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Espacios en blanco. Serie indagaciones

versión impresa ISSN 1515-9485

Espac. blanco, Ser. indagaciones vol.22 no.1 Tandil ene./jun. 2012

 

DOSSIER

Que tem a Europa para oferecer aos recém-chegados a uma longa escolaridade obrigatória?

What have Europe to offer to the new commers to the long compulsory education?

 

Joaquim Azevedo *

* Professor Catedrático de Educação da Universidade Católica Portuguesa-Porto.

 


Resúmen

Neste artigo debate-se a tensão existente entre a prescrição normativa da obrigatoriedade de frequência da escola até ao fim do ensino secundário superior (12 anos de escolaridade) e a capacidade sociopolítica de garantir a universalidade da frequência deste nível de ensino. Nos últimos vinte anos regista-se um elevado investimento na escolarização de toda a população até aos 12 anos de escolaridade. A expansão do modelo da escolarização de massas prossegue (Meyer, 1992; Meyer, Ramírez, Soysal, 1992), com diferenças regionais muito sensíveis. As estratégias políticas e o envolvimento social têm sido muito diversos; retomando a categorização de Soysal e Strang (1989) umas incidem mais sobre a prescrição normativa, outras na construção política de soluções e outras na mobilização social dos actores. Também serão contextualizadas as tendências de desenvolvimento do ensino secundário quer por "subordinação regressiva" ao ensino superior quer por subordinação à economia local e internacional. Entre as principais tendências comuns no espaço europeu, este artigo situa e analisa criticamente não só a criação de dispositivos legais tendentes a criar novas oportunidades de educação e formação para os jovens, como as medidas tomadas para fortalecer as oportunidades de todos os jovens realizarem percursos escolares pessoalmente significativos dentro do ensino secundário superior, independentemente do prosseguimento de estudos no ensino superior.

Palavras-chave: Escolaridade universal e obrigatória; Obrigatoriedade escolar; Diversificação escolar; Diferenciação pedagógica; Europa.

Abstract:

In this paper I aim to discuss the great question of the extension of compulsory education in European countries; this extension is politically presented as a greater benefit for all citizens. Although public policies that intend to implement a longer school are focused on the compulsory aspect, this new education requires an appropriate response to its inherent and less focused universality: a time of quality education for all children and young people, without exception. In order to think about that, first I update the data relating to compulsory schooling in Europe and the relative degree of compliance, and then discuss the issue of universality versus compulsory, arguing that the guarantee of the first precedes the application of the second and, in educational terms, that one is the larger issue; thirdly, I present some of the main measures taken in various European countries to welcome newcomers to schooling , to combat drop-outs and lack of compliance with the new compulsory education; fourthly, I discuss the relevance of these measures in light of the ultimate goal of greater universality of an quality education for all, especially for those newcomers to the compulsory schooling of more than nine years' duration. In this discussion I adopt a three-dimensional perspective: ethical and epistemological, socio-political and polycentric and finally academic. With this I advocate the need to use any strategy of school diversification and flexible curriculum as a springboard for more and better education for each and every one, through increased educational personalization, avoiding the easy fall on reproduction in school environment, of the starting social stratification, poverty and exclusion.

Keywords: Universal and compulsory schooling; Compulsory school; Schooldiversity; Pedagogical flexibility; Europe.


 

Introdução

Neste texto procuro discutir a magna questão do prolongamento da escolaridade obrigatória nos países europeus, prolongamento este que é politicamente apresentado como um bem maior para todos os cidadãos. Apesar de as políticas públicas que pretendem implementar uma mais longa escolarização se focarem na vertente da obrigatoriedade, essa nova escolaridade requer uma resposta adequada à sua inerente e menos focada universalidade: um tempo de escolaridade de qualidade para todas as crianças e jovens, sem exceção.
Para tal, em primeiro lugar, atualizo os dados relativos à escolaridade obrigatória na Europa e ao grau relativo do seu cumprimento; de seguida, discuto a questão da universalidade versus obrigatoriedade, advogando que a garantia daquela precede a aplicação desta e que isso constitui, em termos educativos, a questão maior; em terceiro lugar, apresento algumas das principais medidas tomadas nos diferentes países europeus para acolher os novos recém-chegadosà escolarização, para combater o abandono precoce e a falta de cumprimento da nova escolaridade obrigatória; em quarto lugar, discuto a pertinência destas medidas à luz do objetivo maior da universalidade de uma educação de qualidade para todos, com destaque para esses recém-chegados à escolarização obrigatória de mais de nove anos de duração. Nesta discussão adoto uma perspetiva tridimensional: ética e epistemológica, sociopolítica e policêntrica e, finalmente, escolar. Com ela advogo a necessidade de se utilizar qualquer estratégia de diversificação escolar e de flexibilização curricular como um trampolim para mais e melhor educação para cada um e com cada um, através de uma crescente personalização pedagógica, evitando-se a queda fácil na reprodução, em ambiente escolar, da estratificação social de partida, da pobreza e da exclusão.

A obrigatoriedade e as suas caracteristicas

A generalidade dos países europeus decretou uma escolaridade obrigatória a tempo inteiro de dez anos e até aos dezasseis anos de idade. Países há, como os Países Baixos e a Hungria, em que a escolaridade obrigatória é longa, de treze anos, ou como o Luxemburgo, a Irlanda do Norte e Portugal, em que é de doze anos, e países em que esta mesma escolaridade é de menos cinco anos, como na Croácia ou mesmo na Turquia, em que é apenas de oito. Na maior parte dos casos, o número médio de anos de frequência obrigatória é de nove ou dez (dos seis até aos quinze ou dezasseis anos de idade). Entre estes países encontram-se os nórdicos que são habitualmente tomados como exemplo internacional (no PISA e em outros rankings internacionais), ou seja, a Finlândia, a Noruega e a Suécia (cf. Quadro 1).

Quadro 1 Síntese da escolaridade obrigatória e estrutura dos diferentes sistemas educativos europeus (com idade de início da educação e formação profissional)2


