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Cuadernos de antropología social

versión On-line ISSN 1850-275X

Cuad. antropol. soc.  n.31 Buenos Aires ene./jul. 2010

 

Os discursos acerca das drogas e os idiomas experienciais de consumidores na cidade do Rio de Janeiro: apontamentos sobre a continuidade e descontinuidade no consumo de drogas

Frederico Policarpo de Mendonça Filho*

* Doutorando em antropologia pelo Programa de Pós-Graduação de Antropologia da Universidade Federal Fluminense. Pesquisador do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas e do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (Nufep/InEAC/UFF). Dirección electrónica: fredericopolicarpo@yahoo.com.br .

Fecha de recepción: 7 de diciembre de 2009. Fecha de aprobación: 28 de marzo de 2010.

Resumo

É muito comum, ao se falar do uso de drogas, a referência à Psicologia ou ao Direito para dar conta dos aspectos que cercam o consumo e o comércio de drogas. Surgem daí categorias como "dependente químico", "usuário" e "traficante" que muitas vezes são utilizadas de forma naturalizada, sem qualquer referência tanto ao contexto em que foram elaboradas como ao contexto da ação que pretendem explicar. Dessa forma, elas surgem como se fossem categorias analíticas absolutas, existindo a priori de qualquer relação social.

Neste trabalho, exponho dados de alguns contextos relacionais de consumidores de drogas aos que tive acesso, na tentativa de apresentar os idiomas experienciais mobilizados por eles para participarem do mercado de drogas. A partir dessa descrição, mostrarei situações em que alguns deles colocam em questão o próprio consumo, criando-se a possibilidade de reconfiguração da participação no mercado de drogas, influenciando a continuação, ou não, do consumo de drogas.

Palavras-chave: Consumidores de drogas, Mercado de drogas, Idiomas experienciais, Contexto relacional, Transmissão do conhecimento

The discourses about the drugs and the experiential languages of the consumers in the city of Rio de Janeiro: notes on continuity and discontinuity in drugs use

Abstract

It is very common to talk about drug use with the reference to Psychology or Law to tackle the issues surrounding the consumption and trade of drugs. For that reason, categories such as "addict"; "user"; and "dealer"; are often used in a naturalized way, without any reference both to the context in which they were drawn as to the context of action that account. Thus, they appear as if they were absolute analytical categories.

In this paper I present data from some relational contexts of drug users who had access, in an attempt to present the experiential language deployed by them to participate in the drug market. From this description, I´ll show situations where some consumers put questions about their personal consumption, creating the possibility of reconfiguration their participation on the drug market influencing the continuation or not of drug use.

Key words: Drug users, Drug market, Experiential languages, Relational context, Transmission of knowledge

Los discursos acerca de las drogas y los idiomas experienciales de los consumidores en la ciudad de Rio de Janeiro: apuntes sobre la continuidad y discontinuidad en el consumo de drogas

 Resumen

Es muy común, al hablar del uso de drogas, la referencia a la Psicología o al Derecho para dar cuenta de los aspectos que cercan al consumo y al comercio de drogas. Surgen de ahí categorías como "dependiente químico", "usuario" y "traficante" que muchas veces son utilizadas de manera naturalizada, sin ninguna referencia, ni al contexto en el que fueron elaboradas, ni al contexto de acción que pretenden explicar. De esa forma, ellas surgen como si fueran categorías analíticas absolutas, existiendo a priori de cualquier relación social.

En este trabajo, expongo datos de algunos contextos relacionales de consumidores de drogas a los que tuve acceso, en el intento de presentar los idiomas experienciales por ellos movilizados para participar del mercado de drogas. A partir de esa descripción, mostraré situaciones en que algunos de ellos ponen en cuestión al propio consumo, creándose la posibilidad de reconfiguración de la participación en el mercado de drogas, influyendo en la continuación, o no, de su consumo.

Palabras clave: Consumidores de drogas, Mercado de drogas; Idiomas experienciales, Contexto relacional, Transmisión del conocimiento

Introdução

É muito comum ao se falar do uso de drogas1 a referência à Psicologia ou ao Direito para dar conta dos aspectos que cercam o consumo e o comércio de drogas. Surgem daí categorias como "dependente químico", "usuário" e "traficante" que muitas vezes são utilizadas de forma naturalizada, sem qualquer referência tanto ao contexto em que foram elaboradas como ao contexto da ação que pretendem explicar. Dessa forma, elas surgem como se fossem categorias analíticas absolutas, existindo a priori de qualquer relação social.

A minha intenção aqui não é discutir se, de fato, há ou não "dependentes químicos", "usuários" ou "traficantes". Ou mesmo se existiriam categorias mais apropriadas para dar conta do mercado de drogas. O que é importante para o presente trabalho é observar que esses termos são categorias analíticas forjadas e elaboradas pelo saber médico ou como tipos penais inscritos num diploma legal, de modo que só ganham inteligibilidade se referendados a estes domínios e às relações de poder que os engendram. Esses termos encerram discursos normativos específicos sobre as drogas, que informam as teorias oficiais acerca das drogas.

Contudo, como algumas pesquisas sugerem (Becker, 2008; MacRae e Simões, 2000; Vasconcelos, 2003; Velho, 1980 y 1998; Zaluar, 1994; Zinberg, 1984), para se compreender o consumo de drogas é preciso levar em consideração não só os componentes químicos das substâncias, mas também fatores socioculturais. A observação desses fatores é importante na medida em que eles informam os padrões de consumo e a própria definição das substâncias como drogas ou remédios, por exemplo (Coelho, 1976). No que diz respeito aos tipos de drogas utilizados, os padrões e significados atribuídos ao uso delas, MacRae e Simões, fazendo uso da terminologia de Norman Zinberg,2 apontam três fatores determinantes:

a) a "droga" em si — isto é, a ação farmacológica da substância incluindo a dosagem e a maneira pela qual ela é tomada (endovenosa, aspirada, fumada por via oral, etc.);
b) o set — isto é, o estado do indivíduo no momento do uso, incluindo sua estrutura de personalidade, suas condições psicológicas e físicas, suas expectativas;
c) o setting (cenário ou ambiente social) — isto é, o conjunto de fatores ligados ao contexto no qual a substância é tomada, o lugar, as companhias, a percepção social e os significados culturais atribuídos ao uso. (MacRae e Simões, 2000: 29).

Ou seja, no exame de qualquer elemento relacionado às drogas, é preciso considerar não apenas a substância e o indivíduo consumidor, mas também com a mesma importância, o contexto em que é realizado o uso.

Desse modo, podemos pensar que ao lado das teorias oficiais sobre o consumo e o comércio de drogas, quem participa desse mercado mobiliza categorias nativas, relacionadas ao contexto dos consumidores, que dão conta dessas práticas de maneiras diversas. Elas coexistem e concorrem pela hegemonia e pelo monopólio sobre a definição do sentido do consumo e do comércio de drogas.

