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Revista de enseñanza de la física

versão impressa ISSN 0326-7091versão On-line ISSN 2250-6101

Rev. enseñ. fís. vol.33 no.1 Cordoba jun. 2021

 

Ensayos y temas especiales

A 3ª lei de Kepler e o átomo de hidrogênio de Bohr

Kepler's 3rd law and Bohr's hydrogen atom

Paulo Henrique Eleuterio Falsetti1 

André Coelho da Silva1 

1 Departamento de Física, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. Rodovia Washington Luiz, Km 235, Jardim Guanabara, CEP: 13565-905, São Carlos, São Paulo, Brasil. 2Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP, Campus Itapetininga. Av. João Olímpio de Oliveira, 1561, Vila Asem, CEP: 18202-000, Itapetininga, São Paulo. E-mail: paulohefal7@gmail.com

Resumo

O objetivo deste trabalho é realizar uma reflexao acerca da 3- lei de Kepler, ou lei dos períodos, para além de seu ámbito convencional - sistemas gravitacionais -, evidenciando a possibilidade de sua aplicado a outros sistemas em que exista uma forga central dependente do inverso da distancia ao quadrado, como ocorre no átomo de hidrogenio de Bohr, descrito pela interagao elétrica. De fato, há certa similaridade entre a equagao que permite calculá-la e a equagao que possibilita o cálculo da forga gravitacional newtoniana. A escolha do átomo de hidrogenio de Bohr se deve ao fato de sua simplicidade estrutural: um próton no núcleo e um elétron em órbita. Ademais, vale ressaltar que o modelo de Bohr é estruturado com base em conceitos clássicos, ainda que englobe a nogao quantica de que os níveis de energia, ou os raios das órbitas, sao discretos. O artigo faz também uma breve revisao histórica sobre as construyes da 3- lei de Kepler e do modelo atómico de Bohr.

Palavras chave: 3- lei de Kepler; Átomo de Bohr

Abstract

The aim of this work is to reflect on Kepler's 3rd Law, or Law of periods, beyond its conventional scope - gravitational systems -, showing the possibility of its application to other systems in which there is a central force dependent on the inverse of the squared distance, as in Bohr's hydrogen atom, described by the electrical interaction. In fact, there is a certain similarity between the equation that allows its calculation and the equation that allows the calculation of Newtonian gravitational force. The choice of Bohr's hydrogen atom is due to its structural simplicity: a proton in the nucleus and an electron in orbit. Furthermore, it is worth mentioning that the Bohr model is structured based on classic concepts, even though it encompasses the quantum notion that the energy levels, or the rays of the orbits, are discrete. The paper also makes a brief historical review of the constructions of Kepler's 3rd law and Bohr's atomic model.

Keywords: Kepler's 3rd law; Bohr atom

INTRODUCTO

O presente trabalho visa desenvolver um tema abordado por Dhar (2016) e citado como ideia por Silva (2011): a relagao entre a 3- lei de Kepler e o modelo atómico de Bohr. A abordagem aqui desenvolvida se diferencia, contudo, da adotada pelos autores supracitados ao enfatizar, nao o formalismo matemático associado ao tema, mas sim al-guns aspectos históricos e seu potencial didático - pensado aqui em relagao aos Ensinos Médio e Superior. Vale ressaltar que os livros didáticos destinados a esses níveis de ensino nao costumam explicitar o fato de que a aplicagao da 3- lei de Kepler se estende a outros sistemas que envolvam a agao de uma forga que depende do inverso do qua-

drado da distancia entre os corpos. Desta forma, apresentamos neste artigo revisoes históricas acerca da construyo das leis de Kepler e das ideias atómicas. Estas culminaram, em determinado momento histórico, no átomo de Bohr. Procuramos, assim, ressaltar a aplicabilidade da lei de Kepler para sistemas em que um corpo orbita em torno de outro devido a uma forga central que depende do inverso do quadrado da distancia entre eles. Em termos de escala, evidenciaremos sua aplicabilidade a nivel macroscópico - como em sistemas gravitacionais que envolvem estrelas, planetas, satélites etc. - e a nivel microscópico - como na descrigao da estrutura atómica.

PRIMEIRAS PERCEPCOES HUMANAS

Há dezenas ou, talvez, centenas de milhares de anos, o ser humano explicava o mundo sendo regido por influencia de espiritos, impulsionados por emogoes e paixoes. Esta época ficou caracterizada por uma descrigao antropomórfi-ca do universo, isto é, uma descrigao que espelhava as qualidades humanas através de uma conduta divina, perpas-sando por ideias mitológica nas quais deuses faziam parte da harmonia natural do universo (Morais, 2009). Os astros, principalmente o Sol, devem ter sido adorados desde os primórdios da humanidade, quando os seres humanos comegaram a se organizar em grupos (Gleiser, 2011). Por sua vez, os fenómenos celestes sempre estimularam a curiosidade humana devido a grandiosidade, ao mistério e a sensagao apocalíptica que causavam, como no caso dos eclipses, que provocavam momentos de escuridao em plena luz do dia (eclipse solar) ou poderiam fazer a Lua desaparecer (eclipse lunar) (Gleiser, 2011; Horvath, 2008).

