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Estudios económicos

versão On-line ISSN 2525-1295

Estud. econ. vol.40 no.81 Bahía Blanca  2023

 

Artículos

TERRITÓRIOS DO (DES)EMPREGO INDUSTRIAL NO BRASIL: ESTRUTURAS PRODUTIVAS REGIONAIS NA CRISE RECENTE (2015-2018)°

TERRITORIES OF INDUSTRIAL (DIS)EMPLOYMENT IN BRAZIL: REGIONAL PRODUCTION STRUCTURES IN THE RECENT CRISIS (2015-2018)

Aristides Monteiro Neto1  aristides.monteiro@ipea.gov.br

Raphael de Oliveira Silva2  raphael.silva@ipea.gov.br

Danilo Severian3  danilo.severian@ipea.gov.br

1Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-0930-3062. E-mail: aristides.monteiro@ipea.gov.br

2Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1769-2731. E-mail: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brazil.

3Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9557-516X. E-mail: danilo.severian@ipea.gov.br

Resumo

Investigamos os efeitos da desaceleração econômica do período 2015-2018 sobre a desconcentração territorial da indústria no Brasil, bem como identificamos quais estruturas setoriais são territorialmente reforçadas ou enfraquecidas. As indústrias geradoras de mais alto valor agregado, produtividade e salários, que nas últimas três décadas têm reduzido participação na estrutura produtiva brasileira, foram ainda mais negativamente impactadas na recessão recente. As conclusões apontam para o reforço de um padrão de desconcentração espúria, no qual porções desenvolvidas e industrializadas do território e com maior geração de valor agregado são mais afetadas – perderam mais empregos industriais e mais salários – que as áreas especializadas em commodities agrominerais caracterizadas por baixos níveis de produtividade e valor agregado.

Palavras-chave desenvolvimento regional; aglomerações industriais; recessão econômica

Abstract

We investigated how the economic slowdown of the 2015-2018 period affected the territorial deconcentration of the Brazilian industry, as well as which sectoral structures are territorially strengthened or weakened. Industries with higher added value, productivity and wages, which have reduced participation in the Brazilian production structure in the last three decades, were even more negatively impacted in the recent recession. The conclusions point to the strengthening of a pattern of spurious deconcentration in which the developed and industrialized areas of the territory are more affected⁠—they have lost more jobs and wages⁠—than those specialized in agromineral commodities.

Keywords regional development; industrial agglomerations; economic recession

INTRODUÇÃO

O Brasil se apresenta com possibilidades de retomada do crescimento econômico encurtadas neste início da terceira década do século XXI. A atual estrutura produtiva e seu correspondente mercado de trabalho agonizam em meio à baixa produtividade, baixos salários e escassas opções de investimentos com efeitos dinamizadores setorial e regionalmente. A recessão pós-2015 vem potencializando efeitos estruturais de desemprego de recursos, quer seja setorialmente – mais nas atividades industriais e de serviços e menos na agropecuária de exportação – quer seja territorialmente, de maneira heterogênea nas grandes regiões do país, sem que, contudo, um balanço claro dos efeitos depressivos esteja suficientemente elaborado.

Analisar territórios e atividades impactadas por crises e recessões pode contribuir para a mobilização de políticas e instrumentos adequados à contenção de trajetórias de aumento de desigualdades regionais por elas deflagradas. Tem sido comum no Brasil que, no advento de recessões econômicas, as regiões menos desenvolvidas se deparem com cenário de baixo investimento por tempo mais longo que as regiões mais fortes e industrializadas. Para um país de expressões continentais, os movimentos de expansão e crise se expressam de maneira muito variada no território e, ademais, a depender de como o governo federal reage à crise e coloca à disposição da sociedade instrumentos de contrapeso, os reflexos sobre as economias regionais serão mais ou menos fortes e/ou disseminados.

Nesta investigação, o foco está no comportamento recente das escolhas de localização da indústria brasileira. Perguntamo-nos qual a tendência geral das transformações na dinâmica industrial durante a recessão e como se expressam as especificidades das estruturas produtivas regionais. Em particular, indagamos sobre questões relevantes do debate da economia política do desenvolvimento regional: quais seriam as mudanças mais significativas sobre as estruturas produtivas regionais promovidas durante o ciclo recessivo recente; que repercussões tais transformações trazem para a leitura do processo de integração do mercado interno; e quais elementos conjunturais da crise atual se tornaram mais salientes.

O artigo está estruturado em quatro seções além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção, abordamos o problema da desconcentração regional da indústria no Brasil e justificamos nosso interesse em investigá-lo em face ao contexto da recessão econômica recente (2015-2018). Na segunda seção apresentamos alguns elementos configuradores da relação entre crises econômicas e efeitos territoriais na União Europeia vis-à-vis a experiência brasileira. Nas duas seções seguintes investigamos a evolução da atividade industrial, ora no recorte territorial das macrorregiões e estados (terceira seção), ora sob o recorte das aglomerações industriais relevantes (quarta seção) durante a crise econômica.

Em particular, duas contribuições consideradas relevantes para a literatura do desenvolvimento regional são realizadas. A primeira é da tipificação dos ramos industriais, segundo o fator competitivo predominante, cujos resultados apontam que as regiões brasileiras se mantêm em trajetória de maior especialização em atividades intensivas em recursos naturais e em mão de obra, se distanciando, portanto, das indústrias baseadas em conhecimento, inovação, diferenciação de produto e escala de produção. A segunda contribuição é a correspondente à mensuração dos níveis de emprego e de massa salarial das aglomerações industriais nos anos de crise. Concluímos pelo enfraquecimento das aglomerações mais complexas e consolidadas (com maior nível de emprego) e com, outrora, maior poder de interligações setoriais e regionais, e pelo fortalecimento daquelas que são produtoras de commodities agrominerais, geradoras de superávits na balança comercial, mas ainda assim possuidoras de baixa capacidade de produção de rebatimentos intersetoriais e inter-regionais no mercado interno.

I. ATIVIDADE INDUSTRIAL E PREFERÊNCIAS LOCACIONAIS: O QUADRO MODIFICADO PELA CRISE

Certas preferências locacionais das atividades econômicas têm se manifestando de modo bastante diverso no país nas últimas três décadas. Desde a abertura comercial e financeira indiscriminada realizada em início dos anos 1990, o parque industrial nacional passou a ser solapado pela competição internacional mais acirrada e pelas dificuldades em realizar renovação tecnológica. Noutra direção, os diferenciais competitivos da base de recursos naturais passaram a ter relevância muito maior para um ávido mercado global de commodities agrominerais, o qual promoveu simultaneamente a expansão do quantum demandado e do preço delas.

Neste contexto, as decisões empresariais têm sido fortemente alteradas na sua dimensão territorial. Pouco incentivo há para o investimento em plantas produtivas novas (greenfield), as atividades da indústria perdem terreno e a estratégia de inserção em cadeias produtivas globais tem corrido pelo lado das importações. A indústria brasileira tornou-se crescente compradora de insumos e bens de capital de suas matrizes e/ou de empresas externas, com estrutura produtiva mais oca e curtas relações intrassetoriais (Sarti & Hiratuka, 2017).

