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Mastozoología neotropical

versão impressa ISSN 0327-9383versão On-line ISSN 1666-0536

Mastozool. neotrop. v.16 n.2 Mendoza jul./dez. 2009

 

ARTÍCULOS Y NOTAS

Composiçao e caracterizaçao da mastofauna de médio e grande porte do Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais, Brasil

Valeska B. Oliveira1; Edeltrudes M.V.C. Câmara2 e Leonardo C. Oliveira2, 3

1 Programa de Pós-Graduação em Zoologia de Vertebrados da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Av. Dom José Gaspar, 500, Belo Horizonte, MG, Brasil [Correspondencia: Valeska B. Oliveira <biovaleska@ig.com.br].
2 Museu de Ciências Naturais da PUC Minas. Av. Dom José Gaspar, 290, Belo Horizonte, MG, Brasil.
3 Department of Biology, University of Maryland-College Park, MD, USA. CAPES/Fulbright Fellowship.

RESUMO: O bioma Cerrado é um dos 34 "hotspots" devido à sua riqueza de espécies, alto grau de endemismo e por apresentar apenas 20% de sua cobertura original. O Parque Nacional da Serra do Cipó, situado na região central do Estado de Minas Gerais, está inserido neste bioma. De agosto de 2001 a julho de 2002, as espécies de mamíferos de médio e grande porte foram inventariadas através de censos, evidências indiretas e armadilhas de pegadas. Foram registradas 26 espécies, representando cerca de 51% das espécies de mamíferos de médio e grande porte do Cerrado. Das espécies registradas, quatro se encontram ameaçadas de extinção para o país e oito para o Estado. A maior riqueza de espécies foi encontrada em ambientes de mata ciliar, ressaltando a importância destes hábitats para a comunidade de mamíferos do Cerrado. As espécies que apresentaram maior número de registros foram aquelas que se adaptam a ambientes modificados ou apresentam naturalmente alta densidade populacional. As espécies que apresentaram menos registros foram aquelas que se encontram ameaçadas de extinção ou possuem naturalmente baixa densidade populacional. Armadilhas de pegadas não foram eficientes para amostrar os mamíferos de médio e grande porte, registrando apenas seis espécies, enquanto censos e vestígios amostraram as demais espécies.

ABSTRACT: Large and medium sized mammals from Parque Nacional da Serra do Cipó, Mina Gearais, Brazil. The Cerrado is one of the 34 hotspots because of its species richness, high degree of endemism and because just 20% of its original cover still remains. The Serra do Cipó National Park, located on the Central part of Minas Gerais State is inserted in the Cerrado domain. From August 2001 to July 2002, medium and large sized mammal species were surveyed by census, indirect tracks and track stations. We recorded 26 species representing 51% of all medium/large sized mammals of Cerrado. From those, four species are considered endangered at national level while eight are considered endangered at state level. The highest richness was found on gallery forest, highlighting the importance of these habitat for the mammals of the Cerrado. The track stations were not efficient to sampling medium/large sized mammals recording just six species while the remaining species were recorded by census and indirect tracks. The species with higher records were those well adapted to disturbed environments or which present high populational densities while the least recorded were the endangered species or those with naturally lower populational densities.

Palavras chave. Cerrado; Inventário; Mamíferos; Mata ciliar.

Key words. Cerrado; Gallery forest; Mammals; Survey.

