Introdução
Ao iniciarem o curso de graduação, os futuros treinadores possuem crenças preestabelecidas por experiências passadas, que podem influenciar na escolha da profissão e nas decisões durante a formação inicial. Entretanto, tais crenças podem gerar conflitos com o conhecimento que será aprendido. Por isso, os cursos de formação inicial em Educação Física necessitam garantir aos futuros professores uma formação que estimule o desenvolvimento, tanto de perspectivas positivas, quanto de aspectos específicos da atuação e elementos da profissionalidade que caracterizam o fazer docente (Tsangaridou, 2008; Ramos et al., 2014).
Durante a formação inicial de treinadores, competências e conhecimentos são adquiridos por meio da socialização profissional e do relacionamento diário com as demandas da profissão (Milisted et al., 2018). Estas experiências desenvolvem crenças que influenciam nas práticas pedagógicas (Pajares, 1992; Souza et al., 2018). Deve-se sempre existir uma preocupação e abordagem sobre as competências que existiram e que existem na trajetória profissional do professor de Educação Física. É crucial o entendimento das interpretações e conhecimentos sobre os mecanismos pedagógicos decididos quando o professor atua e também intensifica suas práticas docentes, iniciando na sua formação até o final de sua carreira (Farias, Nascimento, Graça & Batista, 2012).
Diante da grande diferença de modos ou jeitos de ensinar, Muska Mosston (1966) desenvolveu conceitos sobre o relacionamento entre professores e alunos, que está expresso no “Espectro dos Estilos de Ensino”, que analisa a estrutura de tomada de decisões tanto do professor, quanto do aluno, buscando identificar os estilos de ensino mais utilizados. O Espectro de Estilos de Ensino determina os estilos disponíveis, os papéis específicos do aluno e do professor, as estruturas de decisão e os objetivos alcançados através de cada estilo. Essas decisões foram arquitetadas por Mosston em três conjuntos, identificados como pré-impacto, que referem-se as decisões de planejamento entre professor e aluno; o conjunto de impacto relacionado às decisões de implementação; e conjunto pós-impacto, com decisões de avaliação que podem acontecer em qualquer momento por parte do professor ou aluno, sobre a aprendizagem ou experiências (Mosston & Ashworth, 2008).
Os estilos de ensino englobam desde o professor assumindo o papel central no processo de ensino e aprendizagem, representado pelo estilo comando e reprodução, até aos alunos como os protagonistas no processo de ensino-aprendizagem, por meios de descobertas e autoensino, tendo o professor apenas como mentor/facilitador (Mosston & Ashworth, 1994). A proposta do modelo elaborado, possui um vasto conjunto de estilos que se complementam e auxiliam no desenvolvimento de vários domínios, como o cognitivo, o afetivo, o social, o físico e o moral. A versão atual do espectro compreende 11 estilos de ensino diferentes, que são indicados pelas letras correspondentes: (A) comando, (B) prática, (C) recíproco, (D) auto verificação, (E) inclusão, (F) descoberta guiada, (G) descoberta convergente, (H) produção divergente, (I) programa individual do aluno, (J) aluno iniciado, e (K) autodidatismo (Mosston & Ashworth, 1985; Mosston & Ashworth, 2002).
Os estilos de ensino A ao E, são os que estimulam a reprodução de conhecimento passado; os estilos de ensino F e G, são a limiar de descoberta e criatividade; estilos de ensino do H ao K seriam aqueles relacionados à descoberta de novos conhecimentos e autoaprendizagem. Mosston & Ashworth (1994, p.7) lembram que a “questão fundamental no ensino, não é qual estilo (de ensino) é melhor, mas de preferência, qual estilo é apropriado para se atingir os objetivos de uma lição proposta”.
Na última década, estudos em diversos países investigaram os estilos de ensino de professores de Educação Física, treinadores esportivos ou treinadores em formação. Os resultados têm destacado a predominância do uso de estilos de reprodução, determinando a aprendizagem como o produto da reprodução ou do conhecimento transmitido (Hewitt & Edwards, 2011; Jaakola & Watt, 2011; Hein et al, 2012; Caluza, Diaz & Gabon, 2015; Longoria et al., 2020; Fernandez & Espada, 2021). No Brasil, observam-se resultados semelhantes em estudos com professores de Educação Física (Gozzi & Ruy, 2008), professores de artes marciais (Antunes & Moura, 2010) e treinadores de iniciação esportiva (Gozzi & Ruete, 2006). Entretanto, parece haver uma lacuna na investigação dos estilos de ensino no contexto da formação inicial de treinadores esportivos.