Do ponto de vista territorial, um prolongado processo de desindustrialização tem se manifestado em localidades de industrialização mais madura nas regiões Sudeste e Sul, enquanto em áreas de fronteira de recursos naturais nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, bem como porções restritas do Sudeste e Sul, passam a ser motivo de expansão produtiva para o mercado internacional. Uma nova geografia das atividades econômicas e, particularmente, das industriais foi colocado em curso no período de 1990 a 2015 com conotações de presença de desindustrialização precoce e baixo esforço de renovação tecnológica em direção aos padrões de fronteira do mercado mundial (Diniz, 2019; Brandão, 2019). Para tornar mais dramático este processo, a partir de 2015 um quadro recessivo tomou forma no país, mostrando sinais de estar muito mais ligado ao reforço do processo de desindustrialização e menos à dinâmica do setor externo baseado na produção de commodities agrominerais.

Motivados por esta questão em curso, investigamos de maneira aprofundada como territórios da atividade industrial têm reagido à crise econômica que se estabeleceu no país a partir de 2015. Nossa hipótese é que a tendência de regressão estrutural das atividades industriais está sendo reforçada por elementos presentes na atual recessão, os quais, de um lado, passam a deprimir o mercado para bens industriais pela redução da renda interna e, de outro lado, favorecem a expansão de bens do setor exportador de agrominerais estimulada pela demanda mundial.

Inicialmente, explicitamos a expressão da trajetória territorial da atividade industrial pelo recurso a duas escalas espaciais complementares: a) uma mais tradicional das macrorregiões e estados, e b) a das microrregiões geográficas. Parte-se do recorte temporal do período 1995-2015 – marcado inicialmente pela estabilização macroeconômica entre 1995-2002 e, posteriormente, por crescimento promovido por intenso ativismo fiscal entre 2003-2014 – de maneira a contrastar a observação do emprego e da atividade econômica neste período com o cenário de crise e recessão na indústria na fase posterior de 2015-2018. Ao delimitar os movimentos de perdas do valor da transformação industrial (VTI) e do emprego, apresentamos os contornos de uma certa geografia do desemprego estrutural na indústria brasileira no período recente, com a finalidade de contribuir para o debate sobre como políticas macroeconômicas recessivas podem resultar em disrupção de elos urbano-regionais e setoriais da cadeia produtiva industrial.

Na escala territorial das macrorregiões e estados, nos centramos na composição e trajetória do valor da transformação industrial (VTI) – com dados da série de Produção Industrial Anual – Empresa (PIA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – visando avaliar os impactos territoriais da crise econômica do período 2015-2018; crise que se arrasta, entretanto, ainda em 2019 com taxa de crescimento anual do produto interno bruto (PIB) total de apenas +1.1% e pelo efeito negativo da queda de -4.1% em 2020, segundo as contas nacionais do IBGE.

A outra perspectiva territorial é de microrregiões geográficas do IBGE e vistas pelo conceito de Aglomeração Industrial Relevante (AIR). Para este nível territorial usamos os dados de emprego industrial formal da Relação Anual de Informações Socioeconômicas (RAIS), do Ministério da Economia do Brasil. Secretaria de Produtividade e Emprego (1995, 2000, 2005, 2010, 2015 e 2018).

Nesta abordagem multiescalar sobre a atividade industrial, pretende-se organizar um quadro da evolução de dinâmicas territoriais de operação da indústria e, em particular, dimensionar e refletir sobre os efeitos da recessão econômica recente nas diversas regiões do país. Uma questão pertinente a ser escrutinada é quais regiões brasileiras foram mais afetadas pela recessão? A crise tem produzido algum efeito reconcentrador regionalmente?

A discussão sobre a preferência locacional da atividade industrial no território brasileiro retoma o conceito de aglomeração industrial relevante (AIR) sugerido por Diniz (1993) e Diniz e Mendes (2021), que assumiram uma AIR como uma microrregião geográfica1 do IBGE com nível de emprego apenas na indústria de transformação com 10 mil ou mais empregos formais. Em face das alterações consolidadas na matriz produtiva nacional em direção ao fortalecimento da presença de ramos da extrativa, incorporamos, junto ao emprego da indústria de transformação, o das indústrias extrativas (petróleo e minérios), que apresentaram papel relevante nas decisões de investimento no período. Portanto, diferentemente destes trabalhos citados, consideramos para este estudo que emprego industrial é a soma do emprego dos ramos da indústria extrativa e dos ramos da indústria de transformação.

II. RECESSÕES ECONÔMICAS: CARACTERÍSTICAS E PERCURSOS TERRITORIAIS

A seguir discutimos como a literatura especializada aborda a questão dos impactos territoriais das crises econômicas quanto a certas capacidades de reação ou de resiliência de estruturas produtivas em regiões de um país. Inicialmente, estudos recentes da experiência de países da União Europeia durante a crise de 2008/2009 são comentados e em seguida o caso brasileiro é aprofundado com a apresentação de elementos específicos da recessão recente do período 2015/2018.

II.1. Crise e território: relações mais prováveis

É sabido, na literatura econômica brasileira do desenvolvimento regional, que os ciclos econômicos apresentam características bastante heterogêneas de disseminação pelo território. Durante a etapa de constituição e consolidação do núcleo produtivo industrial nos anos 1930-1970 foi mais comum que as regiões Sudeste e Sul apresentassem sempre evolução econômica total mais favorável e acelerada que a observada em regiões de retraso como Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Cano (1998) mostrou detidamente como esse processo de divergência de níveis de desenvolvimento regional ocorreu no país. Contudo, já a partir dos anos 1990, quando as taxas de crescimento econômico nacionais se desaceleram (frente ao que era no passado), as macrorregiões menos desenvolvidas apresentaram taxas, em média, um pouco mais elevadas.

Os esforços da política regional para expandir a industrialização e promover a diversificação produtiva nas regiões de retraso têm tido resultados positivos pois têm transformado as economias regionais mais resilientes às crises e mais abertas ao crescimento. Observa-se nas décadas recentes que as regiões de menor desenvolvimento, ainda que sejam impactadas pelos movimentos de auge e retração dos ciclos econômicos nacionais, vêm apresentando performance mais favorável que aquelas com estruturas econômicas mais maduras2. Contudo, indagamos se este comportamento visto no agregado, isto é, na escala macrorregional, também se apresenta na escala microrregional. Este é um questionamento de interesse para nosso trabalho.

De maneira a identificar regularidades dos impactos das crises econômicas recentes em países e regiões, recorremos a certa literatura da União Europeia (UE) sobre o assunto. Identificamos que, com mais frequência, os estudiosos investigam os efeitos da crise sobre a atividade econômica e sobre o nível de desemprego no mercado de trabalho.

Por exemplo, de Beer (2012) analisou a experiência dos países membros da UE quanto ao impacto da recessão de 2008 sobre o mercado de trabalho e a distribuição de renda e observou reações heterogêneas em cada país a depender de fatores institucionais prevalecentes em cada mercado de trabalho. Nos casos em que este é muito flexível, a rápida expansão do desemprego é a resposta mais corrente. Para Dinamarca e Espanha, países com regulamentações trabalhistas distintas, verificou que, enquanto no primeiro país as demissões recaíram sobre trabalhadores permanentes, na Espanha, os temporários foram mais afetados. Na verdade, na Espanha, tanto o nível de desemprego geral se elevou entre 2008/2009, ao patamar de 11.3%, como o desemprego entre os empregos temporários também aumentou (mais fortemente) com a taxa atingindo 18.4%.