INTRODUÇAO

O Cerrado, segundo maior bioma brasileiro, cobria originalmente cerca de 20% do território nacional, com área aproximadamente de dois milhões de km2 (Machado et al., 2004). É composto por um mosaico de fitofisionomias, que variam de áreas florestais (matas ciliares, matas de galeria e capões de mata) a áreas abertas (campo limpo, campo sujo, campo cerrado), passando por áreas com características estruturais intermediárias (cerradão e cerrado stricto sensu) (Sick, 1965; Eiten, 1979; Redford and Fonseca, 1986). Esta diversidade de ambientes está associada a uma grande diversidade de animais e plantas, estas últimas, apresentando alto grau de endemismo (Myers et al., 2000; Mittermeier et al., 2005).
As estimativas de perda de área do Cerrado brasileiro são alarmantes, aproximadamente 2.2 milhões de hectares deste bioma são perdidos anualmente (Machado et al., 2004). Devido ao alto grau de endemismo florístico e à grande perda de área apresentados pelo bioma, o Cerrado é atualmente considerado uma área prioritária de conservação mundial ou "hotspot" (Myers et al., 2000; Mittermeier et al., 2005). Porém, somente 6.2% da área remanescente é legalmente protegida; sendo menos de 1% em unidades de conservação federais (Pádua, 1996; WWF, 1999).
Estudos com comunidades de mamíferos de médio e grande porte realizados em áreas de Cerrado ainda são escassos (e.g., Fonseca and Redford, 1984; Redford and Fonseca, 1986; Schneider et al., 2000; Marinho-Filho et al., 2002; Rodrigues et al., 2002; Santos-Filho and Silva, 2002). Estes animais desempenham papel fundamental na manutenção da diversidade de uma área, sendo dispersores e predadores de sementes, predadores de plântulas e reguladores de níveis tróficos inferiores (Palomares et al., 1995; Beck-King and Helversen, 1999; Henry, 1999). Devido à destruição de seus hábitats naturais e suas características ecológicas, como baixa densidade populacional e ocupação de grandes territórios, muitas espécies de mamíferos de médio e grande porte se encontram ameaçadas de extinção (Marinho-Filho et al., 2002).
No presente estudo, apresentamos a composição das espécies de mamíferos de médio e grande porte do Parque Nacional da Serra do Cipó, com considerações sobre a abundância relativa das espécies, uso das diferentes fitofisionomias e metodologias empregadas.

METODOLOGIA

Área de estudo

O Parque Nacional da Serra do Cipó, criado em 1984, possui área de 33 800 hectares e está localizado a 100 km da capital do Estado de Minas Gerais (Belo Horizonte), nos municípios de Jaboticatubas, Itambé do Mato Dentro, Morro do Pilar e Santana do Riacho. Encontra-se entre as bacias do Rio São Francisco e do Rio Doce, sendo divisor de suas águas. A vegetação é composta por áreas de Campo Rupestre, Cerrado stricto sensu, Cerradão, Mata Ciliar e Capões de Mata (para descrição dos ambientes típicos do Cerrado, veja Ribeiro and Walter, 1998). O clima da região é tropical de altitude, com temperatura média entre 20º e 22º C, máxima variando entre 34º e 36º C, e mínima entre 0º e 4º C. Estações secas e chuvosas são bem definidas e a pluviosidade média anual é de 1622 mm. O relevo da região é do tipo montanhoso, com altitudes variando entre 800 e 1400 metros (Meguro et al., 1996; Gontijo, 1993).

Coleta de dados

Foram realizadas campanhas mensais de cinco dias consecutivos entre agosto de 2001 e julho de 2002. O estudo se concentrou em regiões do Par-que localizadas em altitudes entre 800 e 950 metros. Foram amostradas áreas de cerrado sensu stricto, cerradão, capão de mata, mata ciliar, além de áreas antropizadas (antigas plantações e pastagens).
Censos diurnos e noturnos, feitos a pé, com velocidade média de 1.5 km/hora e duração de três horas, foram realizados em horários crepusculares (05:00 h às 08:00 h e 17:00 h às 20:00 h). Os censos foram realizados em estradas e trilhas existentes no Parque, amostrando as diferentes formações citadas acima. Além das visualizações, foram registradas carcaças, fezes, pegadas e vocalizações das espécies presentes.
Armadilhas de pegadas foram confeccionadas utilizando-se caixas de madeira de 70 e 50 cm2 e três centímetros de altura, preenchidas com areia úmida. Estas foram dispostas em transectos abertos em cinco diferentes áreas: área de borda de uma mata ciliar (A), área antropizada, ocupada por gramíneas e mangueiras (B), interior de mata ciliar (C), cerrado sensu stricto (D) e capão de mata (E). Cada área dispunha de dois transectos com cinco armadilhas distantes 60 metros entre si, totalizando 300 metros por transecto. As armadilhas foram iscadas, alternadamente, com sardinha, abacaxi e um composto de amendocrem, banana, aveia, canjiquinha e óleo de sardinha. As armadilhas de pegadas foram utilizadas durante dez meses (de outubro/2001 a julho/2002).
Foram consideradas neste estudo espécies de médio e grande porte, aquelas com peso acima de 1000 gramas, além de primatas de diferentes tamanhos e pesos. Apesar de ser considerado mamífero de pequeno porte, Didelphis albiventris é citado por apresentar mais de um quilo, e por ter sido freqüentemente registrado. O cachorro-doméstico (Canis lupus familiaris) também é citado.
Para todas as espécies registradas verificou-se a categoria de ameaça de acordo com o Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas de Extinção da Fauna de Minas Gerais - deliberação do COPAM 041/95 (Machado et al., 1998), e de acordo com a Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção -Instrução Normativa n° 3, de 27 de Maio de 2003 (Machado et al., 2005).

