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Mundo agrario

versión On-line ISSN 1515-5994

Mundo agr. vol.11 no.22 La Plata ene./jun. 2011

 

ARTÍCULOS

Conflitos ambientais na microrregião de Viçosa - MG: o conflito entre a legislação ambiental e os produtores agrícolas e o excesso de penalização dos pequenos casos de infração à legislação ambiental

Environmental conflicts in the microrregião de Viçosa - MG: the conflict between environmental legislation and farm workers and the excess of the penalty on small cases of violations of environmental legislation

 

Eder Jurandir Carneiro(1); Mauro F. C. Assis(2)

Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) ;
eder@ufsj.edu.br; maurocosta1985@gmail.com

 


Resumen
A pesquisa apresentada neste artigo tem como objetivo identificar e analisar os casos de conflitos ambientais na microrregião de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. Para isso foram realizados levantamentos de dados nos arquivos do Ministério Público referentes aos municípios da microrregião em estudo e uma oficina com vários movimentos sociais da mesorregião da Zona da Mata. A partir desse levantamento verificamos o conflito estabelecido entre a legislação ambiental e os produtores agrícolas, e também a concentração da penalização sobre os pequenos casos de infração à legislação ambiental. Assim, concluímos que para se pensar os conflitos ambientais é necessário o reconhecimento das desigualdades de poder e os diferentes tipos de conhecimentos e racionalidades envolvidos na apropriação dos recursos naturais pela sociedade.

Palabras claves: Mapa; Conflitos ambientais; Microrregião de Viçosa.

Abstract
The research presented in this article aims to identify and to analyze the cases of environmental conflicts in the microrregião de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. For this were performed data surveys were conducted in the archives of the Ministério Público regarding the municipalities of microrregião in study and a workshop with various social movements of the mesorregião da Zona da Mata. From this survey on we check the conflict established between environmental legislation and farm workers, and also the concentration of the penalty on small cases of violations of environmental legislation. Thus, we conclude that to think about environmental conflicts is require the recognition of inequalities of power and the different types of knowledge and rationalities involved in the appropriation of natural resources by society.

Keywords: Map; Environmental conflicts; Microrregião de Viçosa.


 

1. Introdução

O trabalho apresentado neste artigo é resultado de uma ampla pesquisa que integra o projeto de construção do "Mapa dos Conflitos Ambientais no Estado de Minas Gerais" desenvolvida em conjunto entre o Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA) da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV).(3)
Os resultados apresentados neste artigo identificam e analisam os casos de conflitos ambientais envolvendo o uso dos territórios e seus recursos naturais na microrregião de Viçosa. A microrregião de Viçosa é uma das microrregiões do estado de Minas Gerais, dividida em vinte municípios e pertencente à mesorregião da Zona da Mata.
A partir da elaboração de um banco de dados e da interpretação qualitativa sobre situações de conflito ambiental, pretendemos mapear os pontos do território em que ocorrem casos emblemáticos, representativos, de conflitos ambientais em que estejam envolvidos atores coletivos relevantes. Desse modo, as diferentes situações que apresentem institucionalização dos conflitos, através do seu registro em instituições públicas ou através do seu reconhecimento pelos movimentos sociais e entidades civis poderão ser identificadas e classificadas para a posterior composição do mapeamento dos conflitos no estado de Minas Gerais.
A pesquisa realizada adota o conceito de conflito ambiental na tentativa de identificar os locais e as condições em que segmentos sociais prejudicados por diferentes projetos econômicos de apropriação do espaço se mobilizam para contestar o estado de exploração ou exclusão a que estão submetidos. O caráter emblemático dos casos a serem representados no mapa resulta de serem conflitos típicos, em termos dos tipos de impactos e atividades econômicas a eles associados pelas especificidades da dinâmica social, econômica e política da microrregião em estudo. Essa compreensão envolve a análise das relações objetivas entre os conflitos ambientais, as dinâmicas sócio-ambientais, as transformações dos territórios, e também o reconhecimento das diferentes concepções e significados que os atores dos conflitos atribuem a esses territórios.

2. Metodologia Utilizada

O trabalho foi realizado através de um amplo levantamento sobre situações-problema e casos de conflitos ambientais, envolvendo o uso desigual dos territórios e seus recursos naturais na microrregião de Viçosa, no estado de Minas Gerais, Brasil. Os dados foram levantados a partir da consulta às atas das Câmaras Técnicas do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), aos arquivos do Ministério Público Estadual (MPE) das sedes das comarcas referentes aos municípios da microrregião de Viçosa, e por meio da realização de uma oficina com os movimentos sociais da mesorregião da Zona da Mata.
O recorte cronológico da pesquisa recobre o período de 1999-2009. Trata-se de um período suficientemente extenso, para que se possam registrar os conflitos ambientais mais recorrentes na microrregião em análise, possibilitando a identificação de certas tendências e regularidades, relacionadas às práticas econômicas e políticas de desenvolvimento praticadas na microrregião em estudo.
Utilizaram-se, como critérios para determinar a inclusão na categoria de conflitos ambientais, a ocorrência de um grau mínimo de institucionalização do caso (mediante envio de denúncia ou reivindicação escrita a órgãos públicos, formação de processos administrativos ou judiciais, reconhecimento pelos movimentos sociais e entidades), a ocorrência de desdobramentos ao longo do tempo e a referência a coletividades identificáveis como protagonistas. Trata-se, pois, de acentuar a presença de sujeitos sociais que denunciam um estado de coisas ou situação social como problema, e se organizam para transformá-lo.
A microrregião de Viçosa é uma microrregião do estado brasileiro de Minas Gerais pertencente à mesorregião Zona da Mata dividida em vinte municípios: Amparo da Serra, Araponga, Brás Pires, Cajuri, Canaã, Cipotânea, Coimbra, Ervália, Lamim, Paula Cândido, Pedra do Anta, Piranga, Porto Firme, Presidente Bernardes, Rio Espera, São Miguel do Anta, Senhora de Oliveira, Teixeiras e Viçosa (IBGE, 1997) (4). O mapa a seguir mostra a divisão das mesorregiões e das microrregiões do Estado de Minas Gerais (a área indicada com o número 62 representa a microrregião de Viçosa).