Diante destas evidências, se sugere que identificar os estilos de ensino é uma importante informação que serve de base para facilitar a aprendizagem profissional do treinador esportivo. Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar as crenças sobre os estilos de ensino dos futuros treinadores de Educação Física de uma Instituição de Ensino Superior comunitária do município de Brusque, SC.
Adotou-se uma pesquisa de abordagem quantitativa, de caráter descritivo (Gil, 2008). A seleção dos participantes ocorreu por meio da amostragem intencional e não probabilística (Barbetta, 2008). Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: (a) estar regularmente matriculados no curso de graduação em Educação Física (bacharelado) de uma Instituição de Ensino Superior comunitária no estado de Santa Catarina e (b) ter disponibilidade e interesse em participar do estudo.
Desse modo, dos 59 futuros treinadores matriculados no curso, a amostra foi composta por 42 futuros treinadores (correspondente a 71% dos futuros treinadores matriculados no curso), sendo 14 (33%) mulheres e 28 (66%) homens. Dos participantes, 23 (56%) possui experiência com o ensino, seja no estágio obrigatório ou não-obrigatório e 30 (71%) possui experiência como atleta em diferentes níveis, desde competições escolares municipais até torneios sul-americanos. Referente ao semestre em que estão matriculados 17 (40%) futuros treinadores estão no 1º, 6 (14%) estão no 3º, 9 (21%) estão no 5º, 9 (21%) estão no 7º e 1 (2%) está no 9º.
Com o objetivo de identificar as crenças sobre os estilos de ensino dos futuros treinadores, foi utilizada uma versão traduzida e adaptada do Instrument for collecting teachers’ beliefs about their teaching styles used in physical education: Adaptation of description inventory of landmark teaching styles: A spectrum approach (Ashworth, Suesee & Edwards, 2006). A primeira parte do questionário traz perguntas pessoais de interesse sociodemográfico e a segunda parte do questionário se refere a descrição de onze cenários relacionado aos estilos de ensino, onde deve-se responder a frequência de uso, sendo avaliados em 5 níveis: “Nunca”, “Minimamente”, “Ocasionalmente”, "Frequentemente” ou “Maior Parte do Tempo” (Quadro 1). O instrumento foi validado por método de peritagem, a partir da avaliação de um expert (Ashworth, Mosston, 2002). Ressalta-se ainda que, a credibilidade do instrumento original consiste na participação de um dos autores da proposta do Estilos de Ensino, Sara Ashworth, que definiu de forma precisa e válida as características de cada cenário (Suesee & Edwards, 2009).
Para a aplicação no presente estudo, a versão original do instrumento passou por um processo de adaptação, em que a questão norteadora “com que frequência eu uso/usaria esta descrição para ensinar esportes?” foi modificada para “com que frequência eu uso esta descrição para ensinar esportes?”. Na sequência, dois nativos da língua portuguesa (um mestre certificado em tradução inglês-português e um doutor em Educação Física) produziram, independentemente, traduções do instrumento de Ashworth, Suesee & Edwards (2006). Posteriormente, um nativo em língua inglesa fez uma retrotradução do instrumento. As duas versões, a original e a retrotraduzida foram comparadas para extinguir quaisquer informações imprecisas no processo de tradução (Beaton, 2000). A versão traduzida e adaptada do instrumento possui os mesmos cenários, com a única diferença na questão norteadora, alterando o contexto, do ensino da Educação Física para o ensino dos esportes.
Após a aprovação pelo Comitê de Ética com Seres Humanos de um Centro Universitário comunitário, sob o parecer nº 4.661.621, os participantes do estudo foram convidados durante as aulas na IES para preencher o questionário de caracterização composto por oito questões de informações pessoais como: sexo, idade, experiência como atleta, experiência com o ensino de esportes (estágio obrigatório ou não-obrigatório) e semestre em que estavam matriculados. Posteriormente responderam ao questionário traduzido e adaptado. Os dados foram tabulados com o auxílio do programa Microsoft Excel e analisados através da estatística descritiva (frequência simples e percentual) conforme proposto por Hewitt e Edwards (2011), com o suporte do software SPSS, versão 21.