Ainda neste mesmo estudo de de Beer (2012), concluiu-se que em países com regras menos flexíveis para as demissões ou para redução do número de horas de trabalho (Alemanha e Eslováquia) ou para a redução do nível de salário nominal (Reino Unido), a crise resultou em baixo desemprego no curto prazo, mas afetou a recuperação nos anos seguintes, que transcorreu em ritmo muito lento.

Com interesse concentrado nos impactos da crise sobre o nível de atividade econômica, Groot et al. (2011) colocou mais ênfase, de um lado, no grau de ligação de cada país com a economia global por meio de suas relações financeiras e de comércio, e, de outro lado, atribuiu também um papel relevante à diversidade setorial existente, como elementos a ser considerados sobre a capacidade de reação à recessão. O fato mais relevante a ser ressaltado do estudo é que a composição setorial prevalecente em cada país foi o fator de maior qualidade explicativa frente ao quadro recessivo de 2008. Países da União Europeia (UE) em que os setores manufatureiros são mais relevantes e presentes em suas estruturas produtivas foram os mais afetados pelo ciclo dos negócios: os setores mais sensíveis ao ciclo econômico foram os de, por ordem, equipamento de transportes, outras manufaturas, produtos eletrônicos, construção, combustíveis, químicos, borracha e produtos plásticos; enquanto os setores menos afetados foram os de agricultura, mineração, transportes e comunicações e serviços financeiros.

Adicionalmente, Barkman et al. (2015) e European Comission (2013) avaliaram que dimensões produtivas são mais relevantes para a resiliência às recessões entre as regiões da política regional da UE. Convergiram em suas investigações que quanto maior o grau de urbanização, quanto mais sofisticadas (alta tecnologia) as indústrias existentes, bem como a forte presença de serviços financeiros e de negócios nas regiões, mais resilientes elas se tornaram frente à recessão de 2008.

No caso brasileiro, algumas especificidades recentes têm se mostrado contrárias às tendências observadas em países e regiões da UE. Macedo e Porto (2021) realizaram, para o Brasil, ampla investigação da evolução regional da economia e do mercado de trabalho no período 2000-2018. O estudo revelou que o crescimento econômico brasileiro (medido pelo PIB) do período 2002-2014 (fase ascendente) teria sido mais intenso nos territórios da base da hierarquia urbana brasileira, isto é, cresceram mais as cidades intermediárias (capitais regionais e centros sub-regionais) e pequenas (centros de zona e centros locais) (op. cit., p. 22). Associado a esta performance positiva do PIB, o mercado de trabalho (emprego formal da RAIS) destas sub-regiões, neste mesmo período, também teria se expandido em ritmo superior, aumentando a participação destes territórios no emprego formal nacional.

Quando a crise se tornou realidade nos anos 2015-2018, segundo o estudo, as regiões com estruturas produtivas menos complexas e com mais ramos de agricultura e serviços foram menos impactadas, isto é, foram mais resilientes. De fato, perderam mais empregos formais na recessão, as áreas de mais forte adensamento econômico nas chamadas grandes metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro), demais metrópoles nacionais e capitais regionais.

Também Santos e Saiani (2020) investigaram como a crise econômica afetou setores produtivos das regiões Nordeste e Sudeste do país. Seus resultados comparativos, para o período 2002-2018, evidenciaram contrações mais suaves de emprego e remunerações no Nordeste vis-à-vis a Região Sudeste mais industrializada. A inferência do estudo é que a crise foi mais acentuada no centro industrial e menos nas periferias; resultado que, ao seu modo, convergiu com os de Macedo e Porto (2021).

Os estudos acima citados, cujos objetivos foram examinar como uma recessão tende a afetar as economias nacionais, contribuem para a reflexão de caminhos perseguidos e resultados obtidos. Observa-se que, na UE e no Brasil, o elemento que mais responde à crise ou depressão econômica é o relacionado à estrutura produtiva preexistente, porém em cada caso a resposta opera em sinal inverso: na UE, quanto maior a presença de ramos industriais complexos na estrutura produtiva das regiões, menos intenso tende a ser o choque recessivo. No Brasil, ocorre o contrário, como indicado por Macedo e Porto (2021), são as regiões mais urbanizadas e com maior complexidade econômica as que mais perderam produção e emprego.

Em face destas reflexões, esta investigação pretende contribuir com novos delineamentos para este debate, ao dirigir-se à questão de como territórios da atividade industrial no Brasil têm sido impactados pelo quadro recessivo do período pós-2015.

II.2. A recessão econômica dos anos 2015/2018 no Brasil

Sob efeitos da crise financeira de 2008, a economia global veio a operar com nível maior de incertezas e instabilidade nos anos subsequentes. No Brasil, os impactos foram sentidos muito rapidamente com uma também drástica contração de crédito por parte dos bancos privados. À época, o governo federal (segunda gestão do presidente Lula da Silva) tomou medidas para conter os efeitos negativos da crise, pelo aumento da oferta de crédito bancário das instituições públicas (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [BNDES], Banco do Nordeste e Banco da Amazônia). No seu conjunto, a resposta governamental envolveu, de um lado, aumentar o gasto público e, de outro lado, estimular a oferta de crédito pública ao investimento privado para se contrapor à recessão prolongada.

A economia reagiu bem, entre 2008 e 2011, aos estímulos fiscais e de crédito governamental com expansão da produção e emprego. Contudo, revezes nas variáveis externas trouxeram instabilidade para a situação macroeconômica entre 2011/2014: saídas de capitais em busca de investimentos seguros em títulos da dívida pública do tesouro dos EUA e da Europa, redução das receitas do setor exportador por conta do fim do ciclo de alta de preços das commodities, declínio dos preços do petróleo com impactos sobre exportações a eles associadas, todos estes fatores convergiram para o comprometimento da taxa de investimento privado.

Restrições fiscais crescentes se tornaram um elemento desafiador para que a política macroeconômica pudesse executar medidas contracíclicas. Medidas de desoneração tributária para amplos setores econômicos adotadas nos anos 2012/2014, ao reduzir ainda mais as receitas governamentais, contribuíram para que a situação fiscal se deteriorasse rapidamente. Como decorrência dos desarranjos internos, em 2014, a taxa de crescimento do PIB nacional, segundo o IBGE, foi de apenas 0.1% revelando que a estagnação havia definitivamente se instalado na economia.

A política econômica, a partir de janeiro de 2015, primeiro ano do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, se tornou fortemente contracionista em função de avaliações pessimistas sobre a evolução das despesas do governo federal num quadro de queda da atividade produtiva e da arrecadação. Desde então, as ações para garantir a solvência das contas públicas têm sido pelo lado da contração das despesas, inclusive do investimento público. A instituição da lei do Teto do Gasto PEC No. 95 de 2016, já sob o governo Michel Temer, consolidou um drástico controle do gasto público, o qual, tendo se iniciado naquele ano, deverá, por lei, se estender até 2026 (por 10 anos).

Nos anos de 2015 e 2016, o PIB do país caiu consecutivamente a taxas elevadas de -3.5% em 2015 e de -3.3% em 2016 (Contas nacionais, IBGE). A recuperação ensaiada nos anos posteriores foi modesta e incapaz de recuperar perdas. Apresentou baixas taxas positivas para os anos de 2017, de 1.3% e 2018, de 1.8%. Este quadro depressivo entre 2015-2016 e de fraca recuperação entre 2017-2018 não foi, entretanto, alterado posteriormente: o PIB total cresceu a taxa de 1.4% em 2019 e em 2020, sob condições excepcionais relacionadas à pandemia da COVID-19, que veio exigir um lockdown total de atividades e pessoas em vários momentos, a economia desabou em -4.1% (Contas Nacionais, IBGE) – conformando um padrão caracterizado por deterioração do investimento público e do consumo das famílias e, como resultante, o desfalecimento do investimento privado.

