros, trabalhadores rurais e agregados. Ou seja, o cenário idílico que recuperava os relatos da carta de Pero Vaz de Caminha (1963) e de Rocha Pitta (1730) seria exaltado pelo Quaresma urbano, marcando o desconhecimento de muitos intelectuais da realidade do próprio país que conheciam o Brasil somente pela leitura de alguns livros, sendo chamados por isso de “estudiosos de gabinete” (Schwarcz, 2007).

Durante os lazeres burocráticos estudou, mas estudou a Pátria, nas suas riquezas naturais, na sua história, na sua geografia, na sua literatura e na sua política. Quaresma sabia as espécies de minerais, vegetais e animais, que o Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes exportados por Minas (...) as nascentes e os cursos de todos os rios. Defendia com azedume e paixão a proeminência do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo (...). Era costume seu, assim pela hora do café, quando os empregados deixavam as bancas, transmitir aos companheiros o fruto de seus estudos, as descobertas que fazia, no seu gabinete de trabalho, de riquezas nacionais. Um dia era o petróleo que lera em qualquer parte, como sendo encontrado na Bahia; outra vez, era um novo exemplar de árvore da borracha que crescia no Rio Pardo, em Mato Grosso; outra era um sábio, uma notabilidade, cuja bisavó era brasileira; e quando não tinha descoberta a trazer, entrava pela corografia, contava o curso dos rios, a sua extensão navegável, os melhoramentos insignificantes de que careciam para se prestarem a um franco percurso da foz às nascentes (Barreto, 2005: 346).

O outro polo do discurso aparece na segunda parte do livro, quando Policarpo passa a viver no sítio de Sossego para se dedicar à sua nova ocupação, a lavoura. Corria os dias a arar a terra, tratando-a para deixá-la pronta para o plantio. Essa fase de vida fora interrompida, porém, por altos impostos e pelas formigas que insistiam em invadir a propriedade. Decepcionado com a terra do Brasil, onde nem tudo se dá, resolveu retornar à cidade. Na sua volta, Quaresma redige e entrega a Marechal Floriano Peixoto, então presidente do Brasil, um memorial a fim de denunciar os fatos vivenciados no âmbito rural. “Nele expunham-se as medidas necessárias para o levantamento da agricultura e mostravam-se todos os entraves, oriundos da grande propriedade, das exações fiscais, da carestia de fretes, da estreiteza dos mercados e das violências políticas” (Barreto, 1983: 112). Assim, Quaresma, que antes acreditava nodiscurso de uma paisagem paradisíaca,11 progressivamente passara a enxergar o cenário de abandono, ausências e explorações por parte do Estado. 
Merece destaque que as riquezas naturais e a vocação agrícola foram transformadas em temas centrais da literatura colonial brasileira e marcariam a sua continuidade nos diversos períodos do pós-independência. Sérgio Buarque de Holanda compara a carta de Pero Vaz de Caminha com outros textos e mostra a presença constante dessa descrição aos moldes de um Jardim do Éden (Holanda, 2000). A carta trouxe no seu bojo a visão utilitarista da natureza que tão bem caracterizou o processo de colonização portuguesa e que se manteve fortemente arraigada na história do Brasil, legando os aspectos da ideia de natureza inesgotável e, por conseguinte, de um processo de relação com o meio ambiente marcado por um desenvolvimento insustentável.12 Lima Barreto trouxe essa repisada literatura colonial ao recorrer ao “entusiástico e gongórico Rocha Pitta da História da América Portuguesa” e reproduzir um dos extratos da sua obra mais conhecidos: “Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios mais dourados” (Pitta apud Barreto, 2005: 266).
