Introdução
A educação física é uma área dinâmica, com atuação nos campos da educação, saúde, esporte e lazer. Além da inserção no contexto privado do campo da saúde, a recente inserção na saúde coletiva, em especial a partir da atuação no Sistema Único de Saúde (SUS), tem fortalecido esta área de atuação e apresentado um cenário complexo e contraditório, que manifesta-se a partir de diferentes linhas teórico metodológicas que coexistem no saber-fazer da prática da educação física. Neste trabalho, buscamos mapear as perspectivas teórico-metodológicas ligadas ao núcleo da educação física e saúde e mais especificamente promoção da saúde, apresentando autores, publicações e focos de interesse que se destacam em cada uma das perspectivas observadas. A compilação de tais perspectivas com recorte para o campo da promoção saúde é propositalmente arbitrária. Não há interesse em estabelecer um formulário definitivo. É legítimo considerar que as perspectivas e autores aqui localizados poderiam ser diferentemente modelados se a pesquisa assumisse outros caminhos e critérios
Alguns marcos legais ajudam a delimitar o que estamos considerando Promoção da Saúde, não com uma proposição conceitual, e sim com uma narrativa de como esta área foi sendo produzida amparada nestes termos. Assim, a resolução 218/97 do Conselho Nacional de Saúde reconhece a educação física como uma das áreas profissionais da saúde (CNS, 1997), a Política Nacional de Promoção da Saúde traz as práticas corporais/ atividade física como uma das ações específicas a serem implementadas no SUS (Brasil, 2006a) somados a efetivação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) dos Centros de Atenção Psicosocial (CAPS) do programa Academia da Saúde, Consultório na rua (CnR) e Unidades de Acolhimento ofereceram as bases políticas de alocação de um fazer profissional na complexidade do contexto que envolve o campo da saúde coletiva, e consequentemente tencionam o aprofundamento de algumas reflexões a respeito da educação física e promoção da saúde nestas inter-relações.
Este panorama se coloca em um momento histórico em que a saúde tem sofrido reduções a um cuidado direcionado para os riscos, e entre eles o movimento humano vem recebendo atenção e olhares acadêmico-científicos, em função de sua relação com a morbimortalidade da população, especialmente o modelo vigente bastante localizado nas condições crônico-degenerativas. Tais elementos nos instigaram a refletir a respeito das transformações paradigmáticas que vem ocorrendo no campo da educação física em suas inter-relações com o campo da saúde (Campos, 2000), influenciados por transformações maiores que tem ocorrido na ciência contemporânea.
Dois trabalhos publicados recentemente podem contextualizar o interesse, e ao mesmo tempo, a divergência paradigmática sobre os olhares para a saúde que circundam a educação física. Ramires et al. (2014) e Neves, Antunes, Baptista y Assumpção (2015) revisam trabalhos acadêmicos sobre epidemiologia da atividade física e educação física no campo da saúde pública, respectivamente. Apesar de não localizarem perspectivas teórico-metodológicas presentes nestes cenários ambos narram um aumento abrupto de produções e interesse pelo campo da saúde. Neves et al. (2015) localizaram 60 trabalhos entre 2000 e 2012 com características que situam a educação física na saúde pública. O trabalho de Ramires et al. (2014) é mais específico para a epidemiologia da atividade física, ainda assim, entre 2005 e 2013 um total de 276 artigos foram identificados. Foi relatado um incremento de 7 para 49 artigos por ano nesta temática que se situa na saúde. Os critérios das pesquisas, as diferenças e afastamentos das perspectivas faz com que não necessariamente os mesmos estudos tenham sido incluídos e analisados pelos autores e mesmo assim são trabalhos que orbitam pelo interesse da educação física filiada à saúde.
No campo da saúde temos tradicionalmente as questões relativas à atenção, promoção, prevenção, tratamento e reabilitação. O foco deste trabalho é mapear analiticamente as perspectivas teórico-metodológicas que circundam o saber-fazer de trabalhadores de educação física no campo da promoção da saúde no Brasil, tendo como base produções acadêmico-científicas e marcos legais. Também fará parte desta discussão um apanhado histórico buscando descrever brevemente as origens destas perspectivas, buscando estabelecer conexões e afastamentos em seus modos de saber-fazer, contribuindo com o cenário teórico-prático da educação física em associação à promoção da saúde.