Neste trabalho, partindo dessas considerações preliminares, pretendo mostrar que o conhecimento transmitido pelas teorias oficiais é irredutível ao conhecimento transmitido pela experiência do consumo de drogas. Enquanto o conhecimento no primeiro pode ser traduzido, no segundo ele só pode ser vivenciado. Ao participar do mercado de drogas, o consumidor vai adquirindo aos poucos algo parecido com que Barth chama de "síndrome de atitudes do conhecimento" (Barth, 1975: 219) que possibilita a ele ter a postura adequada para se mover dentro dele. Ele passa a ficar atento a certas condutas e às etiquetas necessárias para ter acesso às drogas e acaba desenvolvendo uma sensibilidade para identificar pontos de vendas e de consumo, a quem perguntar e o momento certo para isso, a quem dizer e quando, os tipos e as variações de drogas disponíveis e seus preços, os riscos e as formas de se proteger, etc. A experiência de ser consumidor de drogas mobiliza, portanto, idiomas experienciais que posicionam o ser no mundo a partir de uma rede de comunicação do mercado de drogas. Apesar de irredutíveis, no entanto, esses conhecimentos não são excludentes, mas coexistem e afetam as pessoas de maneiras e intensidades diferentes. Na última parte desse trabalho, tento mostrar algumas ocasiões onde essa ambigüidade é explicitada.

O texto está esquematizado da seguinte maneira: primeiro, discuto as normatividades oficiais acerca das drogas. Em seguida, apresento dados sobre o consumo e o comércio de drogas que tive acesso através da minha participação nesse mercado, mostrando que o conhecimento que apóia essas práticas se transmite através de um modo diferente do preconizado pelas agências oficias, só acessível pela experiência. Por fim, discuto como esses conhecimentos se cruzam.

O estudo, para fins antropológicos, do consumo e do comércio de drogas exige do pesquisador o engajamento nesse mercado. Não há outra maneira de se pretender uma etnografia, pois, como observa Favret-Saada (2005: 157), é principalmente a "participação", e não a "observação", o instrumento de conhecimento por excelência do empreendimento antropológico. Só participando da rede de comunicação e deixando-se afetar pelas preocupações das pessoas que estuda que o antropólogo tem acesso aos idiomas experienciais mobilizados por essas pessoas. Nesse sentido, não tive dificuldades em ter acesso a algumas pessoas que participam desse mercado na medida em que muitos conhecidos meus já faziam parte dele antes de minha preocupação acadêmica com essa questão. Já tinha a confiança deles e conversar sobre isso não era nenhuma novidade. Em casa, na rua, no carro, na praia, num show, no bar, enfim, nos mais variados momentos e lugares o consumo e o comércio de drogas eram efetuados ou discutidos. Os dados apresentados aqui, preliminares e ainda pouco sistematizados, dizem respeito à minha experiência nesse mercado a partir da convivência com eles.

O recorte, no entanto, não é muito preciso, pois escutei e conversei com muitas outras pessoas. Muitas pessoas consomem e vendem drogas, independente de faixa etária, social ou educacional. E, além disso, o tipo de droga consumida, a técnica utilizada, o padrão de uso, os lugares, os termos mencionados, etc, tudo isso é muito diversificado. Há pessoas que só cheiram, outras que só fumam, outras que cheiram e fumam, outras que tomam "doce",3 mas não "bala",4 outros preferem o inverso; algumas só consomem com amigos, outras são mais flexíveis e permitem desconhecidos; alguns vendem para ganhar dinheiro, outros não querem ganhar. Esses são simples exemplos dos inúmeros arranjos possíveis de se encontrar no mercado de drogas. E mostram que é muito difícil elaborar um estudo a partir somente do perfil do consumidor, ou do tipo de droga, por exemplo. Ao invés disso, a minha estratégia foi verificar os idiomas experienciais mobilizados pelos consumidores que convivi. Evidentemente, esses consumidores não esgotam todas as possibilidades de consumo ou de comércio. Mas, através dos idiomas experienciais deles, o acesso ao comércio e a outros consumidores é possível e aberto, na medida em que, embora singulares em relação a outros, fazem parte da organização social e da rede de comunicação que estrutura o mercado de drogas.

Parte I

No texto intitulado "Estabelecendo o controle sobre a cocaína (1910-1920)" S ebastian Scheerer observa como o "Problema do Ópio", envolvendo disputas geo-políticas e financeiras entre diversos países, se expandiu e se transformou, com a introdução da cocaína no rol de substâncias controladas pela Convenção de Haia de 1912, no atual e generalizado "Problema das Drogas" (Sebastian Scheerer, 1993).5 A partir daí, consolidou-se em âmbito internacional o controle sanitário-penal em diplomas legais acerca das drogas. Não pretendo esmiuçar aqui os desdobramentos dessa decisão para o contexto brasileiro, mas o utilizo apenas para indicar a ação de relações de poder na modelagem dos discursos normativos autorizados que tratam do assunto. Scheerer sugere que o consumo e a venda de cocaína na Alemanha não era um problema. Pelo contrário, os alemães eram os principais rivais da Inglaterra, sendo os maiores produtores e exportadores de cocaína nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial (Scheerer, 1993: 174). A Inglaterra e os EUA, que sustentava um forte discurso moralizante, conseguiram, contudo, impor seus interesses e pressionaram todos os países contrários a assinarem a Convenção de Haia de 1912, estabelecendo a proibição não só do ópio, mas também dos alcalóides industrializados como a cocaína.

Podemos ver nesse episódio um acontecimento significativo dentro da narrativa atual sobre a proibição das drogas pois, a partir daí, discursos normativos autorizados passaram a ser criados e difundidos no sentido de legitimar essa decisão. Ele faz parte, portanto, da constituição da "tradição discursiva" (Asad, 1986: 14) dos discursos normativos sobre as drogas. Há, contudo, um aspecto interessante acerca das drogas. Apesar de todos os esforços em controlar e proibir o comércio e produzir discursos normativos autorizados sobre as drogas, o consumo continua a existir. Acredito que esse paradoxo, ou pelo menos um aspecto importante dele, pode ser mais bem compreendido se considerarmos não somente as relações de força entre posições divergentes a respeito da política de drogas, mas ao focarmos na experiência do consumo de drogas.

O consumo é experienciado através de sensações, e não demanda necessariamente de uma reflexão sobre o ato de consumir. Não há exegese sobre o consumo. Uma pessoa se torna um consumidor de drogas não porque leu a respeito em um manual, mas porque passou por uma seqüência de experiências e eventos "que alteram as concepções, de modo que o comportamento se torna uma possibilidade concebível para a pessoa (...), apesar dos elaborados controles sociais que funcionam para evitar tal comportamento" (Becker, 2008: 70). Um consumidor pode até concordar com o médico que diz que maconha faz mal por alguma razão e com as advertências do juiz sobre o risco de ser preso, mas o primeiro não vai, necessariamente, parar de consumi-la por causa disso. Ele concebe e define o seu consumo de modo que neutraliza os riscos concebidos pelo médico e pelo juiz. Favret-Saada resume de forma precisa essa questão ao discutir a noção de "delírio" empregada por psiquiatras aos que se diziam enfeitiçados. Ao observar que "a literatura psiquiátrica define delírio como pertencente somente a dimensão de estar em erro", ela conclui que "uma pessoa delirante é alguém que decisivamente mantém uma posição que o doutor declara como falsa" (Favret-Saada, 1980: 251-252).