A obrigatoriedade escolar inicia-se mais precocemente no Luxemburgo, na Irlanda do Norte e em alguns cantões da Suíça, aos quatro anos, e mais tardiamente, aos sete anos, na Bulgária, Estónia, Finlândia, Lituânia e Suécia. Os seis anos são a regra mais comum. O término da escolaridade compulsiva termina geralmente aos dezasseis anos, embora haja países onde termina seja mais tarde (Países Baixos, Hungria, Portugal, aos dezoito) ou mais cedo (Croácia e Turquia, aos catorze anos). O Quadro 1 reflete esta mesma realidade e evidencia com bastante clareza a paleta multifacetada de níveis de educação e ensino que são abrangidos pela obrigatoriedade escolar. Assim, ela tem início na educação préescolar (Chipre, Grécia, Hungria, Letónia, Luxemburgo, Polónia e Suíça), passa pelo ensino primário, pelo ensino secundário inferior e prolonga-se até ao ensino secundário superior (Bulgária, Eslováquia, França, Hungria, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte). Este facto revela, portanto, políticas nacionais bastante diversas: uns países iniciam a escolaridade obrigatória aos quatro e cinco anos de idade, ainda antes do início da escolarização propriamente dita, outros não comungam desta perspetiva e apenas a iniciam mais tarde, prolongando-a até ao período de entrada no ensino superior, como na Hungria, nos Países Baixos e em Portugal. Nestes últimos casos, como ainda em vários outros (como a Alemanha e a França), a escolaridade obrigatória compreende já o período da diversificação (curricular e/ou institucional) do ensino secundário, abrangendo por isso cursos profissionais e formação em alternância por exemplo1. O leque de situações nacionais não podia ser, porventura, mais diverso.
No entanto, a convergência política também existe e ela, neste caso em apreço, tem um nome: escolaridade obrigatória para todos os cidadãos, com pelo menos oito anos de duração, podendo chegar a treze anos. Estas decisões de prolongamento da obrigatoriedade escolar implicam importantes processos de amadurecimento e de tomada de decisão política, que envolvem parceiros sociais, governos e parlamentos nacionais. A ênfase da decisão tende a ser colocada no campo da obrigatoriedade, portanto, na sua génese compulsiva, faceà liberdade de cada cidadão e em nome de um superior bem comum, uma mais longa escolaridade para todos. Dada a relativa violência que encerra a imposição desta obrigatoriedade, promovida sempre em nome de um superior bem comum, os decisores deixam habitualmente algumas escapatórias aos cidadãos. Existem dois tipos de escapatórias: uma consiste em não fazer coincidir a duração da obrigatoriedade com a duração da escolaridade que está subjacente; assim, os cidadãos são obrigados a frequentar o sistema de educação até uma certa idade e não até completarem a escolaridade legalmente prevista (exemplo: escolaridade de dez anos e liberdade de saída aos dezasseis anos de idade, independentemente do ano de estudos que se frequente); uma outra traduz-se no prolongamento da obrigatoriedade, por exemplo de dezasseis para dezoito anos de idade, mas apenas a tempo parcial, o que pode criar mais possibilidades de os cidadãos a frequentarem, pois já permite conciliar vários modelos de organização da vida de cada pessoa, por exemplo entre frequência escolar e ocupação laboral. Estão neste último caso países como a Alemanha (em cinco Länder, o prolongamento ocorre até aos dezanove anos), a Bélgica e a Polónia.
A ênfase na obrigatoriedade radica, como dissemos, na perspetiva socialmente partilhada de que esse será o maior bem para todos os cidadãos, qualquer que seja a sua etnia, situação sociocultural e económica, género ou religião, devendo por isso ser de frequência compulsória. Estas leis habitualmente também enfatizam um conjunto de dispositivos que os Estados e as sociedades devem colocar ao serviço dos cidadãos para que estes possam efetivamente cumprir o desiderato comum e a obrigação imposta (apoios especiais aos alunos com maiores dificuldades de aprendizagem, adaptações curriculares, existência de "currículos alternativos"...) Também é comum encontrar-se a justificação de que a compulsividade é um meio não despiciendo usado pelos Estados para que a frequência escolar entretanto prolongada se cumpra de facto e de modo universal, evitando assim a exclusão de grupos sociais mais pobres e socialmente desprotegidos.
No caso de Portugal, os dois ministros envolvidos nesta decisão, nos anos 2002-2009, David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues, justificaram a sua decisão deste modo:

"Se o valor social da escola fosse reconhecido por todos, o Estado não tinha necessidade de determinar a escolaridade obrigatória. Nesta ideia reside a grande diferença entre universalização e obrigatoriedade do ensino: a primeira resulta da vontade e da opção do cidadão, a segunda de um desígnio do Estado pretensamente em benefício do cidadão e da sociedade. Mesmo nas sociedades onde o valor da educação era elevado, o Estado sentiu a necessidade de recorrer à [ação] coerciva visando alguns grupos mais pobres ou socialmente excluídos. Como era reconhecido pelo filósofo e economista inglês John Stuart Mill (1806-1873), a pobreza é pouco compatível com a educação (...) Num país com uma elevada taxa de pobreza e com uma das maiores desigualdades de distribuição do rendimento na Europa,é natural que seja o Estado a impor as metas de escolarização e a exercer o seu poder de coerção para as fazer cumprir. Se assim não fosse, o atraso educativo, muito provavelmente, seria bem maior em relação aos restantes parceiros europeus. (...) Por outro lado, há que reconhecer que a determinação de um alargamento da escolaridade obrigatória funciona como um estímulo ao aumento das expectativas de escolarização das famílias relativamente aos seus filhos (Justino, 2010: 53-56).3

"Para ser [efetivo], o prolongamento da escolarização requeria consolidação dos avanços anteriores, bem como apoios às famílias, sobretudo às mais carenciadas e com menos recursos para sustentar o adiamento da entrada dos filhos no mercado de trabalho. Por isso, só em 2009, no final do mandato do XVII Governo, se alterou a lei da escolaridade obrigatória, prolongando-se esta até aos 18 anos. Na altura faziam-se já sentir os efeitos das medidas de valorização do ensino secundário entretanto postas em prática, em particular com a generalização da oferta de cursos profissionais nas escolas públicas e a consequente redução do insucesso e do abandono precoce. Acompanhando a alteração legislativa de novas medidas de apoio às famílias na educação dos seus filhos, estavam reunidas as condições para que o prolongamento da escolarização se traduzisse num aumento [efetivo] da qualificação dos jovens (...) Esta meta (alargamento da escolaridade) aparecia explicitamente articulada com outras medidas de política educativa complementares e convergentes com o mesmo [objetivo], pois era claro que, para garantir a sua exequibilidade, não seria suficiente inscrevê-la na lei. Era necessário, antes de mais, criar as condições, preparar as escolas, com os meios necessários, e corrigir ineficiências do sistema. Mas também era necessário preparar as famílias e os jovens para esse novo [objetivo]". De seguida, a autora foca a permanência de dois problemas: a garantia do cumprimento da lei, ou seja, "garantir a escolarização" e a garantia da "[efetividade] das aprendizagens e dos resultados obtidos", ou seja, "garantir a escolaridade" (Rodrigues, 2010: 81-85).

Entre estes dois modos de fundamentar a medida de política de prolongamento da escolaridade obrigatória, de quinze para dezoito anos de idade, exisem mais ou menos explícitas duas leituras acerca do que é que está em causa nesta decisão política: de um lado, uma ênfase na obrigatoriedade e no papel coercivo do Estado, ainda que realizado em nome dos mais pobres da sociedade, do outro, uma acentuação dos apoios que o Estado deve conceder às famílias mais desfavorecidas para que a obrigatoriedade seja efetiva e seja realmente um tempo de escolaridade para todos, além de ser tempo de escolarização obrigatória. Esta mesma equação, que é sempre um balanço político entre perspetivas complementares, abre a problemática que pretendo focar neste texto.