O ambiente reformista passou a representar um freio nas decisões de investimento do setor privado. Afinal, o ambiente mais seguro para o cálculo das margens finais de lucro dos empreendimentos somente viria a ocorrer depois que as reformas – trabalhista, previdenciária, desregulamentações no âmbito do sistema monetário (Banco Central), privatizações de empresas públicas e/ou de parte de seus ativos (Petrobrás, Correios, Banco do Brasil e Caixa Econômica), venda de lotes de ações de empresas privadas nacionais possuídas pelo BNDES – tivessem conclusão. Não por outra razão que a taxa de investimento total da economia brasileira caiu e manteve-se baixa durante toda a recessão.

O enfraquecimento de variáveis da demanda agregada (investimento e massa salarial) pode ser expresso, para nossos propósitos, pelos elementos a seguir mencionados, os quais passaram a reforçar a contração da renda interna, assim como limitar o tamanho do mercado interno da indústria:

  1. declínio da formação bruta de capital fixo (FBCF): conforme levantamento trimestral desta variável feita por Ipea (2020) em novembro de 2014 o índice de crescimento da FBCF atingiu o patamar de 190.06, comparativamente a jan2000=100. No final de 2014, a economia brasileira entrou em ciclo descendente por, pelo menos, três anos de queda da atividade econômica: o índice de FBCF atingiu, respectivamente, em dez/2015, dez/2016, dez/2017 e dez/2018, os seguintes valores: 142.10; 145.17; 149.63; e 148.22. O nível geral de investimento, nestes últimos 4 anos, permaneceu abaixo do atingido em fins de 2014;

  2. forte contração do investimento público no período, fazendo esta modalidade de investimento (governo federal e estatais federais) cair do patamar de R$ 128.8 bilhões em 2014 para R$ 98.3 bilhões em 2015, R$ 74.1 bi em 2016, R$ 69.7 bi em 2017 e R$ 55.2 bi em 2018, este último equivalente a 42.8% do observado em 2014 (IFI/Senado Federal, 2017);

  3. redução da proporção crédito bancário/Produto interno bruto, segundo dados dos Relatórios de Economia Bancária (Banco Central do Brasil, 2017 e 2019): a referida razão entre as variáveis passou de 53.7% em 2015, para 49.6% em 2016, para 47.1% em 2017, somente apresentando uma pequena recuperação em 2018, quando atingiu 47.4% do PIB e, finalmente, nova recuperação em 2019 alcançando 48% do PIB total, sem voltar, contudo, a atingir a participação apresentada em 2016. O alarmante aqui é que a proporção entre as duas variáveis se manteve estável, relativamente a um denominador que se reduziu (o PIB);

  4. aumento do nível do desemprego geral da força de trabalho na economia, com a taxa de desemprego da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD/IBGE), no 4º. trimestre de cada ano, apresentando um forte aumento – na verdade, duplicando seu patamar – de 6.5% em 2014, para 8.9% em 2015, e 12.0% em 2016, e se estabelecendo em 11.8% em 2017 e 11.6% em 2018 (Ipea, 2019); e

  5. frágil recuperação dos salários reais em contexto de alta do desemprego: o rendimento real de todos os trabalhos (média do 4º. Trimestre de cada ano) para o Brasil como um todo caiu entre 2014 e 2017, somente apresentou recuperação em 2018. Os valores, respectivamente, para cada ano de 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018 foram: R$ 2 303.64, R$ 2 226.53, R$ 2 240.36, R$ 2 270.07 e R$ 2 305.31 (Ipea, 2019 - anexo estatístico). O cenário em consolidação tem sido, portanto, o de enfraquecimento da massa salarial total da economia por efeito do aumento do desemprego no setor privado e pela contenção de aumentos salariais reais no setor público.

Efeitos de contração da dinâmica econômica das regiões brasileiras passaram a se notar desde então. De um lado, a queda abrupta do investimento público federal e de suas empresas estatais desmobilizou projetos de investimento em empreendimentos do complexo petroquímico da Petrobras nos estados do Nordeste (mais baixo PIB per capita nacional), como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia; assim como na Região Sudeste (mais alto PIB per capita), nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo; atingiu o cronograma das obras da rodovia Transnordestina e da transposição do rio São Francisco no Nordeste e atrasou a finalização das usinas hidrelétricas na região Amazônica.

De outro lado, a retração do crédito bancário público do BNDES e dos bancos regionais de desenvolvimento – instrumentos que tinham tido entre 2003 e 2014 papel relevante no financiamento de atividades estruturadoras nas regiões Norte (NO), Nordeste (NE) e Centro-Oeste (CO) – produziu onda adicional de impactos negativos sobre o setor privado. O BNDES havia financiado nacionalmente a indústria e a infraestrutura em R$ 361.7 bilhões acumulados (preços de 2018) entre 2010-2014; montante que foi reduzido, nos mesmos setores, para R$ 94.8 bilhões entre 2015-2018 (Silva & Marques, 2021).

Adicionalmente, os recursos canalizados para as 3 grandes regiões da política regional brasileira (NO, NE e CO) provenientes dos Fundos Constitucionais de Financiamento (FCF) haviam atingido o patamar acumulado (a preços de 2018) de R$ 146.6 bilhões em 2010-2014 e sofreram redução na recessão para R$ 110.3 bilhões entre 2015-2018. Desse modo foi criado o contexto favorável para aumento do nível de desemprego no mercado de trabalho, para a redução da demanda potencial para indústria e, por fim, para a materialização de tendência de desconcentração produtiva espúria no território.

III. EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL E OS EFEITOS MACRORREGIONAIS DA CRISE

A trajetória consolidada na atividade da indústria ao longo dos anos 1995-2015, caracterizada por baixo crescimento do seu valor adicionado bruto (VAB) e perda de densidade produtiva, foi ainda mais duramente impactada na crise recente, entre 2015-2018. Dados do Nível de Utilização da Capacidade Instalada-NUCI (FGV/IBRE, 2020) na indústria manufatureira apontam para o nível de ocupação de 81.2% em 2014 e, em seguida, entre os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, para 76.4%, 73.9%, 74.4% e 75.7%, atestando a fragilidade que se instalou na atividade industrial no país.

III.1. Desconcentração territorial espúria

A desconcentração territorial da atividade industrial no Brasil ocorre desde a década de 1970 até os dias atuais. Foi mais acelerada entre 1970-1985, quando a indústria crescia em ritmo forte e passou a desacelerar com os impactos da abrupta abertura produtiva e financeira nos anos 1990. A literatura especializada tem mostrado que a desconcentração industrial se manteve atuante no período 1995-2015 em meio ao processo de desindustrialização e transformação regressiva de sua estrutura produtiva. (Monteiro Neto, Silva & Severian, 2020).