 


Figura 1: Mapa das mesorregiões e microrregiões do Estado de Minas Gerais
Fonte: Governo de Minas Gerais (5)

O registro e a classificação dos casos identificados seguiram os seguintes procedimentos:
- Estudo do "Relatório analítico: casos suspeitos de conflito ambiental - atas COPAM 2000-2007", para filtrar os possíveis casos de conflitos ambientais da microrregião de Viçosa. Este relatório, de autoria de Eder Jurandir Carneiro, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João Del-Rei, analisa as atas das reuniões das Câmaras Técnicas do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), realizadas no período compreendido entre 2000 e 2007, com o objetivo de identificar os possíveis casos de conflitos ambientais nas mesorregiões Campo das Vertentes e da Zona da Mata.
- Consultas aos arquivos das Comarcas(6) do Ministério Público Estadual localizadas nos municípios de Alto Rio Doce, Ervália, Piranga, Ponte Nova, Senador Firmino, Teixeiras e Viçosa, referentes aos municípios da microrregião de Viçosa, para preenchimento de fichas catalográficas dos casos identificados, contendo: número de identificação do caso, descrição sucinta, atores envolvidos, município, coordenadas geográficas; classificação por tipos de atividade econômica envolvidos, classificação por objeto do conflito ou tipo de impacto, identificação do período do conflito, descrição do conflito (população afetada, ecossistema afetado, histórico da evidenciação pública do caso, área atingida, trajetória jurídica e/ou institucional do conflito, caracterização das formas organizativas, percepções e estratégias utilizadas pelos atores envolvidos).
- Visitas às localidades onde foram identificados os casos mais emblemáticos de conflito ambiental e realização de entrevistas qualitativas junto aos atores locais e de levantamento fotográfico das situações que provocavam esses conflitos.
- Realização de uma oficina entre os dias 17 e 18 de outubro de 2009, na Universidade Federal de Viçosa, com a participação de integrantes de diversos movimentos sociais de toda a mesorregião da Zona da Mata(7). Nessa ocasião, coletamos informações importantes acerca dos casos já mencionados, e, assim, aprofundamos a compreensão das especificidades e também das generalidades dos casos de conflitos ambientais na mesorregião em questão e, por conseguinte, da microrregião de Viçosa. O objetivo da oficina foi incorporar aos resultados da pesquisa outras situações de conflito ambiental não reportadas pelos arquivos oficiais, assim como a percepção dos movimentos acerca dessas situações.

3. Revisão da literatura

Hoje em dia o ecologismo ou ambientalismo global permanece dominado por duas vertentes principais: a do culto ao silvestre (ou do "mundo selvagem") e cada vez mais pelo credo da ecoeficiência. Não obstante, está surgindo uma terceira vertente conhecida como "justiça ambiental" ou "ecologismo dos pobres". Alier (2009) identifica as duas primeiras vertentes ambientais como wildness thinking ("o culto ao silvestre") e o scientific industrialism, também denominada pelo autor como "credo da ecoeficiência", "modernização ecológica" e "desenvolvimento sustentável", e a terceira noção de ecologismo dos pobres, que ele reporta a uma história de cerca de vinte anos. Essa terceira corrente foi identificada a partir de 1985 como "agrarismo ecologista", que implicava um vínculo entre os movimentos camponeses de resistência e a crítica ecológica para o enfrentamento da modernização agrícola.
Ainda que tenham dominado o pensamento ecológico, essas duas primeiras vertentes têm sido desafiadas por uma terceira denominada como ecologismo dos pobres, ecologismo popular ou movimento de justiça ambiental. Sobre essa vertente procuramos demonstrar, em primeiro lugar, que muitos conflitos ambientais surgem da exploração cada vez maior do ambiente natural pela expansão econômica. No Brasil, a exportação de recursos naturais a preços baixos aumenta todos os anos. A AHPPL - Apropriação Humana da Produção de Biomassa, isto é, a apropriação humana da produção primária líquida de biomassa (Alier, 2009, pp. 69-88) continua em expansão, por causa da produção de energia e do fluxo de materiais. Então surgem resistências, uma vez que os territórios explorados estão habitados por humanos e por outras espécies.
Em segundo lugar procuramos evidenciar que, nos conflitos sócioecológicos, sujeitos sociais em desigualdade de poder disputam diferentes tipos de conhecimento e discursos de valoração para o significado de meio ambiente, espaço e território. Os recursos materiais, tais como a qualidade do ar, da água, do solo, etc. estão sendo permanentemente disputados por atores sociais que atribuem para esses recursos diferentes concepções e significados. As relações de poder são fundamentais para definir os modos da apropriação material da natureza, onde se confrontam representações, valores, racionalidades e idéias que legitimam ou deslegitimam cada forma de apropriação. Alguns desses valores passam a vigorar como os mais legítimos e passíveis de sustentar as ações sociais e políticas, como tem ocorrido com o discurso econômico. Mediante o estudos dos conflitos comprovamos que todos esses discursos são linguagens socialmente válidas, o que exigem a aceitação da incomensurabilidade dos valores.
A terceira vertente apresentada vem crescendo em nível mundial na medida em que cresce o consumo de materiais e de energia e em que cresce a ocupação de mais espaços pela produção econômica. Não só as gerações futuras são prejudicadas, mas alguns grupos da geração atual são privados do acesso aos recursos e serviços ambientais, e sofrem muito mais com a contaminação e a destruição dos ecossistemas e a extinção de outras espécies. As novas tecnologias não representam necessariamente uma solução para o conflito entre a economia e o meio ambiente. Pelo contrário, perigos desconhecidos incorporados às novas tecnologias são em muitos momentos os causadores dos conflitos de justiça ambiental. Estes seriam os casos emblemáticos tanto da localização de incineradores, como de áreas voltadas para armazenar resíduos tóxicos ou, ainda, do uso de sementes transgênicas na agricultura. (Alier, 2009, p. 36)
Essa terceira vertente, com relação à preocupação e o ativismo ambiental, pode ser definida como:

O movimento pela justiça ambiental, o ecologismo popular, o ecologismo dos pobres, nascidos de conflitos ambientais em nível local, regional, nacional e global causados pelo crescimento econômico e pela desigualdade social. Os exemplos são os conflitos pelo uso da água, pelo acesso as florestas, a respeito das cargas de contaminação e o comércio ecológico desigual, questões estudadas pela ecologia política. Em muitos contextos, os atores de tais conflitos não utilizam um discurso ambientalista. Essa é uma das razões pelas quais a terceira corrente do ecologismo não foi, até os anos 1980, plenamente identificada. (Alier, 2009, p. 39)

A partir dessa perspectiva teórica analisamos a questão ecológica de forma crítica, levando em consideração a tomada dos territórios pelo capitalismo e sua lógica expansiva e de exploração. Dessa forma, é preciso questionar para quais projetos e fins devem ser utilizados os recursos naturais. Os recursos naturais devem ser utilizados para produção de divisas ou para a agricultura familiar; para produção e comercialização em larga escala de commodities nos mercados globais ou para abastecimento do mercado interno; para a produção de celulose e aço, ou para a produção de alimentos? Por isso, a literatura sobre política ambiental que utilizamos como referência considera o meio ambiente e a sociedade como indissociáveis, buscando analisar as relações de poder e os diferentes tipos de conhecimentos e racionalidades em jogo na apropriação dos recursos naturais.
Esta pesquisa está fundamentado na concepção de autores(8) que discutem o que se convencionou chamar de "a questão ambiental" a partir da perspectiva dos conflitos ambientais, esses autores defendem que não está estabelecido consenso sobre a referida questão, como pretende a visão hegemônica, mas que, ao contrário, "o mundo material é entrecortado por sujeitos sociais que elaboram projetos distintos de uso e significação do espaço". (Zhouri, 2005-b) Neste sentido, Andréa Zhouri considera que:

As relações de poder entre os sujeitos sociais que conjugam determinados significados de meio ambiente, espaço e território, consolidam certos sentidos, noções e categorias que passam a vigorar como as mais legítimas e passíveis de sustentar as ações sociais e políticas. Em conseqüência, produzem um efeito silenciador e, portanto, excluem outras visões e perspectivas concorrências. (Zhouri, 2005-b)

A compreensão ambiental referida pela autora é limitada aos problemas relativos à escassez de recursos para a produção industrial. A natureza é considerada como realidade separada da sociedade e das relações sociais que deve ser utilizada e explorada apenas como recurso para a produção de mercadorias. Essa perspectiva reduz a questão ambiental à quantidade de recursos naturais, considerando os problemas ambientais e sociais apenas como problemas técnicos e administrativos, solucionáveis por meio da utilização de novas tecnologias e de um planejamento racional. Essa visão se afirma em detrimento da politização da ecologia que nas últimas décadas do século XX questionava o modelo de sociedade vigente. A concepção hoje dominante consagra uma visão tecnicista da "natureza" como realidade objetiva, passível de medidas mitigadoras e compensatórias. Assim é que projetos de infra-estrutura, com grande impacto ambiental e deslocamento de populações, podem ser realizados, desde que haja uma "compensação" dos impactos produzidos na área explorada (por exemplo, com a criação, em outro local, de uma área de preservação). Evidentemente, o estabelecimento dos critérios sobre o que pode ser compensável e de que forma é feito sem a participação dos atores sociais a serem "compensados".
Institucionaliza-se a crença de que existem "problemas ambientais", passíveis de serem resolvidos por soluções técnicas, sem colocar em questão, portanto, a concepção política, econômica e social a que serve essa intervenção. Esta é a compreensão que Andréa Zhouri chama de "paradigma da adequação ambiental" (Zhouri, 2005-b), que orienta as ações dos chamados conservacionistas, dos empresários, assim como as políticas públicas atuais. A luta pela democratização de direitos como o acesso aos recursos naturais, ao território, ao espaço, aos serviços urbanos é transferida da esfera política para a esfera econômica, em que há somente interesses passíveis de negociação. Dessa forma, a exploração dos recursos naturais para a acumulação de capital se fortalece e adquire cada vez mais eficiência. Pouco importa a esse modelo de desenvolvimento quais sejam os quadros de direção do estado, desde que cientes das obrigações que devem cumprir. Em troca, é exigido dos órgãos públicos que perseverem em suas prioridades, que imperem os mercados e que sejam adotados seus valores e defendidos seus interesses.
A concepção dos autores nos quais nos fundamentamos não considera apenas a escassez dos recursos naturais, de forma abstrata, mas as formas sociais de exploração desses recursos, por isso não separa a sociedade de seu meio ambiente, pois pretende pensar o mundo material socializado e dotado de significados. Assim, no processo de sua reprodução, as sociedades se confrontam com diferentes projetos de uso e significação de seus recursos ambientais. Tal perspectiva considera que os recursos materiais, tais como a qualidade do ar, da água, do solo, etc. estão sendo permanentemente disputados por diferentes atores sociais. Essa disputa envolve, além da apropriação material, as diferentes concepções e significados que os atores sociais definem para a utilização desses recursos. Assim, podemos notar que os recursos naturais tanto podem ser utilizados, por exemplo, para geração de divisas quanto para a produção de valores de uso para a subsistência das classes populares.
Essa disputa pela utilização dos recursos naturais acontece em territórios que compartilham várias atividades, de forma que as condições de apropriação dos recursos (como água, terra, qualidade do ar, saneamento básico, infra-estrutura, entre outros) por parte de determinados atores são prejudicadas por outras atividades de outros atores envolvidos: "Os conflitos ambientais ocorrem, portanto, quando a continuidade de um tipo de ocupação da localidade, região ou país é prejudicada pela maneira como as outras atividades territoriais são desenvolvidas". (Acserald, 2007) Assim:

Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significado do território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio que desenvolve ameaçada por impactos indesejáveis, transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos - decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. (Acserald, 2004-b, p. 26)

Essa disputa pelas condições de apropriação do território acontece em um espaço configurado pela desigualdade de poder, entre os atores sociais, em termos do acesso aos recursos. Essa desigualdade é resultado tanto da capacidade de influência sobre os marcos regulatórios, jurídicos e políticos do meio ambiente, como do poder econômico e do exercício da violência e força direta. Assim, as relações de poder, sempre desiguais, são fundamentais para definir os modos de apropriação da base material da sociedade, onde se confrontam representações, valores, racionalidades e idéias que legitimam ou deslegitimam a apropriação dos recursos naturais vigente.
Podemos reconhecer dois espaços onde se definem as relações de poder nas sociedades, espaços que estão relacionados aos modos de apropriação da base material da sociedade (Acserald, 2004-b, p. 23). O primeiro é o poder dos sujeitos sociais sobre o capital material, sobre o acesso à terra fértil, a fontes de água, aos recursos e às vantagens locacionais, etc. O diferencial de poder sobre o que Acserald (2004-b, p. 23) chama de "capital material" é o resultado da capacidade de influência dos sujeitos sobre os marcos regulatórios do meio ambiente, dos meios de competição econômica, da acumulação e do uso da força direta. O segundo é o espaço em que se confrontam as representações, valores, e as visões de mundo que legitimam a distribuição de poder. No espaço de distribuição de poder sobre os territórios, portanto, cada agente tem um domínio diferenciado do capital material, enquanto que no espaço das representações vigoram categorias que tendem, por um lado, expressar resistência, e por outro legitimar a distribuição desigual. (Acserald, 2004-b, p. 23).
A crescente concentração do controle dos recursos naturais, submetidos ao domínio capitalista, causa forte impacto tanto na biodiversidade quanto nas relações sociais. A expansão da economia capitalista, que utiliza as condições naturais como condições de produção de mercadorias, tende a suprimir todos os demais significados e propósitos de apropriação dessas condições naturais. Isto porque, nas sociedades capitalistas, as relações de produção e valores hegemônicos, precisam se apropriar dos recursos naturais, para a produção de mercadorias, visando à acumulação de lucro. Assim, a acumulação capitalista requer o aumento incessante da produção e novos espaços sociais para a exploração do trabalho, de forma a aumentar os lucros, o que resulta na substituição da diversidade ecológica e na destruição de formas não-capitalistas de apropriação do território e de seus recursos. Dessa forma:

O uso capitalista das condições naturais como condições do processo de acumulação de riqueza abstrata choca-se com outras formas de apropriação social das condições naturais, seja para fins de produção de valores de uso em moldes não capitalistas, seja para fins científicos ou lúdicos, seja como fundamento da vida orgânica ou da identidade territorial de determinadas populações e comunidades. (Carneiro, 2005, p. 29)

Autores que trabalham a partir da perspectiva do conflito ambiental apontam como "os danos e riscos causados pelo desenvolvimento atingem, desproporcionalmente, as camadas mais pobres e vulneráveis da sociedade - negros e hispânicos nos EUA, índios, favelados, agricultores familiares, quilombolas, trabalhadores de forma geral no Brasil e em outros países." (Zhouri, 2005-b) A Rede Brasileira de Justiça Ambiental, afirma em seu manifesto de fundação "que os grupos sociais de menor renda, em geral, são os que têm menor acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à segurança fundiária." (Acserald, 2004, p. 15) Além do desemprego, da exclusão social e da exploração do trabalho, a maioria da população pobre se encontra mais exposta aos riscos ambientais, caracterizando o que vários autores consideram como injustiça ambiental. Para Acserald:

Esta injusticia ambiental es el mecanismo por el cual las sociedades desiguales, desde el punto de vista económico y social, concentran los recursos ambientales bajo el poder de los grandes intereses económicos y destinan la mayor carga de los daños ambientales del desarrollo a las poblaciones de baja renta, a los grupos raciales discriminados, a los pueblos étnicos tradicionales, a los barrios obreros, a las poblaciones marginales y vulnerables. (Acserald, 2006, p. 209).

Nesse mesmo sentido, Acserald (2004-c) mostra que no Brasil existe um conjunto de ações e movimentos sociais que estão envolvidos em lutas por justiça ambiental, mesmo que não tenham recorrido ao uso dessa expressão surgida a partir da década de 1960, quando os movimentos sociais dos Estados Unidos que lutavam pelos direitos das populações afrodescendentes perceberam a maior exposição dos cidadãos pobres e grupos socialmente discriminados aos riscos ambientais. A temática da justiça ambiental vem sendo reinterpretada no Brasil de modo a ampliar seu alcance, de forma a permitir analisar o alto grau de desigualdade e injustiça sócio-econômica, tendo em vista o potencial político do movimento pela justiça ambiental em um país extremamente injusto em termos de distribuição de renda e acesso aos recursos naturais.
Desigualdades ambientais existem em todas as sociedades capitalistas. Os mais pobres tendem a suportar mais que os outros as consequências das formas hegemônicas de apropriação dos recursos e territórios. Portanto, para se pensar a sustentabilidade e a justiça ambiental no Brasil é necessário o reconhecimento das diferentes formas de organização social, assim como a compreensão das dinâmicas de poder existentes entre elas, e principalmente considerar que o domínio da visão utilitarista, como foi imposto pelo capital, prejudica e destrói outras de formas históricas de significação e apropriação do espaço e do meio ambiente. O movimento de justiça ambiental no Brasil vem demonstrando que o ambientalismo precisa se associar com a as massas pobres e excluídas, mobilizadas contra as políticas que pretendem responder à necessidade de preservação ambiental dentro da perspectiva da acumulação de capital incessante, por entender que essa perspectiva reforça as desigualdades existentes e cria novas, principalmente para as camadas da comunidade que suportam mais a degradação ambiental do que outras.