A universalidade precede a obrigatoriedade

O modo menos comum de formular o prolongamento da escolaridade que é declarada obrigatória situa-se na conceção e na verificação da sua universalidade. Se a escolaridade é declarada obrigatória exatamente porque constitui um bem maior para todos os cidadãos, então a conceção e a verificação da sua universalidade não constituem fatores instrumentais, mas antes o seu núcleo essencial e central. Instrumental será a declaração da sua obrigatoriedade, invertendose, por isso, a ordem dos fatores.
De facto, cada ser humano e todos os seres humanos, sem exceção, pela educação familiar e depois pela educação escolar, desabrocham como pessoas únicas e como cidadãos de uma dada comunidade, partilhando os seus valores comuns. A transmissão de e o confronto com o Bem, com a Beleza e com a Verdade, aqui resumidos nos saberes codificados e adquiridos tanto pelas diferentes áreas científicas como pelas diversas histórias e culturas humanas, ao longo dos séculos e até à atualidade, representam o eixo matricial estruturador do bem maior sobre o qual se declara a universalidade da educação escolar. E é em cima deste bem essencial, maior e universal, que, por sua vez, se ergue o princípio instrumental da obrigatoriedade. O princípio ético-político e antropológico da universalidade, que é portanto tanto da ordem pessoal e intransmissível como da ordem da cidadania ativa e comum, que é um princípio cada vez mais universal e transversal às diferentes culturas e histórias nacionais, precede o imperativo instrumental e normativo da obrigatoriedade, que se reveste, por sua vez, de múltiplos matizes históricos e políticos.
Por isso, vários autores sublinham o primado dos princípios personalistas e humanistas da educação: desde a perspetiva de que o homem transcende o estatuto de cidadão (Baptista, 2007) ao paradigma antropológico que sustenta a pedagogia (Carvalho, 1992) e à conceção de que os direitos pessoais (os direitos, liberdades e garantias) precedem os direitos sociais (Pinto, 2009). Este último autor sublinha que "o primeiro e verdadeiramente fundamental princípio de um Estado de direito é o princípio da liberdade da pessoa humana, que é uma liberdade igual para todos os homens, porque todos possuem igual dignidade" (ibídem: 71). Salvaguardar o princípio da liberdade e garantir o respeito pela dignidade de cada pessoa implica, ao poder político e ao aparelho administrativo educacional, colocar a ênfase na universalidade, tomando a obrigatoriedade como um subsídio em relação à universalidade.
Como afirmámos em outra ocasião (Azevedo, 2011), os alunos (todas as pessoas que aprendem, desde as crianças até às pessoas idosas) não são peças de uma qualquer máquina educacional, submetidas às regras de um aparelho administrativo, objetos de mercado e sujeitos de consumo escolar; são seres humanos únicos que devem merecer o melhor acolhimento e a mais digna hospitalidade, no respeito pela sua singularidade e segundo dinâmicas também singulares de personalização e de sociabilidade. É próprio do Estado garantir que todos os cidadãos tenham acesso a uma educação de qualidade, ao longo de toda a sua vida e em todas as dimensões integrantes do desenvolvimento humano, e que isso seja feito em nome dos princípios ético-políticos da unicidade e da educabilidade universal dos seres humanos. A sociedade e o Estado devem, por isso, garantir às famílias os meios que lhes permitam exercer cabalmente todos os seus deveres de educação e formação e às escolas as condições para o acolhimento de cada um e para o exercício de uma educação de qualidade para todos.
De facto, o que está implícito no princípio normativo da obrigatoriedadeé necessariamente o princípio ético-político da universalidade. A concretização do princípio da obrigatoriedade, de per si, diz pouco ainda acerca da concretização do princípio da universalidade, porque o primeiro tende a colocar o acento tónico
no dever do cidadão, sendo que os cidadãos são tidos todos como iguais. Os cidadãos podem exercer o seu direito à educação e cumprir o seu dever de permanecer na escola de modo prolongado e a sociedade e o Estado podem garantir o acesso de todos à educação escolar e, tudo feito, pode ser ainda insuficiente, no contexto de uma nova escolaridade universal; a garantia do acesso é o umbral para a concretização de uma educação escolar longa e de qualidade para cada um, a janela aberta para o sucesso escolar. Daí a centralidade da capacidade efetiva das escolas e das comunidades para promoverem com cada aluno, no quadro de uma heterogeneidade que cresce exatamente com o acesso universal e obrigatório, uma educação de qualidade, adequada e alicerçada num reconhecimento profissional "positivo e construtivo" desta imensa heterogeneidade (Prud'homme et al., 2011: 8). A heterogeneidade "escolar", muito antes de ser um "problema" escolar, é um bem de cada comunidade, um elemento central e constitutivo e, ao mesmo tempo, um elemento nuclear e construtivo dessa mesma comunidade humana, que reclama de cada escola e de todas as instituições sociais de cada comunidade a mesma atitude ética, epistemológica e política "positiva e construtiva".
Todavia, as políticas públicas de educação, conduzidas em geral pelo Estado e pelo seu aparato administrativo, têm acentuado muito mais a obrigatoriedade, em detrimento da universalidade. Assim, pouco a pouco, descendo (ou melhor, subindo!) das normas para a realidade, vai-se esboroando o rosto do direito a uma educação escolar universal, longa e de qualidade, fator de desenvolvimento humano de todas as pessoas e socialmente integradora de todos os cidadãos. Esta descida (que é uma subida) das normas para a realidade é um caminho cheio de escolhos, que palavras como insucesso e abandono procuram insatisfatoriamente qualificar, e que se traduz por níveis mais ou menos elevados de incumprimento da obrigatoriedade escolar por parte de alguns grupos de cidadãos. Estes são, na sua maioria, constituídos por famílias pobres e com parcos recursos académicos, famílias que, fora de um quadro de universalidade (e
consequente e secundária obrigatoriedade), ficariam "naturalmente" fora da "nova escolarização" agora cada vez mais prolongada.
Antes de iniciarmos qualquer análise da diversificação escolar (que é sempre uma resposta curricular e/ou institucional à diversidade de contextos e de alunos), importa, por tudo isto e com base nesta definição da relação entre obrigatoriedade e universalidade, salientar a relevância da consequente postura ética, epistemológica e sociopolítica de cada escola e de cada profissional do campo educacional, com destaque para os professores, psicólogos escolares e os mediadores familiares. A esta questão voltaremos na discussão final do presente documento.

Os graus de cumprimento da obrigatoriedade escolar

No Gráfico 1, podemos analisar em que medida se tem evoluído nesta perspetiva de alcançar a universalidade dos estudos até aos 16 ou 18 anos, vendo que países atingiram pelo menos o ensino secundário, nos grupos etários 25-34 anos e 25-64 anos. É um dos olhares possíveis, outro é o da análise das taxas de escolarização do ensino secundário, para uma população com idade até aos 24, para o ano de 2009 (ver Gráfico 2). Comecemos pelo Gráfico 1.


Gráfico 1 Percentagem da população com pelo menos o ensino secundário, por grupo etário, nos anos de referência 1999 e 2009
Notas: Não se incluem os casos da Eslovénia e da Estónia, pelo facto de não estarem disponíveis os dados de 1999. Para a Eslováquia, o primeiro ano de referência é 2001, enquanto para os Países Baixos é 2000.
Fonte: Education at a Glance, 2001 e 2011


Gráfico 2: Taxas de escolarização do ensino secundário (2008)
Nota: Não estão disponíveis os dados para Áustria, Bélgica e Países Baixos. O ano de referência para a França é 2004 e para a Estónia 2006.
Fonte: Education at a Glance, 2006, 2008 e 2010.