A sua crítica parte assim dos elementos do discurso fundador da identidade nacional brasileira que se escorou na grandeza da natureza e que permaneceu nos diferentes regimes políticos (Carvalho, 1998). Ao longo do texto, Lima Barreto apresenta uma releitura do discurso oficial e de maneira sutil demonstra ponto a ponto os seus fortes vínculos com a ideia da violenta exploração da natureza e dos homens, do favorecimento prioritário do comércio internacional e de uma propaganda imigrantista voltada para os europeus –escolhas políticas que relegavam as populações pobres ao descaso do poder público e da elite no Brasil. O autor também se opõe fortemente ao padrão europeu de percepção da natureza e do homem dos trópicos bastante influenciado pela ideia do atraso brasileiro e pelas suas origens em uma herança nefasta das sociedades colonial e mestiça –ideias que tiveram forte influência na elite modernizadora e na intelectualidade brasileira. Segundo Luciana Murari (2002: 74-75), ressalta-se nesse caso a circulação de ideias nos meios intelectuais brasileiros de autores como Henry Thomas Buckle, que defendiam que o atraso brasileiro seria explicado pela própria abundância da natureza que não propiciava lugar para o progresso do homem. A aceitação desses aspectos tão pouco atraentes do brasileiro defendidas por intelectuais como Bucklese tornou uma preocupação explícita na literatura que buscava analisar a temática rural no Brasil.13
Mas, devemos lembrar, como aclara Nísia Trindade Lima, que as formas como esses intelectuais perceberam a modernidade não poderia ser a mesma, apesar de a natureza, as questões sociais e culturais do país e os contrastes entre o litoral e o sertão serem pontos em comum (Lima, 2013: 14). Releva notar que Lima Barreto defendeu outra leitura desse cenário, marcado por profundas transformações escoradas no avanço do processo de modernização rural e urbana e na mudança do regime político de monarquia para a República e da escravidão para o trabalho livre. Botelho chama a atenção para o que ele considera como visões contra-hegemônicas no encontro entre a história e a literatura de Lima Barreto (Botelho, 2013). Como intelectual negro que viveria as mazelas da sociedade e seus fortes impactos na vida da população pobre, Lima Barreto fez uma história ao avesso, ou uma história a contrapelo. Afasta-se assim de intelectuais do período como Monteiro Lobato, que trouxe em algumas das suas obras as ideias presentes nas teorias raciais e a defesa da degeneração das chamadas “populações tropicais ou mestiças”.14 Lima Barreto, talvez como um dos mais agudos observadores do seu tempo, explicou a sociedade brasileira pelo abandono do Estado e a exploração que submetia parte expressiva da população do país a um ciclo interminável de pobreza.
O romance Triste fim de Policarpo Quaresma, parece caminhar na mesma direção de textos de outros autores e aos poucos deixa submergir as ideias de Lima Barreto sobre esse Brasil agrário, suas mazelas, desditas e pobrezas. Em um primeiro momento, a evocação das riquezas naturais sem fim, da grandeza da natureza, da fertilidade do solo e da vocação agrícola acenam para o discurso oficial –que será repetido em várias passagens por Quaresma. Releva notar que a influência das ideias que defendiam a vocação agrícola do país uniu homens de vários perfis, fazendeiros, técnicos ou estadistas. Tal discurso trazia a ideia de que era a agricultura que sustentava o Brasil, discurso que se fortaleceu após o boom cafeeiro na segunda metade do século XIX15 e que se mantém até hodiernamente escorado nos resultados de produtos como a soja.16 Com efeito, os produtos agrícolas mantiveram-se como um importante gerador de divisas na Primeira República, resultado impulsionado pelas exportações cafeeiras (Szmrecsányi, 1990). Aliás, a elite brasileira em todos os regimes políticos se esforçava para consolidar a visão do país como um “Eldorado”, não mais o das minas, como aclara Sérgio Buarque de Holanda, mas o “do açúcar, o do tabaco, de tantos outros gêneros agrícolas, que se tiram da terra fértil, enquanto fértil como o ouro se extrai, até esgotar-se, do cascalho, sem retribuição de benefícios” (Holanda, 2000: 403). Uma descrição de Eldorado fortemente apoiada na agricultura – e no silêncio sobre a pobreza e a exploração –e que seria muito bem apresentada por Lima Barreto (2005: 311):