Em contexto recessivo pós-2015, na presença de fortes quedas consecutivas no PIB (e na produção física industrial) seguiu-se, ainda assim, a continuidade da trajetória de desconcentração regional. Por exemplo, de 2010 até 2017, a Região Sudeste, mais desenvolvida e industrializada, perdeu 3.2 pontos percentuais de sua participação no PIB nacional: de 56.1% em 2010, para 54.0% em 2015 e 52.9% em 2017 (Contas Regionais, IBGE). As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste continuaram avançando percentuais de participação relativa no PIB total e a Região Sul manteve sua posição no cenário nacional. A Região Norte tinha os seguintes percentuais nos anos de 2010, 2015 e 2017: 5.3%, 5.3% e 5.6%. A Região Nordeste, nos mesmos anos, ganhou 1 ponto percentual no PIB nacional, passando, respectivamente, de 13.5%, 14.2% para 14.5%. Enquanto a Região Centro-Oeste apresentou: 9.1%, 9.7% e 10.0%.

A intensidade com que a recessão impactou o valor da transformação industrial (VTI) em cada região se mostrou bastante heterogênea: depois de ter se expandido a taxa de 3.2% entre 1996/2015, por efeito da crise, a região Norte desacelerou seu ritmo de expansão do VTI para 1.1% ao ano entre 2015-2018. Houve trajetória díspar entre as suas principais economias estaduais em que se destacou a performance altista de 7.3% ao ano da economia Paraense (impulsionada pelas exportações de minérios), e o movimento contrário no estado do Amazonas, isto é, com queda na produção do polo industrial de Manaus, cujo estado apresentou variação negativa de -4.3% da atividade predominante direcionada para o mercado interno nacional.

Todas as demais macrorregiões apresentaram reduções nas taxas anuais entre 2015-2018 naquele indicador, as quais variaram de maiores a menores quedas: de -2.1% na região Sul (com contração nos três estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná); de -1.8% no Centro-Oeste (impactada pela forte redução no VTI do estado de Goiás (-4.7%)); redução de -1.6% na Região Nordeste, de menor PIB per capita; e no Sudeste, a região mais rica, a queda estabeleceu-se em -1.4% (e São Paulo, -2.6%). Uma das expressões mais preocupantes da recessão (vista pela queda no VTI) é que ela se apresenta bem generalizada territorialmente: 23 economias estaduais, num total de 27, apresentaram taxas negativas ou próximas a zero neste subperíodo. No geral, o efeito mais evidente da crise recente (2015-2018) sobre a atividade industrial tem sido o de reverter a trajetória positiva do período antecedente (1996-2015). O VTI total estabeleceu-se em 2018 no patamar de 94% do que era em 2015.

A preocupação central no horizonte imediato da economia brasileira, relacionada à recuperação do nível de atividade no pós-crise, se volta para uma estrutura produtiva cuja dependência dos mercados externos tem se acentuado no país. Conforme mostraremos a seguir, os grupos industriais ligados ao processamento de recursos naturais e os intensivos em mão de obra continuaram a ampliar sua relevância neste período de crise, fazendo deles elemento determinante de uma possível retomada.

III.2. Reforço da especialização regressiva na recessão

Se a tendência de especialização em atividades intensivas em recursos naturais e em mão-de-obra de baixo custo foi o marco do período 1990-2015 (Monteiro Neto & Silva, 2018; Sampaio, 2015; Macedo, 2010), na crise houve reforço desta posição. Estes dois grupos aumentaram a participação na composição geral da indústria nacional no período, com a respectiva redução relativa dos setores mais intensivos em capital e tecnologia.

Avaliando estatísticas do VTI de grupos de indústria tipificados segundo o fator competitivo predominante3 – em número de cinco: a) as indústrias intensivas em recursos naturais (RN), b) intensivas em mão-de-obra (MO), c) intensivas em escala (ESC), d) intensivas em diferenciação de produtos (DIF) e as baseadas em ciência (CIE) – confirmamos a preponderância da indústria relacionada com processamento de recursos naturais (inclusive extração e refino de petróleo) com cerca de metade da composição da indústria nacional. A participação deste grupo até mesmo aumentou nestes anos recessivos, passando de 49.5%, em 2015, para 52% de toda a estrutura industrial, em 2018. Em conjunto, a participação da indústria de processamento de recursos naturais, somada à dos ramos intensivos em mão de obra, corresponde a 62.3% do total da industrial nacional em 2018 (e a 60.9% em 2015). Ressalte-se que, em 1996, a participação destes mesmos grupos de indústria (RN + MO) estava em 48.6% do total da indústria nacional.

Os ramos outrora mais relevantes da estrutura industrial e relacionados a atividades mais complexas, de maior valor agregado, maior produtividade média e maior efeito de encadeamento interindustrial e inter-regional – os de escala, diferenciados e intensivos em ciência – se reduziram, segundo apuramos, de 51.4% em 1996, para 39.1% em 2015 e novamente para 37.7% em 2018 do total da indústria, estando, portanto, em franca perda de importância ao longo do tempo investigado.

Este quadro de regressão produtiva, dado pela redução de complexidade técnica da indústria, está presente em todas as macrorregiões brasileiras. Nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, as indústrias associadas à base de recursos naturais (RN) e diferencial de mão de obra (MO) têm mais expressiva presença com patamar próximo ou superior a 70% do VTI industrial. Estes dois grupos de indústrias (RN + MO) somados têm as seguintes participações na estrutura industrial das regiões: Norte (64.8% em 2015 e 70.0% em 2018), Nordeste (70.6% em 2015 e 67.3% em 2018), Centro-Oeste (82.1% em 2015 e 81.9% em 2018).

Nas regiões mais industrializadas, em que a composição tende para setores mais intensivos em escala e diferenciação de produtos, a tendência de expansão das indústrias de mais baixa intensidade tecnológica (RN + MO) foi mais contida, mas ainda assim esteve presente: Sudeste (56.8% em 2015 e 58.0% em 2018) e Sul (64.0% em 2015 e 64.3% em 2018).

Uma vez que o impulso dinâmico do vetor externo de crescimento dado por exportações de commodities agropecuárias e minerais – estimado indiretamente pela presença da extrativa no total da indústria ou, quando visto por fator competitivo, dos grupos de indústria de baseados em recursos naturais e intensivos em mão de obra – tem efeito limitado sobre o crescimento da indústria total, a retomada pós-crise deverá ser lenta e com pouca reverberação interssetorial4.

IV. OS EFEITOS DA CRISE NAS AGLOMERAÇÕES INDUSTRIAIS RELEVANTES

Diferentemente das investigações tradicionais, baseadas em recortes territoriais macrorregionais ou estaduais, os estudos centrados em microrregiões ou até mesmo municípios são mais propícios para a visualização das suas dinâmicas produtivas. Nas subseções a seguir, apresentamos inicialmente o quadro geral das aglomerações industriais relevantes (AIR) brasileiras e, em seguida, realizamos análise circunstanciada dos efeitos da recessão de 2015/2018 sobre seu nível de emprego e massa salarial.

IV.1. Aglomerações Industriais Relevantes: quantas são e onde estão

O recorte territorial das microrregiões permite observações mais detalhadas dos processos em curso na indústria. A Tabela 1 a seguir registra a evolução do emprego industrial e do número de aglomerações industriais para anos escolhidos entre 1995 e 2018. Houve aumento no número de AIR de 85 em 1995 até, pelo menos, 2015 quando chegaram a 160, e redução posterior, de maneira que, em 2018, caiu para 157 unidades. Sua localização predominante tem sido as regiões Sudeste e Sul, com 66 AIR, em 1995, e 115 em 2018. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste respondiam por 19 unidades, em 1995, e aumentaram este número para 42 em 2018.