Quando analisamos os resultados do Gráfico 1, para o grupo etário mais jovem, o dos 25-34 anos, verificamos que muitos países já atingiram valores de mais de 80% (e até acima de 90%) da sua população neste grupo etário com pelo menos o ensino secundário: estão nos ou acima dos 90% a República Checa, a Eslováquia, a Suíça, a Suécia, a Finlândia e a Polónia e estão entre os 80 e os 89% os seguintes países: Alemanha a Áustria, a Bélgica, a Dinamarca, a França, a Hungria, a Irlanda, o Luxemburgo, a Noruega, os Países Baixos, a Polónia e o Reino Unido, atingindo a média dos países da OCDE os 81%, em 2009. Entre os países com mais baixos índices de escolarização de nível secundário, abaixo dos 70%, neste mesmo grupo etário, estão, em 2009, a Turquia (42%), Portugal (48%) e a Espanha (64%).
O mesmo ocorre para o conjunto da população, aqui medido pelo grupo etário 25-64 anos, entre os anos de 1999 e 2009. No conjunto da população, o que significa a realização de enormes investimentos na educação de toda a população, são de registar os progressos notáveis de países como a Polónia (de 54% para 88%), a Irlanda (de 51 para 72%), o Luxemburgo (de 56 para 77%). Além destes países, pela análise do mesmo Gráfico 1, fica também patente o esforço mais recente na escolarização realizado por Portugal, Espanha, Itália, Grécia e França, pois é aí que se constata haver uma maior diferença entre as percentagens de população escolarizada da população em geral e da mais nova, em 2009.
As taxas de escolarização relativas ao ano 2008 (Gráfico 2)4 permitem confirmar que as recuperações mais salientes e recentes das taxas escolarização são as que se verificam para a Grécia, a Itália e a Espanha, países para os quais só possuímos, todavia, dados agregados (que juntam os jovens e os adultos), e para Portugal, neste caso sobretudo à custa do crescimento da população jovem.
Ora, estes dados apresentados até aqui e conjugados entre si permitemnos afirmar que não existirá uma ligação direta e automática entre o facto de se decretar uma dada quantidade de anos e uma certa duração de obrigatoriedade escolar e o facto de se alcançar uma efetiva universalidade. Esta ainda não foi atingida em nenhum país, havendo vários países com valores acima dos 90%, como deixámos acima esclarecido. Impera uma grande diversidade de situações. Assim, entre os países com mais elevada escolarização de nível secundário encontram-se países que iniciam a sua escolaridade obrigatória aos 4, 5, 6 e 7 anos e que a terminam aos 15, 16, 17 e 18 anos. A duração da escolaridade obrigatória nestes mesmos países oscila entre os 9 e os 13 anos. Nos casos da Hungria e dos Países Baixos, que são dois dos três países em que a escolaridade obrigatória se inicia mais cedo e acaba mais tarde (Quadro 1), ou seja, preenche o período 5-18 anos, já em 1999 as percentagens da população mais jovem com pelo menos o ensino secundário era muito elevada, respectivamente 80% e 74% (OCDE, 2010). O outro caso é o de Portugal, que continua a apresentar o valor mais baixo da União Europeia e que decretou, em 2009, o alargamento da escolaridade obrigatória de nove para doze anos, aumentando dos quinze anos de idade para os dezoito a obrigatoriedade de frequência da escola.
A criação de condições sociais para se alcançar a universalidade tem constituído um muito importante foco político, tendo em vista a escolarização de todos os jovens. Esta via política, com clara ênfase social, pode ser exemplificada (i) seja com a decisão da Noruega de aumentar a escolarização de nível secundário da sua população sem aumentar a obrigatoriedade de frequência escolar (Azevedo, 2000), mobilizando toda a sociedade local (municípios) para criar condições de realização de percursos de educação e formação para todos os jovens, até aos 19 anos de idade, (ii) seja com o caso da Dinamarca5, que cria um conjunto de dispositivos particularmente dirigidos ao acolhimento dos recémchegados à nova e longa escolarização e que descrevemos de seguida. O que importa salientar nestes processos políticos de melhoria do nível de educação de uma dada população territorialmente organizada, sem deixar ninguém pelo caminho, é que se trata, por um lado, realmente de processos sociopolíticos complexos e que seguem contornos diversificados, conforme os países, as suas histórias e as culturas dominantes e que, por outro, ganha realce na agenda política a necessidade de garantir, por todos os meios possíveis, uma atenção redobrada às famílias mais carenciadas e às crianças e jovens com mais dificuldades de progressão escolar.
Para atingir o objetivo da escolarização de todos os jovens do grupo etário 14-18 anos, a Dinamarca tem procurado ir de encontro às diferentes expectativas e aspirações dos jovens, criando uma série de alternativas de ensino e de formação. Para este grupo etário, ao lado das Folkeskole, as escolas básicas regulares, podem existir as Efterskole, escolas criadas em 1851 por Kristen Kold, que
aliam a formação geral com uma formação prática e com o trabalho, potenciando a autoestima e a motivação em adolescentes que falham no sistema regular, seja com atraso escolar seja com fracos rendimentos académicos. Estas escolas são apoiadas pelo Estado, pelos municípios e pelas famílias e preparam os alunos para os mesmos exames das Folkeskole. Podem existir também as Escolas de Jovens, de iniciativa pública, sobretudo municipais, que estruturam o dia a dia escolar de modo alternativo, em tempo parcial ou em tempo completo. Estas escolas podem ser apenas de apoio e aprofundamento dos estudos, em áreas em que os alunos revelam dificuldades, como podem oferecer áreas que os alunos não seguem nas suas escolas regulares.
Existem ainda as Escolas de Produção, desde a década de 1970, escolas privadas e dirigidas por órgãos independentes, também de base municipal e intermunicipal, que procuram ajudar os jovens a completar os seus estudos, com base no trabalho prático e na produção e na organização de oficinas. Nestas, os jovens têm acesso a conteúdos teóricos e práticos, predominantemente personalizados, e nelas estudam e trabalham por um período transitório, em regra de seis meses, mas que pode oscilar entre um mês e um ano. São acompanhados por docentes e formadores, num rácio de um para cada seis alunos, tendo em vista desenvolver procedimentos e capacidades inscritos em percursos de desenvolvimento pessoal. De seguida, os jovens são habitualmente encaminhados para cursos de ensino técnico e de formação profissional e para uma atividade ocupacional.
Mais recentemente, em 1993, foi estabelecida a lei da Formação Profissional Básica, que proporciona cursos de dois anos, com formação geral e profissional, e ainda, em 1995, os Cursos Ponte entre a Escola Básica e a Formação de Jovens (14-18 anos), com duração de um ano, que visam orientar os jovens para a escolha de um curso de nível pós-básico, qualquer que seja a sua natureza, tipo Escolas de Jovens, Escolas de Produção ou Cursos Profissionais Básicos. Ou seja, com base nos municípios e com uma ação articulada com o Estado, procura-se cumprir o objetivo social de oferecer a todos os jovens um percurso de
educação e formação que favoreça quer percursos de desenvolvimento pessoal quer uma adequada inserção socioprofissional.

Modelização da expansão da escolarização de massas

Esta é o conjunto de esforços realizados na Dinamarca, como o poderíamos ter sublinhado para tantos outros países. Mas estes esforços não começaram hoje, têm uma história e esta pode explicar modelos de desenvolvimento da educação de massas. Estes modelos, por sua vez, a existirem, podem ajudar-nos a perceber melhor as dinâmicas atuais da nova e prolongada escolarização obrigatória e universal.
Estas dinâmicas sociais de expansão da "escolarização de massas" têm sido estudadas por vários autores, seja sobre o século XIX (Soysal e Strang, 1989), seja sobre o século XX (Meyer, 1992 e 2000). Soysal e Strang (1989), através da sua análise da história da evolução da escolarização de massas na Europa, ao longo do século XIX, tinham evidenciado três grandes modelos de construção da mesma escolarização. O modelo da construção estatal da educação (Dinamarca, Noruega, Suécia, Prússia), o modelo da construção social da educação (França, Holanda, Suíça, Reino Unido) e o modelo da construção retórica da educação (Grécia, Portugal, Espanha, Itália). No que se refere ao primeiro modelo, os autores sublinham neste artigo o papel das igrejas nacionais na construção dos sistemas educativos nacionais, pois providenciaram "uma base ideológica e organizacional" para a emergência de um sistema educativo nacional. Esta aliança permitiu não só legitimar a autoridade de um centro secular, como enfatizar a identidade nacional dos membros de um dado Estado politicamente edificado. O caso da Prússia surge como o melhor exemplo deste processo. No que diz respeito ao segundo, os autores salientam o papel do conflito de interesses entre o Estado nacional e os grupos detentores de missões sociais educacionais, conflito esse que fez com que os Estados tivessem tido dificuldades em realizar um controlo nacional sobre a educação. Assiste-se mesmo a uma "relação negativa" entre as
leis da obrigatoriedade escolar e a frequência escolar, tendo esta entrado em processos de expansão mesmo na ausência de um controlo central do Estado, fruto da ação de igrejas, instituições sociais e grupos de cidadãos (como nos EUA ou na Holanda, em que calvinistas, católicos e grupos seculares desenvolveram os seus próprios sistemas escolares). O mesmo conflito e competição que tornou difícil a emergência de um sistema nacional unificado, facultou a rápida expansão da escolarização. No terceiro modelo, este conflito local de interesses foi sempre fraco e igualmente fraca foi a ação dos estados nacionais, o que fez com que a expansão da escolarização de massas fosse um processo lento, ao longo de todo o século. Estes estados empreenderam os mesmos esforços legislativos que os países do Norte da Europa para promoverem a escolarização, mas o predomínio da informalidade e da particularização de "estruturas feudais ou corporativas" fez com que tivesse havido poucas fontes alternativas de promoção de uma escolarização formal e universal, registando-se assim uma boa relação entre leis de obrigatoriedade e fraca frequência escolar.
Ao longo do século XX, este processo de escolarização de massas prosseguiu e atingiu, como vimos acima, sobretudo no pós-II Guerra Mundial, níveis muito elevados na generalidade dos países europeus, tanto para a escolaridade primária como para a escolaridade secundária (até aos 16 anos). O modelo desenvolvido por Soysal e Strang ter-se-á mantido válido ao longo do século XX, mas com um progressivo controlo dos sistemas educativos por parte dos estados nacionais, cada vez mais consolidadamente nacionais na sua configuração, em parte por força da emergência (ainda que lenta, em alguns casos) dos seus sistemas de escolarização de massas, os sistemas educativos nacionais e centralizados, um modelo cultural comum (Meyer, 1992).
O que esta modelização permite evidenciar é, por um lado, a enorme diversidade de focagens sociopolíticas existentes no espaço europeu para a concretização do objetivo de uma escolarização universal cada vez mais prolongada e, por outro lado, que estas mesmas focagens são expressões do envolvimento crescente de toda a sociedade e do Estado no cumprimento do mesmo objetivo
comum, derivado de um superior bem comum, portanto, um bem de cada comunidade.
Entre a prescrição normativa e a realidade do cumprimento por parte de todos os cidadãos de uma escolaridade cada vez mais longa e com bons resultados (com qualidade, para cada um) vai uma certa distância, tanto mais longa quanto mais volumoso é o conjunto das dificuldades seja dos cidadãos em cumprir com a sua obrigação perante a sociedade, seja desta e das escolas em criar as condições de desenvolvimento e progressão escolar de cada um. O abandono prematuro e a não conclusão quer dos ciclos de estudos quer da idade limite fixada para a escolaridade obrigatória são fenómenos e flagelos sociais (porque implicam que importantes grupos de cidadãos fiquem fora do acesso a esse "bem maior", em evidente situação de desigualdade) bastante conhecidos e combatidos por meios políticos. A eles nos referiremos de seguida.