Acredito que aqui esteja o centro do paradoxo referido acima. Assim como "delirante" é utilizado pelos psiquiatras para classificar aqueles que desafiam a "realidade", expressões como "dependentes químicos", "usuário" e "traficante" de drogas são também utilizadas para apontar aqueles que desafiam o discurso normativo oficial sobre o mercado de drogas. Mas essa atitude, como na feitiçaria, só obscurece a compreensão sobre o consumo, tornando a rede de comunicação do mercado de drogas cada vez mais secreta e, conseqüentemente, imprevisível e invisível. O que precisamos, então, é tentar compreender o consumo de drogas a partir, não de quem fala sobre ele —médicos, juízes, policiais—, mas de quem as consome. A questão, e o que torna esses modos irredutíveis, é que o discurso aponta para a experiência, mas não diz sobre a experiência.

Parte II

Fuma-se maconha, cheira-se cocaína. As drogas só fazem sentido para quem as consome se forem experimentadas, porque só assim produzem as sensações esperadas. Não há outra forma desses efeitos serem sentidos. É a "onda",6 o "barato", a "miração". A motivação para consumir drogas é praticamente impossível de ser mapeada, porque o significado dado por cada consumidor é variado. O que me parece ser comum a todos é o próprio ato de se consumir e, conseqüentemente, a experimentar o mundo através das sensações provocadas pelos efeitos das drogas consumidas. Nesse sentido, creio ser possível considerar os efeitos das drogas como um idioma experiencial mobilizado pelos consumidores para perceber o mundo. Como sugere Vasconcelos, questionando a tese do déficit cognitivo em seu estudo sobre os consumidores de heroína em Lisboa,

a ressaca vem a constituir uma espécie de idioma através do qual o utilizador percepciona e exprime a realidade. Ora é justamente porque ela é transformada num idioma através do qual o utilizador percepciona a realidade, assimilando-a e classificando-a através de uma experiência que a ressaca é passível de ser desde logo encarada como um lócus de criação do mundo" (Vasconcelos, 2003: 134).

Como um conhecimento inscrito no corpo, a ressaca é considerada "como um assalto ontológico a evitar, mas também como um domínio experiencial socialmente criativo" (Vasconcelos, 2003: 134), que remete o consumidor para o mundo das relações sociais. Afinal de contas, um consumidor precisa de "contatos" para garantir o fornecimento da droga, da "cumplicidade" de outros consumidores para assegurar o sigilo dessa prática, da "confiança" para sustentar as transações de venda e compra, da "lealdade" que garante a segurança de todos, pois ninguém deve dedurar os outros, enfim, o consumo está atravessado por vínculos sociais imprescindíveis que o sustentam, de modo que "é impossível separar as operações mentais das operações somáticas. Umas e outras existem numa relação diacrônica, recíproca e inseparável" (Vasconcelos, 2003: 135).

Essa consideração desloca, portanto, o foco de abordagens que enfatizam as propriedades químicas das substâncias, de um lado, e também as que enfatizam o indivíduo, de outro. Ela, de fato, aponta para a superação da dualidade entre corpo-mente, se aproximando do que Csordas denominou de "embodiment" (Csordas, 1990). O paradigma do "embodiment" é exatamente uma tentativa de colapsar essa dualidade e não de mediá-la, já que "o colapso de dualidades no 'embodiment' requer que o corpo como figura metodológica deva ser ele próprio não-dualístico, isto é, não distinto de ou em interação com um princípio oposto de mente" (Csordas, 1990: 8). O autor sintetiza sua proposta da seguinte maneira: "essa abordagem do 'embodiment' começa do postulado metodológico que o corpo não é um objeto para ser estudado em relação à cultura, mas é para ser considerado como o sujeito da cultura, ou em outras palavras, como o fundamento existencial da cultura" (Csordas, 1990: 5). Desse modo, o corpo não é apenas o lugar em que o consumidor experimenta os efeitos da droga, um repositório de sensações, pois os efeitos em si não dizem nada, como observa Csordas sobre o transe,

(...) explicações fisiológicas em termos de transe e estados alterados da consciência, ou catarses e descargas nervoso-emocionais, não nos leva muito longe ao menos que nós aceitemos o transe e a catarse como os fins neles mesmos, ao invés de os vermos como modus operandi para o trabalho da cultura. (Csordas, 1990: 32).

Pelo contrário, como sujeito da cultura, o corpo representa um posicionamento existencial no mundo que dá sentido e possibilita a manutenção do uso de drogas. "Ou seja, enquanto objeto por relação ao qual se organizam novas relações, e no que estas também se definem numa nova experiência do corpo e do espaço, o uso da droga já se estruturara como um território de significação" (Vasconcelos, 2003: 135).

Descreverei, a seguir, alguns contextos relacionais de consumidores de drogas dos quais tive acesso, na tentativa de apresentar, de um modo geral, os idiomas experienciais mobilizados por eles. Como já observei acima, diferentemente dos discursos e das práticas normativas oficiais e institucionalizadas, o consumo de drogas está atrelado a discursos e práticas difusas, em que as mensagens que dão o significado e a técnica de uso são altamente dependentes do contexto de ação. O meu objetivo agora é apresentar, de forma breve, a experiência de consumo que vivenciei e os idiomas experienciais que identifiquei como os mais relevantes. Eles dizem respeito ao compartilhamento da droga, a prestação adequada de partes da droga entre consumidores, a postura correta diante dos riscos, o peso certo do "peso", cumplicidade da "onda", esquemas de compra, entre outras.

Por ser oficioso, o mercado de drogas é feito em sigilo. Essa situação faz com que as mensagens sejam crípticas. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém deve falar sobre. Contudo, a partir do momento em que a pessoa passa a participar do mercado de drogas, assim como ocorreu com Favret-Saada no momento em que se viu "pega" pela feitiçaria, essas mensagens se tornam claras. Elas não precisam ser explicadas. Por conta disso, preferi reproduzir palavras e expressões que eram repetidas recorrentemente. Quando o sentido delas não estiver explicitado no contexto descrito, colocarei uma nota explicativa.

A "Pista" e o "Morro"

A maioria dos consumidores que conheci participava do mercado de drogas comprando tanto na "pista" como no "morro". Essa denominação entre tráfico da "pista" (ver Grillo, 2008a)7 e do "morro" (ver Barbosa, 1998) é útil para marcar a distinção entre duas modalidades organizacionais do comércio de droga na cidade. Contudo, não podemos levar essa diferenciação longe demais porque essas modalidades não se excluem, pelo contrário, muitas vezes elas se utilizam de redes mútuas.8 Aqui, nos interessa apontar essa distinção para mostrar que, principalmente a maconha, mas também o "doce" (LSD), a "bala" (ecstasy), o skunk e o haxixe (variações menos comuns da maconha no Rio de Janeiro) eram adquiridos através dos "contatos" da "pista", enquanto que o "pó" (cocaína) era comprado no "morro". A droga consumida com mais freqüência —todo dia— era a maconha e como era comprada na "pista" ela era negociada em unidades chamadas de "peso". Um "peso" equivale a 25 gramas. Já a maconha comprada no varejo do "morro" vinha em papelotes que eram classificados não pela quantidade da droga, mas pelo valor monetário: maconha de 5 reais, de 10, de 20, etc. De maneira geral, a droga adquirida na "pista" é considerada melhor do que a do "morro". Um dos motivos é a tão conhecida mistura que é feita nas bocas-de-fumo para aumentar a quantidade da droga, como misturar a cocaína com pó de leite, gesso, etc. Outro motivo, além dessa preocupação com a qualidade, é a segurança. Diversos consumidores, como a maioria dos que descreverei aqui, preferem comprar na "pista", através de amigos ou conhecidos, ao invés de nas bocas-de-fumo no "morro" ou através de "aviões",9 que fazem essa ponte entre o "morro" e a "pista". A segurança está no fato de que o comércio de drogas na "pista" não se utiliza de armas de fogo e dos meios de cobrança do "morro", mantendo entre seus participantes o que Grillo chamou de "sociabilidade normalizada" (Grillo, 2008a). Além, é claro, da repressão policial também se realizar de forma mais controlada. É o que diz Vítor:10