A convicção que sempre tivera de ser o Brasil o primeiro país do mundo (...) Tinha todos os climas, todos os frutos, todos os minerais e animais úteis, as melhoras terras de cultura, a gente mais valente, mais hospitaleira, mais inteligente e mais doce do mundo – o que precisa mais? (...) A nossa terra tem os terrenos mais férteis do mundo... O milho pode dar até duas colheitas e quatrocentos por um...

Essa mescla entre a carta de Caminha, o peso econômico do café e as influências de algumas ideias que circularam da Europa para o Brasil, como leretour à la terre,17 fortaleceu o discurso da vocação agrícola do país no primeiro quartel do século XX. Ademais, deve-se considerar que a expansão da industrialização nos países europeus aumentou a importação de produtos alimentícios. O papel dos países não industrializados passou a ser o de fornecedor de matérias-primas e gêneros alimentícios para os países industrializados e compradores dos seus artigos manufaturados. Nesse caso, para Celso Furtado (1870: 124), “o Brasil, é, pois, levado a se adaptar a esse novo equilíbrio internacional; e, como resultado de sua especialização ele se torna um dos maiores produtores de matéria-prima e de produtos tropicais no mundo”.
No entanto, é importante lembrar que a Primeira República herdou as consequências dos processos do término da escravidão, da crise do setor agroexportador e da expansão urbana industrial na Região Sudeste do país. Tais fatores levariam a produção agrícola brasileira a orientar-se igualmente para o mercado interno, o que ocasionou uma gradativa e crescente monetarização e mercantilização tanto da grande lavoura quanto da pequena produção. Nesse caso, era importante para a elite agrária buscar alternativas e redefinições para a crise por que passava, com o mínimo possível de mudança, ou seja, sem alteração substancial no âmbito da estrutura das relações de trabalho, propriedade e poder (Perruci, 1978).
Essa vocação agrícola seria difundida nas revistas agrícolas, que se fortaleceram na Primeira República. As associações agrícolas, citadas por Lima Barreto, como a Sociedade Nacional da Agricultura, tiveram crescimento expressivo e difundiriam suas ideias principalmente por meio de revistas e boletins.18 A importância da estatística e de informações para os fazendeiros incentivou as publicações agronômicas, e o surgimento de revistas ficou na ordem de 47,8% entre 1912 e 1930. O objetivo principal era difundir as ideias de racionalização e o ensino agrícola, além de trazer propagandas de maquinários19 e séries de preços correntes ou passados. A circulação dessas revistas e o aumento do público leitor demonstram a importância dessas publicações na difusão de novas ideias no campo (Martins, 2008). Todavia, as revistas também alentavam uma visão positiva da agricultura, preconizando os novos espaços ocupados pelos agricultores com o retorno aos tempos áureos do Brasil como celeiro do mundo. É o que se lê em algumas das passagens em que Lima Barreto reproduz esse discurso:

Indagou dos preços correntes das frutas, dos legumes, das batatas, dos aipins; calculou que cinquenta laranjeiras, trinta abacateiros, oitenta pessegueiros, outras árvores frutíferas, além dos abacaxis (que mina!), das abóboras e de outros produtos menos importantes, podiam dar rendimento anual de mais de quatro contos, tirando as despesas. Seria ocioso trazer para aqui os detalhes de seus cálculos, baseados em tudo no que vem estabelecido nos boletins da associação agrícola nacional. Levou em linha de conta a produção média de cada pé de fruteira, de hectare cultivado, e também os salários, as perdas inevitáveis; e quanto aos preços, ele foi em pessoa buscá-los.
Esperava grandes colheitas de frutas, de grãos, de legumes; e do seu exemplo, nasceriam mil outros cultivadores, estando em breve a grande capital cercada de um verdadeiro celeiro, virente e abundante a dispensar os argentinos e os europeus.
Ele foi contente. Como era tão simples viver na nossa terra! (Barreto, 2005: 312).

O reverso dessa moeda acabou sendo discutido por Lima Barreto algumas páginas depois. Alguns técnicos do período já apontavam os problemas de por a teoria em prática, principalmente quando muitos desses modelos eram pensados para a realidade de outros países e precisavam adequar-se ao cenário rural brasileiro.20 Triste fim de Policarpo Quaresma tem como uma das suas discussões-chave não somente a crítica em si aos discursos sobre as riquezas naturais e agrícolas do Brasil, mas, igualmente, aos cálculos que se tornavam utópicos quando apresentados nessas revistas deslocados de fatores impeditivos como os impostos, os péssimos caminhos, os atravessadores, entre outros problemas que afetavam fortemente as possibilidades do tão almejado progresso, sobretudo dos pequenos agricultores.21

A quarenta quilômetros do Rio, pagavam-se impostos para se mandar ao mercado umas batatas? Depois de Turgot, da Revolução, ainda havia alfândegas interiores? Como era possível fazer prosperar a agricultura, com tantas barreiras e impostos? Se ao monopólio dos atravessadores do Rio se juntavam as exações do Estado, como era possível tirar da terra a remuneração consoladora?
Era preciso trabalhos maiores, mais profundos; tornava-se necessário refazer a administração. Imaginava um governo forte, respeitado, inteligente, removendo todos os óbices, esses entraves, Sully e Henrique IV, espalhando sábias leis agrárias, levantando o cultivador... Então sim! O celeiro surgiria e a pátria seria feliz (Barreto, 2005: 348).