Aprossecução de uma escolaridade universal e obrigatoria: o combate ao abandono precoce

Na Europa, os grupos que ficam de fora do acesso a este benefício social considerado básico (cerca de doze anos de escolaridade, ainda que não obrigatórios) podem atingir entre 3 e 30% da população do respetivo grupo etário. Em 2009, mais de seis milhões de jovens, ou seja, 14,4% dos que tinham entre 18 e 24 anos, abandonaram a educação e a formação tendo concluído apenas o primeiro ciclo do ensino secundário ou o nível inferior (cerca de nove anos de escolaridade). Mais preocupante ainda: 17,4% desses só tinham concluído o ensino primário. Para a Comissão Europeia, o abandono escolar prematuro "representa uma perda de oportunidades para os jovens e um desperdício de potencial social e económico para a União Europeia no seu conjunto" (Comissão Europeia, 2011: 3).
Como se pode verificar no Gráfico 3, o abandono escolar precoce atinge sobretudo os países da Europa que mais dificuldades apresentam em escolarizar a sua população mais jovem. É de realçar, contudo, o grande peso dos países onde o abandono escolar precoce se situa em torno ou abaixo dos 10%.


Gráfico 3: Abandono escolar precoce-Percentagem da população com 18-24 anos com pelo menos secundário inferior e que não está em educação e formação (2000 e 2010)
Notas: Para a Bulgária, a Eslovénia e a Polónia, o primeiro ano de referência é 2001 e não 2000. Para a Croácia, a Eslováquia, a Irlanda, a Letónia e a República Checa, 2002, e para a Turquia, 2006.
Fonte: Eurostat, 2011

O abandono prematuro6 da escola é um processo, muito mais do que um resultado momentâneo e abrupto, é um progressivo descomprometimento, por parte de cada criança ou jovem, que decorre de múltiplos fatores cumulativos. Começa geralmente bastante cedo e comporta uma multiplicidade de variáveis que se conjugam para provocar um progressivo desinvestimento escolar e um progressivo investimento em outras dimensões da vida, como por exemplo o trabalho (Azevedo e Fonseca, 2007; Dale, 2010; Lamb e Markussen, 2011). Stephen Lamb (2011), com base em estudos de treze países ocidentais, sublinha, entre estes fatores, seis tipos principais: efeitos familiares (exemplo: educação parental e nível socioeconómico do agregado familiar), efeitos escolares (exemplo: qualidade do ensino e recursos, clima escolar e empenhamento profissional dos professores), efeitos dos pares (exemplo: papel dos amigos, cultura e comportamento dos pares), efeitos individuais relativos ao aluno (exemplo: absentismo e frequência escolar, desempenho académico), efeitos da comunidade envolvente (exemplo: características sociais e económicas das comunidades envolventes da escola, papel dos mercados locais de trabalho), efeitos do país e das políticas públicas (exemplo: organização do sistema escolar, gestão escolar e política relativa aos currículos). Outros estudos evidenciam que, entre todos estes, há dois grandes grupos de fatores que funcionam como principais preditores do abandono: por um lado, o contexto familiar (exemplo: nível socioeconómico, aspirações parentais) e, por outro, o percurso/história escolar do aluno (exemplo: absentismo, resultados académicos), conjugado com os fatores de implicação dos alunos no estudo (exemplo: dinâmicas curriculares de escola tendo em vista promover as aprendizagens, progressão escolar realizada).
Por isso, Dale (2010) sintetiza assim os elementos-chave que fazem com que certos alunos entrem em processo de abandono: fazem menos trabalhos de casa, exercem menos esforço na escola, participam menos nas atividades escolares, evidenciam comportamentos de baixo compromisso com a escola, apresentam dificuldades de integração social e atitudes negativas face ao estudo na escola e são mais propensos a serem indisciplinados e a serem suspensos.
Os resultados do PISA têm vindo a deixar claro o quanto a escolarização dos pais, a sua ocupação, o seu estatuto económico e os seus recursos culturais são decisivos no rendimento e no sucesso escolar dos alunos. Quanto maiores são as vantagens sociais dos alunos, à partida, melhores tendem a ser os seus resultados escolares, ao longo do percurso académico. O valor da correlação entre o estatuto económico, social e cultural (usado pela OCDE-PISA) e os resultados dos alunos de 15 anos a Matemática, no conjunto dos países inscritos no PISA (2003), é de 0,425, o que confirma uma forte relação entre o sucesso escolar e o referido contexto dos alunos (Lamb, 2011b).
Existe uma persistência intergeracional relativamente elevada entre os baixos índices de sucesso escolar de alguns alunos e as baixas qualificações dos
seus pais e as suas débeis aspirações sociais (GHK, 2012). As populações migrantes de fora da Europa e certos grupos étnicos, como os ciganos, bem como os desempregados de longa duração, constituem grupos particularmente frágeis no acesso e sobretudo no sucesso escolar por parte dos seus filhos, desde o início da escolarização.
Embora as desigualdades educacionais estejam presentes em todos os países, as diferentes configurações históricas envolvem diferentes fatores e matizes de combinações entre eles, de tal modo que fazem alterar os quadros explicativos; a dimensão e a severidade destas desigualdades podem ser bastante influenciadas pelo tipo de políticas sociais e pelas políticas públicas de educação, em especial, e ainda pelo tipo de medidas que as instituições escolares adotam face às dificuldades de aprendizagem reveladas, desde muito cedo, por alguns grupos de alunos. Parece claro que só no quadro de políticas sociais concertadas, sociocomunitárias (Azevedo, 2011; Dale, 2011; GHK, 2012; Lamb, 2011) e focadas no objetivo da efetiva universalidade escolar, é possível "trazer" para o campo da educação todas as famílias e todas as crianças e proporcionar uma educação de qualidade a todas elas, na multiplicidade dos seus caminhos de desenvolvimento humano, a que é mister responder escolarmente com enorme sabedoria, fomentando a integração e o desenvolvimento de cada uma.
O Gráfico 4 apresenta a conjugação de um índice revelador das desigualdades de rendimentos dos agregados familiares com um índice de cumprimento do objetivo de uma escolarização com pelo menos o ensino secundário. Embora com diferentes articulações, conforme os países, verifica-se que aqueles em que existem maiores desigualdades sociais na distribuição dos rendimentos são também aqueles em que as taxas de cumprimento da escolarização com o nível secundário superior são menores.