Análise de dados

Utilizou-se o teste de Qui-quadrado (Zar, 1999) para verificar diferenças significativas na riqueza de espécies e no número total de registros de mamíferos de médio e grande porte entre os diferentes tipos de hábitat.

RESULTADOS

Com esforço amostral de 1518 armadilhas de pegadas/noites foram obtidos apenas seis registros de mamíferos silvestres de médio e grande porte, representando um sucesso amostral de 0.39%. As espécies silvestres de maior porte que visitaram as armadilhas foram Chrysocyon brachyurus (n=2), Procyon cancrivorus (n=1), Leopardus pardalis (n=1), Galictis cuja (n=1) e Cuniculus paca (n=1). Incluindo-se os registros de Didelphis albiventris (n=45), o sucesso amostral é de 3,35%. Esta foi a única espécie de menor porte possível passível de se identificar pelos rastros, e suas visitas se concentram na área de borda (31 das 45 visitas).
Foram realizados 78 censos, que abrangeram 309 quilômetros e 207 horas de observação. Com este esforço obteve-se cerca de 300 registros de 20 espécies de mamíferos de médio e grande porte. As pegadas foram o tipo de registro mais freqüente. Cerca de outros 100 registros, dentre rastros, fezes e visualizações, foram obtidos de modo oportunista.
Considerando-se todas as metodologias empregadas, foram registradas 23 espécies distribuídas nas ordens Didelphimorphia, Cingulata, Pilosa, Primates, Carnivora, Artiodactyla, Rodentia e Lagomorpha (Tabela 1). Além destas espécies, Alouatta caraya (bugio), Callithrix geoffroyi (sagüi/mico-dacara-branca) e Tayassu pecari (porco-do-mato/ caititu) foram registrados fora do período de amostragem, totalizando 26 espécies.

Tabela 1
Registros de mamíferos de médio e grande porte em diferentes formaçoes vegetais no Parque Nacional da Serra do Cipó, Minas Gerais, entre agosto de 2001 e julho de 2002. Tipos de ambiente: MC - mata ciliar, CM - capao de mata, CR - cerradao, Csc - cerrado stricto sensu, AA - áreas abertas (antropizadas, de antigas pastagens e plantaçoes). Categoria de ameaça para o Estado de Minas Gerais (Machado et al., 1998) e para o Brasil (Machado et al., 2005): (vu) vulnerável, (ep) em perigo, (cp) criticamente em perigo, (pv) provavelmente extinta. (*) Espécies registradas fora do período de amostragem. (**) Espécie doméstica incluída nas análises do presente estudo.

Das 26 espécies registradas no Parque Nacional da Serra do Cipó, oito encontram-se ameaçadas de acordo com o Livro Vermelho das Espécies Ameaçadas de Extinção de Minas Gerais: Tamandua tetradactyla, Chrysocyon brachyurus, Lycalopex vetulus, Leopardus pardalis, Leopardus tigrinus, Puma concolor, Lontra longicaudis e Pecari tajacu; e quatro se encontram na Lista da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, sendo elas Chrysocyon brachyurus, Leopardus pardalis, Leopardus tigrinus e Puma concolor (Tabela 1).
As espécies que apresentaram maior número de registros foram Didelphis albiventris, Callithrix penicillata, Mazama americana, Cuniculus paca e Canis lupus familiaris, enquanto as espécies que apresentaram menor número de registros, excetuando-se aquelas visualizadas fora do período de amostragem, foram Dasypus novemcinctus, Tamandua tetradactyla, Lycalopex vetulus, Eira barbara, Lontra longicaudis, Leopardus tigrinus, Leopardus pardalis, Puma concolor, Puma yagouaroundi e Dasyprocta sp.
A riqueza de espécies e o número total de registros foram significativamente diferentes entre os tipos de hábitats (Teste do Quiquadrado: riqueza: χ2=10.461; g.l.=4; p=0.033; registros: χ2=351.177; g.l.=4; p<0.001), sendo que em ambas as análises a mata ciliar apresentou maiores valores. Todas as espécies, exceto Lycalopex vetulus, tiveram registros associados a este ambiente. Também foi alto o número de espécies registradas em áreas abertas e antropizadas formadas por antigas pastagens e plantações (Tabela 1).