As ideias mitológicas reinaram por muito tempo em várias civilizagoes. De acordo com os conhecimentos históricos que dispomos na atualidade, coube a civilizagao grega alterar a lógica empregada pelo ser humano para tentar descrever a natureza e construir o conhecimento. Os chamados pré-socráticos, por volta do século VI a.C., foram os primeiros estudiosos a indagarem sobre um principio primeiro (arché) que pudesse explicar a diversidade da natureza (Morais, 2009; Lopes, 2014). Os pré-socráticos deram inicio a uma quebra de paradigma, pois separaram a Natureza do sobrenatural. Além disso, por contemplarem a ideia do debate, possibilitaram a construgao do conhecimento através da argumentagao (Morais, 2009).

GEOCENTRISMO E HELIOCENTRISMO

O estudo do sistema solar foi alvo de grandes discussoes quanto a qual astro ocupava o seu centro. Por um lado, havia aqueles que, influenciados pelas ideias de Aristóteles (século IV a.C.) e pela matemática de Ptolomeu (século II

d. C.) apresentada em sua obra Almagesto (do árabe, O muito grande), acreditavam que a Terra era o centro, nao só do Sistema Solar, mas do Universo - sendo esse viés denominado de geocentrismo, ideia que perdurou como a mais aceita até o século XVI (Morais, 2009; Evangelista, 2011; Lopes, 2014).

Aristóteles idealizou uma dicotomia do Universo em dois dominios: sublunar e celeste. No primeiro, haveria a possibilidade de mudangas e transformagoes materiais e o movimento "natural" era linear. No segundo, diferenci-ando-se do primeiro, tudo seria composto por uma substancia denominada éter, o movimento "natural" seria circular e nada poderia mudar (Gleiser, 2006). Há que se registrar que mesmo na Grécia Antiga havia defensores do heliocentrismo, tal como Aristarco de Samos (século III a.C.), que acreditava no Sol como o centro do Sistema Solar

e, consequentemente, do Universo, tendo em vista as limitagoes gnosiológicas da época (Morais, 2009).

Após ser alvo de pouca consideragao durante a Idade Média (476 - 1453), o heliocentrismo voltou a ganhar destaque com o astrónomo e matemático polonés Nicolau Copérnico (1473 - 1543), a partir da publicagao do livro De revolutionibus orbium coelestium (do latim, As Revolugoes das Esferas Celestes), no ano de 1543, que procurou sistematizar de forma mais convincente a proposta de que o Sol (e nao a Terra) estaria no centro (Evangelista, 2011). A ideia de Copérnico, muito lentamente, foi ganhando adeptos ao longo da segunda metade do século XVI, numa árdua batalha com os aristotélicos defensores do cosmo geocéntrico (Lopes, 2014).

Em meio a embates religiosos com a Igreja Católica, as observagoes astronómicas de Galileu Galilei (1564 - 1642) realizadas no séc. XVII foram importantes para argumentar a respeito da veracidade das propostas de Copérnico. Com o auxilio de telescópios, uma novidade na época, Galileu observou o planeta Júpiter e descobriu que havia "novos planetas" orbitando em torno do mesmo - suas luas, no caso. A partir dessa observagao era possivel argumentar: se Júpiter possuia luas e orbita em torno do Sol, por que nao aconteceria a mesma coisa com o sistema Terra-Lua? (Gleiser, 2006).

Em seu livro História e demonstragao sobre as manchas solares, publicado em 1613, Galileu apresentou pela primeira vez seu apoio as ideias heliocéntricas de Copérnico. Nele, anunciou que Vénus possuia fases assim como a Lua, sendo que a única explicagao para tal fenómeno seria a de que Vénus orbita ao redor do Sol e nao da Terra (Gleiser, 2006). Além disso, a teoria heliocéntrica copernicana "era mais harmoniosa na medida em que a maior parte dos fenómenos planetários podia ser representada bastante bem por meio de uma série de círculos concéntricos em volta do Sol [...]" (Lopes, 2014 apud Burtt, 1991, p. 31).

AS LEIS DE KEPLER

O dinamarqués Tycho Brahe (1546-1601) foi um astrónomo observacional que, através de instrumentos fabricados por ele, catalogou posigoes de astros com alta precisao - sua conformadlo era de um grau ou mais, dados excepcio-nais para a época (Evangelista, 2011). Brahe era considerado um dos maiores, senao o maior astrónomo de sua época (Gleiser, 2006). Ainda sob influéncia de Aristóteles e Ptolomeu, chegou a formular um sistema solar para conformar os seus dados com os seus preconceitos. Seu sistema tinha a Terra no centro e os demais planetas orbitando o Sol, o qual, por sua vez, teria como centro de órbita a Terra (Gleiser, 2006).

Entre os estudiosos do céu da época estava o astrónomo alemao Johannes Kepler (1571-1630) (Lopes, 2014). O contato e o convivio entre Tycho e Kepler, ainda que muito efervescentes, foi crucial para o avango da ciéncia (Gleiser, 2006). Apesar da precisao das observagoes de Tycho, a órbita de Marte apresentava-se como um problema muito difícil de ser resolvido no ámbito de modelos geocéntricos devido ao seu movimento retrógrado aparente nos céus. Kepler foi incumbido de resolver esse problema (Gleiser, 2006).