Não me importo se o Jorge cobra um pouco a mais, ou se o "peso" que ele passa vem com um pouco a menos do que 25 [gramas]. Pelo menos não tenho que ficar correndo atrás, ligando para as pessoas, sabendo quem tem, quando tá. É bom que não me envolvo com esses "traficantizinhos". Ele me liga, fala que chegou, me diz o preço. Se eu quiser, ele passa aqui e deixa a parada comigo. Não me preocupo.

Já no "morro", além do uso da arma de fogo ser visível, e do risco da repressão policial nas proximidades das saídas das bocas-de-fumo, há inúmeros relatos de ameaças feitas aos consumidores no momento da compra.

Almir começou a relatar, demonstrando indignação em sua atitude e tom de voz, o que havia passado no dia anterior na boca-de-fumo perto dali. Ele falou que estava tomando cerveja num bar com sua mulher e sua sogra [depois ele falou que sua sogra é garotona e gosta de cheirar] e resolveu pegar "uma paradinha" [um pouco de pó]. Pegou o carro e passou no bar do A. para encontrar algum "avião". Só encontrou o W.. "Fiz o seguinte: o W. tava me devendo porque já tinha vacilado comigo, uma vez que dei 50 paus [R$ 50,00] pro cara e ele voltou com um saquinho. Falei pra ele que se ele fosse lá pra mim, eu "batia um" [uma carreira de pó] pra ele e morria aquela parada. Mas o cara é "um furinga" mesmo. Não quis ir. Acabou que eu fui de carro mesmo. Parei o carro na esquina depois daquela lixeira que tem lá e fui andando. Tava assim mesmo: de camisa, calça, óculos escuros na cabeça. Não é que um moleque lá entrou numa comigo? Falou que eu era polícia! Pediu minha carteira e quando eu tirei do bolso, o moleque pegou da minha mão, é mole? Eu falei que ele tava viajando. Depois de um tempo nisso, o moleque perguntou o que eu queria. Eu falei dois sacos de vinte [R$ 20,00]. Quando tava saindo o moleque se virou pra mim e falou [fazendo uma voz infantil e imitando o sinal de positivo com as mãos]: "Tá tranqüil'. É mole?" Logo que ele acabou de falar, Lauro disse que era justamente para evitar situações desse tipo que ele não ia à boca. Irritado, Lauro disse: "Se um cara desse faz isso comigo, não sei o que faço! Vou escutar 'sugestão' de moleque? Vai se fuder!"

O "peso"

A cor, a textura e o cheiro são aspectos importantes de serem considerados na avaliação da qualidade da maconha, pois podem indicar o potencial da "onda". Geralmente, reconhece-se um bom "peso" de maconha quando ele tem a cor esverdeada ou amarelada, a textura de "chicletinho", isto é, não é duro e nem seco, mas macio e com o cheiro e o gosto forte da planta.

Fui com Jeremias à casa de Jorge para ele pegar o haxixe que havia encomendado. Jorge estava sozinho e fomos para a área de serviço. Ele já estava com um apertado. Perguntei se era bom. Ele se levantou, foi até a geladeira e pegou um tablete bem verde enrolado em papel de cozinha transparente: "bom é esse aqui do verdindo. Esse aqui (levantando o baseado) é do marronzinho, mas também tá bom. Dá um trago pra você ver" E me passou o baseado ainda apagado para eu sentir o gosto.

O preço do "peso" está diretamente associado com essas características. No entanto, há outras variáveis importantes que influenciam o preço, como ter bons "contatos" que tenham bons "contatos", e que vendam boa maconha por um preço justo.

Pedro ia entrar de férias e por isso encomendou com seu "contato" uma maconha boa mais cara do que o normal. Explicou-me como era o esquema: regularmente, um cara vai a São Paulo e traz a maconha. Você pode encomendar no mínimo 25 gramas que custa R$ 200,00. Mas há a possibilidade de baixar esse valor para R$ 150,00 se pagar R$ 600,00 antecipadamente, quer dizer, antes da ida a São Paulo. Assim, se quatro pessoas deram R$ 150,00, podem pegar 25g cada, economizando R$ 50,00. Mas, como o próprio Pedro observou, isso é arriscado porque se o cara "roda" você perde o dinheiro. Apesar do preço alto, pois o normal era pagar R$ 60,00/70,00 por 25g, Pedro dizia que valia a pena. Mas havia dois problemas: o primeiro era que você se acostumava a fumar uma maconha boa e depois não conseguia mais fumar maconha ruim — "Até fumo quando não tem nada... pra não tremer". O segundo era o alto valor, como Pedro disse: "é uma mensalidade".

O preço justo é calculado a partir de uma avaliação das qualidades da maconha que estão disponíveis no mercado em determinado período e do valor cobrado por elas pelos que as "passam".11 Por exemplo, todo mundo fica sabendo quando o "bengala"12 chega ao mercado. Embora, para o consumidor, o valor dessa maconha seja dependente dos "contatos" que ele tem acesso, o valor justo é dado pela média do preço que o "bengala" é vendido.

Jeremias me contou que quando falou para sua namorada sobre o valor da maconha que pegou, ela não acreditou. "Quando falei pra Cíntia que paguei cem [R$ 100,00] por metade de 25 [gramas] ela não me deixou acabar de falar. Achou o valor absurdo. Concordei com ela que era caro, mas disse que o 'beque'13 era bom mesmo e esse era o preço que estava rolando. Ela não acreditou. Uma semana depois, ela ficou sabendo de outro amigo seu que também pagou o mesmo valor. Só agora ela acredita que o preço é esse mesmo".

Assim, como os consumidores estão sempre trocando informações sobre o valor e a qualidade da maconha que fumam, eles conseguem saber o preço justo de cada maconha. Quando o valor pago por um é muito maior do que o valor pago pelos outros, e a maconha é considerada a mesma por todos, o consumidor pode mudar de "contato", dar a preferência para outros ou buscar por novos. O preço também pode variar de acordo com o período da "seca", que pode estar ligada tanto ao período natural de plantio da maconha quanto também à repressão policial. Nesses dois casos, por motivos diferentes, a maconha se torna escassa e eleva o preço.

Jeremias ligou para vários conhecidos para lhes informar sobre um encontro marcado com seu "contato". Todo mundo estava com os estoques quase vazios sofrendo as conseqüências da "seca". Vários "contatos" de diversos consumidores estavam sem nada no momento por conta de uma operação da polícia federal contra o tráfico. Quando Jeremias soube que um de seus "contatos" tinha e havia combinado com algumas pessoas um encontro para passar o peso, ele ligou para alguns de seus amigos mais próximos. Ele e outras pessoas compraram mais do que precisavam, já pensando em "passar" para outros amigos. Foi a sorte de Edmundo, amigo de Jeremias. Quando ele chegou, tudo já havia sido vendido.