Lima Barreto discutia no trecho citado questões fulcrais que afetavam tanto os agricultores como os consumidores no Brasil, que enfrentavam desde as altas nos preços até crises de abastecimento. As pesquisas sobre o mercado interno têm demonstrado que não se trata de um campo menor quando pensado em relação à lavoura destinada à exportação. Ou seja, ao se colocar como principal fonte de divisas do país a agricultura enfrentava pesados impostos não só quando os produtos agrícolas eram exportados, como no caso do café, mas principalmente quando esses produtores rurais e os consumidores internos eram onerados pelos impostos municipais e estaduais que afetavam a população mais pobre, pois incidiam diretamente sobre os produtos da cesta básica.22 Maria Yeda Linhares (1990) chama a atenção para o privilégio dado pela historiografia para os produtos agrícolas de exportação, deixando de enfatizar, como seria importante, o consumo nacional. Aliás, deve-se considerar que o mercado interno assumiu peso crescente para muitos dos produtos agrícolas, sobretudo pela imigração e pelo êxodo rural, que geraram grande aumento demográfico urbano.
Em parte, quebrava-se o elo colonial, como defendido por Mintz (1996), uma vez que não era mais o único cenário possível uma realidade marcada apenas por produtores e trabalhadores que provavelmente produziam artigos de que não seriam os principais consumidores e que consumiam artigos que não haviam produzido. A população nacional supriu de forma crescente o papel anteriormente dado à metrópole ou aos mercados internacionais, possibilitando a sobrevida de muitos produtos agrícolas após a perda do mercado externo e redefinindo as bases econômicas de regiões do país.
Outra questão apresentada por Lima Barreto e que teria forte ressonância nos discursos das sociedades e nos congressos agrícolas no período (IAA, 1949) é o impacto dos atravessadores, refletindo na baixa lucratividade dos agricultores e nos altos preços pagos pelos consumidores internos.23 Quanto mais o cenário de crise da lavoura se agudizava, também se multiplicava o rancor contra a ação dos chamados especuladores, baixistas, parasitas, vampiros ou tantos outros adjetivos pejorativos com que foram chamados os comerciantes ou atravessadores. Releva notar, no entanto, que muitos dos argumentos sobre como se deveriam embaraçar as ações especulativas na Primeira República citavam precisamente as ideias que circulavam na França, como o trabalho de Jules Méline (1905), Leretour à la terre, que defendia as associações cooperativas como um remédio, um poderoso regulador de todos os interesses ou o que mais interessava aqui, um grande instrumento de emancipação da agricultura, que lhe permitiria obter de seus produtos o máximo de receita, já que estabeleceria relação direta entre o produtor e o consumidor, “desembaraçando a venda de elementos parasitários que arruínam a ambos”24 ou “a proteção dos produtos contra a lepra dos especuladores que os desvalorizam” (A Lavoura, 1900).
A explicação para o fato de esses agricultores passarem a ter tanto interesse em comercializar diretamente o seu produto se devia em parte à questão de a etapa comercial oferecer resultados muito mais certos e remuneradores. Na etapa agrícola sempre se podia perder dinheiro com as irregularidades das estações, as pragas, a falta de braços. Por outro lado, na fábrica eram constantes os gastos e os prejuízos para conservar os maquinismos, o prejuízo com o baixo rendimento industrial por diversos fatores, entre outros motivos de dispêndio então vigentes, principalmente como apontavam alguns agricultores e técnicos da vigência: “Por anos e anos, através mesmo de decênios, de preços ínfimos, que por vezes hão levado o infeliz e desamparado agricultor até o extremo de abandonar no campo o fruto do seu árduo trabalho, por não valer a pena colhê-lo”.25
Os intermediários não foram o único alvo dos reclamos de Policarpo Quaresma ou dos agricultores do período. Com o passar do tempo, às vezes se tem a impressão de que esses homens levavam um prego no tacão que dificultava que as medidas pensadas e repetidas incansavelmente fossem postas em prática. Muitas vezes esse prego pareceu ser confundido com o Estado. Logo, se o Estado sempre foi visto como peça-chave para a plena aplicação das políticas agrícolas, ideia refletida por Lima Barreto na maneira como Policarpo Quaresma viaas ações salvadoras que deveriam ser impostas por Floriano Peixoto –“onde é que se viu um governo que não aproveita as aptidões, abandona-as, deixa-as por aí vegetar?” (Barreto, 2005: 147), convém observar que o desenrolar do drama acabaria tanto no romance como nas páginas dos periódicos agrícolas representado pela desilusão e, frequentemente, pelo aprofundamento das crises da lavoura.
Tinha-se a convicção de que à iniciativa privada não caberia resolver todos os problemas, ou ela não seria capaz disso, particularmente quando se falava de problemas antigos como os altos impostos, as deficiências no sistema de transporte e no ensino agrícola, a falta de crédito, entre outros.26 Na apresentação ao Congresso do projeto para a criação do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o seu redator, Joaquim Ignácio Tosta, afirmava não haver dúvida de que a iniciativa dos indivíduos e a energia associativa “não dispensam a ação insuprível do Estado” (Sociedade Nacional da Agricultura, 1906). A relação com o Estado apresentava quase sempre os dois lados da moeda: salvação por meio das políticas de auxílio agrícola e destruição pelos altos impostos e pela falta de auxílios e infraestrutura.
De toda maneira, criava-se um pensamento quase espontâneo entre os homens ligados à agricultura que reconheciam como obrigatórias medidas estatais que incentivassem o desenvolvimento agrícola, cujo suporte era dado pela ideia da vocação agrícola do país. A Sociedade Nacional da Agricultura, como não se pode esquecer, influenciaria em muito o fortalecimento desse pensamento. Nesse caso, a tutela do Estado deveria se fazer presente, pois o desenvolvimento econômico do Brasil dependia da difusão dos princípios da economia rural moderna e da vulgarização dos métodos aperfeiçoados de cultura do solo e da transformação industrial dos produtos agrícolas, uma vez que o Brasil no discurso oficial era um país essencialmente agrícola, dotado de regiões feracíssimas e de variados climas. Mais do que isso, era inconcebível que o Estado se mostrasse indiferente à má sorte da lavoura. Para esses atores, ele não só tinha o dever de sindicar as suas causas e estudá-las cuidadosamente como se esperava que removesse ou atenuasse os empecilhos que obstavam o seu desenvolvimento (A Lavoura, 1903).