Este artigo assume um estilo ensaístico. Foram realizadas buscas não sistemáticas em bancos de dados buscando trabalhos brasileiros. As buscas não visaram esgotar as publicações na área, mas identificar as perspectivas teórico-metodológicas presentes nas publicações e marcos legais relacionados à educação física e promoção da saúde. Para tanto é possível observar atualmente diferentes perspectivas teórico-metodológicas que convivem simultaneamente na prática da educação física. Mais do que a busca da certeza de respostas que marcam limites e trazem estagnação, temos a intenção de trazer problematizações e reflexões que instigam e mantém o debate em constante movimento. Puderam ser identificadas quatro perspectivas ligadas à lógica de promoção da saúde na área da educação física, a saber, epidemiológica, pós estruturalista, materialismo histórico-dialético e integrativa.
Na contemporaneidade, o dualismo entre atividades físicas e práticas corporais explorado por Damico e Knuth (2015), pode representar em parte a demarcação do que entendemos como condição mínima para o presente texto. Não vemos como possível isolar-se em uma perspectiva teórica sem dialogar ou receber atravessamentos de outras. Filiar-se cegamente a uma tendência acaba por capturar e sedimentar, sem prestigiar a ampla e complexa rede de conceitos e entendimentos que cerca a educação física na promoção da saúde. Os referidos autores, por exemplo, avaliam que uma fuga do objeto (atividades físicas e/ou práticas corporais) para buscar sentido no encontro intercessor com os usuários no cotidiano dos serviços de saúde se apresenta como uma possibilidade de potencializar uma lógica usuário-centrada no SUS. Este é apenas um dos embates pertinentes ao cenário da educação física e saúde. A sequência do presente trabalho pretende explorar as perspectivas teórico-metodológicas identificadas na lógica de promoção da saúde, sua constituição histórica, conexões e afastamentos.
Metodologia
Este artigo é uma revisão da literatura que assume um estilo ensaístico. Foram realizadas buscas não sistemáticas nos bancos de dados dos Periódicos CAPES, Scielo, Portal de pesquisa da biblioteca virtual em Saúde, biblioteca digital brasileira de teses e dissertações, Google Acadêmico e Google para trabalhos brasileiros, que incluíram artigos, teses, dissertações, livros e marcos legais acerca da temática. As buscas não visaram esgotar as publicações na área e foram realizadas até o momento em que as análises passaram a mostrar saturação, com repetições a cerca dos achados. A metodologia utilizada possibilitou identificar quatro perspectivas teórico-metodológicas presentes nas publicações e marcos legais relacionados à educação física e promoção da saúde.
Breves reflexões sobre paradigmas e educação física
Um Paradigma é um sistema de crenças, modelos, representações e interpretações de mundo reconhecidas dentro de um determinado grupo que fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade científica (Kuhn, 1992). Em outras palavras, são crenças que formam o alicerce de uma determinada forma de pensar-agir que embasa todas as demais verdades que sobre ela são construídas. Desta forma, a compreensão de o que é o ser humano, como se desenvolve sua dinâmica de vida, o que é o processo saúde-doença, os sistemas de diagnóstico e tratamento, o que é doença e como preveni-las, está alicerçado sobre determinado paradigma.