DISCUSSAO

Ordens registradas na área do Parque:

Ordem Didelphimorphia: Didelphis albiventris foi a única espécie de marsupial diagnosticável pelo seu rastro. Outros estudos realizados com pequenos mamíferos na área do parque já registraram a espécie (Câmara et al., 2002), porém com menos freqüência. Pardini (2001) sugere maior facilidade de registro desta espécie em armadilhas de pegadas do que em armadilhas live-trap. Foram obtidos 45 registros desta espécie, sendo 31 em área de borda. Estes ambientes oferecem recursos intermediários entre o interior da mata e a matriz, além de estarem livres de predadores de grande porte, sendo ambiente propício para mesopredadores e espécies generalistas como D. albiventris (Fonseca and Robinson, 1990).
Ordem Cingulata: Das oito espécies com ocorrência descritas para o Bioma Cerrado (Fonseca et al., 1996), cinco têm probabilidade de ocorrência na área de estudo, sendo elas Cabassous tatouay, C. unicinctus, Dasypus septemcinctus, D. novemcinctus e Euphractus sexcinctus. Acredita-se que Priodontes maximus já tenha ocorrido na região, mas que esteja extinta localmente. Dasypus novemcinctus foi a única espécie de tatu registrada, apresentando apenas três visualizações e um rastro. Destes quatro registros, dois foram em área de mata ciliar, um em capão de mata e um em área de cerradão, todos em ambientes florestais. Dasypus novemcinctus é uma espécie geralmente abundante em suas áreas de ocorrência, ocupa diferentes hábitats, apresenta grande espectro alimentar e resiste à presença humana (Eisenberg and Redford, 1999). Seus poucos registros no presente estudo podem estar ligados ao fato desta espécie ser visada por caçadores, apesar do impacto de caça na região ainda ser desconhecido. Esta espécie não se encontra ameaçada no Estado ou no país (Machado et al., 1998; Machado et al., 2005).
Ordem Pilosa: Das duas espécies de tamanduá que ocorrem no Cerrado (Fonseca et al., 1996) Tamandua tetradactyla foi a única registrada. Esta espécie, ameaçada de extinção em Minas Gerais (Machado et al., 1998), apresenta hábitos terrestres e arborícolas e possui capacidade de forragear em matas e áreas abertas (Emmons and Feer, 1997). Seus registros se basearam em apenas três pegadas, sendo duas obtidas em áreas de mata ciliar e uma em área de antiga pastagem. A outra espécie da ordem, Myrmecophaga tridactyla já foi descrita para a área, havendo inclusive um registro fotográfico deste animal na sede do Parque. Porém, acredita-se que a espécie esteja atualmente extinta na região.
Ordem Primates: Callithrix penicillata foi a espécie que apresentou maior número de registros, provavelmente devido a seus hábitos diurnos e comportamento freqüente de vocalização. Além disto, esta espécie se adapta facilmente a ambientes antropizados e pode apresentar naturalmente alta densidade populacional (Aurichio, 1995). Callithrix geoffroyi e Alouatta caraya foram registrados fora do período de amostragem, ambos em um pequeno capão de mata de altitude, cujo tamanho não é suficiente para abrigar uma população viável para nenhuma destas espécies (Oliveira et al., 2003).
Ordem Carnivora: Ordem Carnivora: Das 21 espécies de carnívoros que ocorrem em Cerrado (Fonseca et al., 1996), 13 foram registradas, sendo a ordem mais representativa no presente estudo. Esta ordem abriga a maior parte das espécies de mamíferos terrestres de médio e grande porte do Brasil (Fonseca et al., 1996) e em outros estudos realizados em áreas de Cerrado esta ordem também foi a mais representativa (Schneider et al., 2000; Rodrigues et al., 2002). Foram registradas três das quatro espécies de canídeos silvestres que ocorrem no Cerrado, sendo que a quarta espécie, Speothos venaticus, possivelmente encontra-se extinta na região. Das três espécies registradas, Chrysocyon brachyurus apresentou maior número de registros. Esta espécie é comum na região, sendo freqüente encontrar seus rastros e fezes. Os registros desta espécie foram em sua maioria em áreas abertas de antigas pastagens e plantações, e seus registros em matas ciliares se deram em suas bordas ou trilhas de interior, reafirmando o hábito desta espécie de se locomover