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Mundo agrario

versión On-line ISSN 1515-5994

Mundo agr. v.9 n.17 La Plata jun./dic. 2008

 

Joan Martínez Alier. 2007. O Ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração . São Paulo: Contexto. 379 p.

Carlos Alberto Lucio Bittencourt Filho

   Desde o século XIX há lutas ambientalistas. Essa afirmação aparentemente anacrônica toma sentido a partir das análises dos conflitos ambientais distributivos sob a perspectiva da ecologia popular. Podem não existir os jargões, o repertório, às vezes, pode ser mais religioso do que técnico, mas o conteúdo dos posicionamentos das populações tradicionais é, sem dúvida, ecológico. Dessa perspectiva, Joan Martínez Alier apresenta seu livro e fundamenta sua tese. Muitos veios interessantes podem ser percorridos com o instrumental apresentado a partir da economia ambiental e da ecologia política. Teórica e praticamente.
   Seu ponto de partida, que todo desenvolvimento econômico implica em um conflito ambiental, sugere uma forma moderna de cercamentos. A tese de Rosa Luxemburgo sobre o permanente avanço do capital sobre áreas pré-capitalistas – nada mais pré-capitalista do que a natureza – ganha uma nova dimensão se abordada pela perspectiva da economia ambiental. A aposta na resistência dos pobres a esse avanço parece ressuscitar o romantismo perdido no XVIII, Walter Benjamin, ou mesmo as reflexões sobre o comunismo primitivo que traz lições "antepassadíssimas" para o convívio humano futuro.
   Essas representações não aparecem, no entanto, como ideológicas ou como um mal-estar abstrato com o atual padrão de convívio e uma vontade de potência sem fundamentação coletiva. A unidade entre a economia ambiental e a ecologia política ao mesmo tempo fundamenta um programa com embasamento científico (1) e com uma visão sobre o sujeito coletivo social desse programa.
   O livro é um caminho de escolhas, onde a cada capítulo o autor assume uma posição mais elaborada sobre os diversos problemas apresentados. No primeiro capítulo aparem as três correntes do ecologismo: o culto à vida silvestre, que é a preservação de parques ambientais em reservas/santuários, não enfrentando a totalidade do debate sobre a relação homem natureza, ou vida silvestre/rural com a vida urbana; o evangelho da ecoeficiência, difundido dentro da lógica de que continuamos na mesma rota, mas melhoramos o escapamento dos carros. Basicamente defendida pelos órgãos governamentais e grandes empresas; a justiça ambiental e o ecologismo dos pobres, que é a interseção entre a questão humana e a natural, se posicionando nos conflitos distributivos ao lado daqueles que têm um convívio com a natureza não predatório em detrimento do convívio empresarial capitalista. Pelo título do trabalho fica clara sua opção.
   No segundo apresenta um debate de caracterização sobre a economia ecológica que, ao final das contas, a partir das disputas em torno dos sistemas de valoração ambientais, irá dividir-se em torno de uma sustentabilidade fraca e uma forte. A primeira diz respeito a capacidade de tradução de riquezas naturais, ou danos à natureza em valor pecuniário. A segunda parte da noção da complexidade de se inferir qualquer valor físico ou pecuniário às riquezas naturais e, mais ainda, às relações humanas em torno daquelas riquezas e os "preços" de sua eliminação. O autor mais adiante chega a "brincar": é como se, para recompensar os negros obrigados a sentar em um lugar determinado no ônibus para não "importunar" os brancos, fosse dados a eles um desconto no preço da passagem. O início do capítulo terceiro deixa clara a opção do autor sobre esse questão.
   Esse é um capítulo que mais revelações pode trazer para os que estão se aproximando do debate ambiental. Os índices de (in)sustentabilidade são ferramentas, ainda rudimentares, que podem contribuir para uma nova forma de pensar o metabolismo de nossa sociedade. A apropriação Humana da Produção Primária Líquida (AHPPL) e, portanto, a própria Produção Primária Líquida (PPL); a pegada ecológica; o Rendimento Energético dos Insumos de Energia (REIE); o insumo de materiais por unidade de serviço e as "mochilas ecológicas"; o debate crítico sobre o conceito de capacidade carga, questionando os limites do crescimento demográfico em relação à capacidade ambiental. Todo esse instrumental teórico e outros que vão aparecendo na continuidade do livro podem contribuir para uma reformulação metodológica –e porque não epistemológica– das ciências sociais e econômicas. A Emergia (2) por exemplo, é uma ordem de grandeza física para avaliar impactos ambientais, corresponderia a toda energia necessária para um ecossistema gerar determinado recurso. Essa ordem de grandeza apresentada por Odum e Arding em 1991 tem relação com o conceito de valor trabalho formulado por Marx? Poderiam relacionar-se? O debate sobre produtividade poderá seguir sendo o mesmo levando apenas em conta a intensidade do trabalho humano e do maquinário deixando de lado conceitos como a "mochila ecológica" ou o REIE? Essa são questões fundamentais para a ciência e a vida que se abrem. Parece que o sonho de uma ciência integral, social e natural, unitária se aproxima.