Cabe argumentar, que nossa intenção não é realizar um exercício de engavetamento de certas tendências da educação física na sua inserção no campo da promoção da saúde como se determinados autores formassem um todo homogêneo sem fissuras, disputas ou efeitos de verdade dissonantes. O artigo de Mathias Loch fornece uma pista nesta direção:
A “Atividade Física e Saúde”, enquanto uma área/sub- -área/linha de pesquisa, parece assumir um significado bastante genérico, sendo praticamente um conceito “guarda chuva”, onde quase tudo cabe, desde estudos que investigam efeito de programas formais e bem controlados de exercícios físicos sobre desfechos biológicos (com humanos e com animais), até estudos sobre a influência de determinantes sociais, culturais e ambientais sobre a prática ou não de atividades físicas. Ou seja, se por um lado, existem estudiosos da “Atividade Física e Saúde” preocupados essencialmente com aspectos biológicos, outros irão fundamentalmente buscar o entendimento de questões mais amplas ligadas a pratica de atividade física. Muitas vezes esta diferenciação passa despercebida pelos críticos, que na maioria das vezes rapidamente rotulam todas as produções dessa área como sendo oriundas das ciências biológicas (Loch, 2012, p.48)
Loch (2012) ao analisar os programas de pós-graduação Stricto Sensu, relacionados à “Atividade Física e Saúde”, constata uma heterogeneidade da descrição das áreas de concentração ou linhas de pesquisa, concluindo que existe na “Atividade Física e Saúde” uma interessante possibilidade de convivência entre diferentes olhares.
Na medida em que diferentes Paradigmas que impactam a educação física se transformam, se transformam também todas as questões que se encontram dentro desta área, como por exemplo, a concepção de sujeito, de saúde, de potencialidade de atuação com as práticas corporais/atividades físicas, etc. É importante salientar que a emergência de novos paradigmas não aniquila a perspectiva anterior, em geral, elas seguem coexistindo, com maior ou menor força de uma ou de outra(s), mostrando-se também de forma hibrida e inter-relacionada nas práticas dos sujeitos e coletivos.
Como comentamos anteriormente, observamos que são quatro as principais perspectivas teórico-metodológicas da educação física que se articulam ao campo da saúde, por meio da noção de promoção da saúde no Brasil atualmente, a abordagem epidemiológica, a pós-estruturalista, o materialismo histórico-dialético e a ainda emergente perspectiva integrativa.
Abordagem epidemiológica da atividade física e saúde
Os estudos que localizam a prática de atividade física no campo da saúde, com delineamentos epidemiológicos de fundo, tem uma primeira influência histórica a partir dos estudos de Morris na década de 50 do século passado, onde foi possível apontar relação positiva entre a atividade física realizada no trabalho e a menor incidência de doenças cardiovasculares (Florindo & Hallal, 2011). A própria definição de atividade física encontra em Caspersen, Powel e Christenson (1985) um consenso importante para a área e os estudos que aí se localizam passam a operar com este conceito, onde diferentes domínios de atividade física são descritos: trabalho, lazer, deslocamento e ambiente doméstico. A premissa fundamental da aproximação desta abordagem com a saúde está na prevenção e recuperação que a atividade física proporcionaria aos casos de doenças cardiovasculares e posteriormente a um conjunto maior de doenças crônico-degenerativas, o que se relacionava com os padrões de transição nutricional, demográfica e epidemiológica que o Brasil passava. Nessa linha, tais efeitos, além de um acúmulo de evidências científicas, passaram a ser incorporados em políticas públicas, especialmente as de saúde, com interesse prevencionista, de reabilitação, mas especialmente revestido com o discurso de promoção da saúde. Ainda que nem mesmo a noção de promoção da saúde possa ser compreendida com apenas uma área do conhecimento ou política, é contundente nesta abordagem a utilização da noção de promoção da saúde como apoio discursivo e de sustentação. Tanto que no auge desta abordagem nasce também a PNPS brasileira, com influência destes atores e abordagem. Posteriormente é criado também o Programa Academia da Saúde que tem íntima relação com a recente PNPS.