Ainda em seus anos tenros, Kepler, por meio de seu professor Michael Mastlin (1550 - 1630), teve contato com as ideias copernicanas para o sistema solar, convencendo-se de que elas representavam o verdadeiro sistema de mundo (Evangelista, 2011). Colocando o Sol no centro do Sistema Solar, o movimento dos planetas teve de ser reformulado (Lopes, 2014). Após árduos anos de estudos, Kepler decidiu que a forma elíptica era a mais adequada para os dados de Tycho, nascendo assim a 1- lei de Kepler (Gleiser, 2006), também conhecida como a lei das órbitas, que diz que "todos os planetas se movem em órbitas elípticas, com o Sol em um dos focos." (HaMiday e outros, 2012, p. 41). A 2- lei de Kepler havia sido estabelecida antes da 1- lei (Evangelista, 2011), sendo conhecida como a lei das áreas. Ela diz que "a reta que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais no plano da órbita do planeta em intervalos de tempo iguais, ou seja, a taxa de variagao dA/dt da área A com o tempo é constante." (Halliday e outros, 2012, p. 41). Através dos dados de Tycho, com as distáncias das órbitas, e conhecendo o período de translagao dos planetas (Evangelista, 2011, p. 215), Kepler enuncia sua 3- lei, também conhecida como lei dos períodos, que diz que "o qua-drado do período de qualquer planeta é proporcional ao cubo do semieixo maior da órbita" (Halliday e outros, 2012, p. 42).

Neste trabalho, daremos enfoque a 3- lei de Kepler, que em termos matemáticos pode ser apresentada da se-guinte maneira:

Em que T é o período, r é o semieixo maior da órbita - que também pode ser considerado como o valor médio das distáncias orbitais, mais especificamente a média espacial, que coincide com a média aritmética entre as distáncias máxima e mínima (Silva, 2011); e CG é uma constante característica do sistema. Logo, a relagao entre T e r é uma constante tratando-se de objetos que orbitam um corpo em comum. Ou seja, a constante CG depende do corpo ao redor do qual os outros orbitam.

A SÍNTESE NEWTONIANA

A cosmologia aristotélica, fundamentada na matemática de Ptolomeu, permaneceu aceita e incontestável até a segunda metade do séc. XVI, quando surgem fortes indícios astronómicos que permitiram o desenvolvimento e a adesao a novas teorias (Lopes, 2014). O aparecimento da estrela nova em 1572 na constelagao de Cassiopeia, analisada por Tycho Brahe, e o cometa de 1577, comprometeram a veracidade do modelo aristotélico-ptolomaico de universo que propunha a imutabilidade do domínio celeste (Evangelista, 2011; Lopes, 2014).

No século XVII, com o auxílio de telescópios, Galileu Galilei também observou que a Lua nao era uma esfera per-feita, apresentando irregularidades em sua superfície como vales e montanhas. Também mostrou que a Terra seria uma fonte de luz secundária iluminando regioes ensombradas da Lua, da mesma forma que a Lua reflete a luz do Sol em diregao a Terra. Tais evidéncias indicaram haver similaridade entre ambas (Gleiser, 2006). Outro argumento foi o apresentado em seu livro História e demonstragao sobre as manchas solares, no qual afirma que o Sol possui manchas e nao é perfeito como preconizado pelas ideias aristotélico-ptolomaicas (Gleiser, 2006).

Na época, já existiam propostas para tentar explicar o fenómeno da gravitaglo. Kepler, por exemplo, acreditava que se tratava de uma aglo magnética que emanava do Sol. Já René Descartes (1596-1650), que o espado seria pre-enchido por um fluido sutil e invisível constituido de pequenos corpúsculos com movimento turbilhonar, o que oca-sionaria o movimento planetário (Evangelista, 2011).

Posteriormente, foi verificado que as tres leis obtidas empiricamente por Kepler podiam ser deduzidas matema-ticamente a partir da lei da Gravitarlo Universal proposta por Isaac Newton (1643 - 1727) em sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (do latim, Os Principios Matemáticos da Filosofia Natural), publicada em 05 de julho de 1687 (Evangelista, 2011). Trata-se de uma obra que, entre revolugoes no ramo da matemática, da óptica e da mecánica racional, apresentou, também, uma descriglo do fenómeno da Gravitagao (Evangelista, 2011). Essa descri-glo envolve o que ficou conhecido como a sintese newtoniana, mostrando que a natureza que rege os dominios celeste e sublunar é a mesma, derrubando a concepglo aristotélico-ptolomaica. Para explicar a gravitaglo, Newton propós que existiria uma forga, denominada forga gravitacional, que seria de natureza atrativa e estaria diretamente relacionada com as massas dos corpos e inversamente relacionada ao quadrado da distáncia entre eles (Halliday e outros, 2012). Há que se mencionar também a contribuiglo experimental de Henry Cavendish (1731-1810) na de-terminaglo da constante gravitacional G, através de medidas realizadas em uma balanga de torglo (Levada e outros, 2011; Evangelista, 2011).

Para a obtenglo da 3- lei de Kepler por meio das leis de Newton será utilizado o esquema ilustrado na Figura 1, que trata de um sistema Sol - Planeta numa órbita circular.

FIGURA 1: Sistema Sol - Planeta, onde M e m são respectivamente a massa do Sol e do planeta, r é o raio da órbita (pode ser pensado também como a raio médio de uma órbita elíptica), Fg é a força gravitacional e V é a velocidade do planeta.

Mravitagao Universal Newtoniana elucidou vários outros fenómenos como a precessao dos equinócios e as marés oceánicas. Foi capaz de permitir também a previsao da existencia de Netuno, descoberto em 1846 (Evangelista, 2011).

Apesar de muito contestados na época por nomes da ciencia como Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 - 1716), os trabalhos de Newton foram um triunfo (Evangelista, 2011). Ainda assim, Newton ressaltou em sua obra que apenas descreveu o comportamento da gravitagao, nao tendo sido capaz de descobrir a sua causa (Evangelista, 2011).