Esquemas de compra

"Aí, tem um camarada meu que tá com o verme".14 Ou "você sabe quem tá passando 'doce'?" Geralmente com frases desse tipo é disparado o gatilho que aciona várias cadeias de comunicação entre "contatos" e consumidores, criando elaborados esquemas de compra de drogas na "pista". Em geral, essa cadeia entre "contatos" e consumidores é composta por amigos ou conhecidos. Como medida de segurança, ela não é aberta a estranhos e é preciso conhecer alguém. Isso, na verdade, é um grande dilema para os "contatos", isto é, para os que vendem drogas na "pista". Como observou Grillo (2008a: 17), esse dilema se caracteriza porque ao mesmo tempo em que eles precisam encobrir suas práticas ilegais, eles ganhariam mais dinheiro se aumentassem a sua rede de consumidores e não ficassem restritos a conhecidos apenas. O consumidor que só está interessado na droga não tem tanta preocupação com essa situação. Se o seu "contato" preferencial não tem o que ele quer, ele se volta a outros ou pergunta a outros consumidores se podem conseguir com seus "contatos" o que quer. Desse modo, um consumidor pode pegar com o seu "contato" uma quantidade maior de droga do que o normal para "passar" para seus amigos. O intuito não é ganhar dinheiro, pois geralmente quem "passa" para os amigos, isto é, quem faz o papel de intermediário entre um "contato" e uma rede de pessoas desconhecidas do primeiro, não aumenta o preço. O objetivo é apenas ajudar alguns amigos. Se os amigos forem próximos, não é incomum eles cederem uma parte da droga para o outro, quando este não tem dinheiro para pagar. Quem consome maconha com constância deve ter sempre um estoque não apenas como uma medida preventiva para se proteger da "seca" e garantir seu próprio consumo, mas também para "apresentar" um baseado nos momentos em que se fuma em grupo e para ceder aos amigos mais próximos quando estes estão sem nada. Há entre os consumidores uma rede de comunicação e reciprocidade que garante o acesso constante de fornecimento de drogas.

Contatos e consumidores

A separação entre consumidores e "contatos", no entanto, não é tão óbvia, pois esses papéis podem se misturar, pelo menos por determinado momento. Isso rendeu a Jonas um briga feia com a sua namorada:

Havia uma galera na casa de Rafael. Ele havia avisado que tinham chegado "doce" e maconha. Jonas ia viajar para uma festival de música e havia pedido beque e "doce" pra levar. Era para consumo próprio, mas pretendia também vender um pouco de "doce" para pagar o seu próprio consumo. Rafael deu uma cartela para Jonas, como haviam combinado. Mas durante o tempo que ficamos lá trocando idéias e queimando um , Rafael tentava convencer Jonas a levar mais uma cartela. Jonas não queria levar porque numa edição anterior do mesmo evento, ele havia se transformado "no contato" da festa porque estava passando "doce" para algumas pessoas. A notícia se espalhou e todo mundo na festa ficava atrás dele a todo o momento. O problema era que sua namorada ficou muito irritada com a situação, acusando-o de ser traficante e fazendo pressões morais sobre Jonas. Foi tanta discussão que eles brigaram e voltaram antes do final do evento. Por causa disso, Jonas não queria levar duas cartelas, mas só uma. Mas no final, Rafael convenceu Jonas a levar.

"Contatos" e consumidores, portanto, podem trocar de papéis. Os "contatos" também usam drogas e os consumidores também "passam". Esse fluxo constante impossibilita qualquer tipo de classificação rigorosa entre um e outro, como pretende a Lei de Drogas. De um lado, os "usuários", de outro, os "traficantes". Entre os participantes dos mercados de drogas, essas categorias não são muito utilizadas. Quando o são, geralmente é para fazer uma acusação. Grillo torna isso claro para o caso de "traficante":

A posse ou não de armas é um fator decisivo na incorporação de uma identidade de "bandido" ou tão somente de um "comerciante" que vende mercadorias proibidas por uma lei com a qual não se concorda. Os traficantes da "pista" não se percebem sob a mesma ótica da marginalidade que o do "morro", fazendo absoluta questão de se diferenciar e inclusive me censurando quando aplico o termo "traficante" para referir-me a eles: "Que palavra forte! Não tem outra não?" (Grillo, 2008a: 48)

Estratégias de consumo

Não se pode ou, pelo menos, não é recomendado, usar drogas de qualquer maneira, na frente dos outros. Isso é "explanação". O risco não é só o de "rodar" para a polícia, mas também o de se "explanar" para os vizinhos, os parentes, ou os colegas de trabalho. No primeiro caso, o perigo é a lei, ou as negociações acerca de sua aplicação; no segundo, o perigo é a fofoca. Geralmente, quando se protege de um lado, o outro fica descoberto: na rua, a polícia e as pessoas conhecidas; em casa, os parentes e os vizinhos.

Na alternativa de se fumar em casa, a estratégia básica era se reunir na casa de alguém de preferência quando ela estivesse vazia, sem os pais, os irmãos, tios, avós e outras presenças inconvenientes. Isso era raro. Quase sempre havia alguém na casa, principalmente as empregadas. Elas podem desempenhar um papel importante nesse contexto e é sempre bom estabelecer uma relação de confiança e respeito com elas.

Os vizinhos representam uma ameaça mais presente e constante. O cheiro e a fumaça da maconha são quase impossíveis de se controlar totalmente. Dependendo da situação, as medidas de controle chegam a ser esdrúxulas, como no caso de Roberto que, além dos vizinhos, tem de lidar com a forte resistência da própria mulher. Vítor contou às gargalhadas:

Porra, o Roberto é maluco. Precisa ver como ele fuma. Ele me chamou pra queimar um na casa dele antes de irmos à praia. Cheguei na casa dele e ele me chamou no banheiro. Não acreditei: ele tava de cueca, sem camisa, em cima da pia, com a cabeça pra cima, soltando fumaça pelo basculante. Falou: "vem, vem, tem que ser rápido. Só um doiszinho ". Ele disse que não pode "explanar" para os vizinhos senão a mulher mata ele.

Depois do consumo, é preciso desfazer toda bagunça e se livrar da "ponta".15 E o mais importante, a "ponta" deve ser ou jogada fora, ou devidamente recolhida, sendo guardada no "cemitério",16 juntando-se a outras "pontas" que, na falta de maconha no futuro, são consumidas. Esquecimentos —e isso é uma coisa bem comum— são fatais nesse caso, porque a descoberta da "ponta" deixa a situação inegociável.