4. Análise dos resultados

A partir da segunda metade do século XIX, a ocupação da Zona da Mata se intensifica fundamentalmente em razão da penetração da cafeicultura comercial, fazendo da região a principal produtora de Minas Gerais até a década de 1930. A acumulação de capital por meio da cafeicultura constituirá uma próspera elite econômica local, possibilitando a criação de bancos, a expansão e melhoria das condições de transporte rodoviário e ferroviário e o fomento a um surto de industrialização regional, que assentava-se nos setores têxtil e alimentício, também se destacando o mecânico e o químico.
Entrementes, no período de 1930 ao final da década de 1950, o Estado brasileiro empreende significativos esforços de "modernização recuperadora" (Carneiro, 2003) centrada no estímulo ao desenvolvimento da indústria de bens intermediários.
Atualmente, predominam na região indústrias dos setores têxtil, de laticínios, moveleiro e químico, a estrutura fundiária é caracterizada pelo predomínio da pequena propriedade, explorada pela mão-de-obra familiar, onde se pratica a agropecuária de subsistência e mercantil. Esse fato, associado ao relevo peculiar da região, bastante ondulado e acidentado, impróprio para as grandes monoculturas mecanizadas, é responsável pela disseminação de atividades de subsistência em áreas consideradas, pela legislação vigente, como de proteção ambiental permanente.
A estrutura fundiária e o relevo típico, acrescidos da fragilidade das políticas agrícolas voltadas para o fortalecimento da policultura mercantil de subsistência, são também responsáveis pelas modalidades específicas de disseminação recente do plantio de eucalipto na mesorregião.
Com o objetivo de identificar os casos em que é maior a probabilidade de ocorrência de conflitos ambientais na microrregião de Viçosa, utilizamos o "Relatório analítico: casos suspeitos de conflito ambiental - atas COPAM 2000-2007". Este estudo buscou identificar, entre as referências aos milhares de processos de licenciamento e auto-de-infração julgados pelas câmaras técnicas no período, casos em que é maior a probabilidade de ocorrência de conflitos, para auxiliar os próximos encaminhamentos da pesquisa.
De acordo com este relatório, nas atas do COPAM foram identificados 157 casos de possíveis conflitos ambientais na mesorregião Zona da Mata. Em relação aos municípios da microrregião de Viçosa, Cajuri apresenta 01 caso de possível conflito ambiental, Coimbra 01 caso, e Piranga também 01 caso. O que representa para cada um dos Municípios 0,64% do total de casos da Zona da Mata. É o que se vê na tabela abaixo:

Tabela 1: Casos por município da microrregião de Viçosa - Zona da Mata

Município Casos (Abs.) (%) Em relação à Zona da Mata
Cajuri 01 0.64
Coimbra 01 0.64
Piranga 01 0.64
Total 03 1.9

Fonte: Relatório analítico: possíveis conflitos ambientais nas atas do COPAM -2000-2007.

O relatório não especifica o tipo de atividades realizadas nesses casos identificados como possíveis casos de conflitos ambientais, e refere-se a apenas estes 3 municípios da microrregião de Viçosa, que é formada pelos seguintes municípios: Alto Rio Doce, Amparo da Serra, Araponga, Brás Pires, Cajuri, Canaã, Cipotânea, Coimbra, Ervália, Lamim, Paula Cândido, Pedra do Anta, Piranga, Porto Firme, Presidente Bernardes, Rio Espera, São Miguel do Anta, Senhora de Oliveira, Teixeiras e Viçosa.
Considerando que muitos conflitos não chegam ao COPAM, seja por não se institucionalizarem, seja por se dirigirem diretamente a outros canais como o Ministério Público ou o Judiciário, a análise desses dados trata apenas dos possíveis casos de conflitos ambientais identificados no âmbito do COPAM, e não a todos os casos de conflito existentes na microrregião analisada.
Esta análise, portanto, chega a resultados que têm apenas caráter hipotético e indicativo, mas servem de contribuição para a sistematização dos casos identificados e, assim, para o encaminhamento dos levantamentos realizados em seguida, pela pesquisa, nos arquivos do Ministério Público Estadual e junto aos movimentos sociais envolvidos em conflitos ambientais.
Analisaremos, agora, o resultado das fichas técnicas preenchidas a partir da pesquisa nos procedimentos administrativos relativos ao meio ambiente instaurados pelo Ministério Público Estadual de cada comarca que abrange os municípios da microrregião de Viçosa.
No total, foram preenchidas 156 fichas catalográficas, contendo os casos levantados nos processos pesquisados no Ministério Público Estadual referentes ao total de municípios pesquisados na microrregião de Viçosa. A tabela abaixo mostra a relação dos procedimentos administrativos referentes a todos os municípios da microrregião de Viçosa, classificados por tipo de atividade geradora do impacto/conflito:

Tabela 2: Relação dos procedimentos administrativos relativos ao meio ambiente das comarcas do MPE da microrregião de Viçosa - 1999-2009

Tipo de atividades Quantidade Representação (%)
Atividades de comércio e serviços/ casa de show 01 0.6
Desvio irregular de curso d'água 01 0.6
Processo/ empreendimentos de urbanização 01 0.6
Atividades de infra-estrutura/ barragem de PCH 01 0.6
Transporte ilegal de pássaros silvestres 03 2.0
Atividades industriais 03 2.0
Aterro e depósito de lixo (lixão) municipal 04 2.5
Atividades agroindustriais 10 6.4
Lançamento de terra ou entulhos em beira de curso d'água 26 16
Atividades agrícolas/ florestais/ desmatamento 106 67
Total 156 100

Fonte: arquivos do Ministério Publico das comarcas de Ponte Nova, Piranga, Senador Firmino, Viçosa, Ervália, Teixeiras e Alto do Rio Doce.