Considerações finais

Em Triste fim de Policarpo Quaresma, temos uma narrativa com forte teor concreto de observação por parte do seu autor, Lima Barreto. O romance consiste na representação do real cheio de vícios na distribuição do poder e da riqueza que recai sobre a infraestrutura burocrática, civil e militar, correlacionada ao caráter agroexportador e dependente do país, acentuado no início do século XIX. Tratou-se, portanto, de discutir neste artigo os discursos apresentados pelo autor no tocante à agricultura e à relação homem e natureza, tendo como pano de fundo o contexto da Primeira República brasileira, revelando que mediante textos literários é possível ter outras perspectivas e detalhes significativos advindos de atores sombreados.
A imagem de “Espinhos e flores” evocada por Lima Barreto pode retratar, como procuramos demonstrar, os contrastes entre os discursos e o real vivido nos espaços agrários brasileiros. Em meio aos debates travados durante a Primeira República, uma das vozes que mais sobressaiu foi a dos literatos, como Lima Barreto. Assim, descortinar as imagens construídas no passado e que ressoavam nas vozes dos estadistas e dos grandes agricultores abre a possibilidade de se discutirem projetos que pensaram a superação do atraso nas áreas rurais brasileiras.
Por outro lado, o olhar de Lima Barreto aponta para a importância de se conhecer e superar a origem dos problemas no campo brasileiro, ou seja, a permanência do tripé que estruturou a agricultura colonial e de exportação: a escravidão, a monocultura e o latifúndio. As propostas de reforma agrária, de auxílio aos libertos e de incentivo à policultura foram colocadas na pautada política nacional no fim do século XIX, principalmente pelo movimento abolicionista (Alonso, 2015). A República, implementada em 1889, segue outros caminhos muito mais marcados pelas continuidades do que pelas rupturas com o velho status quo consolidado desde os tempos coloniais nos espaços rurais brasileiros. Parte expressiva desses homens buscou romper com os antigos métodos de cultivo, mas o pilar que sustentava essa paisagem agrária desigual, que mudava seus contornos dependendo do ângulo que se olhava, foi percebido mais comumente como um problema secundário.

REFERÊNCIAS

A Lavoura (1900): Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura, Rio de Janeiro.         [ Links ]

A Lavoura (1903): Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura, Rio de Janeiro.         [ Links ]

A Lavoura (1920): Boletim da Sociedade Nacional da Agricultura, Rio de Janeiro.         [ Links ]

Alonso, Angela (2015): Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro (1868-88), São Paulo, Companhia das Letras.         [ Links ]

Barreto, Lima (1983): Triste fim de Policarpo Quaresma, São Paulo, Ática.         [ Links ]

Barreto, Lima (2004): “Problema vital. Revista contemporânea 22-2-1919”. Em: Barreto, L., Toda crônica, Rio de Janeiro, Agir.

Barreto, Lima (2005): “Triste fim de Policarpo Quaresma”. Em: Barreto, L., Prosa seleta, Rio de Janeiro, Nova Aguiar.

Bhering, Marcos Jungmann e Maio, Marcos Chor (2011): “Ciência, positivismo e agricultura: uma análise do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio na Primeira República”, Varia Historia, Belo Horizonte, 27, 46, pp. 689-709.

Botelho, Denilson (2013): “Sobre os meios e modos de fazer jornalismo na Primeira República: Lima Barreto entre a história e a ficção”, Antíteses, pp. 32-52.

Caminha, Pero Vaz de (1963): Carta a El Rei D. Manuel, São Paulo, Dominus.         [ Links ]

Candido, Antônio (1964): Os parceiros do Rio Bonito, Rio de Janeiro, José Olympio.         [ Links ]

Candido, Antônio (1989): A educação pela noite e outros ensaios, São Paulo, Ática.         [ Links ]

Candido, Antônio (2009): Formação da literatura brasileira: momentos decisivos, Rio de Janeiro, Ouro sobre Azul.         [ Links ]

Carvalho, Flávia Paula (2005): A natureza na literatura brasileira: regionalismo pré-modernista, São Paulo, Hucitec.         [ Links ]

Carvalho, José Murilo de (1998): “O motivo edênico no imaginário social brasileiro”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13, 38.