preferencialmente em áreas abertas (Eisenberg and Redford, 1999). Cerdocyon thous apresentou maior número de registros associados à mata ciliar e totalizou 15 registros, sendo quatro visualizações. Em duas destas, foram visualizados dois indivíduos. Esta é uma espécie relativamente comum e pode ser usualmente vista aos pares (Brady, 1979; Emmons and Feer, 1997). Lycalopex vetulus foi uma das espécies que apresentou menor número de registros, com apenas duas visualizações. Esta espécie é uma das poucas endêmicas do Cerrado (Fonseca et al., 1996) e encontra-se ameaçada de extinção em Minas Gerais (Machado et al., 1998). Canis lupus familiaris apresentou grande número de registros, sendo que sua presença pode ter impacto negativo sobre a fauna de mamíferos, sendo potencial espécie predadora, competidora e transmissora de patologias (Butler and Du Toit, 2002; Curi et al., 2006). Dentre os felinos, foram registradas quatro espécies, sendo elas Puma concolor, Puma yagouaroundi, Leopardus pardalis e Leopardus tigrinus. Todas apresentaram pequeno número de registros, sendo os mesmos mais freqüentes em áreas de mata ciliar. Estas espécies ocorrem naturalmente em baixa densidade populacional (Oliveira, 1993). Excetuando-se P. yagouaroundi, todas as espécies se encontram em alguma categoria de ameaça a nível estadual e nacional (Machado et al., 1998; Machado et al., 2005). Contatos com moradores da região indicam que a onça-pintada, Panthera onca, ainda possa ocorrer na região, mas não registramos esta espécie no presente estudo. Dentre os mustelídeos registrados, Galictis cuja foi a espécie que apresentou maior número de registros e em diferentes fitofisionomias. Sabe-se que esta espécie possui a capacidade de se distribuir em diferentes hábitats (Emmons and Feer, 1997; Eisenberg and Redford, 1999). Eira barbara pode ocupar diferentes ambientes, mas habita preferencialmente áreas florestais e parece apresentar hábito predominantemente diurno (Eisenberg and Redford, 1999; Emmons and Feer, 1997). Seus únicos dois registros foram visualizações obtidas em interior de mata ciliar durante o dia. Lontra longicaudis apresentou um único registro. Esta espécie encontra-se ameaçada de extinção em Minas Gerais (Machado et al., 1998) e parece ser sensível a perturbações ambientais, necessitando de hábitats pouco alterados, com grande cobertura de vegetação ripária e disponibilidade de alimentos (Spinola and Vaughan, 1995). A única espécie da família Mephitidae com distribuição para a região da área de estudo, Conepatus semistriatus, também apresentou registros em diferentes fitofisionomias. Sabese que esta espécie pode ocupar áreas florestais ou mais abertas e se distribui em diferentes hábitats (Emmons and Feer, 1997; Eisenberg and Redford, 1999). Procyon cancrivorus foi o único procionídeo registrado, e somente através de rastros, sendo a maioria destes associados à mata ciliar. Esta espécie também pode se distribuir em diferentes hábitats, mas parece estar preferencialmente ligada a ocorrência de ambientes úmidos (Emmons and Feer, 1997; Eisenberg and Redford, 1999).
Ordem Artiodactyla: Das três possíveis espécies de cervídeos que podem ocorrer em áreas de cerrado (Fonseca et al., 1996), duas foram registradas, sendo elas Mazama americana e Mazama gouazoubira. A primeira habita preferencialmente áreas de mata, podendo também ocupar áreas abertas e de vegetação rasteira (Duarte, 1996). Apesar de M. gouazoubira adaptar-se melhor a ambientes modificados e áreas abertas (Duarte, 1996), seus registros foram menos freqüentes dos que de M. americana. Nenhuma destas espécies se encontra ameaçada de extinção. A única espécie de taiassuídeo registrada, Pecari tajacu, encontra-se ameaçada no Estado de Minas Gerais (Machado et al., 1998). Seu único registro foi obtido fora do período de amostragem, em uma área de capão de altitude. Nesta ocasião, apenas um único indivíduo foivisualizado. É provável que este animal ocorra em baixa densidade na área de estudo.