Resultados e discussão
A Tabela 1 apresenta a frequência simples e percentual das respostas dos 42 participantes da pesquisa. Os estilos de ensino (Mosston, 2008) são listados na primeira coluna. Nas colunas seguintes estão relacionadas as respostas referentes a cada estilo de ensino do espectro baseando-se na frequência de uso de cada estilo que cada futuros treinadores se imagina aplicando em suas futuras aulas.
Na Tabela 2, estão apresentados os dados referentes às respostas assinaladas em que os futuros treinadores utilizaram “frequentemente” ou “na maior parte do tempo”. Considerando todos os participantes, o estilo de ensino B (Prático) é o estilo de ensino mais utilizado. Ao considerar apenas aqueles que já tiveram experiência profissional por meio de estágio, o estilo de ensino H (Produção Divergente) foi apontado como o mais utilizado. Já no caso em que os futuros treinadores possuem experiência como atleta, o estilo de ensino C (Recíproco) é aquele que possui maior incidência de respostas.
O cenário B, é considerado por Mosston & Ashworth (1994) como o estilo da prática, que é definido como a prática individual, de reprodução e memorização, onde cada executor recebe um feedback privado. É o primeiro estilo que permite ao aluno tomar alguma decisão. O papel da criança, neste estilo, é realizar sozinha a tarefa de memória/reprodução designada. Neste caso, cabe ao professor indicar as ações e fornecer o feedback individual baseado na performance de cada uma. Podemos utilizar como exemplo, o arremesso de peso, onde o professor demonstra a atividade que deve ser realizada e o aluno, individualmente, realiza a tarefa do seu jeito, no seu ritmo, enquanto o professor observa e fornece um retorno sobre a execução da atividade.
Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo realizado com treinadores de tênis na Austrália. Utilizando o mesmo instrumento do presente estudo, Hewitt e Edwards (2011) identificaram que o estilo de ensino B, foi apontado por 60% dos participantes entrevistados como o utilizado com mais frequência ou na maior parte do tempo. Para os participantes do estudo, o estilo B é o melhor para o desenvolvimento dos tenistas.
Outro estudo, realizado na Finlândia por Jaakola & Watt (2011), teve como objetivo analisar os estilos de ensino dos professores de Educação Física. Os autores investigaram 294 profissionais, sendo 185 mulheres e 109 homens. Como resultado, os professores finlandeses utilizam na maior parte do tempo o estilo de ensino B. No mesmo estudo, o estilo de ensino B e o estilo de ensino H, foram apontados como os mais benéficos para a aprendizagem dos alunos.
No estilo de ensino H, conforme Mosston & Ashworth (1994), o professor propõe uma situação aos alunos e deixa-os encarregados de desenvolver ou descobrir algumas soluções para a problemática, dando o feedback necessário sem dar nenhuma dica que viesse a auxiliar os alunos a solucionarem o problema. Para ilustrar, os autores utilizam um exemplo de Gerney, onde ao pedir aos alunos que se movam de um ponto a outro em um ginásio, o professor determina como parâmetro da tarefa, que nenhum aluno poderá tocar no chão, para tanto, o grupo deve utilizar apenas o equipamento fornecido para projetar uma forma de se deslocar de um ponto para o outro (Mosston & Ashworth, 1994).
Os resultados dos estudos de Kullina & Cothran (2003) realizado com 212 professores de educação física do Estados Unidos, sendo 112 mulheres e 96 homens que buscou identificar os diferentes estilos de ensino utilizados em graus e níveis de ensino distintos, apontaram que o estilo de ensino H, é o único estilo de ensino de produção presente entre os principais estilos aplicados nas aulas dos professores selecionados. Os estilos produtivos não são utilizados com frequência quando comparados com os estilos reprodutivos, e segundo White (1998) o motivo seria a falta de preparação dos professores que não utilizam o estilo produtivo por não possuírem formação adequada. Há escassez de pesquisas sobre esse determinado estilo de ensino (Goldberger, 1995; Metzler, 1983).