Por sua vez, a 3- lei de Kepler, assim como as leis de Newton, nao se limita apenas a sistemas gravitacionais. De maneira geral, pode ser aplicada a sistemas cuja forga de interagao possui dependencia com o inverso do quadrado da distáncia. Por conta disso, ela pode ser aplicada ao átomo de hidrogenio quando este é pensado no contexto do modelo atómico proposto por Niels Bohr, afinal, este se estrutura com base na interagao entre partículas que pos-suem cargas elétricas (os prótons e os elétrons). Essa interagao é descrita pela lei de Coulomb, segundo a qual o módulo da forga eletrostática depende do inverso do quadrado da distáncia entre as partículas com carga elétrica. Uma abordagem mais detalhada sobre sistemas sujeitos a uma forga central que possui dependencia com o inverso do quadrado da distáncia pode ser consultada em Caruso e Oguri (2006). Nela, os autores consideram uma situagao mais geral, com órbita elíptica.

A EXISTENCIA DO ÁTOMO

A natureza da matéria foi e continua sendo alvo de conjecturas intrigantes. A Grécia Antiga foi palco de debates sobre a constituigao da matéria entre os séculos VII e IV a.C., iniciando-se com a Escola Jónica, que teve como um dos primeiros expositores Tales de Mileto, que acreditava que a matéria seria constituída por água, em sua forma elementar. Anaxímenes de Mileto acrescentou o ar como elemento primordial. Heráclito de Éfeso acrescentou o fogo. Xenófanes de Colófon adicionou a terra, estabelecendo que a matéria seria constituída pelos quatro elementos básicos (água, ar, fogo e terra). Empédocles de Agrigento propoe que a matéria seria constituída de todos esses quatro elementos com proporgoes diferentes. Anaxágoras de Clazómenas, por sua vez, reforga a ideia de Empédocles e ainda acrescenta que ao subdividir a matéria em dimensoes extremamente pequenas, ainda seria possível identificar "sementes" que possuiriam tudo aquilo que existe no mundo visível em pequenas proporgoes (Caruso e Oguri, 2006)

Entre as variadas especulagoes e ideias a respeito da constituigao da matéria, destaca-se a ideia atomista, proposta pelos gregos Demócrito de Abdera (460 - 370 a.C.) e Leucipo de Abdera (século V a.C.), nos séculos V e IV a.C. Nessa perspectiva, o mundo material seria "composto de infinitos entes minúsculos, incriáveis e indestrutíveis, denominados átomos, que se movem incessantemente por um vazio e nao possuem outras propriedades além de tamanho e forma geométrica." (Porto, 2013). Assim, ao afirmarem que toda a matéria do Universo seria formada por átomos de diversos tipos, Leucipo e Demócrito estenderam o atomismo para além do planeta Terra, quebrando a barreira aristotélica de separado entre o mundo celeste e o mundo terrestre (Porto, 2013).

O filósofo grego Aristóteles, que viveu aproximadamente um século depois, nao dava crédito ao atomismo, en-tendendo que a matéria era representada pelos quatro elementos propostos anteriormente: água, ar, fogo e terra (Pinheiro e outros, 2011). Para Aristóteles, além dos quatro elementos também existiria um quinto elemento, denominado éter, que nao seria leve nem pesado, cujo movimento natural seria a rotagao e do qual seriam feitos todos os corpos celestes: as estrelas, os planetas e as esferas cristalinas (Évora, 2007).

As ideias aristotélicas foram mais valorizadas ao longo dos séculos seguintes sendo adotadas pela igreja católica, nao possibilitando grande avango nas discussoes sobre o tema (Perez e outros, 2018).

As ideias atómicas só foram retomadas incisivamente no séc. XVII, com Newton e Galileu, cada um com sua in-terpretagao. Descartes, que contribuiu substancialmente para o avango científico, negava a existencia do átomo. Durante o século XVIII, trabalhos de Stephen Gray (1666 - 1736), Charles du Fay (1698 - 1739), Leonhard Euler (1707 - 1783) e Daniel Bernoulli (1700 - 1782) contribuíram para a discussao sobre a constituigao da matéria, direcionando explicagoes do mundo macroscópico através de propriedades microscópicas (Perez e outros, 2018).

Trabalhos da Química no séc. XIX foram fundamentais para evidenciar a existencia do átomo. Décadas antes, An-toine-Laurent de Lavoisier (1743 - 1794), estudando a hidrólise da água, propós leis de proporgao entre massas ou volumes de reagoes químicas conhecidas a época. Com o intuito de explicar essas propostas, John Dalton (17661844) aprimorou a teoria atomista dos gregos, relacionando os átomos as propriedades químicas (Perez e outros, 2018), o que podemos considerar como o marco inicial da química moderna (Pais, 1982). As contribuigoes de Gay-Lussac, que observou as proporgoes volumétricas na reagao de hidrólise da água em 1809, levaram Avogadro a elaborar a hipótese de Avogadro "[...] de que em temperatura e pressoes estáveis, volumes iguais de gases deveriam conter o mesmo número de moléculas." (Perez e outros, 2018).

Outro marco científico que tornou a discussao sobre a existencia do átomo mais polémica foi a descoberta do elétron por Joseph John Thomson (1856 - 1940), em 1897. Ela funcionou como evidéncia acerca da existéncia de partículas subatómicas, colocando em dúvida a alegada indivisibilidade atómica (Perez e outros, 2018).