Gráfico 4: Percentagem de população com pelo menos o ensino secundário (2009) e desigualdade dos rendimentos dos agregados familiares (coeficiente de Gini) depois de contabilizadas as despesas com educação, saúde, habitação social e serviços de apoio social (2007).
Fonte: Education at a Glance, 2011, e Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising (OECD, 2011).

Conscientes das reais dificuldades de alguns grupos da população em cumprir estes longos períodos de escolarização obrigatória, os Estados nacionais tendem a combater este abandono e a garantir a conclusão de estudos, desenvolvendo as mais variadas políticas educacionais para alcançar os objetivos éticos, políticos e sociais inscritos na prescrição da obrigatoriedade.

A diversificação institucional e de percursos

As principais medidas tomadas pelos países europeus para alcançarem realmente uma escolaridade universal e obrigatória de longa duração podem dividir-se segundo o seu teor ora organizacional ora político. Em termos organizacionais, as medidas subdividem-se em dois grandes tipos: medidas de diversificação institucional e medidas de diversificação de percursos de formação dentro das mesmas instituições escolares. Esta última dimensão comporta a criação de dife- rentes fileiras formativas, como cursos gerais, cursos profissionais, formação em regime dual ou em alternância, cursos de "educação e formação" e cursos de formação artística. A diversificação institucional abarca a separação dos jovens por cursos oferecidos em diferentes instituições, como escolas secundárias, escolas profissionais, escolas técnicas e escolas artísticas. Uma e outra das modalidades podem ser oferecidas precocemente (após o ensino primário) ou tardiamente, após o ensino básico e compreensivo de nove anos (Azevedo, 2007).
Entre todas as modalidades de ensino e formação, a equação mais comumé a da existência simultânea de fileiras de ensino geral (liceu, lycée, gymnasium...) e de ensino técnico ou profissional. Esta diversificação, que pretende proporcionar educação escolar a um maior número de jovens e responder ao imperativo de uma escolaridade universal e obrigatória de longa duração, pode assumir três formas distintas: (i) uma integração entre as duas fileiras, integrando as opções profissionalizantes dentro do ensino geral (pouco comum na Europa, esta modalidade está presente, no ensino secundário, por exemplo, nos Estados Unidos da América e na Austrália); (ii) uma separação entre as diferentes vias de formação, geral e profissional, realizada ainda durante a formação básica, aproximando esta última das empresas e dirigindo-a mais diretamente para os mercados de trabalho (casos da Alemanha, Áustria, Suíça, Holanda e Dinamarca); (iii) uma separação entre a formação geral e profissional situada no ensino secundário superior e bastante mais articuladas entre si e mais dirigidas ao prosseguimento de estudos (casos da Finlândia, Noruega e Suécia). Na Finlândia, por exemplo, 50% dos jovens seguem estudos em vias profissionais, em que podem obter 52 qualificações diferentes, na Noruega, podem seguir 15 diferentes programas de ensino pós-secundário, 3 gerais e 12 profissionais e, na Suécia, após um primeiro ano comum, os jovens podem seguir diferentes cursos de dois anos mais profissionalizantes, divididos em 14 programas diferentes.
Há poucos estudos realizados em larga escala que permitam conclusões robustas sobre os diferentes impactos destas diversificações. Mas não será muito arriscado afirmar que a existência de um conjunto de vias profissionais, coeso e
de qualidade, está ligado a uma maior capacidade de alguns países cumprirem o desiderato político e nacional de prolongarem a escolaridade universal e obrigatória. Lamb (2011: 56-57), usando dados da OCDE, constata que os países onde esta diversificação envolve maior número de jovens são também os países em que existe uma maior capacidade de concluir a desejada escolarização dos jovens. Também não será arriscado afirmar que se estas diferentes modalidades de diversificação procuram, por um lado, proporcionar alternativas de formação para jovens com diferentes aptidões e interesses, representam, por outro, a eleição de percursos de educação e formação articulados com uma estratificação social tanto à entrada como à saída, nos modos diferenciados de inserção socioprofissional nos mercados locais de trabalho. Existe uma tendência para "encaminhar" os filhos dos grupos sociais mais desfavorecidos para vias e percursos "alternativos" ao mainstream escolar, alvos de menor investimento e cuidado por parte de políticas, escolas e professores, o que pode representar o princípio de uma segregação que já existia à partida e que vai continuar a cumprir-se à saída da escola, reproduzindo-se, também por via escolar, uma persistente desigualdade social.
Como diz Levin (2003), as vias e os percursos escolares mais integrados e flexíveis, quando combinados com um elevado apoio individualizado dos professores, parecem conduzir a melhores resultados e a uma melhor distribuição das oportunidades educacionais. Os alunos tendem a obter melhores resultados, como quase todos os professores o sabem, em ambientes escolares onde existem elevadas expetativas, onde se aprende com entusiasmo, onde o clima disciplinaré rigoroso e existem boas relações alunos-professores. A qualidade do ensino implica a adopção de um ambiente pedagógico deste tipo, em todas as escolas e vias e não apenas nas que lecionam cursos "gerais", implica a existência de bons professores e de recursos, bem como a liberdade e a autonomia para as escolas se organizarem e encontrarem as respostas mais adequadas a cada situação de cada aluno.
Em conclusão: face a uma maior diversidade de jovens presentes no ensino secundário, os sistemas educativos nacionais, a braços com novos mandatos de prolongamento da escolarização de massas, diversificam as oportunidades de ensino e formação, diversificando escolas, cursos e opções. Ao diversificar e diferenciar, ocorrem dois importantes riscos. O primeiro é o já focado perigo de se aliar a diversificação com a estratificação social. O segundo risco consiste em cair em "círculos negativos" (Markussen et al., 2011), em que os jovens elegem as escolas e/ou os cursos e opções profissionais porque não, ou seja, porque não conseguem obter certos níveis de aproveitamento, porque não podem seguir uma via de prosseguimento de estudos, porque não conseguem obter níveis de assiduidade adequados, porque não se sentem capazes de seguir uma via de estudos socialmente mais reconhecida, porque não o apoiam devidamente na escola para ir até onde desejava, porque não... A alternativa de orientar os jovens recémchegados (o "resto" da sociedade que ainda não vinha à "escola de todos"), que agora alcançam níveis superiores de ensino e formação, para os mesmos tipos de percursos gerais e tradicionais também não surge como capaz de atingir melhores resultados, tanto em termos de abandono precoce como em termos de taxas de conclusão de estudos. Os recém-chegados seriam, em nome de boas causas, simplesmente conduzidos ao insucesso e trucidados pela seletividade praticada pelo ensino geral (Azevedo, 2000, 2007), lá onde os "herdeiros" de sempre há muito se sentem em casa.
O estreito "caminho das pedras" parece estar cada vez mais ligadoà existência simultânea de uma determinação ética e política e de uma capacidade técnica, arrastada pela primeira, para criar e construir, em cada território e de modo personalizado, percursos de ensino de qualidade para cada um dos jovens que procura esta nova e longa escolaridade, que agora é obrigatória e que também agora se deseja de sucesso universal.