Se a opção da casa não estiver acessível no momento, era preciso ir para a rua: a pé ou de carro. A pé tem o inconveniente de ficar muito exposto, tanto à ação policial quanto ao encontro com conhecidos. Por isso, o baseado devia ser "um fininho", bem pequeno para que o consumo fosse rápido. No carro, embora essa exposição diminua, surgem outras preocupações. Para quem estava no carro, era necessário ter cuidado para não deixar as cinzas caírem no banco, porque causava furos e "explanava" o consumo para outras pessoas. A própria camisa, ou uma toalha de praia estrategicamente largada no carro, por exemplo, eram colocadas no colo e viravam proteção contra as cinzas. Também era preciso estar sempre vigilante, tanto com relação aos carros de polícia como também a olhares desconfiados e curiosos para dentro do carro. A fumaça e o cheiro são dois elementos produzidos pelo consumo da maconha que precisam ser controlados e disfarçados em qualquer contexto de uso, inclusive dentro do carro. Primeiro porque chama muita atenção um carro esfumaçado soltando fumaça pelas janelas; e segundo porque o cheiro impregna o interior do carro.

A "dura"

No carro, é importante também não andar com o flagrante. Quando estiver fumando no carro, os ocupantes devem evitar ter mais droga do que a consumida. Só uma pessoa fica incumbida de "apresentar o beque" para todos fumarem. Se não for possível, deve-se "dixavar" a droga no próprio corpo ou em algum esconderijo em caso de "dura" policial. No corpo, os lugares mais seguros para os homens são a cueca ou a meia e para as mulheres a calcinha ou o sutiã. As drogas com elas ficam mais seguras devido ao fato de que os policiais raramente revistam mulheres. Primeiro porque quase não há policiais mulheres nas ruas, que é condição para a revista feminina. E segundo porque mesmo quando são flagradas com drogas, ou em companhia de homens, parece haver certa tolerância com relação às mulheres e elas quase sempre são liberadas, tanto da negociação com os policiais em torno do flagrante como também do encaminhamento à delegacia. Grillo, em comunicação pessoal, me disse que apesar de não ter desenvolvido esse aspecto em seu estudo sobre o comércio de drogas na "pista", ele é muito recorrente e abre a discussão para interessantes questões de gênero. Para o que nos interessa aqui, seja por que motivo for, as mulheres quase nunca são revistadas.

Se não fosse colocado ao corpo, a droga podia ser escondida na mochila, dentro de uma sacola com outras coisas, numa caixa de fósforos, dentro do sanduíche, enfim, em qualquer lugar que pudesse passar despercebido.

Gastar a "onda"

Depois que se consegue a droga e um lugar seguro para consumi-la, chega o momento de se "gastar a onda". Esse é um momento delicado, apesar de não ser solene para a maioria dos consumidores. Quer dizer, as pessoas estão relaxadas e acostumadas com a "onda", já sabendo o que as esperam. A fragilidade dessa situação está associada ao fato de que o consumidor pode "entrar numa onda errada" e superdimensionar alguma suspeita ou desconfiança. Um carro de polícia passando por perto, o desenrolar de uma conversa, pessoas estranhas por perto, enfim, por algum motivo qualquer, alguém pode entrar em "paranóia" e, dependendo do grau, atrapalhar a sua "onda" e a de outros. Por isso, sempre que possível, é melhor estar com conhecidos. Eles ajudam a controlar a situação, evitando "explanações": o olho vermelho, o nariz branco, atitudes imprevisíveis. A cumplicidade entre conhecidos nesse momento permite que essas "explanações" sejam rapidamente contornadas, protegendo o consumidor tanto do risco de ser flagrado como de ter uma "bad trip" provocada por olhares curiosos voltados para ele.

E o que é feito para "gastar a onda"? Uns quando fumavam maconha iam jogar bola, à praia, jogar videogame —mais precisamente, algum de futebol—, assistir a um filme, beber cerveja com amigos, namorar, ouvir música, estudar, ler um livro, dormir, enfim, praticamente todo tipo de ação e a qualquer hora do dia ou da noite. Uma frase muito recorrente e que representa bem o que os consumidores fazem nesse momento é "trocar uma idéia". Ficam-se horas "trocando uma idéia".

Parte III

A descrição acima de alguns contextos relacionais relativos ao mercado de drogas, dos quais experimentei junto com os consumidores que tive contato, foi uma tentativa de verificar os idiomas experienciais mobilizados por eles para a participação nesse mercado. Através da minha participação pretendi ter acesso ao conhecimento acionado pelos consumidores para se moverem no mercado de drogas.

Contudo, da mesma maneira que acontece com o conhecimento que informa as normatividades oficiais, há discursos e práticas que são transmitidos através da experiência, que coexistem e informam diferentes formas de consumo e do tipo da droga, por exemplo. Elas se cruzam a todo o momento, fazendo com que os consumidores mudem de preferência da droga, incorporem outras, deixem algumas. Esse processo de "embodiment" é aberto e indeterminado, e os idiomas experienciais podem ser modificados. Nesse sentido, por exemplo, Vasconcelos (2003) verificou que os consumidores de heroína que estudou pararam de usar a droga quando chegaram a certo limite de ordem moral: quando as estratégias mobilizadas para o consumo começaram a deixar de ser eficazes criando a necessidade de novas que, muitas vezes, levariam à prostituição, ao roubo, à mudança para outra cidade, enfim, a ações que ultrapassariam o "limite moral" do consumidor. Quando isso aconteceu com seus interlocutores, eles se internaram voluntariamente numa clínica para "dependentes químicos".

O que está em jogo na delimitação do "limite moral" de cada consumidor não é, evidentemente, nenhum valor moral absoluto transcendental. Os valores morais associados a uma determinada prática, como consumir drogas, são eles mesmos mutáveis, múltiplos e incoerentes, sendo mais provável considerar que, como observa Howard Becker, "ao invés de os motivos desviantes levarem a comportamento desviante, ocorre o contrário; o comportamento desviante acaba por produzir a motivação desviante" (Becker, 2008: 51), de modo que o "limite moral" é sempre indefinido, móvel. E é justamente essa ambigüidade que permite com que o consumidor, como sugere Favret-Saada (1980: 62), se torne suscetível a novas interpretações para os eventos e, desde que seja "pego", passe a acreditar num novo "limite moral", ou num outro discurso, ou ainda numa nova prática acerca das drogas. Seguindo a reflexão da autora em seu estudo sobre a feitiçaria na França, geralmente, isso se dá em momentos de crise, reforçado pela observação de um "anunciador" que coloca em xeque os próprios pressupostos da realidade, deslocando o posicionamento existencial do sujeito diante do mundo.

A procura por uma interpretação sobre essas repetidas desgraças e de uma forma de se precaver contra elas faz com que as pessoas se tornem mais atentas a conjuntos de conhecimentos que até então não eram considerados de maneira séria. Quando as pessoas estudadas por Favret-Saada buscavam ajuda e os médicos e veterinários, por um lado, e os padres e exorcistas da Igreja Católica, por outro lado, não davam conta de dar sentido às desgraças e não ofereciam uma cura eficaz, taxando-as de malucas e achando que o caso era simplesmente psiquiátrico, elas se tornavam mais vulneráveis a serem "afetadas" pela feitiçaria. Como aconteceu com a própria autora durante seu trabalho de campo, o "ser afetado" dá início à elaboração de um sentido à seqüência inexplicável de desgraças, até ao ponto em que as pessoas se passam a se considerar como tendo sido "pegas" por um feitiço e, a partir daí, interpretar o mundo através dos mecanismos de imputação e causalidade desse sistema.