Tabela 1. Emprego e Quantidade de Aglomerações Industriais Relevantes*, 1995 a 2018 

*Consideradas AIR microrregiões geográficas do IBGE com 10 mil ou mais empregos formais na Indústria Extrativa e de Transformação em 31 de dezembro de cada ano.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados brutos da RAIS/ME.

O movimento na maior parte do período foi de expansão do território do emprego industrial no país, que coincide – num processo contraditório – com o enfraquecimento do setor industrial como “motor” da economia cuja performance foi caracterizada por fraca evolução da produção, acompanhada por estagnação da produtividade média do trabalho e por aumento do componente importado no valor adicionado bruto.

Desagregando os dados sobre as AIR, por unidade da federação (UF) e grande região, para os anos de 2015 a 2018, observamos movimentos internos da crise no mercado de trabalho da indústria (Tabela 2). O volume do emprego das aglomerações industriais foi reduzido em 452.3 mil unidades entre 2015 e 2018 (dados ponta a ponta) com o correspondente número de 18.5 mil estabelecimentos industriais fechados. Considerando que em 2013 o nível de emprego foi de 6.9 milhões, a queda no emprego industrial terá chegado a 1.1 milhão desde o seu momento de pico.

As grandes perdas, em volume, de emprego industrial se verificaram em AIR das unidades federativas de maior peso na estrutura industrial nacional: São Paulo (-193.9 mil), RJ (-69.2 mil), RS (-45.3 mil) e MG (-22.8 mil). Porém, a crise afetou negativamente também unidades da federação em regiões vulneráveis como Nordeste: RN (-24.1 mil), CE (-20.8 mil) e PE (-15.7 mil), no total da região foram perdidos 86.5 mil empregos industriais. Na Região Norte, o estado do Amazonas perdeu 11.7 mil empregos no polo industrial de Manaus, e o Pará teve queda de 2.4 mil entre 2015-2018 (ponta a ponta).

As perdas absolutas no nível de emprego industrial foram maiores no Sudeste e Nordeste que nas demais regiões do país. No primeiro caso, a indústria da região mais desenvolvida tende a ser mais afetada quando a crise sobrevém, pois os setores mais dinâmicos, relacionados a bens de capital e voltados para altas rendas, tendem a perder fôlego primeiro.

No caso do Nordeste, região de menor desenvolvimento e de baixos salários, as perdas de emprego se apresentam como motivo de preocupação pois envolvem fragilidades em setores consolidados ou em consolidação – apoiados pela política industrial nacional e pela regional. A forte retração dos investimentos na indústria de petróleo e derivados – isto é, a extrativa de petróleo e a de refino (combustíveis, fertilizantes nitrogenados etc.) – impactou sobre empregos no Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco. Foram reduzidos empregos ligados a commodities minerais, no Maranhão, e automóveis, em Pernambuco. No Ceará, a redução do emprego esteve muito relacionada à queda da demanda nacional por vestuário e calçados e nas indústrias alimentícias.

Tabela 2. Brasil, Regiões e Unidades FederativasNúmero de Aglomerações Industriais Relevantes (AIR), Emprego Formal e Número de estabelecimentos, 2015 a 2018 

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados brutos da RAIS/ME

Quanto ao movimento dos estabelecimentos industriais, houve uma “queima” firme de unidades no período, que pode ser explicada ora pela extinção/falência do empreendimento, ora pela fusão/aquisição por um empreendimento de maior envergadura. As quedas se registram consecutivamente a cada ano depois de 2015. Mesmo em anos em que o nível de emprego se recuperou, o número de estabelecimentos continuou a declinar. Isso significa que se a variável emprego, em média, consegue se restaurar em territórios produtivos já existentes (e que resistiram aos efeitos da crise), o mesmo não ocorre para os estabelecimentos: parte expressiva dos que fecharam na recessão não foi capaz de retornar à atividade. No ambiente recessivo, florescem com mais frequência a redução dos espaços de competição entre firmas e a consequente concentração do mercado.

IV.2. Aglomerações industriais mais impactadas pela recessão: onde empregos e salários caíram mais

A expansão do emprego e salários nas AIR brasileiras, entre os anos 1995/2015, teve um endereço certo: ocorreu predominantemente em aglomerações cujo nível de emprego varia entre 10 mil e 30 mil e corresponde, ao que afirmaram Macedo e Porto (2021), às localidades urbanas de menor tamanho de população e mais próximas à base da hierarquia urbana brasileira. No transcorrer da crise de 2015-2018, por sua vez, as negativamente afetadas são as de maior porte de emprego industrial, mais ao topo da hierarquia urbana e que tiveram taxas de crescimento mais modestas de emprego e salário no período anterior. Os níveis gerais de emprego e de salários médios sofreram redução mais significativa nas aglomerações com 50 mil ou mais unidades de emprego industrial, espalhadas em todo o território brasileiro, ainda que com expressiva presença na Região Sudeste.

IV.2.1. Efeitos sobre o emprego industrial das AIR.

Reportando a análise para a escala microrregional, o quadro ganha novos contornos. O recorte de aglomerações agrupadas segundo quatro tamanhos de emprego industrial (Tabela 3), mostra o desemprego da indústria ligado às AIR de tamanho superior a 20 mil empregos industriais e, em particular, seu território preferencial é o das AIR com tamanho de emprego acima de 100 mil unidades. Este grupo teve uma redução do nível de emprego de 341.1 mil unidades.

Neste grupo de tamanho superior, estão as maiores AIR nacionais, as metrópoles primazes de São Paulo e do Rio de Janeiro, que vêm apresentando queda no emprego industrial, não apenas por causa da recessão, mas ainda antes dela, desde 2019, pelo menos, por força de transformações estruturais em direção à substituição da indústria por serviços produtivos e/ou pelos produtos da tecnologia de informação e comunicação (TIC). Ao lado destas duas AIR, estão neste grupo as de Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba e Campinas, cujo nível de emprego se expandiu até 2015, e tiveram que desempregar parte da força de trabalho na recessão. Como resultado, este grupo especial apresentou redução da participação no total do emprego das AIR brasileiras de 45.3%, em 1995, para 35.4%, em 2018.

Tabela 3. Emprego Industrial das AIR segundo grupos de tamanho do emprego, 1995, 2005, 2015 e 2018 

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados brutos da RAIS/ME.

Na ponta inferior do agrupamento de AIR, estão as de menor tamanho, entre 10-20 mil unidades, com maior expansão numérica desde 1995 (Monteiro Neto et al., 2019). Estão predominantemente ligadas a atividades de commodities agropecuárias (processamento de carnes e grãos) nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Identificamos, nas Figuras 1(a) e 1(b), as AIR com trinta maiores variações absolutas (maiores perdas ou ganhos) no nível de emprego durante a recessão. Um grupo das 30 AIR com maiores reduções líquidas do emprego, entre 2015 e 2018, apresentou diminuição de 380.9 mil postos formais de trabalho na indústria, equivalente a 88.1 % das perdas totais do emprego industrial das AIR (Figura 1b).