Ao considerar apenas os futuros treinadores com experiência enquanto atletas em nível municipal, estadual, nacional ou internacional, o estilo recíproco, C, foi o mais pontuado nas alternativas “frequentemente” e “maior parte do tempo”. Nele os alunos devem trabalhar em conjunto, onde um será o executor da tarefa e o outro é o observador que oferece o feedback para o parceiro, ambos baseados em critérios elaborados pelo professor, em forma de checklist (Mosston & Ashworth, 1994). Para exemplificação do estilo recíproco, podemos utilizar habilidades no basquete, onde um aluno executa alguns dribles e demonstra a habilidade com o esporte e o outro fornece o feedback sobre a postura e forma que realizou as manobras com a bola.
A respeito do estilo de ensino C, parece haver divergências entre diferentes estudos. Enquanto Kulina, Cothran & Zhu (2000) apontam que este estilo é prático e inclusivo, sendo classificado como um dos melhores estilos de ensino relacionado à diversão, motivação e aprendizado do aluno, o estudo realizado por Jaakola & Watt (2011) conclui que os estilos de ensino C (Recíproco) e G (Descoberta Convergente), são os menos benéficos para os alunos.
Apesar de, nos últimos anos, terem surgido novas tendências na pedagogia do esporte com base em teorias interacionistas, de modo geral, pode-se destacar a preferência dos futuros treinadores pelo uso de estilos de ensino voltados à reprodução de conhecimentos transmitidos, semelhante a metodologia tradicional do ensino do esporte. Para esta visão de ensino, também conhecido como método tecnicista, o professor transmite informações geralmente relacionada a aspectos motores, para que os alunos desenvolvam técnicas e movimentos estereotipados (Scaglia & Souza, 2004; Scaglia, Reverdito & Galatti, 2014).
Em um estudo qualitativo realizado com 16 acadêmicos de uma universidade grega, Syrmpass et al. (2019) afirmam que as experiências de prática esportiva ou em Educação Física escolar influenciam na aquisição de novos conhecimentos ou preferências de ensino. Isso indica que, embora os acadêmicos tenham contato com diferentes estilos, abordagens, métodos ou concepções de ensino, muitos ainda tendem a utilizar métodos mais tradicionais e diretivos devido suas crenças desenvolvidas em idade escolar (Ristow et al., 2021; Backes et al., 2021; Souza et al., 2017).
O presente estudo buscou identificar os estilos de ensino dos futuros treinadores de uma IES do município de Brusque. Como resultado, identificou-se que o estilo de ensino B (Prático) obteve maior pontuação, considerando as respostas "frequentemente" e “na maior parte do tempo”, entre todos os participantes. Ao considerar apenas aqueles futuros treinadores com experiência profissional em estágios obrigatórios e/ou não-obrigatório, o estilo de ensino com maior pontuação foi o H (Produção Divergente) Considerando apenas os futuros treinadores com experiências enquanto atletas, o estilo mais pontuado foi o C (Recíproco).
A relação entre as experiências pessoais e as crenças a respeito do estilo de ensino fica evidente no presente estudo. Destaca-se que aqueles com experiência de prática enquanto atletas, tendem a preferir estilos de ensino de reprodução. Já os futuros treinadores com experiência no estágio tendem a preferir estilos de ensino de produção. Entretanto, não foi possível verificar as justificativas e/ou motivos que levaram os futuros treinadores a preferirem um ou outro estilo de ensino. Esta limitação nos permite sugerir que para futuros estudos, além de identificar as crenças sobre os estilos de ensino, sejam realizadas pesquisas qualitativas para compreender com mais profundidade a fonte destas crenças.
Para os cursos de graduação e professores formadores, a sugestão é identificar as crenças sobre o estilo de ensino dos futuros treinadores com o uso do instrumento utilizado no presente estudo. Reconhecendo a função das crenças enquanto “filtro de informações” e a sua contribuição na aprendizagem profissional, uma vez conhecendo as crenças dos futuros treinadores, o professor pode direcionar melhor o conteúdo e as estratégias de suas disciplinas e, consequentemente, proporcionar um melhor aprendizado.