Ao longo do século XIX e no início do século XX, a real existéncia do átomo era alvo de controvérsia na comuni-dade científica. As primeiras estimativas experimentais do número de Avogadro e das dimensoes moleculares nao foram suficientes para findar a polémica. Para opositores da teoria atómica, também denominados energeticistas, a termodinámica macroscópica e fenomenológica seria o modelo correto para explicar o comportamento da matéria, pois nao necessitava de modelos microscópicos a respeito de sua constituigao. Para alguns energeticistas, como Friedrich Wilhelm Ostwald (1853 - 1932) e Ernst Mach (1838 - 1916), que possuíam enorme influéncia na Física, a teoria cinético-molecular do calor, embasada no movimento de entidades invisíveis, metafísicas, nao deveria ter releváncia (Salinas, 2005).

Em 1828, Robert Brown (1773 - 1858) observou, com auxílio de um microscópio, o movimento irregular de partículas microscópicas de pólen dispersos em água. O fenómeno ficou conhecido como movimento browniano e tor-nou-se, posteriormente, uma das mais convincentes evidéncias em defesa da hipótese corpuscular da matéria (Caruso e Oguri, 2006). Após contribuigoes de Louis Georges Gouy (1854-1926)- e Felix Maria Exner (1876-1930), o efeito só foi bem elucidado pelos estudos de Albert Einstein (1879-1955), que propós que o fenómeno estaria relacionado ao movimento de agitagao térmica das moléculas (Caruso e Oguri, 2006). Vale citar também o trabalho independente de Marian Smoluchowski (1872-1917) sobre o movimento browniano (Mehra e Rechenberg, 1982). De fato, o movimento browniano é considerado por muitos a primeira confirmagao experimental mais direta da validade da hipótese corpuscular da matéria (Lindley, 2001).

As ideias teóricas de Einstein e Smoluchowski só foram confirmadas pelas observagoes experimentais do físico francés Jean Perrin no ano de 1908. Perrin utilizou técnicas de ultramicroscopia e conseguiu realizar medidas do tamanho de uma molécula de água, obtendo o valor de 6,8.1023 para o número de Avogadro (Perez e outros, 2018). Desta forma, podemos considerar que contribuigoes teóricas, como as de Einstein e Smoluchowski, e experimentais, como as de Perrin, foram decisivas para acabar com uma polémica que perdurou por milénios na história da huma-nidade (Perez e outros, 2018), corroborando a hipótese atomista proposta por filósofos naturais na Grécia Antiga.

VII. A EVOLUCÁO DA ESTRUTURA ATOMICA

Desde a Antiguidade, especulagoes a respeito da natureza atómica já existiam. Apesar disso, ao que tudo indica, até o início do século XIX, nenhum modelo concreto para o átomo havia sido proposto. Assim, pode-se considerar que as tentativas de descrigao da estrutura mais íntima do átomo tiveram início com o inglés John Dalton, que recuperando a ideia atomista de Leucipo e Demócrito, construiu seu modelo em um longo processo - de 1802 a 1810 (Mel-zer e Aires, 2015). Em seu modelo, Dalton estabeleceu que: os átomos de um mesmo elemento sao iguais; os diferentes elementos se diferem pela sua massa; um composto é a combinado de diferentes átomos; nas reagoes químicas átomos nao sao destruidos nem criados, apenas trocam de parceiros para produzir novas substancias (At-kins e Jones, 2012). A construgao de Dalton foi embasada no corpuscularismo newtoniano e em estudos sobre misturas gasosas (Melzer e Aires, 2015).

O final do século XIX é marcado por notorios estudos da física, química e astroquímica, os quais foram vitais para a consolidagao da teoria atómica que conhecemos hoje. Entre estes estudos destacam-se: radioatividade, raios catódicos, elétrons, valencia, espectroscopia, efeito Zeeman e, posteriormente, as bases da mecánica quantica (Melzer e Aires, 2015).

Outro marco para a ciencia foi a construgao do laboratorio Cavendish, em 1874, configurando-se como o maior centro de estudos da constituigao da matéria do mundo e sendo bergo para vários avangos na modelagem da estru-tura atómica. Dentre os vários cientistas que contribuíram para o desenvolvimento de nossa compreensao sobre a estrutura atómica, destacam-se, do laboratorio Cavendish, dois deles: Joseph John Thomson e Ernest Rutherford (1871 - 1937) (Melzer e Aires, 2015).

No ano de 1897, Thomson publicou seu estudo a respeito dos raios catódicos no trabalho intitulado On the ca-thode rays. Neste trabalho, através de vários arranjos experimentais, entre outras coisas, Thomson calculou a rela-gao entre a massa e a carga de um elétron (Melzer e Aires, 2015). Já em 1904, Thomson formulou seu modelo para a estrutura atómica, muito conhecido como "modelo do pudim de ameixas" ou "modelo do pudim de passas" (Paren-te, Santos e Tort, 2013) - também pode-se chamá-lo de "modelo panetone". O modelo consiste em anéis coplanares de corpúsculos eletricamente negativos dentro de uma esfera de carga positiva e uniforme. Suas bases teóricas foram apresentadas com mais profundidade no livro "Theory of Matter", de 1907 (Melzer e Aires, 2015).

Tendo trabalhado com Thomson, Ernest Rutherford ganhou notoriedade por seus estudos sobre a radioatividade, pelos quais recebeu o premio Nobel de Química em 1908. Além disso, em conjunto com Hans Geiger (1882 -1945), Ernest Marsden (1889 - 1970) e Thomas Royds (1884 - 1955), Rutherford dedicou-se ao estudo do espalha-mento de partículas emitidas por elementos radioativos mediante o bombardeamento de láminas metálicas. O experimento de Geiger e Marsden consistia no bombardeamento de uma fina lámina de ouro com partículas a (emitidas por certos elementos radioativos) e na análise de seu espalhamento (Conn e Turner, 1965). De posse dos resultados, Rutherford tentou formular uma hipótese, já que os resultados nao corroboravam o modelo proposto por Thomson. Desta forma, Rutherford inferiu que o átomo teria uma regiao central e uma regiao periférica (Melzer e Aires, 2015).