Ainda que assumam conexões íntimas, a abordagem com apoio nos estudos epidemiológicos da atividade física, não pode ser tomada como idêntica à da aptidão física relacionada à saúde, que teve lugar central entre os anos 80 e 90, especialmente na educação física escolar. Há diferenças conceituais, de aplicação profissional, de aproximação com o surgimento do SUS e dos delineamentos metodológicos que sustentam as pesquisas. Sobre as diferenças entre as duas formas de pensar a saúde no âmbito escolar sugerimos o texto de Knuth e Loch (2014). Uma das ferramentas que diferenciam a “aptidão física” da “atividade física” é a atenuação do discurso enfático do exercício físico para uma branda mensagem de atividade física, onde se assumiu que o acúmulo de atividades físicas ao longo dos dias, mesmo que em sessões curtas, poderia trazer consequências interessantes para a saúde. Anteriormente não se aceitava tal flexibilização no discurso. Foi a partir das evidências epidemiológicas que se abrandou o discurso e que as recomendações passaram a enfatizar mais o processo atividade física e menos o produto aptidão física. Nesse cenário a atividade física conversou mais diretamente com a lógica de promoção da saúde, se apoiou nos estudos epidemiológicos, especialmente aqueles de delineamentos transversal e coorte e teve ligações viscerais com as políticas públicas de saúde. Portanto, neste panorama os estudos tem priorizado o diagnóstico populacional sobre a prática de atividade física e comportamento sedentário e os aspectos que determinam ou condicionam tais práticas em diferentes grupos populacionais. Há, indubitavelmente, uma ampliação das investigações antes puramente isoladas em variáveis biológicas para variáveis do ambiente físico e social. Também emergem dessa perspectiva as evidências que apostam nos programas comunitários de promoção da atividade física como ferramenta de prevenção e promoção da saúde e que reforçam o discurso Estatal, deslocando recursos e esforços para que as cidades induzam a contratação de trabalhadores da educação física para ministrar aulas à comunidade, reforçando a pauta de incremento dos níveis populacionais de atividade física.
Abordagem pós-estruturalista
Essa abordagem produz um deslocamento a partir do que se convencionou chamar de teorias Pós-Críticas ao descentrar a ênfase nas dinâmicas de classe e consolidar a importância dos processos de produção de subjetividade, particularmente expressos nas construções discursivas para a elaboração de análises sociais.
Utilizar o referencial pós-estruturalista significa, em primeiro lugar, questionar o que é a realidade, quem são os indivíduos e como estes se relacionam socialmente para promover saúde. Esta perspectiva teórica considera que a realidade e as verdades de cada tempo são construções sociais produzidas na tensão entre os discursos dominantes e os discursos emergentes, que procuram manter ou modificar certos entendimentos e práticas sociais estabelecidas. Assim, as noções de progresso, racionalidade e verdade que são próprias do ideário modernista, no qual o paradigma crítico-social se insere, passam a ser vistas como parte do discurso dominante do final do século XX, um discurso possível entre outros.
O pós-estruturalismo compreende igualmente que no momento em que as pessoas são constituídas dos mesmos discursos que compõem o seu "exterior", torna-se difícil distinguir interioridade de exterioridade, colocando em questão a noção de sujeito autônomo, com um self independente e com possibilidade de livre escolha.
É no campo do pensamento pós-estruturalista que as contribuições do filósofo francês Michel Foucault permitem aprofundar a compreensão sobre o ideário de Promoção à Saúde e, nele, da temática do poder e da produção de subjetividade. Ao opor-se à concepção negativa de poder da tradição política e filosófica moderna, que identifica poder com o Estado e tende a confundir relações de poder com relações de dominação, Foucault preconiza a existência de uma concepção positiva afirmando que
Quando se fala de poder, as pessoas pensam imediatamente em uma estrutura política, em um governo, em uma classe social dominante, no senhor diante do escravo, etc. Não é absolutamente o que penso quando falo das relações de poder. Quero dizer que nas relações humanas, quaisquer que sejam elas - quer se trate de comunicar verbalmente [...] ou se trate de relações amorosas, institucionais ou econômicas -, o poder está sempre presente: quero dizer, a relação em que cada um procura dirigir a conduta do outro. São, portanto, relações que se podem encontrar em diferentes níveis, sob diferentes formas; essas relações de poder são móveis, ou seja, podem se modificar, não são dadas de uma vez por todas (Foucault, 2004, p.270)
Esta analítica de poder foucaultiano permite compreender, com maior propriedade, estratégias e mecanismos que são utilizados para governar indivíduos e o social. É possível entender, por exemplo, que as dimensões criativas e instituintes do poder podem gerar, simultaneamente, formas de docilização e de resistência/criação. Esta formulação paradoxal - que desafia a necessidade que temos de atribuir valor a tudo para orientar nossa compreensão do mundo - amplia, em nossa opinião, as possibilidades críticas no que se refere às relações de poder no campo da saúde e a algumas das estratégias centrais ao movimento da Promoção à Saúde.