Podemos verificar, no total de casos (156), a maior incidência de casos de desmatamento (106 ou 67%), tratando-se tanto de corte de árvores quanto de intervenção em APP, realizada principalmente por pequenos agricultores. Verificamos também que são pouco relacionadas atividades que geralmente causam grande impacto ambiental, como atividades industriais (03 ou 2%), atividades agroindustriais (10 ou 6,4%) e atividades de infra-estrutura, como a barragem para a construção de Pequena Central Hidrelétrica (PCH)(9) (01 ou 0,6%).
A tabela abaixo mostra a quantidade de fichas técnicas preenchidas a partir dos procedimentos administrativos relativos ao meio ambiente instaurados pelo Ministério Público Estadual de cada município da microrregião de Viçosa. A tabela também mostra a relação das sedes das comarcas referentes a cada município da microrregião de Viçosa.

Tabela 3: Procedimentos administrativos da microrregião de Viçosa, por município e sede de comarca - 1999-2009

Relação Municípios Comarca Quantidade
01 Amparo da Serra Ponte Nova 09
02 Brás Pires Senador Firmino 22
03 Cajuri Viçosa 07
04 Canaã Ponte Nova 16
05 Coimbra Viçosa 05
06 Ervália Ervália 02
07 Paula Cândido Viçosa 15
08 Pedra do Anta Teixeiras 04
09 Piranga Piranga 33
10 Porto Firme Piranga 03
11 Presidente Bernardes Piranga 01
12 São Miguel do Anta Viçosa 05
13 Teixeiras Teixeiras 09
14 Viçosa Viçosa 25
15 Araponga Ervália Não há registro
16 Cipotânea Alto Rio Doce Não há registro
17 Senhora de Oliveira Piranga Não há registro
Total 156

Fonte: arquivos do Ministério Publico das comarcas de Ponte Nova, Piranga, Senador Firmino, Viçosa, Ervália, Teixeiras e Alto do Rio Doce.