Chalhoub, Sidney & Pereira, Leonardo Affonso (1998): A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira.         [ Links ]

Costa, Emília Viotti da (2012): Da senzala à colônia, São Paulo, Unesp.         [ Links ]

Dafert, Franz Wilhelm (1893): Relatório anual do Instituto Agronômico do Estado de São Paulo (Brasil) publicado pelo Diretor F. W. Dafert, São Paulo, Tip. da Companhia Industrial de São Paulo.         [ Links ]

Dean, Warren (2004): A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira, São Paulo, Companhia das Letras.         [ Links ]

Dé Carli, Gileno (s.d.): O drama do açúcar, Rio de Janeiro, Irmãos Pongetti Editores.         [ Links ]

Diamanti, Henri (1978): “Nota sobre a indústria açucareira no Brasil”. Em: Perruci, G., A república das usinas, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Domingues, Heloisa Maria Bertol (1995): Ciência: um caso de política. As relações entre as ciências naturais e a agricultura no Brasil-Império. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Elpo, Leandro Amorim (2012): ‘Você, Quaresma, é um visionário!’: O conflito entre herói e mundo no romance de Lima Barreto Triste fim de Policarpo Quaresma. Dissertação de Mestrado em Letras, Universidade Federal do Rio Grande.

Engel, Magali (2008): “‘O Rico Mendigo’: as críticas de Lima Barreto à política agrícola da Primeira República (Brasil, 1910-1922)”, Caderno de Resumos da Mesa 81, Congreso Internacional Ciencias, Tecnologías y Cultura: Diálogo entre las Disciplinas del Conocimiento. Mirando al Futuro de América Latina y El Caribe, Santiago.

Furtado, Celso (1870): Les Etats-Unis et le sousdévéloppement de l’Amérique Latine, Paris, Celman-Lévy.

Holanda, Sérgio Buarque de (1972): “Da maçonariaao positivismo”. Em: Holanda, S. B. de (Org.), História geral da civilização brasileira, Tomo II, Vol. 5, São Paulo, Difel, pp. 289-305.

Holanda, Sérgio Buarque de (1976): “A herança colonial e a sua desagregação”. Em: Holanda, S. B. de (Org.), História geral da civilização brasileira, Vol. III, São Paulo, Difel, pp. 9-39.

Holanda, Sérgio Buarque de (2000): Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil, São Paulo, Publifolha.         [ Links ]

Instituto de Açúcar e Álcool [IAA] (1949): Congressos açucareiros do Brasil, Rio de Janeiro, IAA.         [ Links ]

Kreter, Ana Cecília e Souza Júnior, José Ronaldo de C. (2020): “Economia agrícola”, Carta de Conjuntura, 46, pp. 1-28.

Lima, Nísia Trindade (2013): Um sertão chamado Brasil, São Paulo, Hucitec.         [ Links ]

Linhares, Maria Yedda [Org.] (1990): História geral do Brasil, Rio de Janeiro, Campus.         [ Links ]

Martins, Ana Luiza (2008): Revistas em revista: imprensa e práticas culturais em tempos de República (1890-1922), São Paulo, Edusp.         [ Links ]

Méline, Jules (1905): Le retour à la terre et la surproductionindustrielle, Paris, Librairie Hachette et Cie.         [ Links ]

Mendonça, Sonia Regina de (1990): Ruralismo: agricultura, poder e Estado na Primeira República. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Mendonça, Sonia Regina (1997): O ruralismo brasileiro (1888-1931), São Paulo, Hucitec.         [ Links ]

Mintz, Sidney (1996): Dulzura y poder: el lugar del azúcar en la historia moderna, Madrid, Siglo XXI.         [ Links ]

Murari, Luciana (2002): Tudo o mais é paisagem: representações da natureza na cultura brasileira. Tese de Doutorado em História Social, Universidade de São Paulo.         [ Links ]

Murari, Luciana (2009): Natureza e cultura no Brasil (1870-1922), São Paulo, Alameda.         [ Links ]

Neves, Margarida de S. (1995): “História da crônica. Crônica da história”. Em: Resende, B. (Org.), Cronistas do Rio, Rio de Janeiro, José Olympio/CCBB, pp. 15-31.

Pádua, José Augusto (2004): Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, Rio de Janeiro, Jorge Zahar.         [ Links ]

Perruci, Gadiel (1978): A república das usinas, Rio de Janeiro, Paz e Terra.         [ Links ]

Ramos, Pedro (1999): Agroindústria canavieira e propriedade fundiária no Brasil, São Paulo, Hucitec.         [ Links ]

Rocha Pitta, Sebastião da (1730): História da América Portugueza, Lisboa, Francisco Arthur da Silva.         [ Links ]

Santos, Raimundo & Segatto, José Antonio (2020): “Introdução à seção temática: literatura e mundo rural”, Estudos, Sociedade e Agricultura, 28, 3, pp. 502-507.