Na perspectiva pós-estruturalista, o corpo, objeto de saber da Promoção à Saúde, assume uma dimensão que vai além do biológico, constituindo um território de encontro do indivíduo e do coletivo e é, igualmente, significado por dimensões sociais, econômicas, culturais e políticas de um determinado período histórico. Ocorre, aqui, um apagamento das divisões entre o micro e o macro e a constituição de um espaço social que é simultaneamente híbrido e próprio que faz olhar sobre temas e estratégias recorrentes ao projeto de Promoção à Saúde. Estratégias, aparentemente inocentes e naturais, como a intervenção sobre a dieta dos indivíduos objetivando a prevenção e (ou) a redução da obesidade, podem contribuir para a saúde das pessoas e, paradoxalmente, constituir práticas de controle sobre os indivíduos e coletivos.
Entre algumas das publicações que se orientam a partir desta perspectiva está o livro Educação Física e saúde coletiva (Fraga & Wachs, 2007) e os três volumes intitulados saúde em debate na educação física (Bagrichevsky, Estevão & Palma, 2003, 2006, 2007). Nas discussões destas obras encontram-se diversos temas tais como a formação profissional, educação física escolar, interfaces com saúde mental e saúde da família, qualidade de vida, desigualdades sociais, políticas públicas em saúde, estilo de vida, imagens de corpo, apenas para citar alguns exemplos que nos permitam perceber a diversidades de temáticas abordadas nas interfaces entre educação física e saúde orientadas pela abordagem pós estruturalista.
Materialismo histórico-dialético
Influenciado pelos ideais do materialismo dialético, perspectiva desenvolvida por Karl Marx e Friedrich Engels, esta perspectiva traz como principais contribuições para o campo da educação física as reflexões a respeito da prática da educação física e as inter-relações sociais e dos meios de produção e exploração. Trazem a construção de perspectivas emancipatórias, e libertárias, centradas em uma abordagem crítico superadora, desenvolvendo reflexões sobre valores como solidariedade, cooperação, distribuição, liberdade de expressão dos movimentos ao invés do individualismo da disputa, da apropriação, negando a dominação do homem pelo homem (Coletivo de Autores, 1992).
Esta perspectiva que influenciou intensamente a educação física em seus debates e prática no campo da educação escolar parece ter hoje pouca presença no campo da promoção da saúde, mas são encontradas algumas publicações em especial de Tadeu Baptista. O autor supra citado, discute a promoção da saúde, inferindo que uma vez que esta está relacionada a aspectos amplos, relacionados as condições de vida dos sujeitos, então ha a necessidade de se ponderar sobre a ideia de políticas públicas mais amplas (que extrapolem a questão das práticas corporais) para o desenvolvimento do processo de promoção da saúde. Ainda Infere a respeito da:
incapacidade de os conceitos de atividade física e exercício conseguirem atender as demandas de uma sociedade autônoma e emancipada. A consideração meramente biológica destes conceitos esvazia e desrespeita a dimensão cultural e, portanto, a inserção do corpo nas condições de trabalho, entendido aqui como a relação entre homem e natureza (Baptista, 2013).
O autor em conjunto com Anita Resende debate ainda a relação da manutenção da saúde do trabalhador como forma de reduzir a ausência nos postos de trabalho e com isso, aumentar a certeza da capacidade produtiva do trabalhador (Baptista & Resende, 2009). Baptista (2013) aposta na compreensão das práticas corporais como proposta que possibilita a aproximação do ser humano consigo, condição sem a qual, ele não alcança a integridade necessária ao rompimento da alienação e reificação, por serem elas uma causa fundamental no desenvolvimento de uma série de agravos à saúde humana.