A contração líquida do emprego foi, definitivamente, mais pronunciada nas aglomerações do estado de São Paulo, o berço da indústria nacional. As maiores perdas neste estado estiveram nas seguintes AIR: São Paulo (-103.0 mil), Guarulhos (-10.6 mil), Campinas (-10.6 mil), São José dos Campos (-7.9 mil), Sorocaba (-6.9 mil), Osasco (-6.8 mil) e Santos (-6.4 mil). Ademais, perdas significativas foram presenciadas nas AIR do Rio de Janeiro (-53.7 mil), Belo Horizonte (-18.8 mil), Porto Alegre (-17.9 mil) Fortaleza (-15.5 mil), Manaus (-11.7 mil), Curitiba (-9.9 mil), Recife (-9.8 mil), Salvador (-8.1 mil), Goiânia (-6.2 mil) e Suape/PE (-6.2 mil).

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados brutos da RAIS/ME.

Figura 1. Aglomerações Industriais Relevantes com Trinta Maiores Variações Absolutas (Ganhos (a) e Perdas (b)) no Emprego Industrial entre 2015 e 2018 

Noutra perspectiva, o grupo das aglomerações mais resilientes à crise, na Figura 1(a), notabilizado pelo aumento do nível de emprego, é formado por AIR em que se sobressaem algumas no estado de Santa Catarina com perfil médio e pequeno de tamanho de emprego: Joaçaba (+4.0 mil), Canoinhas (+3.3 mil), Joinville (+2.9 mil), Chapecó (+1.9 mil) e Florianópolis (+1.1 mil). Correspondem a estruturas produtivas muito diversificadas que vão desde a produção de erva-mate, produtos metálicos e metalurgia, até processados de carnes (aves e suínos) e processados de soja (farelos). Ainda na Região Sul, o estado do Paraná também se destacou, embora em menor volume de emprego, com os ganhos, entre outros menos expressivos, os da AIR de Cascavel (+2.3 mil), que é vocacionada para o agronegócio da soja e produção e exportação de carnes de frangos e suínos. Na Região Sudeste, predominou o movimento de redução no nível de emprego em todos os estados. Contudo, em Minas Gerais, notaram-se ganhos em Divinópolis (1.9 mil), Uberlândia (+1.9 mil), Pouso Alegre (+1.4 mil) e Conselheiro Lafaiete (+1.2 mil).

Contrações no nível de emprego formal durante a crise podem ser mais bem compreendidas ao se considerar as especificidades produtivas dos territórios industriais envolvidos. Para tal, organizamos o território do desemprego em três grupos relevantes de aglomerações industriais: (i) as AIR mais duramente atingidas: os centros industriais mais consolidados, São Paulo, Campinas, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Salvador, Recife etc., que possuem parques industriais maduros e complexos, isto é, com mais setores relacionados a bens de capital e/ou produção de intermediários, mas que representam as maiores economias de aglomeração do país; (ii) o grupo intermediário mais atingido, representado pelas AIR ligadas à cadeia do petróleo impactada não só pela queda do preço do petróleo, mas também pela reorientação da política dentro da Petrobras: Mossoró-RN (petróleo em terra), o caso de Suape-PE (com a refinaria Abreu Lima), Salvador, Maceió (perda no refino de gás natural), Litoral Lagunar (refinaria Riograndense), Itajaí (estaleiro), Santos, Macaé e Rio de Janeiro, que se constituem em áreas de extração e refino de petróleo; e (iii) um terceiro grupo numeroso e diverso correspondente àquelas microrregiões menos impactadas com a queda generalizada de emprego e salários na economia: as AIR especializadas na indústria de alimentos, mobiliário, vestuário, insumos da construção civil, automobilística e transportes: entre elas as de João Pessoa, capital do estado da Paraíba (vestuário e produção de bugres); Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul (fabricação de carrocerias de ônibus e vestuário); Francisco Beltrão (vestuário); Goiânia, capital do estado de Goiás (vestuário); Umuarama (móveis), Gramado-Canela (móveis, chocolate e vestuário) e Cachoeiro de Itapemirim (pedras ornamentais).

IV.2.2. Efeitos sobre a massa salarial das AIR

Estimativas, realizadas para este trabalho, da massa salarial do emprego industrial das AIR são apresentadas para os anos de 2015 e 2018. Contribuem para uma interpretação mais abalizada dos efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho da indústria. Para se obter o que denominamos de “massa salarial na indústria das AIR” calculamos, inicialmente, as massas mensais de salários pagos e registrados mês a mês por AIR, com base nos dados da RAIS/ME, e, em seguida, totalizamos o valor da massa anual de salários (Tabela 4).

Encontramos os seguintes valores para o total nacional: R$ 209.9 bilhões, em 2015, e R$ 166.7 bilhões, em 2018, com redução bruta de R$ 43.2 bilhões ou 22.2% da massa salarial formal da indústria, em 2015, em todas as AIR. O quadro recessivo se mostrou ainda mais forte do que esta perda pode, a princípio, revelar, pois as reduções são anuais e cumulativas. O valor da massa de salários, em 2018, se torna menor até mesmo que aquela observada oito anos antes, em 2010, indicando quão forte foi a contração da renda do trabalho na indústria. Pode-se sugerir um caminho provável de efeitos em cascata da depressão econômica: depois de comprimir os salários formais, a crise tem continuidade pela redução das remunerações do setor informal associado à indústria, o qual, por sua vez, passa a operar impactos negativos sobre salários no setor de serviços, amplificando a crise urbana.

Tabela 4. Massa Salarial Anual* das AIR segundo grupos de tamanho de emprego, 2005, 2010, 2015 e 2018 

Nota:Soma de valores de salários pagos mês a mês ao longo do ano, deflacionados pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE a preços de 2015.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados brutos da RAIS/ME

A distribuição por grandes regiões da queda na massa salarial da indústria, para dados preparados para este estudo, apresentou a seguinte composição: Região Sudeste com perda de R$ -29.5 bilhões (69.0% do total). A Região Sul: R$ -7.3 bilhões (17.2% do total). A Região Nordeste com diminuição líquida de R$ -3.5 bilhões (8.1% do total). Na Região Centro-Oeste, o valor da perda foi de R$ -1.4 bilhão (3.2%). Por fim, a Região Norte com a menor queda no nível de massa salarial da indústria em 2015 e 2018 em R$ -1.0 bilhão (2.4%).

A compressão da massa salarial mostrou-se mais forte na área mais industrializada do país, o Sudeste, responsável por 69% do total da redução havida, com as demais regiões brasileiras menos atingidas pela destruição de renda do trabalho. Ainda assim, todas as grandes regiões sofreram impactos da crise na renda salarial.

Quando as AIR são vistas pelos quatro agrupamentos segundo o nível de emprego especificado, tal como fizemos na seção anterior, a massa salarial apresentou mais forte aperto no grupo superior de tamanho (100 mil ou mais empregos industriais), o qual foi responsável por 65% do encolhimento da massa salarial (queda de R$ -28.1 bilhões). Se a este grupo superior juntarmos o segundo maior, com nível de emprego entre 50 mil e 99.9 mil, as perdas chegaram ao montante conjunto de R$ 37.5 bilhões, ou 86.8% do total de perdas.