Ordem Rodentia: Os únicos dois registros de Dasyprocta sp., foram rastros, sendo um em área de antiga pastagem e o outro em área de mata ciliar. Por ser região de interface entre D. azarae e D. leporina, não houve identificação da espécie. O gênero Dasyprocta ocorre em diferentes hábitats e em alta densidade para todas as espécies conhecidas (Eisenberg and Redford, 1999), não estando nenhuma espécie ameaçada. Porém, já foi registrado que a pressão antrópica sobre estes animais pôde ocasionar mudanças no padrão de atividade e que estas espécies parecem estar limitadas pela disponibilidade de alimentos e competições inter e intraespecíficas (Smythe et al., 1982). Os registros de Cuniculus paca foram sempre associados a fragmentos de mata e às matas ciliares. Esta espécie é abundante em suas áreas de ocorrência (Collett, 1981; Emmons, 1987) e sua presença está ligada a ocorrência de matas (Eisenberg and Redford, 1999). A maioria dos registros de Hydrochoerus hydrochaeris ocorreu em áreas de mata ciliar, como esperado. Segundo informações de funcionários do Parque e moradores locais, a espécie parece ser muito abundante na área de estudo. Nenhuma das espécies de roedores registradas se encontra ameaçada de extinção.
Ordem Lagomorpha: Sylvilagus brasiliensis é a única espécie representante desta ordem no Brasil. De seus 17 registros, nove foram obtidos em mata ciliar e três em áreas de cerradão. De acordo com Eisenberg and Redford (1999), esta espécie habita preferencialmente ambientes úmidos, áreas de capoeira e borda de florestas, sendo considerada uma espécie comum na porção leste do país.
Análise geral de fauna: A riqueza de espécies e o número total de registros foram maiores em ambientes de mata ciliar. Estes hábitats, além de fornecerem abrigos e apresentarem fontes variadas de recursos, são mais úmidos e possuem temperaturas amenas, sendo extremamente importantes para comunidades de mamíferos do Cerrado (Fonseca and Redford, 1984; Redford and Fonseca, 1986; Johnson et al., 1999; Marinho-Filho et al., 2002; Santos-Filho and Silva, 2002).
O número de espécies registradas e o número total de registros também foram altos em áreas abertas. Estes locais, além de permitirem visualização mais facilitada dos animais, representam a maior parte da área onde o estudo foi realizado. Ressalta-se que em ambientes florestais (capões de mata, matas ciliares e cerradões) o número total de registros foi maior do que em ambientes abertos (cerrado sensu stricto, campos rupestres e áreas antropizadas).
A comunidade apresentou maior número de espécies com poucos registros e apenas algumas dominantes, demonstrando um padrão esperado de abundância relativa (Marinho-Filho et al., 2002). As espécies que apresentaram maior número de registros são, em sua maioria, aquelas que se adaptam a ambientes modificados ou ocorrem naturalmente em maior densidade, enquanto as espécies que apresentaram menor número de registros encontram-se ameaçadas de extinção e/ou apresentam naturalmente baixa densidade populacional, exceto Dasyprocta sp. e Dasypus novemcinctus.
Ressalta-se também a presença de cerca de 51% das espécies terrestres de mamíferos de médio e grande porte que habitam o Cerrado, registradas em apenas um ano de estudo. Ainda que nesta análise não tenha sido considerada a distribuição de cada espécie, esta comparação possibilita avaliar a representatividade do Paque Nacional da Serra do Cipó para a fauna de mamíferos do bioma. As oito espécies ameaçadas de extinção representam 20% da mastofauna ameaçada de extinção do Estado, ressaltando a importância desta unidade de conservação na preservação das espécies.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos primeiramente de agradecer a Frederico Pires Manata e Lucas Martins, sem os quais não seria possível a realização deste trabalho. Somos gratos ao IBAMA e aos funcionários do Parque Nacional da Serra do Cipó por viabilizarem e facilitarem nossa pesquisa, e também aos moradores da região. Este projeto recebeu apoio financeiro da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza e do Fundo de Incentivo à Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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Recibido 16 febrero 2008.
Aceptado 12 enero 2009.

Editor asociado: T Lacher

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