Segundo Lopes (2009), Rutherford nunca estabeleceu as posigoes exatas das cargas no átomo, mas apenas expli-cou que as cargas do núcleo e da regiao a sua volta seriam diferentes para ocorrer atragao, alegando que seu modelo seria um centro com carga concentrada, envolto de uma distribuigao esférica uniforme de cargas opostas de mesmo valor. Em um primeiro momento, a formulagao atómica de Rutherford nao ganhou notoriedade entre a comunidade científica da época, apenas tomando releváncia alguns anos depois, com os trabalhos de Niels Bohr e outros físicos (Lopes, 2009).

O ÁTOMO DE BOHR

A continuidade do espago e do tempo foi objeto de discussao desde a antiguidade. No livro II da Física, Aristóteles discute o conceito de movimento (kinésis), classificando-o como algo contínuo, infinitamente divisível (Evangelista, 2011). Em contrapartida, Zenao de Eléia (século V a.C.), concebeu paradoxos para propor que o movimento nao existiria e seria apenas resultado de ilusoes provocadas pelos nossos sentidos. Um dos paradoxos, Aquiles e a tartaruga, argumenta que o herói grego jamais poderá alcangar a tartaruga se esta possuir uma vantagem de distáncia inicial, pois sempre que tentar atingir a posigao que a tartaruga partiu, ela já terá percorrido uma nova distáncia; e quando ele atingir essa nova distáncia, a tartaruga já estará em uma outra distáncia a frente e, assim, ao infinito (Evangelista, 2011).

Outro paradoxo proposto por Zenao foi o paradoxo da flecha. Assumindo que o espago e o tempo sao discretos, ele diz que uma flecha atirada e em voo está o tempo todo em repouso, pois, num dado instante, a flecha ocupa uma posigao específica, isto é, estaria em repouso nesse instante - e assim sucessivamente para todos os instantes da trajetória (Evangelista, 2011).

O raciocínio paradoxal de Zenao introduz, de certa forma, a análise infinitesimal, em que há o fracionamento de grandezas até sua mínima parte possível (Tassara, Moraes e Abbud, 2018). No entanto, a ideia de continuidade do espago defendida por Aristóteles prevaleceu, especialmente por conta do uso da lógica e da contradigao. A título de ilustragao, podemos mencionar um de seus questionamentos: como é possível uma variável atingir o seu limite? (Tassara, Moraes e Abbud, 2018). Nesse ponto, vale lembrar que sob a luz da Física atual, assume-se que os estados de movimento e repouso nao sao absolutos, isto é, eles dependem dos referenciais adotados.

Ainda que outros debates com esse teor tenham ocorrido ao longo da historia, envolvendo nomes como David Hume (1711 - 1776) e Pierre Bayle (1647 - 1706) (Seneda e Lima, 2017), a questao da continuidade/discretizagao de grandezas ressurgiu com intensidade na Física aproximadamente dois milenios depois da polémica Ze-nao/Aristóteles, principalmente por conta de resultados experimentais inesperados obtidos no final do sáculo XIX e inicio do XX.

Os modelos desenvolvidos por Thomson e Rutherford nao apresentavam estabilidade eletromagnática segundo o teorema ou fórmula de Larmor, desenvolvido pelo físico irlandés Joseph Larmor (1857 - 1942). O teorema diz que uma partícula carregada e acelerada irradia uma certa quantidade de energia eletromagnática por unidade de tempo. De acordo com esse teorema, nem mesmo o átomo de hidrogénio, o mais simples, existiria. Alám do mais, essa teoria fornece o tempo durante o qual um átomo de hidrogénio clássico existira: cerca de 1,6.10-11 s (Parente, San-dos & Tort, 2013).

Após terminar seu doutorado em 1911, o físico dinamarqués Niels Bohr (1885-1962) já estava convencido que havia a necessidade de uma ruptura na física clássica para a introdugao de uma nova física (Melzer e Aires, 2015). Após ser recusado por Thomson, foi trabalhar com Rutherford no estudo da variagao de energia das partículas alfa (Melzer e Aires, 2015). Esse estudo forneceu as bases para seu trabalho de 1913, intitulado "Sobre a constituigao de átomos e moléculas" (Lopes, 2009), que á dividido em trés partes: Parte I - Ligagao de elátrons por núcleos positivos; Parte II - Sistemas que contém um só núcleo; e Parte III - Sistemas que contém vários núcleos (Filgueiras, Braga e Lemes, 2013). As ideias de Bohr foram baseadas nos trabalhos de Planck e Rutherford e na espectroscopia atómica (Filgueiras, Braga e Lemes, 2013).