Os impactos da crise em quatro anos são mais presentes, em termos de diminuição da massa salarial industrial, nas AIR com mais de 50 mil empregos que correspondem, grosso modo, às metrópoles primazes nacionais de São Paulo e Rio de Janeiro; às metrópoles regionais de Porto Alegre, Belo horizonte, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus; às capitais de estados como Goiânia e Vitória; e AIR do interior de SP, como Campinas, Sorocaba, Jundiaí, Ribeirão Preto, Limeira e Piracicaba; do interior do RS: Caxias do Sul e Gramado-Canela; e do interior de SC: Blumenau e Joinville.

Os grupos de AIR com tamanho inferior (menos de 50 mil empregos industriais) apresentaram trajetória de quedas mais suaves nos salários até, pelo menos, 2018. Para o conjunto desses grupos de AIR de pequeno tamanho, a massa de remunerações pagas caiu em R$ -5,7 bilhões, mostrando sua resiliência.

A queda nas remunerações do trabalho foi um fenômeno disseminado em todas as regiões do país e em todos os tamanhos de emprego das aglomeraçoes industriais. De um lado, as remunerações caíram mais nas aglomerações de maior quantidade de empregos industriais das metrópoles nacionais, das aglomerações do interior de São Paulo e das capitais estaduais. De outro lado, um pequeno e pouco significativo subconjunto de 8 AIR, entre 157, apresentou aumento da massa salarial no montante de R$ 166 milhões que correspondeu a 0.4% do valor das perdas totais (Figura 2: (a) e (b)).

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados brutos da RAIS/ME.

Figura 2. Aglomerações Industriais Relevantes com Maiores Variações Absolutas (Ganhos (a) e Perdas (b)) na Massa Salarial Industrial* entre 2015 e 2018.* Soma de valores de salários pagos mês a mês ao longo do ano, deflacionados pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE a preços de 2015. 

Aglomerações que expandiram massas salariais estão em Minas Gerais (Uberlândia), São Paulo (Andradina e Lins), Rio de Janeiro (Vale do Paraíba fluminense), no Paraná (Cascavel), em Santa Catarina (Joaçaba e Canoinhas) e no Mato Grosso do Sul (Três Lagoas).

Neste retrato sobre os movimentos mais evidentes de perdas e ganhos do emprego industrial formal e de massa salarial correspondente, sobressai a constatação de que a crise econômica recente teve impacto muito negativo nas aglomerações industriais de maior tamanho e já fortemente constituídas no cenário produtivo nacional. Seus efeitos, em particular, são mais presentes em grandes aglomerações do estado de São Paulo e demais estados do Sudeste, assim como nas regiões Sul e Nordeste.

A crise apresentou-se como fenômeno fortemente metropolitano, pois atingiu de maneira mais significativa as AIR das metrópoles e capitais dos estados. Na direção contrária, AIR do interior do país ligadas à produção de commodities exportáveis, ora dentro da área poligonal da desconcentração – como foram os casos observados em Santa Catarina e Paraná -, ora em menor intensidade na Região Nordeste (Bahia e Pernambuco), mas também nas regiões Norte e Centro-Oeste, foram mais resistentes e até mesmo apresentaram aumento do nível de emprego (mas não dos salários industriais).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a recessão dos anos 2015-2018, registramos a continuidade do processo de desconcentração regional da indústria em contexto de elevada ociosidade dos seus principais ramos de atividade nas regiões mais desenvolvidas. Em fase recessiva, crescem a taxa de subutilização da capacidade industrial e o desinvestimento; reduz-se a massa de salários.

Nota-se o reforço, em meio ao quadro depressivo, da tendência à especialização da estrutura industrial naqueles grupos de indústria cujos diferenciais competitivos são os recursos naturais e a disponibilidade de mão de obra. Na direção contrária, perdem relevância como geradores de valor adicionado, de empregos e salários, os grupos de indústria relacionados com o tamanho de escala produtiva, com a diferenciação de produtos e com o diferencial de conhecimento incorporado.

Conseguimos identificar – e, desse modo, dar uma contribuição para a literatura do desenvolvimento regional no Brasil – pelo uso do conceito de aglomerações industriais relevantes, que os canais de transmissão desta crise econômica que perdura desde 2015, relacionados à massa de salários, nível de emprego e número de estabelecimentos, estão disseminados de maneira generalizada no território nacional. As maiores AIR das regiões mais desenvolvidas são as primeiras afetadas, seguidas por aglomerações de maior número de emprego localizadas em todas as demais regiões do país.

O primeiro momento da crise foi impactar territórios industriais onde a escala produtiva já atingiu relevância e complexificação. A partir daí a crise se transmitiu para as demais AIR sucessivamente de menor tamanho e relevância, inclusive atingindo até mesmo as médias e pequenas localizadas em regiões preferenciais da política regional.

Posteriormente, os territórios especializados em processamento de commodities agrominerais, atrelados à dinâmica externa, não foram poupados da recessão: quando não perderam empregos, tiveram perdas nas massas salariais.

Do ponto de vista da orientação de política pública, estes resultados têm a sugerir, de um lado, que medidas de enfrentamento da crise atual devem atentar para os efeitos multiplicadores negativos que as aglomerações industriais com estruturas produtivas diversificadas – mais sujeitas a variações drásticas no produto, empregos e salários – tendem a acentuar no restante da economia brasileira. De outro lado, devem também reconhecer que o suposto benefício do ciclo altista de commodities não tem sido capaz de compensar as perdas ocorridas no nível de renda salarial e de emprego industrial nos territórios por efeito da crise.

Por fim, é necessário alertar que as estimativas de desemprego utilizadas devem ser vistas com cautela. Referem-se a reduções no emprego formal da indústria; não consideram, portanto, as situações de informalidade do mercado de trabalho. Trabalhos futuros sobre o tema poderiam se beneficiar de estatísticas e avaliações feitas por governos estaduais e organismos patronais de maneira a se obter um quadro comparativo mais amplo da trajetória das variáveis de emprego discutidas.

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Notas

1Microrregião geográfica é um nível de divisão regional que agrega municípios de uma mesma área geográfica em uma unidade federativa com similaridades de características sociais, geográficas, produção econômica e de articulação espacial, totalizando 558 microrregiões no país (IBGE, 1990).

2Por exemplo, a Região Nordeste com menor PIB per capita do país (em torno de 50% da média nacional) e também a segunda mais populosa, com 57.3 milhões de habitantes em 2020 (27.1% do total nacional), apresentou evolução de 2.4% ao ano entre 2000-2015 para o PIB per capita enquanto para o país como um todo esta taxa foi de 1.7% ao ano no mesmo período.

3A tipologia utilizada para a indústria, segundo o fator competitivo predominante, toma como referência estudos desenvolvidos em OCDE (1987) e aplicados, entre outros, por Borbély (2004) e Nassif (2008).

4Estudos baseados em matriz insumo-produto para economia brasileira dos anos 2010 têm mostrado o baixo poder multiplicador, para frente e para trás na cadeia produtiva, das atividades agropecuárias e extrativas. Os ramos da indústria com maiores interligações setoriais estão justamente na indústria de transformação (Marconi, Rocha & Magacho, 2016; Mollo & Takasago, 2019).

°Monteiro Neto, A., Oliveira Silva, R. de, Severian, D. (2023). Territórios do (des)emprego industrial no Brasil: estruturas produtivas regionais na crise recente (2015-2018). Estudios econômicos, 40(81), pp. 37-67, https://doi.org/10.52292/j.estudecon.2023.2730

Received: June 09, 2021; Accepted: August 18, 2021

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