A partir dos dados levantados nos municípios da microrregião de Viçosa, verificamos que o caso mais emblemático de conflito ambiental encontrado nos arquivos do ministério público foi a ação pública movida pelo NACAB (Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens), representado pelo advogado Leonardo Resende, contra a projeto de construção de uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH), na Cachoeira da Providência, no município de Pedra do Anta, pela empresa CAT-LEO - Construções Indústria e Serviços de Energias ou Energisa Soluções. Até o presente momento, a obra está embargada devido à falta de estudos adequados de Licenciamento Ambiental. A população que seria atingida participou ativamente do conflito, organizando-se na Associação de Moradores Atingidos Barragem Cachoeira da Providência (AMBCP). Após requerimento, foram convocadas Audiências Publicas para a discussão da implementação da barragem.
Embora as informações apresentadas sejam provenientes de casos institucionalizados, a pesquisa de campo demonstra que inúmeros conflitos acontecem sem transitarem por vias oficiais de processamento dos conflitos. Por isso, realizamos, entre os dias 17 e 18 de outubro de 2009, uma oficina na Universidade Federal de Viçosa, que contou com a participação de integrantes de diversos movimentos sociais de toda a mesorregião da Zona da Mata, ocasião que utilizamos para coletar informações importantes acerca dos casos já mencionados e, assim, aprofundar na compreensão das especificidades e também das generalidades dos casos de conflitos ambientais na mesorregião em questão e, também, da microrregião de Viçosa. Com a realização da oficina foi possível dar voz às populações afetadas, de forma que incorporamos aos resultados da pesquisa outras situações de conflito ambiental não reportadas pelos arquivos oficiais, assim como a percepção dos movimentos acerca dessas situações. Nesse evento, cada líder dos movimentos sociais apresentou relato do seu "caso" e anotou no mapa da mesorregião o local em que se localiza o conflito. Após essa etapa, o conjunto dos casos foi analisado e discutido por todos, procurando-se visualizar conexões territoriais e relações entre os diferentes processos.
Dessa forma, tivemos acesso ao relato do conflito entre a criação do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro (PESB)(10) e a desapropriação dos proprietários do entorno do parque no município de Viçosa, de que não encontramos registro nos arquivos dos órgãos institucionais. De acordo com o relato de um diretor do Centro de Agricultura Alternativa (CAA) de Viçosa, a criação do parque se deu em 1996, a partir de um processo histórico envolvendo diferentes organizações, com o objetivo de manter preservado um considerável fragmento do bioma Mata Atlântica na região, considerando que todas as áreas acima da cota de mil metros deveriam ser preservadas pela criação do parque.
Depois da criação do parque começou o processo de regularização fundiária (desapropriação e indenização). Iniciou-se nas grandes propriedades e agora (na época da oficina) está chegando às pequenas propriedades (agricultura familiar). Nesse processo, foi incorporada uma parte das propriedades do entorno para ser considerada área do parque, além da área de reserva (20%). De acordo com Glauco agora o IEF pede aos proprietários para deixar a reserva para o parque. Já que falta a certificação/documentação comprobatória de que a área de 20% foi transferida para o parque, pode-se voltar a exigir dos pequenos proprietários que concedam novas áreas para a reserva legal. Nesse caso, mais de 400 famílias seriam desapropriadas pela demarcação do parque. Pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa se envolveram no caso quando "uma parte da Universidade apoiou os trabalhadores, outra apoiou a criação do parque, mas resolveu-se por fim reduzir a área do parque de 33 mil hectares para 13 mil hectares. Dessa forma a situação ficou no meio termo".
A partir das informações levantadas em todo o processo da pesquisa, identificamos um relevante número de conflitos que surgem por causa das áreas agrícolas consolidadas em locais definidos hoje como APPs(11), através de diversas medidas e resoluções normativas, o que explica a grande quantidade de procedimentos administrativos instaurados no Ministério Público em relação aos casos de desmatamento. Verificamos, portanto, o conflito estabelecido entre a legislação ambiental e o histórico de uso agrícola das terras na microrregião em estudo, onde, devido ao relevo acidentado, a ocupação rural se deu próxima a áreas consideradas de preservação permanente, como rios e morros. Em termos legais, a maior parte do território está destinado à proteção e preservação ambiental ou indisponível para um uso e ocupação, dada a existência de outros mecanismos, restrições e condicionamentos ambientais. Como na realidade, grande parte do território da microrregião já está ocupado, configura-se esse conflito entre a produção e a legalidade do uso das terras, tanto em relação aos pequenos quanto aos grandes produtores.
No entanto, os dados apresentados nos permitem aprofundar essa conclusão, pois verificamos que o Ministério Público, mesmo considerando as diferenças entre as metodologias de trabalho vigentes em cada comarca, concentra suas atenções na investigação de pequenas infrações à legislação ambiental (geralmente reportadas por Boletins de Ocorrência da Polícia Militar do Meio Ambiente). Nesses casos, quase invariavelmente, aplica-se multa ao infrator, que, posteriormente, assina o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, para reparar e compensar as alterações ambientais causados pelo pequeno empreendimento, geralmente vinculados a impactos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente (APP) em zona rural, provocadas principalmente por pequenos agricultores. Em muitas situações, o valor das multas, acrescido aos custos das ações reparatórias, que geralmente devem ser desenvolvidas, planejadas ou aprovadas por profissionais de competência técnica e habilitados, representa grande dificuldade para os trabalhadores de baixa renda penalizados, principalmente, porque em muitos casos também ficam impedidos de continuar a realização de suas atividades de subsistência. Assim é imposto penalizações financeiras sobre uma parte da sociedade que não é capaz de pagar, e não são apresentadas vias alternativas.
Assim, verificamos o conflito entre a legislação ambiental e a produção agrícola, no entanto, somente os pequenos produtores são autuados. Esses pequenos agricultores já enfrentam uma série de dificuldades para se manter no campo, como baixa rentabilidade, falta de crédito e assistência técnica insuficiente, desemprego gerado pelas máquinas e tratores, e dificuldade de competir com o latifúndio mecanizado. Soma-se a essa situação a forma como a legislação ambiental é aplicada. O excesso de punição aos pequenos proprietários por parte dos órgãos públicos não é verificado em relação à produção agrícola em grandes propriedades, que fazem uso intensivo dos meios de produção, com a utilização de combustível, insumos e venenos que podem acarretar grande impacto ambiental. Como resultado da destruição ambiental causada por grandes empreendimentos e pela forma de produção que se desenvolveu historicamente no país, agora, com a verificação da necessidade de preservação ambiental, os pequenos impactos ambientais são quase que exclusivamente penalizados, como conseqüência do modelo econômico da sociedade que aumenta o número das vítimas através do rigor de suas leis contra suas conseqüências, sem questionar suas causas.
A atuação dos órgãos públicos contribui, desse modo, para o histórico processo de inviabilização econômica das pequenas propriedades, que estimula a migração do trabalhador rural para a cidade. Mesmo quando percebemos que a agricultura tradicional (desmate, queimada, plantio e rotação de terra), diferentemente da grande produção, pode conviver em harmonia com o meio ambiente e que é possível se buscar alternativas de produção adequadas às realidades das áreas ocupadas. A pequena agricultura, que geralmente aparece nas autuações, traz, em geral, benefícios para o solo e não agride o meio ambiente. Já a agricultura de larga escala, dos latifúndios, espalha pesticidas, sementes manipuladas geneticamente, extermina as sementes naturais e causa uma predação violenta do meio ambiente; e, no entanto, dificilmente encontramos procedimentos em relação à essa forma de produção agrícola e também em relação à implantação de domínios latifundiários de pastagens, ou de plantações em grande escala de eucalipto, de cana de açúcar e outros produtos.
Também é importante considerar a ocorrência, nos municípios em questão, de situações ligadas ao saneamento básico, nas quais o poder público local aparece como réu, como nos casos de aterro e depósito inadequado de lixo (lixão) nos municípios de Canaã, Paula Candido e Viçosa, e desvio irregular do curso de um córrego para a realização de obras de construção de um parque de exposições, pela administração da prefeitura do município de Ervália, totalizando quatro casos. Esses "lixões" municipais, não raramente encontram-se situados à beira de nascentes ou corpos hídricos de outro tipo; além de não contarem com nenhum tipo de tratamento e cuidado na disposição final dos resíduos, são também geralmente utilizados por catadores de material reciclável como uma atividade de geração de renda extremamente insalubre e precária, da qual muitas pessoas dependem para viver.
Em todos os casos institucionalizados está quase ausente a menção a ações coletivas empreendidas por populações que eventualmente se sintam prejudicadas pelos agravos ambientais. Nesse sentido, os arquivos dos órgãos oficiais parecem não ser muito permeáveis à voz dessas populações porque o olhar técnico compartimentado apenas promove uma adequação do meio ambiente e da sociedade ao projeto de desenvolvimento capitalista, fazendo com que outros olhares e saberes não-enquadrados pelo discurso técnico-científico sejam, assim, excluídos dos processos de classificação e de definição sobre o destino de pessoas e de comunidades inteiras, reconhecendo apenas o discurso em favor do desenvolvimento, numa concepção evolucionista e totalizadora de "crescimento econômico". (Zhouri, Laschefski e Pereira 2005-a)