Em 1900, ao estudar a radiagao de corpo negro e diante da "catástrofe do ultravioleta", Max Planck (1858-1947), para conciliar a teoria com dados experimentais, propós que as trocas de energia entre um sistema de osciladores em equilíbrio termodinámico e uma fonte de calor seriam quantizadas ou discretas - a chamada hipótese de quanti-zagao (Parente, Santos e Tort, 2013; Young e Freedman, 2009). A espectroscopia, tácnica para medir o espectro da luz emitida por uma fonte (Young e Freedman, 2009), reforgava a ideia de que as mudangas dos estados de energia dos átomos estavam relacionadas com o comprimento de onda e, consequentemente, com a frequéncia, que por sua vez estava associada as linhas espectrais de absorgao e emissao, linhas essas que sao discretas (Parente, Santos e Tort, 2013). As sáries espectroscópicas de Pfund, Brackett, Paschen, Balmer e Lyman descreviam as linhas no espectro do hidrogénio, mas nao explicavam a fenomenologia, que só veio a ser explicada por Niels Bohr (Eisberg e Resnick, 1979). Bohr tinha conhecimento de que o espectro de emissao dos átomos era discreto e conhecia a fórmula empírica da sárie de Balmer para as linhas de emissao no espectro visível do átomo de hidrogénio, percebendo que a sárie poderia ser interpretada como proporcional a diferenga de energias (Parente, Santos e Tort, 2013).

Unindo os resultados da espectroscopia, o modelo atómico de Rutherford e a hipótese de Planck, Bohr elaborou os seguintes postulados, transcritos aqui conforme expostos por Eisberg e Resnick (1979, p. 138):

1. Um elátron em um átomo se move em uma órbita circular em torno do núcleo sob influéncia da atragao cou-

lombiana entre o elátron e o núcleo, obedecendo as leis da mecánica clássica;

2. Em vez da infinidade de órbitas que seriam possíveis segundo a mecánica clássica, um elátron só pode se mover em uma órbita na qual seu momento angular L á um múltiplo inteiro (n) de h;

3. Apesar de estar constantemente acelerado, um elátron que se move em uma dessas órbitas possíveis nao emite radiagao eletromagnática. Portanto sua energia total E permanece constante;

4. É emitida radiagao eletromagnática se um elátron, que se move inicialmente sobre uma órbita de energia total Ei, muda seu movimento descontinuamente de forma a se mover em uma órbita de energia total Ef. A frequéncia da radiagao emitida n á igual a quantidade (Ei - Ef) dividida pela constante de Planck h (Equagao 10).

O 1° postulado evidencia a presenga de conceitos clássicos no átomo de Bohr. No 2° postulado, Bohr, embasado na proposta de Planck da quantizagao da energia, tambám discretiza o momento angular do elátron em torno do átomo, colocando a hipótese de Planck como algo de validade geral (Parente, Santos e Tort, 2013). O 3° Postulado propoe que a teoria eletromagnática clássica, utilizada no teorema de Larmor, á inadequada na descrigao de umawww.revistas.unc.edu.ar/index.php/revistaEF atómica (Párente, Santos e Tort, 2013). O 4° Postulado é na realidade o postulado de Einstein para o efeito fotoelétrico (Eisberg e Resnick, 1979, p. 139). Assim como haviam feito Planck e Einstein, Bohr, em seu modelo atómico, fez uso da nogao de que as grandezas poderiam ser fracionadas, ou melhor, quantizadas. Nao se trata sim-plesmente de retomar a ideia de Zenao, mas sim de pensar em termos do fracionamento finito das grandezas físicas. A Figura 2, a seguir, mostra o esquema da estrutura atómica proposta por Bohr para o caso do átomo de hidrogenio (um próton e um elétron).

O físico teórico alemao Arnold Anton Sommerfeld (1868-1951) contribuiu para o aprimoramento do modelo de Bohr, introduzindo o postulado da regra de quantizagao atualmente nomeado como regra de quantizagao de Wil-son-Sommerfeld (Parente, Santos e Tort, 2013). Ela estabelece que os elétrons se movem nao em órbitas circulares, mas sim em órbitas elípticas (Eisberg e Resnick, 1979). O modelo de Sommerfeld visou explicar a estrutura fina do espectro de hidrogenio, isto é, as sutis separagoes de suas linhas espectrais em várias componentes adjacentes, o que ocorre em todos os espectros atómicos (Eisberg e Resnick, 1979). Essas linhas adjacentes, de acordo com o modelo de Bohr deveriam ser interpretadas como vários estados de energia muito próximos, que aparentemente pareciam ser um único estado (Eisberg e Resnick, 1979).

O modelo de Bohr, juntamente com algumas complementagoes, é capaz de explicar com sucesso:

1) Os níveis atómicos e as frequencias de emissao e absorgao de átomos hidrogenóides (um único elétron) e de átomos mais pesados que possuem comportamento essencialmente parecido com os de átomos de um único elétron;

2) O efeito Stark: desdobramento dos níveis de energia em campo elétrico externo;

3) O efeito Zeeman normal: desdobramento dos níveis de energia em campo magnético externo;

4) O espectro de raios-X.

No entanto, o modelo de Bohr falha na explicagao do efeito Zeeman anómalo (que envolve o spin do elétron), o espectro do átomo de hélio (ortoélio e paraélio) e os espectros de átomos mais complexos (Parente, Santos e Tort, 2013).

A estrutura atómica proposta por Bohr vigorou como a mais aceita durante o período de 1913 a 1925. Por volta de 1925, e mesmo antes (Kragh, 2012), o átomo de Bohr perde sua relevancia devido a nova mecánica quántica de Werner Heisenberg (1901 - 1976) e Erwin Schrodinger (1887 - 1961) (Parente, Santos e Tort, 2013).