Em outra obra do mesmo autor (Baptista, 2007) este discute como a forma do corpo é determinada pelos interesses relacionados à produção e ao consumo vigentes no modo de produção capitalista. Coloca em debate a manutenção da saúde do trabalhador como forma de reduzir a ausência nos postos de trabalho e, com isso, aumentar a certeza da capacidade produtiva do trabalhador e de que forma a utilização das práticas corporais se manifesta nesta intersecção “manutenção da saúde x manutenção da capacidade produtiva”.
Perspectiva integrativa
A perspectiva integrativa ampara-se sobre os paradigmas emergentes, que são desenvolvidos a partir da descoberta da física quântica por Niels Bohr e Werner Heisenberg no início do século XX. A mecânica quântica gera uma ruptura com a Física Newtoniana, uma das bases do paradigma Moderno (Dalla Zen, 2010; Goswami, Reed & Goswami, 2008; Nicolescu, 2005). Posteriormente, têm sido fortalecidos por descobertas de outros campos da ciência, em especial da psicologia Transpessoal e da biologia (Radin, 2008; Sheldrake, 1993; Grof, 2000).
Nas perspectivas emergentes a saúde passa a ser percebida como a busca da inteireza do ser, intimamente ligado com uma concepção vitalista, o que possibilita um repensar das práticas e caminhos para promoção da saúde (Pozatti, 2007; Luz, 2007). A principal manifestação desta perspectiva teórico-metodológica são as práticas corporais integrativas (Yoga, Tai Chi, Terapias corporais, etc.), das quais cabe realizarmos alguns apontamentos. O primeiro, é que há uma vasta produção de textos com relação a estas práticas já produzida. Estas publicações de maneira geral foram feitas por Mestres e professores e não partiram das atuais discussões a respeito da educação física e promoção da saúde, apesar de muito relevantes entendemos que estão fora do escopo deste trabalho.
O segundo é que a terminologia utilizada para denominar as práticas corporais nesta perspectiva ainda encontra divergências, sendo que alguns estudos tratam como praticas corporais alternativas, outros como praticas corporais integrativas, termo que adotaremos neste artigo.
“O termo alternativo é resultante do movimento da contracultura, ocorrido na década de 60, e refere-se a uma maneira de pensar e agir fora dos padrões da modernidade ocidental” (Coldebella, 2002). A passagem atual para o termo, praticas corporais integrativas, vem conjuntamente com a discussão das Praticas Integrativas e Complementares e com uma integração destas com os avanços epistemológicos dos paradigmas emergentes.
Quatro elementos nos apontam a evidência da existência da perspectiva integrativa na educação física ligada a promoção da saúde. São eles: A atuação profissional com práticas corporais integrativas, marcos legais relacionados a esta perspectiva teórico-metodológica, publicações científicas e disciplinas de graduação e atividades de extensão oferecidas em universidades tendo como temática as práticas corporais integrativas. Sobre este último aspecto, temos como exemplo a universidade federal do Ceará, Itajubá, Alagoas e Rio Grande (UFC, 2015; UFAL, 2015; UNIFEI, 2015; Antunes, 2014)
Um dos marcos atuais mais importantes da influência dos paradigmas emergentes no que se relaciona a promoção da saúde no Brasil é a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (Brasil, 2006b). A criação desta política tem incentivado e fortalecido a inserção de Práticas Corporais Integrativas no SUS, e tem fomentado publicações científicas a respeito desta temática.
As publicações relacionadas às Práticas Corporais Integrativas e promoção da saúde são ainda em número pequeno. Encontramos algumas publicações que debatem a importância destas práticas para promoção da saúde (Santos & Tesser, 2012; Mizuno & Monteiro, 2012; Frosi & Pozatti, 2011; Luz, 2007; Matthiesen, 1999), outras que relatam o desenvolvimento de experiências e seus resultados (Fiocruz, 2015; Baptista et al., 2014; Corrêa, et. al. 2014; Antunes, 2011 e 2014; Cesana, 2011; Frosi, 2010; Barollo & Cabral, 2012).