5. Conclusões

A partir dos dados levantados nas atas das Câmaras Técnicas do COPAM, nos arquivos do Ministério Público Estadual de cada comarca referente aos municípios da microrregião de Viçosa, e na realização da oficina com os movimentos sociais da mesorregião da Zona da Mata, observamos a ocorrência de uma série de situações que remetem a mecanismos produtores de desigualdades socioambientais.
As informações até aqui obtidas mostram o conflito entre as áreas agrícolas consolidadas em locais definidos hoje como APPs, através de diversas medidas e resoluções normativas, o que explica a grande quantidade de procedimentos administrativos instaurados no ministério público em relação aos casos de desmatamento. Verificamos, portanto, o conflito estabelecido entre a legislação ambiental e o histórico de uso agrícola das terras na microrregião em estudo, onde, devido ao relevo acidentado, a ocupação rural se deu próxima a áreas consideradas de preservação permanente, como rios e morros.
No entanto, os dados apresentados nos permitem outra conclusão, a verificação de que o Ministério Público concentra suas atenções na investigação de pequenas infrações à legislação, geralmente vinculados a pequenos impactos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa em Área de Preservação Permanente (APP) em zona rural, provocadas por pequenos agricultores.
A população desfavorecida economicamente e desprovida de capitais culturais e simbólicos, vê-se na contingência de ter que suportar a penalização excessiva do que os órgãos institucionais consideram como degradação ambiental, por causa da visão de um meio ambiente objetivo, separado das relações sociais. Percebemos ainda que, muitas vezes, o próprio poder público é responsável pelas situações de degradação ambiental, como, por exemplo, a falta de adequação dos lixões municipais.
Concluímos, portanto, pela necessidade de incorporação de critérios que levem em conta a diversidade de formas de apropriação e significação do ambiente, assumindo a perspectiva não da simples preservação do meio ambiente, mas da justiça ambiental, já que o ambiente é algo em constante disputa.
As dificuldades que se colocam para a construção da sustentabilidade e da justiça ambiental no Brasil exigem, portanto, o reconhecimento das formas históricas de significação e apropriação do espaço que anulam uma multiplicidade de formas de conceber a agir junto ao meio ambiente. Isso remete à necessária valorização das diferenças de apropriação do espaço disseminadas por entre as várias camadas sociais, assim como a compreensão das dinâmicas de poder existentes entre elas. Essa diferença expressa propostas de sustentabilidade plurais - múltiplas possibilidades de viver, que se refletem na diversificação do espaço e inspiram "uma visão de sustentabilidade que deve necessariamente articular as dimensões da equidade, da igualdade, da distribuição, assim como da universalização do direito de viver na singularidade" (Zhouri et. al., 2005-a), e este objetivo não será atingido pela mera extensão dos valores de mercado para incorporar essas diferentes concepções no sistema econômico existente.

Anexo

Ficha técnica do mapa dos conflitos ambientais de Minas Gerais

1) Caso (número e descrição sucinta):

2) Atores envolvidos:

3) Mesorregião:

4) Município:

5) Coordenadas geográficas:

6) Classificação por atividade:

7) Classificação por objeto do conflito: (impacto ou tipo de luta)

8) Período do conflito:

9) Fontes e datas das consultas:

10) Pesquisador responsável:

11) Descrição (população afetada, ecossistema afetado, histórico do caso, área atingida etc.)

Notas

(1) Possui doutorado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003). Atualmente é professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas (DECIS) da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e coordenador do Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA), grupo de pesquisa vinculado a Universidade Federal de São João del-Rei.

(2) Estudante de História da Universidade Federal de São João del-Rei e pesquisador do Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA/UFSJ).

(3) Artigo baseado no relatório final apresentado à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal de São João del-Rei, por exigência do término da pesquisa "Mapa dos conflitos ambientais na microrregião de Viçosa - MG", desenvolvida através do Programa Institucional de Iniciação Científica PIIC-UFSJ, entre março de 2009 e abril de 2010, no âmbito do Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA) da Universidade Federal de São João del-Rei.

(4) A pesquisa adota o recorte geográfico das mesorregiões propostas pelo Instituto de Geografia e Estatística - IBGE. Essa subdivisão geográfica leva em consideração as similaridades econômicas e sociais existentes entre as microrregiões constituintes da mesorregião. As chamadas microrregiões possuem o mesmo objetivo das mesorregiões, sendo no caso compostas por municípios com características econômicas e sociais similares.

(5) Mapa retirado do portal do governo de Minas Gerais. Disponível em: http://www.mg.gov.br/governomg/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=69547&chPlc=69547&termos=s&app=governomg&tax=0&taxp=5922 . Acesso em: 03 de julho de 2011.

(6) Comarca é uma circunscrição judiciária sob a jurisdição de um ou mais Juízes de Direito, e no caso específico da pesquisa de Promotores Públicos, que pode incluir vários municípios.

(7) Relação das entidades e participantes: Associação dos Catadores de Material Reciclável (ASCAJUF), Juiz de Fora; Comissão Pastoral da Terra (CPT); Elisa, Secretaria do Território Serra do Brigadeiro; Federação dos Trabalhadores Rurais de Minas Gerais (FETAEMG), Regional Leste; Glauco, Universidade Federal de Viçosa (UVF); GESTA/UFMG, Belo Horizonte; Instituto Sol do Campo, Ubá; Isabela, Bióloga/ Chefe de divisão de meio-ambiente da prefeitura de Lima Duarte; Leonardo Resende, Advogado/Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB); Márcio, Secretaria de Turismo e Meio Ambiente de Lima Duarte; Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB); Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLC); NINJA/UFSJ, São João del-Rei; Raimundo, catador de material reciclável da cidade de Ubá; Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Muriaé/ Comissão dos atingidos por mineração, Muriaé.

(8) Conferir, entre outros autores, Acserald (2004), Acserald et. al. (2004), Carneiro (2005), Martinez-Alier (2007) e Zhouri et.al. (2005).

(9) A resolução nº 394 - 04-12-1998 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, define como Pequena Central Hidrelétrica (PCH) toda usina hidrelétrica de pequeno porte cuja capacidade instalada seja superior a 1 MW e inferior a 30 MW. A área do reservatório deve ser inferior a 3 km².

(10) Criado em 27 de setembro de 1996 (Decreto n.º 38.319), o Parque Estadual da Serra do Brigadeiro está localizado na mesorregião da Zona da Mata. O Decreto 44.191, publicado em 2005, alterou a área do Parque. O Parque ocupa o extremo norte da Serra da Mantiqueira abrangendo os municípios de Araponga, Fervedouro, Miradouro, Ervália, Sericita, Pedra Bonita, Muriaé e Divino. A unidade de conservação tem 14.984 hectares onde predominam a Mata Atlântica.

(11) O Código Florestal, Lei no 4.771, que vale para todo o território brasileiro, veta o uso dos recursos naturais em áreas de proteção permanente (APPs): margens de rio, áreas acima de 1.800 m de altitude, topos de morro e encostas com declividade maior que 45º.

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Fecha de recibido: 6 de diciembre de 2010.
Fecha de publicado: 4 de agosto de 2011.

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