Uma aposta politica na integração dos mais desfavorecidos

Esta determinação política surge cada vez mais como um horizonte fundamental de ação, na hora de fazer desta longa escolarização obrigatória uma escolaridade de sucesso universal. A curto prazo, um jovem que abandona prematuramente a escola pode estar associado a um desemprego, a trabalhos precários e mal remunerados e a dificuldades de obtenção de um lugar no sistema de formação profissional. Os custos económicos e sociais do abandono prematuro são tremendos. A Comissão Europeia (2011) estima que a simples redução de um ponto percentual no abandono escolar prematuro provoca um potencial adicional de quase meio milhão de jovens trabalhadores qualificados na economia europeia. O problema, sublinha a Comissão, é que entre 2000 e 2010 a redução foi de apenas 3,2%, muito aquém do estimado7.
As medidas de incidência política situam-se habitualmente entre a prevenção e a compensação. No campo da prevenção estão medidas como uma educação pré-escolar de elevada qualidade e abrangência (além dos cuidados gerais de apoio à primeira infância), que permite às crianças realizar uma educação de qualidade desde muito cedo, e uma política social ativa contra a segregação, que melhore a mestiçagem social, étnica e cultural nas escolas e no seu contexto. Poder beneficiar do acesso à escola implica, para muitas crianças, o acesso prévio a relações sociais e a atividades significativas e sistemáticas de desenvolvimento pessoal. Até os economistas da educação sublinham habitualmente que o retorno de um euro investido em "capital humano" na infância, junto de crianças desfavorecidas, é muito superior aos benefícios económicos de um mesmo euro investido no mesmo tipo de pessoas, no ensino secundário ou na formação no posto de trabalho (Heckman, 2008). O enriquecimento dos ambientes sociais, familiares e educativos onde existe maior pobreza e abandono das crianças representa, em geral, um investimento decisivo no desenvolvimento de "competências cognitivas e não-cognitivas", sociais e emocionais (ibídem: 20).
Estão também no campo da prevenção o combate à existência de escolas catalogadas como "desfavorecidas" e medidas de apoio a escolas que se situam em contextos de pobreza e/ou exclusão8. No mesmo domínio da prevenção, situam-se também os itinerários educativos flexíveis, que combinam a formação geral e a formação profissional e uma primeira experiência de trabalho (como vimos com o caso da Dinamarca). Também se inscrevem no campo da prevenção as ações de trabalho direto com as famílias mais desfavorecidas, desenvolvido seja na escola seja na comunidade (programas de formação parental, por exemplo; ver experiências relatadas por Mark Warren, na Califórnia, USA9) e o apoio social aos alunos oriundos destas famílias.
Como medidas políticas de ação imediata encontram-se todos os sistemas de acompanhamento e alerta precoce, que desencadeiam ações tendentes a evitar um processo de abandono irrecuperável. A criação do unique pupil number (UPN), no Reino Unido, em 1997, a criação de Comissões de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e em Risco, redes de cooperação interministeriais e de base local (em Portugal), bem como uma maior cooperação com os pais e as famílias, com a criação, por exemplo, de mediadores familiares, podem proporcionar uma ajuda pertinente e oportuna. Uma ação como a do School Completion Programme (Irlanda, programa destinado a favorecer a conclusão de estudos) evidencia como é que focagens comunitárias, interprofissionais e intersectoriais, podem ser relevantes. Outras medidas são de base escolar e prendem-se com apoio tutorial personalizado e apoio em pequenos grupos. Estão neste caso, por exemplo, as Scuole Aperte, em Itália, que visam facultar atividades educativas a alunos que tenham abandonado a escola.
Como medidas compensatórias, que surgem já depois de vários elementos terem desencadeado o abandono, existe uma infinidade de programas de educação e de formação, mais ou menos dedicados a promover a reintegração dos jovens, como os programas de transição escola básica-escola secundária/formação profissional e as chamadas "escolas de segunda oportunidade", como a rede de escolas que existe em França.
Parece claro, como vimos, que é na medida em que a educação é vista como um compromisso social (Azevedo, 2010), no modo em que as escolas atuam com apoio político local de todos os atores sociais que se podem obter melhores resultados na prevenção, ação e compensação do abandono prematuro. As desigualdades sociais imbricam-se com os percursos escolares e estes rigidificam-nas, reproduzindo-as, geração após geração. Esta profunda interligação requer novas políticas sociais, novos compromissos solidários, sociocomunitários e policêntricos (Azevedo, 2011), ao mesmo tempo que se procuram as mais diversas diversificações institucionais e de percursos de ensino e de formação. A relevância do policentrismo dos compromissos éticos e sociopolíticos relativosà escolarização universal radica não só no princípio de que não é apenas ao Estado central e ao seu aparato administrativo que compete pensar os problemas e tomar as decisões políticas, mas também a todos os centros locais de reflexão e decisão, da autarquia à escola, da associação cultural à empresa ou à instituição de solidariedade social, como no princípio de que só a ação articulada e concertada entre estes diferentes intervenientes e níveis de decisão pode ajudar a criar respostas educativas acolhedoras dos recém-chegados e capazes de os tornar pessoas autónomas e dignas.
Quaisquer que sejam as medidas entretanto adotadas nos vários países da Europa, que continuam a ser seguidas através do chamado Método Aberto de Coordenação, a União Europeia adotou como benchmarks para 2020, os seguintes níveis de ensino e formação: (i) pelo menos 95% das crianças entre os 4 anos de idade e a idade de entrar na escolaridade obrigatória devem participar na educação pré-escolar; (ii) a percentagem do grupo dos 15 anos de idade com insuficientes capacidades de leitura, matemática e ciências deve ser inferior a 15%; (iii) o índice de abandono escolar precoce deve ser menor de 10%; (iv) a percentagem do grupo dos 30-34 anos de idade com formação de nível superior deve ser de pelo menos 40%; (v) uma percentagem de pelo menos 15% dos adultos (25-64 anos) deve participar na educação ao longo da vida. Ao mesmo tempo, os principais documentos orientadores, como o Strategic Framework for
Education and Training 2020, procuram deixar claro que só se conseguem tais objetivos promovendo a equidade e elegendo a coesão social como prioridade estratégica.