É a seqüência dos eventos, portanto, que produz a experiência de ser enfeitiçado. Uma série de desgraças e fracassos acaba levando ao colapso do mundo em que se assenta a existência da pessoa. E a feitiçaria oferece um idioma experiencial compartilhado com outras pessoas para lidar com as desgraças. Como observa a autora ao descrever um caso em que a pessoa é resistente à idéia da feitiçaria: "(...) ele abre mão da vantagem simbólica dessa operação: a de compartilhar, com todos aqueles que foram pegos, o uso privilegiado de uma linguagem legitimada por inúmeras gerações, e assim ele se fecha em um mundo do inexprimível" (Favret-Saada, 1980: 78). A feitiçaria possibilita, então, reconfigurar o sujeito, reatar laços sociais.

Parece-me que o estabelecimento do "limite moral" do consumidor observado por Vasconcelos, e o ser "pego" pela feitiçaria descrito por Favret-Saada têm características muito parecidas. Nos dois casos, as pessoas buscam dar um novo sentido a suas vidas, deslocando o posicionamento existencial diante do mundo em que estavam assentadas. No primeiro caso, o consumo passa a exigir esforços que ultrapassam os "limites morais" dos consumidores de modo que eles decidem procurar tratamento; no segundo, a seqüência de desgraças colapsa o princípio de realidade sustentado pelas teorias oficiais acerca das desgraças, como as oferecidas pela Igreja Católica ou pela Medicina, levando as pessoas a se tornarem suscetíveis e serem "pegas" pela feitiçaria. Nos dois casos, os idiomas experienciais que até então serviam entram em colapso, pois deixam de fazer sentido às pessoas: é quando o médico chama uma pessoa "afetada" pela feitiçaria de maluca, ou quando uma atitude até então impensável para dar cabo ao consumo se torna iminente, como a prostituição ou o roubo. Quando isso ocorre, só resta às pessoas mobilizar novos idiomas experienciais que possibilitam o reposiciomanento do ser existencial no mundo: ser "pega" pela feitiçaria ou entrar para tratamento de "dependência química".

Em seguida, mostrarei algumas situações em que os consumidores passaram a ser afetados por outros discursos e práticas sobre as drogas, abrindo o caminho para uma nova reelaboração do processo de "embodiment" e, conseqüentemente, provocando o deslocamento do posicionamento do ser existencial diante do mundo. É quando todo o sistema de relações sociais que estruturam o mercado de drogas, e que o consumidor aciona para participar dele, começa a deixar de fazer sentido como antes.

"Mas sei lá... fiquei pensando nisso"

O episódio me foi contado por Vítor. Vítor é médico. No ambiente de trabalho, ele sempre tenta manter em sigilo que fuma maconha e, por isso, talvez ninguém no hospital que faz residência saiba disso. Desse modo, ele age como um "desviante secreto" (Becker, 2008) porque acha que fumar maconha o torna vulnerável a processos de acusação, social e penal, que podem atrapalhar sua carreira de médico. Vítor me contou essa história porque ficou perturbado e confuso depois de um comentário que ouviu de uma colega:

Hoje apareceu um italiano todo fudido lá no hospital. Ele veio para o Brasil fazer intercâmbio, na casa do brasileiro que passou um tempo em sua casa na Itália. Mas se fudeu. Ele tava com o amigo brasileiro de carro e bateram. O brasileiro não sofreu nada, e o italiano se quebrou, mas também nada grave. De manhã, chegou uma médica para ele, da nossa idade [cerca de 30 anos]. Ela ficou um tempo conversando com o italiano e depois foi lá para a nossa sala [dos médicos]. Tava eu e outra menina na sala e ela chegou. Falou: "Eu tô assustada. Esse menino italiano falou que fuma maconha todo dia!"

Perguntei a Vítor o que ele havia dito e ele falou: "Na hora eu pensei: eu também!". E nós dois caímos na gargalhada. Depois, com a voz grave Vítor falou: "Sério, cara. Isso me incomodou e me fez pensar se é normal fumar tanta maconha assim, praticamente todo dia, se isso não atrapalha". Disse a ele que isso era relativo, lembrando de Roberto que também é médico, bem-sucedido na carreira e fuma diariamente. Vítor pareceu ter concordado e falou rindo: "A piranha da médica ainda falou que ele bateu de carro porque devia dar doidão. Aí já é sacanagem", eu disse. Vítor encerrou o assunto: "Mas sei lá... Fiquei pensando nisso".

"Cara, eu era aquele que fumava todo dia, toda hora"

Walter praticamente parou de fumar, me disse. Falou que era algo impensável para ele há alguns anos atrás, porque fumava muito todo dia. Com seus amigos, era ele sempre que "corria atrás". Hoje em dia, até fuma se algum amigo for a sua casa e "apertar um", e, quando viaja a trabalho, até entra no "ratatá" pra comprar maconha, "mas só pra fumar com a galera, nem fico com minha parte". Ele diz que não é algo racional, "e é até difícil de explicar, mas só estou obedecendo ao meu corpo". Falou que nas últimas vezes estava se arrependendo de fumar porque "ficava chapadão em casa". Insistiu em dizer que isso era uma nova situação para ele.

Quando era mais novo só fumava "vela".17 Se chegasse alguém com aquela "colomy"18 pequena era até zoado. Só apertava charuto. Quando apareceu a "king size",19 aí comecei a usar a seda. Cara, eu era aquele que fumava todo dia, toda hora. Mas é foda ter que fumar pra fazer tudo: pra ir à escola, quando voltava, antes de comer, depois vinha o "digestivo", antes de ir ao cinema, depois. É foda.

Perguntei a ele se tinha alguma relação com o fato de sua atual namorada não fumar. Ele respondeu que é mais provável o contrário, pois já estava mais "tranqüilo" quando a conheceu.

"Não, não,... tem muito. Tô devagar"

Marcel tinha passado na casa de Francis para pegar "um fino". Quando Francis estava separando um pouco da maconha para dar a Marcel, este falou que era muito: "Não, não,... tem muito. Tô devagar". Retirou quase metade do que Francis havia separado: "Olha, [mostrando a trouxinha que enrolou com a maconha que pegou] isso aqui agora dá para uma semana. Quase não estou fumando". Francis e Jeremias estranharam, afinal de contas Marcel era um grande maconheiro. Eles haviam se conhecido há alguns anos atrás, através do primo de Marcel, que morava no mesmo bairro de Francis e Jeremias. Eles eram amigos, mas haviam perdido um pouco de contato porque Marcel tinha tido um filho e mudado de bairro. Ele explicou que estava num "outro ritmo. Já não estou naquele ritmo frenético, fumando direto. Casei, nasceu a minha filhinha... Agora, de vez em quando, aperto um fininho, dou uns tapinhas e travo".

Esses três relatos ilustram ocasiões em que as pessoas colocam em questão o próprio consumo de drogas. No primeiro relato, o que parece estar envolvido nessa indagação é o trabalho; no segundo, o fato de "respeitar o próprio corpo"; e no terceiro, o nascimento de um filho. De fato, a causa em si é irrelevante para o argumento exposto aqui, já que, provavelmente, cada pessoa terá uma justificativa para a mudança, baseada em sua trajetória de vida. O que importa é o mecanismo colocado em ação: com a mudança de preocupações, a rede de relações sociais que definiam o posicionamento existencial da pessoa também se altera. A partir daí, ela busca uma nova rede de relações que dê sentido à sua vida. O consumidor chega, por assim dizer, ao seu "limite moral" e ultrapassá-lo poderia pôr em risco o alcance de resultados almejados considerados importantes no momento.