Outro ponto relevante encontrado é a existência de ações relacionadas às práticas corporais integrativas no SUS (Santos, 2009; São Paulo, 2012; Brasilía, 2012; Brasil, 2014; Antunes, 2014). É importante apontar que:
O Brasil difere de outros países na oferta de práticas integrativas e complementares, pois predominam as práticas corporais, principalmente nos serviços públicos, o que não coincide com os estudos realizados em países da América Latina (Sousa, Bodstein, Tesser, Santos & Hortale, 2012)
A concepção integrativa na Educação Física e promoção da saúde é uma perspectiva teórico-metodológica ainda pouco explorada em especial pelas publicações científicas, mas que vem fortalecendo-se nos últimos anos e já é uma realidade no campo da promoção da saúde tanto a nível público a través dos serviços do SUS, como privado, em escolas tradicionais que há décadas desenvolvem atividades relacionadas a estas práticas.
Conclusões
A educação física é um núcleo profissional amplo, complexo, de distintas interfaces e campos de atuação. Em suas interconexões com a promoção da saúde, conclui-se da existência de quatro perspectivas teórico metodológicas. Apesar de a metodologia utilizada ter sido uma revisão de literatura não sistemática, é possível observar uma maior influência no conteúdo dos marcos legais e número de publicações, ligados às perspectivas epidemiológica e pós estruturalista, ao passo em que a perspectiva integrativa é uma abordagem ainda incipiente e o materialismo histórico dialético, que nas décadas passadas influenciou fortemente as interfaces da educação física com a educação, encontra-se presentes nas publicações de apenas alguns autores.
Acreditamos ser importante que o trabalhador da educação física atuante no campo da saúde tenha conhecimento e clareza a respeito das múltiplas perspectivas teórico-metodológicas que influenciam os debates e práticas nesta área. A complexidade dos desafios sociais, culturais, ecológicos e econômicos que enfrentam as comunidades em um contexto globalizado, tencionam a necessidade de visões claras, abrangentes e sistêmicas, para que sejamos capazes de responder adequadamente a estas questões.
Ao nosso conhecimento esta é a primeira pesquisa a evidenciar perspectivas teórico-metodológicas atuantes na educação física e promoção da saúde. Outros trabalhos têm se debruçado a revisar publicações de forma genérica como o de Neves et al. (2015) ou de uma área específica da saúde como o de Ramires et al. (2014). Há disponível na literatura outras revisões, sejam sistemáticas ou narrativas sobre a recente e maior aproximação da educação física junto às políticas públicas de saúde, aos conceitos de prevenção e promoção da saúde ou a determinados recortes específicos como os trabalhos de Damico e Knuth (2015) e Loch (2012). Todas estas contribuições não se propõem a avançar na leitura das prováveis perspectivas, aqui apresentadas.
Como já exposto, não há uma intenção de categorizar de maneira estática os autores em perspectivas teórico-metodológicas. Mesmo que haja diferenças significativas entre estas perspectivas, que nos possibilitem um debate teórico a respeito de suas histórias, características e bases conceituais, muitas vezes, na realidade experienciada do mundo vivido, não há fronteiras claras que delimitem separações. Em seus encontros forma-se um continuum onde há hibridismos, aproximações, confluências e conflitos. A forma como aqui apresentamos foi uma alternativa textual e explicativa sobre os enquadramentos conceituais em que tais autores foram se localizando. Certamente não se limita apenas aos referenciais apontados, ainda que manifeste uma sumarização fiel ao que pudemos localizar na literatura visitada.
Reconhecemos que estas distintas perspectivas teórico-metodológicas observam “a mesma” realidade de distintos pontos de vista. Elas surgiram em diferentes momentos históricos com a contribuição de diversos autores. Sem dúvida não é interessante que uma ou outra perspectiva domine e defina a operacionalidade da profissão no setor saúde, e esta é uma característica salutar do núcleo da educação física, uma vez que é fundamental reconhecer que na atuação em saúde o ponto central da prática é o usuário e a promoção da saúde e fortalecimento da vida deste, e não a concepção metodológica do profissional em si e para si, esta apenas aponta caminhos para que seja possível alcançar a meta almejada.