Discussão e conclusão

Existe a convicção de que nesta nova fase pós-2008, de crise socioeconómica acentuada, a economia continuará a comandar em larga medida as mudanças e melhorias a serem introduzidas na educação (Hodgson e Spours, 2008). Mas, quando o problema que temos por diante consiste em oferecer uma educação de qualidade para cada criança, jovem e adulto, em cada comunidade local, mobilizando todas as suas energias, do aluno e da comunidade, então é a esse problema que teremos de fazer face e não a outro qualquer, por mais importante que seja considerado o mandato económico sobre a educação. Acontece que, quando olhamos para as medidas de política implementadas nos vários países com o objetivo de alcançarem uma escolaridade universal e obrigatória mais longa, não é necessariamente isso que encontramos por diante, mas mais um conjunto "prisioneiro" de medidas que se amarram mais ao passado e aos modelos vigentes do que aos desafios profundos que estes novos objetivos lançam. A grande prisão pode chamar-se ensino geral, liceu, lycée, gymnasium, ou apelidar-se de criação de condições de acesso ao mainstream escolar, o que para muitas crianças é ainda muito pouco, pois será exatamente aí que revelarão, de modo bem evidente e vincado, as suas desvantagens sociais e a pobreza económica e cultural familiar.
O padrão internacional dos abandonos ajuda-nos a perceber que em todos os países há dificuldades em penetrar nos "utentes não-tradicionais" do serviço público de educação, o "resto" da sociedade. Quanto mais pressão ética, política e social existe para que estes não só entrem na escola mas também permaneçam na escola, mais pressão existe para que se encontrem soluções institucionais inovadoras, pois lidar com estes novos "utentes" é olhar de frente para o binómio
desigualdades pessoais+desigualdades sociais, o que, convenhamos, é olhar de modo bem diferente para a escolarização básica e secundária. O objetivo de uma"educação de qualidade para todos" (recordemos a declaração de Jomtien, no ano 1990) requer um novo círculo positivo de medidas de política capazes de fazer uso de estratégias bem mais complexas do que duplicar ou triplicar modelos de ensino e formação, com nomes mais ou menos diferentes. David Raffe (2011) fala recentemente de três tipos de estratégias: as culturalistas, que procuram reduzir as distâncias culturais entre os recém-chegados e o sistema educativo, mudando currículo, pedagogia e a cultura institucional; as racionalistas, que incidem sobre a mudança do balanço das oportunidades, incentivos e custos, de modo a criar possibilidades de realização de escolhas racionais por parte dos"novos públicos", instituindo novos programas de formação pós-obrigatória, criando mais zonas de flexibilidade no sistema; as desenvolvimentalistas, focadas nos jovens que se encontram em maior risco de abandono prematuro ou que até já abandonaram a escolarização obrigatória, que atendem o indivíduo e os seus problemas, mais do que o sistema e a estrutura de oportunidades.
Com estas designações ou com outras, o que parece ser crucial é o robustecimento da capacidade das políticas públicas, mais do que os sistemas educativos isoladamente, criarem um quadro de capacitação e de mobilização, não só institucional (restrito e escolar), mas também social, capaz de acolher agora todos os jovens na escolaridade dentro da escolarização, por um período de tempo mais longo, oferecendo-lhes, a cada um, um campo educacional positivo ou virtuoso, que não se transforme nunca numa prisão dourada (considerada dourada por todos menos pelos que nela se encontram presos). Tal robustecimento reclama abordagens novas, específicas para os públicos não-tradicionais, abordagens locais e bem mais fundadas nas dinâmicas "solidárias, sociocomunitárias e policêntricas", capacidade para tomar decisões autónomas quanto ao currículo (na sua conceção mais alargada) e à sua inadiável flexibilização, a compreensão de que as modalidades de alcance da excelência por parte dos jovens devem e podem ser muito diversificadas e que é preciso, em cada instituição
educativa, olhar de frente a pessoa de cada aluno e proporcionar-lhe um estaleiro de oportunidades para, após a educação da infância, construir o barco da sua autonomia e da sua dignidade.
Uma escolaridade obrigatória e universal, universal no só no acesso, mas também no sucesso, requer igualmente uma atitude positiva e de promoção do sucesso por parte de todos os profissionais de cada escola, além de uma nova visão cooperativa na relação com as famílias. Não há evidências de escolas focadas na promoção do sucesso de e com todos seus alunos que não sejam simultaneamente escolas onde existem lideranças claramente comprometidas neste mesmo objectivo e um trabalho colaborativo e devidamente estruturado dos profissionais de educação, fazendo das escolas verdadeiras comunidades de aprendizagem profissional (Ouellet et al., 2011).
A diferença é bem mais simples e profunda e pode bem consistir em saber se queremos dar a cada jovem apenas um barco pré-construído para correr as corridas (diversificadas) que agora programamos e que queremos que sejam acessíveis para todos ou dar, ao mesmo tempo, um estaleiro, que pode ter diversas configurações, onde cada um construa o referido barco para a sua autonomia e dignidade.
De facto, a escola desta diversidade (institucional e curricular10) ainda é a escola da homogeneidade, não já de vias e de escolas, mas da homogeneidade pedagógica! A escola do mainstream, pensada para uma única etnia, para as crianças da classe média e brancas, tratadas "como se fossem um só", com pais escolarizados e com casas com conforto, não será a escola para todos. A questão que este texto deixa aberta, ao procurar ir para além da obrigatoriedade e interrogando a universalidade inscrita implicitamente na obrigatoriedade (de implícitos estão as sucatas cheias!), reclama bastante mais da qualidade da educação escolar proporcionada a todos os cidadãos. Implica que se possa caminhar no sentido de uma ampla contemplação das diferentes personalidades em presença, levando o mais longe possível os diversos tipos de inteligência em presença, na escola obrigatória e universal, longa de dez ou doze anos. Qual o lugar das expressões e das artes, das mãos e da ação, das oficinas e dos ateliês, da ação-investigação, a
par das "ofertas" tradicionais? Como é que se pode alargar social e universalmente a escolaridade, se não se estender a todos o conhecimento e o reconhecimento (Azevedo, 2011)? Como focar as escolas, os seus profissionais e como comprometer mais a comunidade local neste bem maior? Uma coisa parece clara, no meio de tantas dificuldades inscritas em tantas desigualdades sociais: sem este reconhecimento, sem este foco das escolas e sem este compromisso sociocomunitário não estará aberto o caminho para cada uma das crianças e dos jovens alcançar a sua autonomia, o patamar da sua dignidade pessoal e de cidadania. O respeito próprio e o respeito dos outros requerem este empoderamento, ou seja, uma real igualdade de condições de acesso e de uso das oportunidades da escolarização universal e obrigatória.
Como tivemos ocasião de refletir ao longo deste texto, existem três dimensões centrais para podermos responder com qualidade e equidade a estes recém-chegados à escola para todos. Uma é de índole ética e epistemológica e implica todos os actores sociais, desde os decisores políticos, às famílias, às escolas e aos professores, pois relaciona-se com o âmago do nosso que fazer comum: que visão temos nós do ser humano e da sua relação em sociedade, como encaramos o princípio da educabilidade universal e como colocamos em acção uma atitude positiva e construtiva face a cada aluno. A segunda é de natureza sociopolítica e prende-se com a decisão e a mobilização social em ordem a garantir uma escolaridade universal e de sucesso para cada um e para todos. Falamos da decisão politica a todos os níveis em que ela tem de ser tomada, desde o Estado central ao nível sociocomunitário e local e referimos a importância da articulação dos vários centros de decisão (visão policêntrica da decisão em educação), mormente os que existem em cada comunidade local. A terceira relaciona-se com a escola, que também é tocada pelas outras duas dimensões, com a sua direção e liderança, com o desenvolvimento de uma visão e missão e com o estabelecimento de prioridades de ação alinhadas com este magno objectivo de escolarização universal e de sucesso, e finalmente com o fomento de práticas colaborativas
interprofissionais e entre os professores, tendo em vista a concretização deste mesmo objetivo ético e sociopolítico em cada escola e em cada sala de aula.

Notas

1 Formação realizada alternadamente em escola e em empresa, em cada semana.

2 Importará notar que este quadro representa uma simplificação dos diferentes sistemas, além de queé construído por referência à escolaridade obrigatória, pelo que só se indicam os níveis de ensino que são abrangidos por esta, nela terminam ou nela acabam.

3 David Justino, já num artigo assinado em 2005, havia fundamentado a mesma decisão dizendo que "o princípio contrário da universalização da escolaridade de 12 anos é teoricamente aceitável. Porém, a situação portuguesa é de tal forma grave e o atraso de tal forma evidente, que se torna urgente [adotar] medidas compulsórias que permitam, de forma mais rápida, superar esse défice" (Justino, 2006: 25).

4 Recorremos aos dados do ano de 2008, uma vez que os relativos a 2009, na mesma fonte, se encontram, para o caso de Portugal, profundamente distorcidos, pois entre 2008 e 2009 Portugal passa por milagre de penúltimo lugar (lugar onde aliás se tem mantido) para o primeiro lugar na taxa de escolarização de nível secundário (12 anos de escolaridade).

5 A escolha da Dinamarca é um tanto aleatória, embora seja o país que, pelo seu tamanho, mais se aproxima de Portugal. De resto, estas políticas públicas de fomento do acesso e do sucesso de todos numa escolaridade prolongada são desencadeadas em todos os países, com contornos diversos.

6 O termo abandono prematuro inclui todas as formas de abandono da educação e da formação profissional antes da conclusão do segundo ciclo de ensino secundário ou do seu equivalente em formação profissional (11 a 13 anos de educação).

7 Três países contribuem negativamente para este resultado, com mais de 30% deste abandono prematuro: Espanha, Itália e Portugal.

8 Estão neste caso as políticas socioeducativas territoriais, como as ZEP-Zones Educatives Prioritaires, em França, e os TEIP-Territórios Educativos de Intervenção Prioritária, em Portugal.

9 Experiências relatadas no livro de Mark Warren, "A match in dry grass: community organizing as a catalyst for school reform", 2011.

10 Currículo é aqui usado em sentido restrito, pois o que se propõe é ainda de âmbito curricular, mas numa aceção mais alargada e completa.

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