A 33 LEI DE KEPLER PARA O ÁTOMO DE BOHR

Considerando a estruturagao do modelo de Bohr para o átomo de hidrogenio, a forga que rege a interagao entre o elétron e o próton é descrita pela lei de Coulomb, que diz que duas partículas eletricamente carregadas exercem forjas uma sobre a outra. Esta torga pode ser de repulsao ou atragao, dependendo da natureza das cargas das partículas. Se possuem cargas opostas, as partículas se atraem, se possuem cargas de mesmo sinal, elas se repelem (Ha l-liday e outros, 2012). Considerando o próton e o elétron como cargas pontuais, a equagao que descreve a torga elétrica, na sua forma modular, pode ser escrita da seguinte maneira:

Onde Fel é a torga elétrica entre os corpos, k é a constante eletrostática que depende do meio em que as cargas estao, q e Q sao as cargas elétricas de ambos os corpos e r é a distancia entre as cargas (Halliday e outros, 2012).

É possível notar que há certa similaridade entre as equagoes (2) e (11). No átomo de Bohr o elétron descreve uma órbita circular em torno do próton devido a interagao entre as cargas e de uma torga dependente do inverso do quadrado da distancia entre as cargas. Desta forma, a 3- lei de Kepler também pode ser aplicada para obter-se uma relagao entre o período da órbita do elétron e a sua distancia média ao próton (núcleo). A condigao de estabilidade mecánica do elétron em órbita do próton (Eisberg e Resnick, 1979) pode ser obtida igualando a Equagao (11) com a Equagao (3) - lembrando que, no caso, se trata de uma aceleragao centrípeta:

Onde m é a massa do elétron, k a constante eletrostática, q a carga do elétron, Q a carga do próton e r a distancia do próton ao elétron (Figura 2). Na Equagao (12), ac é a aceleragao centrípeta, que pode ser escrita como a Equagao 7, onde r é a distáncia entre o próton e o elétron em órbita e T é o período da órbita do elétron em torno do próton.

Embora a massa nuclear nao represente a totalidade da massa atómica, o que tem como consequencia o fato de que o núcleo e o elétron de um átomo de hidrogenio orbitam em torno do centro de massa do átomo (nao coincidente com o núcleo), podemos considerar que o movimento do elétron é semelhante ao movimento que teria num sistema em que o núcleo é estático. Nesse caso, faz-se necessário utilizar a massa reduzida do elétron, dada por (Eisberg e Resnick, 1979):

FIGURA 2:. Representação da estrutura atômica proposta por Bohr para o átomo de hidrogênio. O átomo de hidrogênio é consti-tuído por um elétron (e ̶ ) orbitando em torno de um próton (p+). Eles se atraem eletricamente (Fel). O átomo possui níveis/órbitas discretas (n) que podem ser atingidos pelo elétron mediante uma transição quantizada, através da absorção de um fóton. Os raios das órbitas são quantizados (rn) e, consequentemente, a velocidade dos elétrons nessas órbitas (Vn) também é quantizada.

Substituindo a Equagao (7) e a massa reduzida (Equagao 14) em (12):

Como depende apenas de constantes e parámetros característicos ao sistema, o lado esquerdo da Equagao 16 é igual a uma constante CE, também característica ao sistema. Desta forma, fica mostrada a similaridade entre a estru-tura da Equagao 16 e a estrutura da 3- lei de Kepler (Equagao 1). Vale ressaltar que quando a 3- lei de Kepler é aplicada para a gravitagao, a constante do sistema depende da massa do corpo ao redor do qual o outro corpo orbita. Já em sistemas em que a forga elétrica é que se faz presente, a constante do sistema depende de ambas as cargas e, também, da massa reduzida do corpo que está em órbita. Consequentemente, depende tanto da massa do corpo que orbita como da massa do corpo "central" do sistema.

Ao utilizarmos os valores dos parámetros da Equagao (16) para realizarmos o cálculo (^ = 9,104431.10-31 kg, p = 3,141592654, k = 8,9875517.109 N m2 C-2 e e = 1,60217653.10-19 C), obtemos o valor da constante do sistema do átomo de hidrogenio de Bohr:

Pode-se fazer uma comparagao entre o valor CE, obtida na Equagao 17, com o valor de CG, que demonstra uma diferenga de 18 ordens de grandeza.

A ideia de Bohr consistiu em quantizar os níveis de energia. Como consequencia disso, o raio r é quantizado e denominado como rn, em que o subíndice n é o número quántico principal, referente a camada eletrónica. Por sua vez, o período do elétron também é quantizado e T pode ser denominado como Tn em que o subíndice n também é referente ao número quántico principal. Logo, a Equagao (17) pode ser escrita da seguinte forma:

O raio do átomo é definido como:

CONCLUSOES

Os resultados demonstram que a 3- lei de Kepler pode ser aplicada tanto para sistemas macroscópicos, como órbitas planetárias, quanto para sistemas microscópicos, como o átomo de hidrogenio de Bohr. Trata-se de um caso que pode servir como base para possíveis discussoes em cursos de Física do Ensino Médio e do Ensino Superior. Nelas, poder-se-ia refletir sobre a amplitude de aplicado da 3- lei de Kepler, evidenciando se tratar de algo válido para sistemas cuja forga central dependa do inverso do quadrado da distancia, como sao os casos das forjas gravitacional e elétrica.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pelo financiamento da bolsa de mestrado na UFSCar - Sao Carlos. Ao Prof. Dr. Renato Takeshi Sugohara (Instituto Federal de Educagao, Ciencia e Tecnologia de Sao Paulo - IFSP, Campus Itapetininga) pela ideia de utilizar a massa reduzida do elétron.

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Received: November 04, 2020; Accepted: March 05, 2021

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