Schwarcz, Lilia Moritz (2007): O espetáculo das raças, São Paulo, Companhia das Letras.         [ Links ]

Schwarcz, Lilia Moritz (2017): Lima Barreto: triste visionário, São Paulo, Companhia das Letras.         [ Links ]

Schwarcz, Lilia Moritz (2018): “Teorias raciais”. Em: Schwarcz, L. & Gomes, F. dos S. (Org.), Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos, São Paulo, Companhia das Letras, pp. 403-409.

Schwarz, Roberto (2000): Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis, São Paulo, Duas Cidades.         [ Links ]

Silva, Cinthia Mara Cecato da (2010): Entre o pranto e a mofa, a pátria idolatrada em Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto: sob a égide do arrivismo, a nação em seu rolar de Sísifo. Dissertação de Mestrado em Letras, Universidade Federal do Espírito Santo.         [ Links ]

Silva, Míriam Porfírio da (2018): O americanismo de Monteiro Lobato: análise dos livros ‘Mister Slang e o Brasil’ e ‘América’ Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas.

Sociedade Nacional da Agricultura (1906): Projeto e parecer sobre a criação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio apresentado ao Congresso Nacional pelo deputado Dr. Joaquim Ignácio Tosta, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional.         [ Links ]

Sociedade Nacional da Agricultura (1907): Anais do Primeiro Congresso Nacional da Agricultura, 2 Vol., Rio de Janeiro, Imprensa Nacional.         [ Links ]

Souza, José Wellington de (2017): Raça e eugenia na obra geral de Monteiro Lobato. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Juiz de Fora.         [ Links ]

Szmrecsányi, Tamás (1990): Pequena história da agricultura no Brasil, São Paulo, Contexto.         [ Links ]

NOTAS

1 Alguns exemplos são as obras de Monteiro Lobato, Euclides da Cunha, José de Alencar, Bernardo Guimarães, entre outros. Ver: Candido (2009), Murari (2009) e Carvalho (2005).

2 Para a discussão sobre essa imbricação entre o velho e o novo na agricultura brasileira, ver: Ramos (1999).

3 Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) foi funcionário público e jornalista. Nascido no Rio de Janeiro, transitava entre a Ilha do Governador, onde morava, e o colégio na então capital do Brasil. Formado, matriculou-se na Escola Politécnica, no centro do Rio de Janeiro. Negro, jamais deixou de sofrer constrangimentos advindos da exclusão social por conta da sua cor. Perdeu a mãe muito cedo e, ainda jovem, largou a escola e passou a trabalhar como amanuense, em razão da situação financeira desfavorável da família, depois que o pai “adoeceu ‘dos nervos’” (Schwarcz, 2017: 12). Mesmo assim, nunca deixou de lado sua real vocação, a literatura. Criou a revista Floreal e escreveu crônicas, contos e romances como Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) e Os bruzundangas (1922). Após três internações em hospício, por causa da vida boêmia, faleceu aos 41 anos, vítima de infarto, atribuído, entre outros fatores, ao consumo excessivo de álcool. Como apontado por Lilia Schwarcz (2017: 13), ao ler Lima Barreto, “por definição dele mesmo, se está diante de uma ‘literatura militante’, impactada por seu próprio contexto social”.

4 Leandro Amorim Elpo (2012) chama a atenção para a diferença da obra de Lima Barreto, uma vez que os seus livros carregariam a própria realidade enfrentada pelo autor durante a sua vida, isto é, “a dura realidade de ser excluído, na prática da sociedade”.

5 No caso do Brasil, essa elite técnico-científica recém-chegada ao poder adaptaria os discursos de valorização da primazia europeia, como ocorreu no caso da imigração, para consagrar o primado da técnica e da ciência nos espaços rurais. Ver: Sevcenko (2003: 311).

6 Ver: Neves (1995: 15-31), Chalhoub e Pereira (1998), Sevcenko (2003) e Schwarz (2000).

7 Barreto (2005: 312).

8 A preocupação em conhecer melhor o Brasil aparece no projeto de vários literatos do período, aproximando-se do enfoque dado por Lima Barreto. Um exemplo seria uma crônica de João do Rio publicada em 1808 e que questionava “Quando o brasileiro descobrirá o Brasil?”. Ver: Silva (2010: 84).

9 Interessante refletir sobre o nome do protagonista. Policarpo, conforme o dicionário (apud Schwarcz, 2017), indica aquele que tem e produz muitos frutos, enquanto Quaresma consiste em um tipo de coqueiro que, pela forte presença nos mapas seiscentistas brasileiros, virou símbolo da nacionalidade. “Desse modo, ela [a árvore] se tornou ícone maior do nosso ufanismo, e o personagem não poderia ser homenageado mais ao revés. Se ele se dedicava à agricultura do país, também se desencantou com a falta de frutos e resultados” (Schwarcz, 2017: 310).