   O autor inicia a segunda etapa do livro, os estudos de caso, a partir da apresentação da ecologia política e encerra o terceiro capítulo pelo que é talvez o debate central dos conflitos distributivos: os direitos de propriedade e a gestão dos recursos. É em torno do debate da propriedade e do papel do estado que se desenvolverão a maioria dos conflitos ambientais relatados por todo o mundo e é a partir desse debate que se abre o capítulo posterior e se condiciona os termos para alcançar o debate da biopirataria no capítulo seis. Mesmo não parecendo ser um radical, na boa acepção da palavra, Alier parece identificar claramente os limites, ou os deslimites da propriedade privada tanto física quanto intelectual e culturalmente. Se por um lado não fica clara a posição sobre o futuro da propriedade privada dos meios de existência, ou seja, se o autor enxerga a possibilidade de sua inexistência, por outro, ele trata o problema do redimensionamento espacial, cultural e social de regiões para o cultivo do camarão, da retirada de petróleo, da água para irrigação e dos conhecimentos tradicionais como uma nova forma de enclosures, ou expropriações.
   Os estudos de casos, múltiplos, dão ao livro uma carga de urgência e uma atualidade impressionantes. Demonstram que há em curso um processo de mobilizações locais, que se articulam incipientemente em nível global e que formam uma colcha de retalho de lutas sociais diversas, em defesa de riquezas e práticas sociais diferentes, mas homogêneas fundamentalmente em dois sentidos: primeiro, tratam-se de lutas que tentam fazer valer uma forma de relação homem/mulher e natureza mais harmônica. Apesar de em alguns casos a luta seja pela manutenção de uma área intocada, tida como sagrada, mesmo assim é impossível separar essa defesa dentro das prática sociais e culturais de determinados grupos em relação à natureza. Segundo, todas as lutas apresentadas assentam-se sobre a base da defesa do bem comum. Ou seja, não apenas da restrição de áreas em defesa de um interesse privado, mas na defesa de áreas de convívio social e cultural e mesmo econômico extrativo ou produtivo.
   Um bom exemplo da interseção da questão ambiental com a social e política ocorre nos Estados Unidos da América, onde a mais forte manifestação por justiça ambiental é chamada de racismo ambiental. Esse nome impreciso, mas útil por causa da tradição de luta anti-racismo nos EUA, demonstra o que é comum em muitos lugares: onde são os depósitos de lixo, por exemplo? Para onde vão os pneus velhos? Quem são os agentes mais ouvidos nas soluções dos conflitos? A resposta, em geral, é: lixo para os pobres, negros e em grande parte mulheres e as decisões para os machos, ricos e brancos. Essa tese é muito interessante pois mescla o debate ambiental à luta social por igualdade. Alier, no entanto não poupa o movimento americano de críticas, afirma que a sua institucionalização e apego a fórmula do racismo ambiental deslocaram esse movimento de um processo de unidade internacional da luta ambiental, tanto por focarem muito nos problema locais, como por que dentro do racismo ambiental não cabem todas as lutas, não apenas por que não se relacionam com ele, mas por que seus protagonistas muitas vezes não se identificam com ele.
   Os três últimos capítulos sintetizam, em um balanço sobre os agentes dos conflitos -em especial o papel dos estados nacionais-, a relação centro e periferia e as trocas ambientalmente desiguais entre esses e as relações entre a ecologia política e a economia ecológica. O mais interessante desta parte final, além do conceito fundamental para luta anti-imperialista de dívida ecológica, é a retomada sobre o debate sobre a desmaterialização do consumo e o enfrentamento com algumas das teses pós-modernas a partir do ponto de vista dos despossuídos. Nas páginas 334 e 335, ao comentar as expectativas de uma pesquisa realizada pelo Instituto Internacional Gallup em 24 países –a expectativa era de que as nações mais ricas tivessem mais preocupação e priorizassem mais a pauta ambiental, o que não se confirmou– Alier questiona o debate sobre as sociedades pós-materiais que estariam se desenvolvendo no Norte. Além disso, isso mostra como estão subentendidos e naturalizados no pensamento pós-modernos a lógica imperialista e a expropriação dos povos do Sul. Isso pode parecer uma aferição imprecisa, mas vejamos. Se são as grandes corporações multinacionais as principais responsáveis pela devastação ambiental no Terceiro Mundo. Se o estado é o anfitrião indispensável para essa economia de rapina, Raubwirtschaft. Se as consciências preservacionistas e ambientalistas no Sul equivalem-se às do Norte. Conclui-se que são as condições de desiguais de relação que imputam aos dominadores do Sul submeterem-se aos dominadores do Norte, ambos ganhando com isso –ainda que os dominadores do Sul ganhem menos que os do Norte– garantindo a reprodução econômica dos países industrializados às custas da produção primária, da riqueza e variedades ambientais e da "carne mais barata do mercado" que é a carne negra e indígena. Enquanto talvez os novos cercamentos no norte sejam em torno das trocas virtuais, das patentes... no Sul os novos cercamentos ainda cercam áreas concretas, riquezas concretas, expropriam pessoas vivas.(3)
   Vale registrar o sem número de erros de editoração, na tradução para o português, o que em alguns casos deixaram frases sem sentido. Mas, tirando isso, o texto é de grande qualidade e levanta muitas questões sem repostas definitivas, que em geral são as mais interessantes tanto pra pensar quanto pra resolver. São trezentas e sessenta páginas instigantes.

Notas

(1) Científico compreendida no sentido de ciência pós-normal "baseada na avaliação ampliada aos especialistas não-oficiais (…) induzindo a métodos participativos de resolução de conflitos e mesmo à 'democracia deliberativa', noções muito caras aos economistas ecológicos". p. 68

(2) Contração da língua inglesa: EMbodied enERGY, isto é, energia incorporada.

(3) Não que os cercamentos virtuais, intelectuais e culturais não sejam concretos e nem tampouco que eles não representam expropriações às pessoas vivas, mas apenas que são de ordem diferentes.

Fecha de recibido: 9 de enero de 2009.
Fecha de publicado: 20 de enero de 2009.

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