No caso dos consumidores que tive acesso é como se todas as preocupações que giram em torno do consumo ficassem pesadas demais, ocupando muito espaço em suas vidas: o preço das drogas, a qualidade do "peso", a procura por "contatos", a obrigatoriedade de "apresentar um" de vez em quando, o risco de ser flagrado, as estratégias de consumo, a "gastação de onda". Tudo isso começa a demandar muito esforço e a disputar a atenção com outras preocupações, como se tornar médico, "respeitar o próprio corpo" ou ser pai. A carreira profissional, cuidados com saúde e ter uma família, do mesmo jeito que ocorre quando alguém se torna consumidora de drogas, requerem o cumprimento de uma seqüência de eventos pela qual a pessoa deve passar. Para ser médico é preciso fazer uma faculdade, fazer residência, dar plantão, etc; para cuidar do corpo é preciso se alimentar adequadamente, se exercitar, descansar, etc; para ter uma família é preciso sustentá-la, dar atenção ao filho e à mulher, ter planejamento, etc. É a seqüência de pequenos eventos que a pessoa passa em cada uma dessas atividades que vai dando um sentido à vida e aponta para uma direção. Em determinados momentos, continuar seguindo essa direção demanda esforços extras: é quando o aluno vai fazer uma prova importante; quando ao invés de ficar "chapado" a pessoa tem que ir à academia fazer exercícios; quando o pai tem que trabalhar mais para dar dinheiro para o filho. Isso faz com que a rede de relações sociais da pessoa se altere gradualmente e a sua participação no mercado de drogas modifique.

No momento de "crise", que geralmente é provocado por uma anunciação, como no caso da médica para Vítor, a pessoa se vê no meio de uma encruzilhada de direções a seguir. Essa incerteza torna a pessoa vulnerável a discursos e práticas que não dava atenção. É nesse momento que as teorias oficiais sobre o consumo e o comércio de drogas aparecem sob uma nova luz e as categorias como "dependente químico", "usuário" e "traficante" ganham novos contornos.

Notas

1 A noção de "drogas" é elástica e polissêmica. Como não pretendo discutir a flexibilidade desse termo aqui, decidi utilizar a categoria "droga" no seu sentido mais comum, ou seja, designando toda substância entorpecente ilegal. A lista dessas substâncias ilegais é elaborada, no Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Para uma discussão a respeito das controvérsias médicas no debate público sobre uso de "drogas", ver Fiore (2007).

2 Para Zinberg, é o "social setting", através do desenvolvimento de sanções e rituais sociais, que possibilita que o consumo de drogas ilícitas fique sob controle (Zinberg, 1984: 5).

3 LSD.

4 Ecstasy.

5 Para uma discussão mais detalhada dos processos políticos internacionais sobre as drogas, ver Brouet (1991). Para uma perspectiva histórica mais geral, ver Escohotado (1989). Sob uma perspectiva literária, mas também histórica, do consumo de cocaína no início do século XIX na cidade do Rio de Janeiro, ver Resende (2006). Para uma discussão ampla de questões relacionadas às drogas sob uma perspectiva antropológica, incluindo questões históricas, médicas, religiosas e criminais, ver Labate et. al. (2008).

6 Vargas (2006) faz uma interessante reflexão sobre a "onda". Em resumo, ele sugere novas perspectivas acerca do consumo de drogas, substituindo as repetidas perguntas de "por que as pessoas usam drogas?" ou "qual o significado do uso de drogas?" por outras como "o que ocorre em práticas como essas?" ou "que experiência usuários e substâncias realizam?". Desse modo, o autor pretende escapar das previsíveis respostas que concluem pelo "erro" e pela "fraqueza", abrindo novos caminhos para a reflexão. Sua dica é ver na "onda" eventos que envolvem agenciamentos paradoxais de auto-abandono.

7 Para outra perspectiva do comércio de drogas na "pista", ver Pereira (2003). Enquanto a etnografia de Grillo aborda os "traficantes de classe média" que participam do mercado de drogas, como negociantes e vendedores de grandes quantidades, a etnografia de Pereira descreve outra rede de circulação de drogas, feita em pequenas quantidades em quiosques e boates no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro.

8 Grillo (2008b) faz uma interessante comparação entre o comércio ilegal de drogas na "pista" e no "morro". Em resumo, o argumento central da autora é de que essas duas dinâmicas organizacionais estão associadas a modos de sociabilidades específicas: enquanto que o comércio de drogas na "pista" é atualizado através do que a autora chama de "sociabilidade normalizada", no comércio de drogas no "morro" vige uma "sociabilidade violenta".

9 "Avião" é o nome que se dá a pessoa que vai à boca-de-fumo comprar drogas a pedido de alguém. Esse serviço geralmente é pago com dinheiro ou com um pouco da droga comprada. Taxistas, motoboys e apontadores do jogo do bicho freqüentemente desempenham essa função. Além, é claro, dos consumidores que, sem dinheiro, aguardam ansiosamente em botequins próximos das bocas a solicitação de compra.

10 Todos os nomes são fictícios.

11 Objetivamente, "passar" drogas é vender. Mas o uso do verbo "passar" ao invés de "vender" é revelador de relações sociais específicas. Enquanto o primeiro verbo diz respeito à transação comercial entre amigos e conhecidos, o segundo está associado a uma transação impessoal. Você "passa" droga para seus amigos e não as "vende". De novo, a classificação "morro" e "pista" nos ajuda. De forma esquemática, podemos dizer que no "morro" se "vende" drogas enquanto que na "pista" se "passa".

12 "Bengala" é um tipo de maconha, assim como "boldinho". São consideradas de melhor qualidade e por isso mais caras. Alguns dizem que a diferença está no fato dessa maconha ser derivada da espécie cannabis indica e não da cannabis sativa , mais comum no Brasil.

13 "Beque" é um exemplo de uma variação da palavra baseado, o cigarro de maconha.

14 "Verme" é um adjetivo para indicar a potência da maconha.

15 "Ponta" é o que sobra de um baseado depois de fumado. Há quem goste e quem não goste. Os que gostam dizem que se concentra na "ponta" toda a "resina" do que foi queimado, potencializando o seu efeito. Os que não gostam dizem que o baseado fica com o gosto de "queimado".

16 "Cemitério" é o local onde se guardam as "pontas".

17 É comum fazer referência a metáforas para descrever a forma do cigarro de maconha. Por exemplo, fumar uma "vela" quer dizer um cigarro de maconha grande e grosso, como é a forma de uma vela de cera que geralmente se tem em casa para quando falta luz. A "perninha de grilo", pelo contrário, é um cigarro fino e pequeno, assim como o "fininho de cadeia". Quando o baseado é mal apertado é dito que ficou uma "calça frouxa", ou "saco de pipoca".

18 "Colomy" é uma marca de papel para apertar fumo. Mas essa marca é considerada de má qualidade porque o papel é espesso. Outras marcas, como a "Smoking" e "Pure Hemp", por oferecerem um papel bem fino e opções de tamanho, são consideradas boas.

19 Essa é uma opção do comprimento do papel para apertar o baseado, oferecida pela marca "Smoking King Size".

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