10 Para Antônio Candido (1964: 25), o “rural exprime, sobretudo, localização, enquanto ele pretende exprimir um tipo social e cultural, indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do campo”.

11 Para a discussão sobre a presença de um discurso paradisíaco no Brasil, ver: Holanda (2000).

12 Para as ideias de natureza inesgotável e desenvolvimento insustentável, ver: Pádua (2004) e Dean (2004).

13 Essas ideias aparecem presentes em autores como Euclides da Cunha, Capistrano de Abreu, Paulo Prado, entre outros. Ver: Murari (2002).

14 Ver: Silva (2018) e Souza (2017).

15 O advento da República no Brasil foi provocado pelo conflito entre as funções econômicas e as do exercício do poder político. Nesse contexto, a estrutura de poder correspondia a um tipo de produção que, a partir do século XIX, já era secundário em relação à economia do café. Assim, o eixo da economia brasileira deslocou-se do Nordeste para o Sudeste em consequência da crise do açúcar e da hegemonia da produção do café. Ver: Perruci (1978: 43).

16 Interessa notar que, “além da soja ser o principal produto agroindustrial exportado pelo Brasil, o país é o maior exportador mundial, com participação crescente no mercado internacional”. Ver: Kreter e Souza Júnior (2020).

17 Ver: Mendonça (1990).

18 A revista A Lavoura, que começou a ser publicada cinco meses após a fundação da Sociedade Nacional da Agricultura, em 1897, tornou-se um dos principais meios de propaganda da sociedade, sendo produzida até os dias atuais. Releva notar que foi fundamental a ação da Sociedade Nacional da Agricultura para o restabelecimento do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Maic), pelo Decreto n.º 1.606, de 29 de dezembro de 1906, o que foi crucial para aumentar seu poder político. Não foi ao acaso que o seu quadro passou de 47 membros em 1897 para cerca de dois mil sócios em 1906 e quatro mil em 1911. Ademais, a sua correlação com o Maic levaria os membros da sociedade a preencherem vários cargos no ministério. Somam-se a isso a sua participação nas comissões ministeriais a que ela era convidada a participar e as vagas nos conselhos agrícolas na década de 1920. Ver: Mendonça (1990: 130-179).

19 É preciso que se tenha em conta que as páginas destinadas às propagandas privilegiaram os anúncios das firmas importadoras de material tanto para estradas de ferro como para maquinário que buscavam expandir seu mercado no Brasil. O texto e as imagens dessas propagandas buscavam seduzir os agricultores, dar um novo ideal de progresso e de necessidade de superação dos antigos hábitos agrícolas irracionais do passado. Tais propagandas não poderiam deixar de contribuir com o fortalecimento das ideias de atraso das técnicas de cultivo tradicionais versus a racionalização propiciada pela agronomia.

20 Não seria comum encontrar falas nesses anos como a do diretor do Instituto Agronômico de São Paulo. Nesse particular, Dafert (1893) observava que no Brasil as ciências naturais não tinham cor local. Ao contrário, ela era marcada por uma falta absoluta de investigações científicas sobre as condições específicas do país. O problema para ele estava em parte no fato de a ciência francesa servir como a principal mediadora para os progressos das doutrinas modernas. Ou seja, adotavam-se no Brasil as ideias europeias na forma como eram aplicadas na França, sem maior cautela no emprego desses princípios.

21 Também, as revistas como A Lavoura fizeram fortes críticas à sobrecarga de impostos, às dificuldades de crédito rural, à falta de políticas agrícolas voltadas para o ensino, ao descaso do poder público com o sistema de transporte etc. Ver: Mendonça (1990).

22 Os agricultores pernambucanos, por exemplo, observavam que os direitos interprovinciais não animavam a exportação para Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Em 1899, os impostos interprovinciais estavam na faixa dos 7%, o que reduzia a oportunidade de exportação de alguns gêneros pelos pequenos produtores com preços já defasados para outras localidades. Ver: Diamanti (1978: 229).

23 Lima Barreto traria a questão dos atravessadores/especuladores em várias das suas crônicas, dando ênfase aos altos preços de alguns produtos como o açúcar. Ver: Engel (2008: 11).

24 Ver, por exemplo, os artigos publicados pela revista A Lavoura, Rio de Janeiro, out.-dez., 1905.

25 Conferência proferida pelo engenheiro Antônio Carlos de Arruda Beltrão na sede da Sociedade Nacional da Agricultura. Ver: A Lavoura (1920).

26 Ver: Mendonça (1990).

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons