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Intersecciones en antropología

versão On-line ISSN 1850-373X

Intersecciones antropol. v.10 n.1 Olavarría jan./jun. 2009

 

ARTÍCULOS

A produção de mapas policiais. Práticas e políticas da polícia urbana em Portugal

Susana Durão

Susana Durão. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. ICS: Avenida Professor Aníbal de Bettencourt, 9, 1600-189 Lisboa. E- mail: ssbdurao@gmail.com

Recibido 27 de Mayo 2008
Aceptado
27 de Agosto 2008

RESUMO

Este texto questiona transformações do mandato policial de primeira linha em Portugal. Numa primeira parte é fornecida uma análise das principais características que atravessam a dimensão organizacional e funcional do sistema de segurança pública nos últimos trinta anos. É também discutido o modelo de policiamento numa realidade relativamente pacificada e com escassa criminalidade registada. Por fim, são analisados os quotidianos do policiamento em esquadras de Lisboa e a produção de mapas cognitivos policiais que derivam de três dos serviços de patrulha mais efectuados: a pé, de carro e num programa da proximidade. Por um lado, os polícias seguem os eixos de uma actuação mais pró-social. Por outro, estão cada vez mais presentes na actividade do policiamento de primeira linha os eixos de actuação anti-criminal, mesmo se não é pertinente uma tal escolha a nível local. Assim, embora mantendo-se essa imensa pluralidade de sentidos e de saberes policiais (abrindose mais ainda com as dinâmicas da proximidade), hoje é possível detectar uma padronização mais geral que percorre o policiamento nos territórios urbanos e que o inscreve numalógica de estreitamento de entendimentos no sentido do "combate ao crime".

Palavras-chave: Policiamento; Mapas cognitivos; Saberes profissionais; Proximidade.

RESUMEN

La Producción De Mapas Policiales. Prácticas y Políticas De La Policía Urbana En Portugal. Este texto cuestiona la transformación realizada de la incumbencia de las patrullas policiales en Portugal. En la primera parte se provee un análisis de las principales características que atraviesan la dimensión organizacional y funcional del sistema de seguridad pública en los últimos treinta años. También se discute la transformación del modelo policial, que asume la existencia de una realidad relativamente pacífica y con escaso índice de criminalidad en dicho país. Finalmente, es analizado lo cotidiano de las escuadras policiales de Lisboa, y la producción de mapas cognitivos policiales derivados de tres de los servicios de patrulla más efectuados: de a pie, en patrulleros y en un servicio de proximidad. Por un lado, los policías avanzan en un eje de actuación pro-social. Pero, por otro lado, también se hacen más cada vez presentes en las patrullas ejes de actuación anti-criminal, aunque no sea clara su pertinencia. Así, si bien se mantiene una inmensa pluralidad de sentidos y saberes (abriéndose más todavía con las dinámicas de la proximidad), es posible detectar una padronización más general que recorre la actividad policial en los territorios urbanos, y que la inscribe en una lógica estrecha de entendimiento en los sentidos del "combate al crimen".

Palabras clave: Vigilancia; Mapas cognitivos; Saberes profesionales; Proximidad.

ABSTRACT

The Production Of Police Maps: Practices And Policies Of The Portuguese Urban Police. This paper aims to question the transformation of the street-level Portuguese police mandate. The first part focuses on the main organizational and functional characteristics, of the public security system over the last thirty years. Transformations in the policing model are also discussed, which assume that society is relatively pacific with low crime rates. Finally, the police mandate is analysed from the perspective of the routines of daily life in Lisbon's police precincts and the production of cognitive police maps that take form in the three most implemented police patrol services: on foot, in automobiles, and in one local program. On the one hand, police follow the axes of a pro-social policing. On the other hand, there is an increasing axis of an anti-criminal activity, even if the reasons for this are unclear. Even if there is a great plurality of police work and skills (that have increased through the dynamics of proximity), as is documented in the paper, it is nonetheless possible to detect a wider standardisation in policing practices in urban areas that inscribes them within the narrow logic of "the fi ght against crime".

Keywords: Policing; Cognitive maps; Professional skills; Proximity.

TEXTO

Como se produzem mapas policiais na cidade? Que traçados se revelam e somos levados a interpretar a partir do acompanhamento de itinerários de polícias fardados? Têm sido bastante discutidas as tendências globais de um policiamento que acompanha as desigualdades manifestas no mundo e que tende a penalizá-las (Wacquant 2007, Wierviorka 2002). Mas tem faltado nas ciências sociais a produção de saberes qualitativos e fundamentados em dados empíricos, situados em diferentes contextos, que permitam confirmar ou infirmar tais enunciados e que, em simultâneo, nos levem a penetrar as questões mais ambíguas que hoje se colocam à segurança pública e que se dão a ver nos planos da actuação local.

Neste caso, parto de um estudo de cariz etnográfico em Lisboa. As observações derivaram da participação em rotinas de trabalho policial de esquadra1 ao longo de um ano. Embora desde 2001 a trabalhar sobre a polícia urbana portuguesa (a denominada Polícia de Segurança Pública, vulgo PSP), tendo realizado mais de uma centena de entrevistas a toda uma série de profissionais em diferentes segmentos internos, foi durante o ano de 2004 que acompanhei mais de perto o trabalho policial. Acompanhei o policiamento da zona ocidental da cidade, mas contactei com polícias de toda a teia institucional do país. Para fixar as observações mantive um longo e detalhado diário de campo, procedimento metodológico comum na antropologia situada. A pesquisa culminou numa tese de doutoramento (Durão 2008a).

Nas últimas décadas Portugal tornou-se um país multicultural e sofreu transformações sociais e demográficas profundas. Uma das mais relevantes tem sido a desertifi cação de boa parte do interior do país e de queda de uma actividade tradicional que o sustinha: a agricultura. Mas mesmo se evidenciados desníveis sociais de riqueza2 e efeitos de exclusão social visíveis, com forte implementação urbana, a verdade é que o contexto parece não ter afectado, até aqui, de forma directa e óbvia, a situação criminal do país.

Há várias décadas que o contexto criminógeno português tem vindo a ser celebrado, sobretudo pelos poderes públicos, como relativamente pacífico, não tendo sofrido um crescimento considerado alarmante. As mensagens do governo acerca do trabalho policial fazem-se através de uma leitura política das estatísticas criminais e judiciais produzidas. Nos últimos anos, os vários governos têm sublinhado com satisfação, oficialmente e nos media, que a criminalidade em Portugal contraria mesmo tendências globais e oferece ao país uma "posição particularmente privilegiada" (ver Relatório Anual de Segurança Interna 2006: 46)3, o que reforçaria princípios de uma acção de polícia pública preventiva.

Todavia, vários debates em curso aventam a possibilidade da existência de "cifras negras" (isto é, crime não participado) que seriam mal avaliadas no domínio da segurança pública. Numa pesquisa recente de opinião, que compara a percepção dos serviços policiais em várias cidades europeias de Portugal, Espanha, Itália e Bélgica, referese que os portugueses são dos menos satisfeitos com os serviços da polícia, sobretudo no momento de apresentar formalmente a denúncia.

Os inquiridos manifestam descrença nos resultados práticos e colocam o problema no excesso de burocracia, más infra-estruturas das esquadras, falta de apoio e de humanismo em situação de vitimização. Tal avaliação culmina com o facto da sensação de insegurança em Portugal se manifestar superior à dos restantes países (DECO ProTeste 2007).4

O campo de acção pública da polícia e de todo o sistema de justiça sumaria um debate ou um discurso mais amplo que evoca a paradoxal situação portuguesa: este é considerado cada vez mais um país europeu como os restantes aliados da União Europeia, mas como democracia jovem que é também se apresenta particularmente permeável a problemas de funcionamento institucional, o que o faria necessitar de uma dose adicional de revitalização, transparência e de responsabilização política.5

SOBRE O MODELO POLICIAL PORTUGUÊS

Apesar da Revolução de 1974, o processo de descolonização português em África, a fixação de uma renovada constituição portuguesa (1976), foram precisos anos, quase uma década, para restaurar a democracia e, com ela, as instituições e as polícias. A promessa de prosperidade socio-económica do país surgiria com a adesão à União Europeia em 1986. Com a reconfi guração do modelo económico e de O Estado deu-se o acesso em massa aos bens de consumo. Eram necessárias forças policiais que estivessem de acordo com os novos princípios de controlo democrático e de mercado, com novos níveis de exigência e de transparência, numa sociedade que nos fi nais de 1990 viu também crescer os meios de comunicação e o activismo social não-governamental. Surgiram mais determinantes as pressões externas e internacionais sobre as práticas policiais violentas e foi mantido com mais determinação, embora com oscilações, um certo exame político e centralização de decisões das polícias portuguesas, através do cada vez mais sofi sticado aparelho burocrático.

Em particular desde fi nais da década de 1980, com políticas de segurança pública e mudanças organizacionais mais incisivas a partir da segunda metade de 1990, O Estado procurou descolar as suas polícias da imagem de força, prepotência e arbitrariedade herdada do Estado Novo (1933-1974). Estado ditatorial comprometia a generalidade das polícias e o sistema de segurança no país, com a existência de uma Polícia Política enraizada que contava com a colaboração voluntária dos cidadãos (Pimentel 2007). Em contexto democrático, o interesse passou por elevar as polícias a um nível europeu, com exigências de cumprimento legal e de funcionamento eficaz, já que começaram a ser tidas em conta as advertências de agências de direitos humanos internacionais como a Amnistia Internacional e outras.

Olhando para a fase de institucionalização da polícias no fi nal do século XIX, verificamos que o modelo de organização em Portugal das polícias é relativamente atípico, mesmo no seio da Europa, e tendo por referência o francês, no qual se inspira. Os vários corpos de polícia, os denominados órgãos de polícia criminal, mantiveram-se tutelados por diferentes ministérios desde finais do século XIX, na altura em que sofreram forte incremento institucional e organizacional (Gonçalves 2007). Tal é o caso dos principais corpos de polícia como as Polícias de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR), tuteladas pelo Ministério da Administração Interna, e a Polícia Judiciária (PJ), claramente vocacionada para a investigação criminal, é tutelada pelo Ministério da Justiça.

Algumas mudanças têm ocorrido no sentido de fazer crescer responsabilidades políticas e de coordenação no topo do sistema. Desde 2001 existe um Gabinete Coordenador de Segurança, um órgão de apoio ao primeiro-ministro e ao Ministério da Administração Interna. Recentemente, com a mudança da Lei da Administração Interna a implementar, vai ser criado um quadro de coordenador geral das forças policiais e serviços de segurança que será sufragado pelo Parlamento da Assembleia da República. Todavia, em termos organizacionais e operacionais a separação tutelar das diferentes polícias manteve-se e cada uma conserva autonomia no plano de funcionamento organizacional. Como defendeu Robert Reiner (1985), em todos os sistemas nacionais as polícias mantêm uma certa autonomia no desenho das suas políticas, mas são também alvo de uma certa "politização": conquistam poder para intervir nas regras, quer dentro da organização policial quer na sociedade em geral. Assim, tal característica transforma estas instituições em jogadores-chave dos processos de democratização da sociedade e leva-os a ser objecto de discussão, não único mas preferencial, dos confl itos políticos, da estabilidade e mudança social (Ericson 1989).

É preciso especifi car um pouco. O modelo português tem uma raiz napoleónica, não só nesta área como em toda a administração pública (Gomes et al. 2001).6 Como refere Valente Gomes, embora em alguns países este seja um problema politicamente equacionado e a estrutura da organização policial frequentemente reformada, o modelo manteve-se quase inalterado desde o século XIX. Este predomina nos países do Sul da Europa, como Portugal, Espanha, França e Itália (L'Heuillet 2004; Monjardet 1996).

No sistema policial português existem hoje vários corpos de polícias nacionais. As polícias da ordem fardadas são a Polícia de Segurança Pública (PSP), a Guarda Nacional Republicana (GNR), a Guarda Prisional (GP), a Polícia Marítima (PM) e a Polícia Florestal (PF). As polícias de investigação criminal são a Polícia Judiciária (PJ), o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o Serviço de Informações de Segurança (SIS) e a recém criada Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Já as polícias municipais têm uma presença irrisória no mapa policial português. A possibilidade de fusão de organizações de polícias nacionais, nomeadamente dos grandes corpos de polícia, a GNR e a PSP7, é um tema que surge ocasionalmente mas que não chegou a ter consequências no plano dos debates políticos nacionais.

Os mais centrais corpos de polícia são nacionais, mas é perceptível uma tradicional e relativa autonomia de gestão territorial das polícias. A PSP, aquela que aqui importa detalhar, organiza-se em comandos metropolitanos ou regionais, divisões territoriais ou por especialização de actuação, e respectivas esquadras. Num outro sentido, uma certa tendência profissionalizante, imposta pela popularização dos modelos policiais norte-americano e britânico, tem progressiva influência em contexto português. Os modelos administrativos e operacionais tendem a ser mistos e a prometer mudanças determinantes em anos vindouros, já que as organizações de polícia jamais escapam a essa matriz que as torna um híbrido do modelo militar e do burocrático (Bittner 2003; Goldstein 1977).

O ano de 1999 foi determinante para a PSP. Desde então, as reformas têm sido sucessivas. A renovada Lei Orgânica nº 5/99 ofereceu-lhe um novo formato. No essencial foi mantida a linha hierárquica que dividia os três grupos que compõem as carreiras policiais (entre oficiais, chefes intermédios e agentes da autoridade). O maior investimento foi feito nas duas pontas: em direcção aos oficiais e aos agentes, sendo de certa forma secundarizado o papel das chefi as intermédias, cada vez mais confinadas a actividades de recepção de denúncias e de administração das mesmas.

Na linha de desmilitarização progressiva dos quadros superiores da polícia, os comandantes ganharam novo protagonismo e presença na vida operacional. Cada esquadra tem um comandante que é um oficial de polícia. Desde final da década de 1980 os polícias conquistaram uma formação considerada de nível universitário no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna. Todos os anos é formado um grupo de jovens oficiais que entra directamente para os quadros superiores da PSP. Por seu turno, os agentes, embora no nível mais baixo da hierarquia institucional, ganharam novas responsabilidades no ciclo completo do trabalho e a sua presença nas ruas é hoje muito visível. Para o bem e para o mal, os agentes são hoje os principais interlocutores entre o Estado e os cidadãos no nível local.

Mais do que a discussão do modelo efectivo a adoptar - "policiamento de proximidade", "polícia de resolução de problemas", patrulha tradicional, subunidades especializadas ou brigadas de intervenção rápida- verifica-se uma conjugação híbrida de vários estilos de policiamento. Mas é a questão da visibilidade dos agentes e da instituição que tem ganho maior protagonismo. Cálculos referentes ao fim do milénio estimavam a existência de 440 polícias por cada 100.000 habitantes em Portugal, um dos maiores racios dos então 15 países da União Europeia, colocando o país em terceiro lugar, depois da Itália e Espanha (cf. Ocqueteau 2004: 109). Mas tal não significa que todos os polícias estivessem em funções operacionais. Desde essa altura até hoje continua a ser muito discutida a questão de racionalização dos recursos humanos, a "devolução dos agentes à rua", onde continuam a ser reclamados pelas populações, retirando-os dos serviços burocráticos que tradicionalmente muitos ocupam, substituindo-os por profissionais oriundos da vida civil. Tais reformas têm ficado sempre incompletas.8

Outra discussão, um pouco mais silenciosa, tende a transformar o mapa de serviços da segurança em Portugal (como globalmente no mundo): trata-se da ampliação do mandato policial a parceiros privados. Como bem lembra Ericson e Haggerty (1997) o policiamento e o sector da segurança não se confinam aos corpos especializados da polícia e menos ainda aos fardados. As agências privadas surgem cada vez mais em programas de parceria pelo policiamento público e é observável uma certa erosão das fronteiras entre público e privado em matéria de controlo social. Novos dispositivos tecnológicos como a videovigilância reproduzem-se em larga escala, quer em domínios públicos, especialmente incrementada por poderes públicos autárquicos, quer em zonas comerciais, incrementada por privados (Frois 2008). Nesta medida, estão constantemente a ser criados corpos de leis, novas agências e gabinetes que se ocupam de novas formas de gestão e de regulação dos excessos e desvios constitucionais.

POLÍTICAS PÚBLICAS DO POLICIAMENTO DE PRIMEIRA LINHA

A evolução do "policiamento de primeira linha" em Portugal - na medida em que se centra na frequência de contacto directo com os cidadãos - acompanha as transformações demográficas do país. A distribuição territorial tradicional entre a GNR (para os domínios considerados rurais) e a PSP (para os domínios urbanos e metropolitanos) faz-se cada vez mais de acordo com mudanças sócio-económicas. Em Portugal temse verificado, desde o último censo à população (XIV Recenseamento Geral da População, INE), uma continuada desertificação do interior e simultânea litoralização do país, um envelhecimento generalizado e tendência ligeira para a inversão do decrescimento demográfico a partir de fluxos migratórios. Particular destaque ganham as regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto que cresceram em população, em área de intensiva construção urbana e em desenvolvimento da actividade económica. Assim, a PSP tem visto aumentar progressivamente a sua presença nestes dois grandes eixos metropolitanos, em particular em Lisboa.9

Simetricamente, a PSP tem perdido progressiva representatividade em cidades mais pequenas (que na divisão do trabalho policial passam a ser da responsabilidade da GNR) invertendo uma tendência de crescimento e de inserção ramificada em todo o país que a caracterizava desde fi nais do século XIX (Gonçalves 2007).10 Com isso, a instituição encarregue pelo policiamento urbano tem feito confluir para esses dois pólos metropolitanos mais recursos materiais e efectivos. Em 2005, o comando de Lisboa concentrava já 35% do efectivo policial, dos mais de 21 mil e 200 polícias (Diário da República 2005). É também em regiões próximas ou na capital, em Lisboa, que se têm fixado as unidades especiais de polícia, o Corpo de Intervenção e outros.11

Pode dizer-se que as políticas de segurança pública em Portugal tendem a evoluir em dois sentidos que prometem ser complementares, um considerado mais preventivo e outro mais próactivo (conceitos que explicito mais à frente). E, talvez por isso, hoje mais do que nunca é pouco claro em que consiste o mandato policial em matéria de ordem e de segurança pública. Vale a pena retomar a visão de Peter Manning quando defende que o mandato policial se alargou de modo ímpar na história, no final do século XIX, na tradução que tal mandato teve nos EUA por referência inversa ao britânico, mas hoje em todo o globo, tendo-se transformado num vasto domínio social impossível de gerir e de definir legalmente (Manning 1978: 7-31).

Analisemos mais de perto a dualidade que se expressa em domínio português. Pelas características do contexto demográfico e criminal tem-se investido no modelo de policiamento que recupera as esquadras, em particular as designadas "esquadras de bairro". Desde a década de 1990 deram-se muitas mudanças estruturais em ciclos políticos curtos, o que evidenciou a necessidade de mudar leis de funcionamento das polícias. Na primeira metade dos anos 90, a PSP operou de acordo com o modelo das "divisões concentradas", orientado para o policiamento de resolução de situações, uso intensivo de meios automobilizados, com distribuição variável e flexível de pessoal pelos territórios e num sistema de conexão com outros sistemas de emergência. O modelo foi abandonado e acabou por vingar aquele que vigora hoje, e que, em síntese, consiste no aumento de visibilidade policial nas ruas. À medida que ia sendo recuperado um policiamento mais orientado para a "comunidade", e baseando 80% do total do trabalho em esquadras, este modelo político apostou em mais formação profissional individual e, mais recentemente, em renovação de meios e armamento. É de registar ainda uma tendência para a informatização do sistema de recolha, registo e partilha interna de informações policiais e bases de dados, num processo cada vez mais generalizado.12 Como bem lembra Frois (2006) têm também vindo a ser implementadas, nas rotinas burocráticas policiais e não só, tecnologias de identifi cação de indivíduos que nasceram para outros fins.13

Em sentido diferente, é observável um aumento generalizado das competências de investigação criminal dessas polícias de primeira linha. A confi guração de todo o aparato burocrático e as transformações assinaláveis nos códigos penais e processuais penais têm tido duas preocupações. Por um lado, pretendem assegurar as condições de legalidade processual da actuação policial, mas por outro, e este é um factor a ressalvar, oferecem uma boa margem de liberdade e de decisão das polícias da ordem para elegerem o trabalho de controlo criminal como o seu mais fundamental eixo de trabalho. É de destacar a importante viragem que resultou da implementação da Lei de organização da investigação criminal (n.º 21/2000 de 10 de Agosto) que ampliou as competências da PSP e GNR. Ambas as forças policiais passaram a investigar os crimes com pena máxima até cinco anos, quando até aqui se responsabilizavam por crimes até três anos. Deste modo, rapidamente as chamadas polícias preventivas começaram a entrar em domínios de acção e investigação criminal e forense, que até aqui eram da exclusiva competência da PJ. Todavia, ocasionalmente são publicamente acusadas de falta de capacidade profissional em aspectos cruciais como a conclusão de casos, recolha de prova e perícia, coordenação entre serviços, etc. Na PSP o processo levou a que se organizasse uma divisão de investigação criminal muito poderosa em termos operacionais e em termos de capital simbólico, competindo com a PJ pelos processos-crime, pelos resultados estatísticos. O crime, enquanto objecto preferencial de atenção e domínio de actuação, tem ganho um novo protagonismo político na PSP.

Como se irá verificar, ambas as tendências - uma actuação mais pró-social e outra mais anticriminal- são manifestas nos mapas que se desenham a partir do policiamento quotidiano de esquadra. Os efeitos mais notórios que tais políticas e formatos organizacionais têmtido na formulação de mapas do policiamento são, afinal, aqueles que foram anunciados por Cunha (2008), Wacquant (2004, 2007) e vários outros pesquisadores: conjugações críticas entre duas formas aparentemente antagónicas, a proximidade e a pró-actividade.

Porém, o argumento precisa de ser mais detalhado e ganha em ser contextualizado etnograficamente. Como tenho vindo a demonstrar neste artigo, e tal como procurei desenvolver com recurso a dados da pesquisa etnográfica noutros (Durão 2008a, 2008b), não existe uma evolução unívoca do mandato policial português, ao qual corresponderia uma reconfiguração institucional que pudesse evidenciar a linha nítida das opções políticas. É muito mais perceptível um conjunto simultâneo de possibilidades políticas e práticas deixadas em aberto. Aliás, a forma como se entendem os principais conceitos em uso na polícia portuguesa testemunha o quanto o processo se encontra numa fase contínua de organização e redefinição. O chamado "policiamento de proximidade", que se aproxima do modelo francês, inspirouse, como aquele, no policiamento comunitário ditado nos países anglo-saxónicos. Em Portugal tem-se gerado um paradoxal consenso em torno de um vago conceito: a proximidade. O conceito tem múltiplos desdobramentos e surge nos discursos policiais e nas entrevistas que realizei, de alto a baixo da hierarquia, em pelo menos quatro sentidos distintos: 1) um projecto global de polícia, uma espécie de filosofia que tenderia para um maior respeito pelos direitos humanos; 2) um modelo de policiamento que se pretende inovador (mas parcialmente aplicado), através de programas que lhe dão uma certa definição organizacional14; 3) a recuperação de um modelo de "policiamento tradicional", como o que a polícia sempre foi, com um trabalho "territorial", "de rua", "a essência mesmo da patrulha", como me disseram alguns ofi ciais mais antigos na organização, confi gurado nas unidades policiais próximas dos cidadãos, as esquadras; 4) uma táctica do policiamento, uma forma de chegar mais próximo de potenciais informadores e ter, consequentemente, mais informação para agir sobre a realidade.

A pró-actividade é hoje um conceito em uso na polícia pela sua dimensão positiva, a de antecipação de situações consideradas criminais ou ilícitas. Em temos mais abrangentes, este termo é recorrentemente usado em Portugal nos discursos políticos como uma atitude de aproximação e promoção entre as instâncias de poder e os eleitores ou cidadãos. Todavia, este problema mereceu diferente definição por Black (1978) para o contexto da teoria policial: as estratégias próactivas (as mais ocultas nas retóricas policiais) denunciam meios para descobrir o crime à medida que este está a ser efectuado. Assim, por um lado, tais estratégias são detectáveis numa prática que tem vindo a crescer enormemente nos últimos: as operações policiais colectivas e orientadas para a obtenção de resultados, de índices criminais posteriormente organizados e tratados em relatórios que circulam nos diversos canais que formam a opinião pública. Por outro lado, as estratégias pró-activas escondem-se por detrás do terceiro conceito em uso: a preventividade, que pretende descansar os cidadãos e oferecer-lhes segurança pois antecipar-se-ia a eles na leitura de cenários e pessoas suspeitos. Assim, teríamos estratégias pró-activas ao serviço de um fim maior: a prevenção criminal. São conhecidas as discussões em torno dos excessos e problemas associados à amplifi cação oferecida à discricionariedade policial por este tipo de abordagem anti-criminal.15

Também as características sócio-culturais dos agentes recrutados sofreram modifi cações expressivas nos últimos dez anos. Os agentes são hoje muito mais jovens do que antes e só podem concorrer com o 12º ano de escolaridade, isto é, com o ciclo escolar completo, ao contrário do que acontece noutra força de segurança, a Guarda Nacional Republica (para as áreas rurais) que recruta a partir do 9º ano de escolaridade. Com o aumento do desemprego no país, há também cada vez mais pessoas com formação de nível superior académico a concorrer à Escola Prática de Polícia, para receber alguns meses de formação profissional antes de ingressar na Força. Todos os recrutados têm nacionalidade portuguesa, sendo assim escassa a pluralidade étnica no seio da polícia. Em termos de presença de mulheres, a representação numérica não tem sofrido considerável aumento, não ascendendo a mais de 10% do total de efectivos (Durão e Leandro, 2003). Discute-se abertamente no seio da organização que as mulheres tendem a fixarse nos serviços administrativos e a ser retiradas dos operacionais. Assim, existem poucas mulheres nas esquadras e, em geral, tendem a ser orientadas para os programas especiais da proximidade e retiradas de patrulhamentos considerados mais ostensivos.

Mas se aumentou o nível geral de habilitações, é de notar que um estilo de recrutamento tradicional foi mantido e que ainda hoje faz deslocar a maior parte dos polícias de regiões rurais para as regiões urbanas, sobretudo para a capital, Lisboa. Tal faz com que grande parte da carreira dos polícias seja passada em cidades onde não desejam estar, universos para eles desconhecidos. Este aspecto tem muita importância na forma como as esquadras não fi xam os mesmos agentes, sofrendo processos de reconversão de pessoal a todo o momento. A dinâmica dificulta enormemente a implementação de modelos que assentam no conhecimento policial local e na proximidade dos cidadãos (como veremos adiante na análise dos mapas cognitivos). Assim, políticas mais amplas e organizacionais, a dimensão social e cultural, favorecem esse paradoxo que atravessa a polícia portuguesa: as práticas profissionais demonstram uma subpresença da dimensão criminal no policiamento de patrulha, todavia, é para ela que cada vez mais se insiste em dirigir as atenções.

POLICIAMENTO DE ESQUADRA

O texto segue agora com uma proposta de análise de como os agentes povoam e socializam as ruas, tendo por base os itinerários que se vão fixando no tempo e no espaço à sua passagem. São aqui destacados três serviços mais comuns e constantes em qualquer unidade de esquadra portuguesa: o policiamento a pé, o policiamento automobilizado (o chamado carro patrulha), e o policiamento de proximidade de apoio aidosos (que geralmente também é realizado a pé). Seleccionei três turnos que representam itinerários-típicos destes serviços ao serem sistematicamente repetidos com variações mínimas.

A esquadra tomada aqui como caso tem uma área de supervisão policial que abrange vários bairros contíguos num raio de 1,5 km, que surge expressa no mapa de giros, o plano oficial de policiamento (Figura 1). Um destes bairros, onde está sediado o edifício da unidade, caracteriza-se pelo seu comércio tradicional, com afluência de residentes e visitantes, o que implica intensa circulação automóvel. A maioria dos prédios, embora quase todos construídos entre finais do século XIX e a década de 1960, estão em bom estado de conservação. A população residente é heterogénea, mas tendencialmente de classe média, crescentemente envelhecida e na grande maioria de origem portuguesa. Os polícias quando se referem a este bairro da área consideram-no a parte de cima; dizem ser frequentada por pessoas respeitáveis, também designadas gente de bem. Neste bairro os agentes produzem tácticas de "visibilidade passiva" do policiamento.

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Figura 1. Área e giros da esquadra. Fonte Plano oficial de Policiamento da Área (esquadra Amarela).

Por contraste, quando se referem à fatia de bairros degradados e de realojamento social, onde são conhecidas práticas aparentemente atomizadas de tráfico de droga, os polícias chamam-lhe a parte de baixo. Ruas mal-afamadas de bairros problemáticos, como designam os agentes, também conhecidos por "bairros difíceis" (Roncayolo 2003: 70) ou "sensíveis" (Katane 2002) - gírias que são de uso generalizado e que fundam uma teia de interpretações cruzadas entre os media e a polícia (Gill 1977) - misturam-se com ruas pobres, de habitação precária. Chamam-lhes também os bairros da droga, onde identificam os suspeitos, traficantes, delinquentes de rua e consumidores (cf. Durão et al. 2005). As viaturas policiais e os agentes a pé circulam num estilo marcado por uma "visibilidade ostensiva", onde o objectivo é "ter o território controlado", auto-sustentado e, sobretudo, não deixar escapar os problemas e os delinquentes para a parte de cima.

Algumas zonas de fronteira tendem a não ser assumidas como ruas a policiar. Estas são subpoliciadas, sobretudo quando comparadas com outras recorrentemente percorridas. O exemplo mais marcante é o que diz respeito a todo um bairro (dentro e a norte do giro nº 10, Figura 1). Trata-se de um bairro considerado pelos polícias como pobre e degradado. Nestes lugares, verdadeiros "ermos policiais", os agentes não reconhecem problemas criminais ou outros que convoquem a sua atenção diária. Apenas os visitam para resolver emergências. Tais lugares vão caindo no esquecimento das teias de sentido da patrulha e têm escassa presença nas cartografias profi ssionais. Enquanto se distribuem por espaços, actuam de modo selectivo, estão sobrerepresentados em alguns lugares e desaparecem, por ausência de rotina, de outros, os agentes ajudam a produzir uma "cidade não-sincrónica", com diferentes temporalidades (Roncayolo 2003: 61). As distinções evidenciadas no mapa traduzem um certo acidentado geográfico no território mas, sobretudo, a divisão moral e social expressa em diferentes roteiros policiais para o espaço.

Quando olhados do prisma organizacional, os serviços do policiamento em prática na maioria das esquadras de Lisboa contêm em si importantes diferenças históricas. O serviço a pé é a mais antiga forma de patrulha. Foi a partir da noção de itinerância a pé que se criou a ideia mesmo de policiamento, na expansão de um modelo de "polícia das cidades para O Estado" desde o século XVIII (Napoli 2003). O patrulhamento automóvel tem um ciclo de vida mais curto. É recente na história da polícia portuguesa e ganhou expressão nas maiores cidades do país ao mesmo tempo que se introduzia um dispositivo técnico de intercomunicadores para resposta a emergências, na década de 1960. A patrulha de automóvel viria a sofrer forte incremento na década de 1990, quando foi reorganizado o modelo operacional durante breves anos, substituindo as esquadras "de bairro" por divisões concentradas (Gomes et al. 2001), o que desterritorializava a acção policial. O modelo de policiamento centrado em esquadras, mais inseridas na malha urbana, seria retomado no final da década, já inspirado pelas novas filosofias de proximidade entre polícias e citadinos (Costa 1996, 2002). Mas em dez anos de experiências, os programas da proximidade mantiveram-se relativamente autónomos das restantes actividades da patrulha (apé e de automóvel) e pouco consistentes com projecto global de polícia.

Torna-se então necessário descer aos quotidianos e mergulhar nas rotinas dos agentes para analisar o que resulta das sequências de policiamento dos diferentes serviços. As sequências são aqui entendidas como sucessão de "trajectos" com "fluxos recorrentes no espaço" (Magnanni 2003), mas delimitadas no tempo. Tratamse de três serviços geralmente presentes em qualquer esquadra da cidade.

SABERES SÓCIO-PROFISSIONAIS E URBANOS DOS AGENTES DE POLÍCIA

As sequências da acção policial expressam diferentes prioridades profissionais e variações determinantes na relação que os polícias estabelecem nos bairros, no contexto comunitário em que operam e com as pessoas com quem interagem. Tal evidencia diferentes saberes desenvolvidos na actividade de policiar. Para ilustrar, descrevo um serviço de patrulhamento a pé, retirado de apontamentos dos diários de campo. Num turno da tarde dois agentes saem juntos da esquadra para patrulhar. Geralmente são os agentes mais jovens ou recém-chegados à esquadra que fazem estes serviços. São enviados pelo chefe para um conjunto de ruas próximas. Andam devagar, fazendo render o tempo do turno que antecipam sem grandes incidentes. Param num bar conhecido e bebem uma cerveja. Depois dirigemse à parte de baixo da área. Chegam à rua mais policiada do giro, onde se considera estar o coração do tráfico, o bairro da droga. Até lá, os agentes andam num ritmo vagaroso. Têm disponibilidade e tempo para sociabilizar entre si, para conversar, para falar dos seus problemas pessoais e da difícil gestão entre a profi são e a vida familiar, das tensões com superiores ou, simplesmente...olhar em frente, para o movimento urbano. Por isso, os agentes preferem patrulhar a dois. Quando os avistam, os traficantes de rua movimentamse e vão comercializar a droga para outro lugar, longe da vista dos polícias. Surge a informação, pelo intercomunicador, que um toxicodependente caiu de um penhasco. Os dois agentes descem à clareira para observar o acidente. Enquanto não chega a ambulância regulam o trânsito. Quando saem dali, avistam um toxicodependente sem abrigo conhecido na área que decidem revistar. O encontro é marcado pela hostilidade. Os agentes dirigem-se depois à praça principal do bairro da droga, aí permanecendo algum tempo a observar os transeuntes. Durante quase uma hora ali observam também colegas, fardados ou à civil. Ao aproximarse o fi nal do turno, voltam às ruas da parte de cima, param num bar e, por fim, regressam à esquadra "sem novidade", sem ocorrências a registar, prontos para serem rendidos por outros dois agentes.

Embora os agentes que patrulham a pé tenham margem de liberdade para defi -nir percursos, o pedaço de área policiado é predefi nido. O desenho da sequência no mapa (Figura 2) evidencia que o raio de acção é relativamente reduzido e o território policiado circunscrito. Nunca chegam a percorrer num turno a totalidade da área de esquadra. Este é um serviço de extrema exposição pessoal, onde os agentes podem ser frequentemente interpelados por cidadãos. A sua presença nas ruas produz-se no sentido de estarem simplesmente presentes, em cada esquina e em cada lugar. O objectivo é sobretudo demover os citadinos de prevaricar, inibir e desencorajar actos ilícitos. Assim, as ruas seleccionadas pelos agentes para a itinerância mais rotineira são aquelas onde podem ser vistos, ruas frequentadas e movimentadas. Tal táctica acaba por protegê-los de algum perigo a que possam estar expostos. Quem percorre as ruas mais escondidas ao ponto de as conhecer a fundo são ou os agentes à civil, "invisíveis", ou pelo menos mais "destemidos", porque sem farda, ou os agentes do carro-patrulha, até onde o veículo lhes permite penetrar.

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Figura 2. Sequência dos agentes apeados.

Numa certa medida, os agentes a pé são os polícias socialmente mais controlados. Primeiro, têm menos liberdade e são mais supervisionados pela organização e pelos superiores. Segundo, são controlados pelo próprio público, na medida em que deles se exigem determinados comportamentos de simpatia e conhecimento da cidade. De acordo com os agentes experientes dos carros-patrulha, os que caminham a pé são ironicamente designados como guias turísticos e, num sentido mais crítico, como os cabides da organização. Por isso os agentes a pé defendem que o seu serviço pode ser física e psicologicamente desgastante. A pressão interna dos superiores para que estes agentes produzam indicadores criminais colide com a pressão externa quando os polícias são mais interventivos nas ordens sociais locais. Muitos agentes preferem defender a sua própria imagem, pessoal, poupando-se a intervir emsituações irregulares. Pressentem que as mesmas lhes trarão dissabores junto de residentes dos bairros que revêem diariamente, sobretudo nos bairros da parte de cima.

Quando a actividade se reduz à simples produção de visibilidade, as pausas podem ser verdadeiras oorrências e quebrar rotinas. Os turnos tornam-se subjectivamente mais longos. A intensa sociabilidade entre colegas e a escuta de comunicações (pelo rádio)
lembram, a todo o momento, que o trabalho considerado profi ssional (ou operacional) está a ser desempenhado por colegas automobilizados. Se é verdade que as interacções com citadinos se dão em situações relativamente pouco problemáticas, à excepção dos problemas de estacionamento que podem atingir grande animosidade, a actividade, por ser pouco exigente em termos profissionais, é encarada como monótona. A norma é fi ndar o turno à hora certa, chegar junto à banca e declarar: "Serviço sem novidade" (frase que entretanto é usada pelos agentes do carro-patrulha para ridicularizar o serviço a pé). Para a maiora dos agentes, passar pela patrulha a pé é uma fase obrigatória da vida profi ssional, sendo que é para os carros que a maioria dirige as suas apetências. Chegamos assim à situação paradoxal do serviço: se na organização o estatuto do apeamento é quase nulo, frequentemente desconsiderado e muitas vezes indesejado, na comunidade ele continua a ser requerido e a tradição do "polícia em cada esquina" uma exigência social recorrentemente reclamada.

De seguida, surge um outro exemplo a partir da descrição de um serviço do carro-patrulha, também retirado dos diários de campo.

Os agentes do carro-patrulha entram ao serviço numa tarde quente de Verão. O condutor e o "arvorado"- quem se encarrega de resolver e registar as ocorrências de rua - trabalham juntos há um ano. Conhecem-se bem. Têm já quase uma década de experiência de polícia. Vão resolver o "caso das urnas", uma ocorrência complicada que envolve animais mortos no andar de um prédio devoluto. Regressam à esquadra e comunicam com as entidades sanitárias. Passado algum tempo conseguem usufruir de uma pausa, parando finalmente num bar. Mas recebem logo uma chamada da esquadra. É preciso conduzir um colega doente à paragem do autocarro. Resolvem depois circular pelas ruas dos bairros da parte de baixo da área, olhando em volta enquanto aguardam a qualquer momento uma ocorrência que os pode levar a outro ponto da área. Avistam dois transeuntes de "raça negra", como dizem, que consideram suspeitos, talvez novos trafi cantes e pedem-lhes identifi cação.

Não querem voltar a vê-los por ali, dizem. Voltam à esquadra. Levam documentação escrita até à sede da divisão (unidade que supervisiona a actividade de várias esquadras). Voltam ainda à esquadra para tratar de questões pessoais. Sensivelmente a meio do turno são chamados para resolver um "furto de viatura com acidente" perto de uma auto-estrada. Os agentes ligam as sirenes, conduzem a alta velocidade até ao local do acidente. Certificam-se que não existem feridos. Chamam pelo intercomunicador uma brigada de trânsito e regulam a circulação até tudo voltar à normalidade. Ouve-se que o assaltante foi interceptado noutra área por colegas de outra esquadra, também de um carro-patrulha. Ainda irão transportar o registo do "caso das urnas" à esquadra vizinha, onde o processo vai ser arquivado. Já próximo do final do turno, os agentes do carro-patrulha fazem uma pequena paragem num bar. À saída, interpelam uma mulher que conduz sem cinto de segurança. Antes da rendição, o carro-patrulha é chamado à esquadra, levanta todos os registos do dia que irá conduzir à sede da divisão. Regressam por fimà esquadra para redigir o relatório de serviço e escrever a ocorrência do furto. Isto fará com que terminem mais tarde do que os colegas o seu turno.

Pode dizerse que a patrulha automóvel surgiu em parte a desterritorializar a actividade, cada vez mais assente na resposta a ocorrências e num comando à distância (via as intercomunicações). A circulação gerada pelo carro-patrulha, o rodar ou o girar, como lhe chamam, é um intervalo contínuo entre as chamadas a ocorrências, que desencadeiam a acção (Figura 3). Ao contrário dos que caminham a pé, aqui o que define os circuitos não é um conjunto de ruas para onde os agentes se devem dirigir. Esta viatura está na base de uma perspectiva de polícia como serviço de emergência. O serviço define-se pelas exigências da cidade, dos habitantes que usam a polícia sobretudo para restabelecer ordens locais e intervir em conflitos que eles mesmos são incapazes de resolver. O objectivo dos agentes é chegar aos locais e resolver os problemas que encontram, quer logo situacionalmente e num plano de mediação directa, quer num plano legal e já envolvendo processos escritos, remetendo para uma mediação indirecta. Este serviço oferece muitos resultados à esquadra, pois em grande medida é ele que evidencia e dá visibilidade ao trabalho desta no contexto da organização. Diz-se que "trabalham para a estatística".16

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Figura 3. Sequência do carro-patrulha.

É perceptível no mapa que o raio de acção do carro-patrulha na área é extenso e em alguns casos pode ir além dos limites administrativos de supervisão para cada esquadra. Os agentes das viaturas trabalham em rede, entre eles, criando uma outra escala de

interacção paralela à da esquadra. Por isso é que os polícias do carro-patrulha de uma esquadra procuram geralmente reforço num congénere de outra esquadra, e não nos agentes que patrulham a pé ou noutras viaturas da unidade a que pertencem. Os territórios observados são amplos e os acontecimentos que convocam a presença do carro-patrulha são muito variados. Tal faz com que neste serviço os agentes controlem micromovimentos e relações sociais das ruas que só muito tibiamente se dão a observar aos que patrulham a pé e a agentes de outros serviços. Os agentes do carro estão mais libertos de constrangimentos sociais e organizacionais directos do que os agentes a pé; diz-se que estão menos expostos e que estão protegidos das ruas pela viatura. Por seu lado, a organização apenas lhes pede que estejam operacionais para responder a ocorrências. Têm ampla margem de escolha nas suas itinerâncias, e as opções de circulação dependem das rotinas estabelecidas por cada dupla no carro. Assim, não só têm mais amplitude de circulação como mais liberdade para gerir os giros e as ruas da itinerância. Tal circulação tem as suas selectividades. Ou percorrem ruas onde possam observar ilícitudes, mesmo que à distância ou, pelo contrário, estacionam em pequenos refúgios públicos (pátios, ruelas, vielas, becos sem saída, jardins...) onde possam repousar do movimento da cidade.

Para os agentes do carro-patrulha a surpresa e o imprevisto são uma rotina. Nenhum agente que entra neste carro sabe exactamente se sairá a horas ou se irá ter de interromper as férias ou as folgas para testemunhar em tribunal por um caso que assinou. Quando o turno começa nunca se prevê como irá ser, se acelerado ou calmo, ou a que horas será concluído. A variação pode depender de algumas dinâmicas de grupo e de patrulha. Diz-se que uns agentes "atraem serviço", que poucos chegam mesmo a "procurar serviço", provocando ocorrências, e que alguns "fogem do serviço". Mas o que defi ne a dinâmica são as chamadas locais. O tempo das ocorrências nem sempre se encerra no tempo burocrático dos turnos. As ocorrências podem ultrapassar os horários de trabalho, envolver os agentes em operações, averiguações, identifi cações, pequenos interrogatórios, registos, etc. Muitos agentes quando falam do que os atrai na polícia referem a liberdade das ruas, a possibilidade que lhes oferece a movimentação do carro, a operacionalidade e a maior capacidade de contornar a monotonia e previsibilidade dos serviços a pé.

Assim, os turnos podem ser preenchidos por ocorrências. Mas a cidade também pode estar silenciosa e não ocorrerem chamadas, como nos mais calmos turnos nocturnos. Nessa altura é preciso saber viver as paragens com pausas simples, subtraídas à obrigação da visibilidade. Quando os turnos são muito operacionais diz-se que o tempo de trabalho voa; quando são parados tornam o tempo da patrulha interminável e pesado. A rua do carro-patrulha é, simultaneamente, a rua das ocorrências e situações e a rua ampla, lata, multiforme e polissémica. Os acontecimentos que requerem a presença policial imediata são a razão de ser desta viatura. Os encontros com citadinos estão geralmente restritos a um quadro de tensões e conflitos, o que faz com que se acredite que estes polícias enfrentam mais problemas no trabalho. Esta é a característica que torna o serviço desgastante, o facto de "lidar com a humanidade no seu pior", como me referiu um agente.

O serviço é desejado pela comunidade como serviço de urgência, para resolver problemas mas, à sua passagem, o carro é percepcionado como distante e algo desinteressadamente pelo citadino transeunte. Do ponto de vista organizacional, este é o serviço de esquadra mais valorizado, para onde os agentes devem evoluir e onde trabalham os mais carismáticos. Simbolicamente, o carro-patrulha é hoje mantido como o ex-libris das esquadras, e os agentes mais séniors e experientes muito considerados dentro das unidades.

Por fim, de modo a ilustrar a variação dos serviços policiais de esquadra, forneço uma breve descrição etnográfica de um turno desenvolvido nos programas de apoio ao idoso.

Num turno de uma manhã de Inverno a agente do programa "Idosos em Segurança" começa por escrever uma participação sobre um sujeito que tem danificado carros de vários residentes. O infractor, considerado "louco" mantém uma atitude agressiva e pouco civilizada, defende. Diz que já esgotou toda a negociação. Uma vez terminado o relatório, segue para as ruas. O seu trajecto é quase sempre o mesmo, da esquadra até um pequeno jardim situado no coração do bairro da parte de cima, onde geralmente encontra vários idosos conhecidos. Até chegar ao destino, durante o caminho, é constantemente interpelada por comerciantes locais e idosos cambaleantes. Falam-lhe das doenças que transportam, do mal-estar da velhice, de alguns problemas de vizinhança e familiares, e agradecem-lhe a ajuda que lhes prestou em certo momento das suas vidas. Algumas mulheres prometem oferecer pequenos presentes para os filhos. É conhecida pela "menina agente". Alguns idosos têm o seu número do telemóvel de serviço. A polícia segue em direcção a um prédio onde sabe existir uma situação de uma velhota que vive isolada, não sai de casa e que começa a ser considerada um perigo para si mesma e para a saúde pública. A agente diz que foi avisada pelos vizinhos, mas não sabe ainda como actuar neste caso. De seguida vai a dois centros de dia transmitir informações sobre um "burlão" que anda a roubar na área e que já enganou duas velhinhas. No primeiro centro de dia, numa sala anexa à igreja do bairro, a agente é entusiasticamente recebida por uma vintena de idosos de baixa renda que aguardam o almoço. No segundo centro, também anexo a uma igreja, mas com uma população mais reduzida, de classe média, a agente alerta para os mesmos problemas que afectam sobretudo os idosos que vivem sós. Findo o turno, regressa à esquadra onde a aguarda o colega que irá desempenhar o mesmo trabalho da parte da tarde, enquanto redige o relatório de serviço do dia.

A actividade desenvolvida nos chamados programas da proximidade orienta-se a partir de uma rede de relações interpessoais e na interacção face-a-face com pessoas, grupos e instituições locais. O serviço deixa de ser a imagem da organização "na" comunidade para passar a ser a relação da organização "com" a comunidade. Há toda uma mudança na forma como a actividade é referenciada no território (Figura 4). São os encontros inter-pessoais que marcam os turnos e a orientação das sequências é condicionada por estes. Assim, as sequências percorridas são geralmente curtas e entrecurtadas pelos contactos. O movimento da agente faz-se pelos lugares onde estão as pessoas, nas residências, centros de dia e lares, jardins públicos, mercados e lojas... O ritmo da actividade é mais constante, as pausas menos centrais nas rotinas. A agente trabalha para ajudar a encontrar soluções de subsistência para pessoas carenciadas, que podem incluir formas de segurança e higienização dos bairros. A função deixou de ser precaver e inibir comportamentos (como nas patrulhas a pé) ou resolver situações (como no carro-patrulha) e passa sobretudo por apontar soluções para problemas de pessoas. As soluções são aqui menos provisórias do que no caso do carro-patrulha e tendencialmente menos penais.

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Figura 4. Sequência da proximidade (idoso em segurança).

O sistema de comunicações interno é menos determinante na actividade da proximidade. O uso dos telemóveis abriu uma via de comunicação directa entre os agentes e a comunidade, sem passar por uma central ou pela esquadra. Os agentes da proximidade podem também passar mais tempo na sede da esquadra, a tratar de assuntos burocráticos ou a estabelecer contactos inter-institucionais. Mas são ali frequentemente visitados por idosos ou comerciantes que já os conhecem. A proximidade levou assim mais citadinos às esquadras, promovendo a abertura da sede policial local à comunidade.

Os turnos são relativamente previsíveis e até mesmo programados. A aleatoriedade, embora sempre presente nas itinerâncias dos agentes de esquadra, é aqui reduzida como princípio de circulação pelas ruas. A percepção do tempo depende da "agenda" de cada polícia, das tarefas que cria, grau de iniciativa e do investimento de cada um no trabalho. Não só os agentes estão mais expostos na comunidade local como desenvolvem, frequentemente sem treino e no decurso da prática, estratégias de comunicação, neste caso como os idosos. Com a especialização surge uma certa desvinculação de tarefas tradicionais da patrulha. Estes agentes geralmente não se representam nem são representados como vulgares patrulheiros. Os agentes da proximidade têm um conhecimento mais profundo dos problemas sociais perenes das cidades como a pobreza e o isolamento extremos. Muitos manifestam a impotência do serviço policial para resolver problemas sociais. Na cultura profi ssional, os serviços da proximidade avivam as ambivalências profundas e tradicionais do mandato policial: entre apoiar e controlar (Cumming et al. 1973). Isto gera resistências e adesões, dividindo os polícias entre si.

Não por acaso, a proximidade surgiu como uma das formas para a organização conservar as mulheres agentes nas esquadras sem ameaçar o status quo masculino tradicional (Durão e Leandro 2003). Quase todos os programas têm geralmente um elemento feminino. Na verdade, não é fácil para os comandantes seleccionar agentes masculinos para os programas. Primeiro, porque estes tendem a ser vistos como "serviços sociais" e por isso rejeitados pela maioria, argumentando que não desenvolvem "verdadeiro trabalho policial". Segundo, o colectivo das esquadras de Lisboa é geralmente muito juvenil e a maioria dos agentes está numa situação de passagem (num movimento acelerado de mobilidades entre outros serviços, esquadras, comandos do país, etc.), o que reduz o tempo e a história necessários para implementar relações locais sustentadas pelas afectividades do interconhecimento. O saber territorial dos agentes da proximidade e a sua actividade baseia-se numa rede de relações interpessoais que vai crescendo com o tempo de permanência na esquadra, com o "tempo dos afectos" e com discussões intermináveis com os seus colegas para os convencer da intensionalidade e utilidade da sua acção. A partida dos "militantes da proximidade", como lhes chama Katane (2002: 73), para serviços mais prestigiados ou para outras cidades leva a colocar em causa todas as redes estabelecidas e por vezes conduz ao questionamento dos próprios serviços "que apenas se mantêm por decreto oficial", como me referiu um comandante. Neste serviço, mais do que em qualquer um dos outros, a actividade tende a coincidir com o polícia executante. Em quatro anos de permanência na esquadra - que coincidiu com o tempo de implementação do programa desde 2000- a agente elaborou uma lista de 100 casos de idosos que procura de alguma forma apoiar. No dia em que for transferida para o Porto, seguindo o seu marido, também ele agente17, todos sabem, na esquadra e nas várias instituições locais, que os idosos irão chorá-la. É que neste caso, o serviço é a agente. Do prisma dos citadinos, os serviços da proximidade têm rostos, não apenas fardas.

MUDANÇAS E CONTINUIDADES NA PATRULHA E PROXIMIDADE

A cidade é em grande medida a relação pessoal que estabelecemos com ela, a cidade relacional, da rua, dos percursos, da paisagem, da deambulação e da conversação. A cidade deve ser aprendida. "Le trajet dans l'espace urbain est à la foi enseignement et découverte" (Roncayolo 2003: 62). Os agentes, na sua socialização profissional das ruas, estabelecem diferentes roteiros do policiamento e desenvolvem diferentes saberes contextualizados que, com base no que foi dito, merecem agora ser sintetizados. Os agentes que patrulham a pé apoiam-se sobretudo num "saber toponímico e observacional", num saber pedestre. Nas suas itinerâncias vão olhando as placas com os nomes das ruas em cada esquina e com a persistência dos dias acabam por fi xá-los e por organizar cognitivamente uma visão de conjunto. A imagem mental da área produz-se pela experiência. A percepção do meio envolvente é um itinerário contínuo de movimento, um "path of observation" (Gibson 1979; in Ingold 2004: 331), estando a percepção e a cognição dependentes do modo como se anda, da locomoção. "Walking is itself a form of circumambulatory knowing" (Ingold 2004: 331). Há uma inteligência do andar. Os agentes interpelam alguns citadinos, mas podem passar-se muitos turnos em que não iniciam contactos interpessoais e não são solicitados senão para informações geográfi -cas localizadas. Toda uma socialização profissional é feita através do movimento pedestre, nas "enunciações do caminhar" (De Certeau 2000: 109). Nas primeiras vezes que pisam as ruas os agentes aprendem a não se perder no território e a fazer-se socorrer pelo rádio que os liga à organização. Durante o período da reciclagem, um mês em que geralmente são acompanhados por agentes mais velhos em patrulhas a pé. Muitos, quando começam a patrulhar sós, apenas vários meses depois, e à medida que se familiarizam com o território, se reconhecem na função e na farda que vestem: "É viver com a pressão da farda e de na rua ser sempre um alvo", como referiu um agente.

Os agentes no carro-patrulha conquistam um "saber topográfico, operacional, mais actuante e legal". Por percorrerem a área em toda a sua extensão e responderem a ocorrências em muitos lugares, estes agentes controlam um saber intersticial ímpar na organização. Tal saber leva-os mesmo a desafiar a ordem hierárquica e a reafi rmar as ruas como o "seu território". Por exemplo, quando o oficial de dia (aquele que supervisiona o trabalho dos agentes) procura localizar um carro- patrulha nas longas madrugadas, os agentes podem iludi-lo, estacionando em ermos e ladeiras da área que na hierarquia policial só eles conhecem e "dominam". Com os anos, e com a conquista da possibilidade de fazer trabalho mais operacional, nas viaturas policiais, os agentes recentram a atenção nos casos, situações, ocorrências, nos suspeitos. Há como que uma reaprendizagem de funções que deixa de estar assente na relação directa com o território, mas antes o usa para os seus fins. Sobretudo em turnos mais movimentados, as ruas são percorridas para chegar a ocorrências. Estas são o intervalo de tempo-espaço entre o seu centro de interesse: os distúrbios, as desordens, os eventos policiais. Ambos os serviços, patrulha a pé e auto, são marcados por uma certa distância face aos citadinos, mantendo os contactos e interacções sociais reduzidos ao mínimo. Por isso estes polícias dizem trabalhar para o público. O lema que defendem é: "Não nos podemos envolver muito. Só temos que resolver os problemas e seguir em frente, voltar ao giro..." Com a experiência são os saberes legais, convocados pelas ocorrências, que começam a desenvolver.

Na proximidade, os agentes implementam um "saber relacional e em rede", um saber que acaba por ser tão ou mais importante do que o dos colegas patrulheiros para a manutenção de ordens sócio-espaciais locais, nesse equilíbrio entre ordens sociais e morais alimentado pelas práticas microscópicas dos polícias, mas evocando agora diferentes formas de autoridade (Goldstein 1977). Por isso os agentes nos vários programas defendem trabalhar com comunidades (de idosos, escolar, comercial) e pessoas (velhinhos, alunos, funcionários, professores, lojistas). Neste serviço, a iniciativa de contacto com pessoas para o estabelecimento de uma rede local de relações é o eixo que orienta a actividade e leva a uma maior selecção das ruas e lugares a calcorrear. Na experiência social local, os citadinos sabem distinguir um agente da proximidade de um patrulheiro. Não que existam distinções materiais visíveis nas fardas. O inter-conhecimento e a força da palavra informal - as narrativas e os rumores da cidade (Roncayolo 2003: 62) - criam esse saber partilhado. Assim, se os agentes no carro-patrulha precisam de disponibilidade e dedicação, a patrulha a pé e, sobretudo, a proximidade precisam de tempo-duração para se implementarem. O tempo histórico da proximidade é curto e por isso os seus serviços ainda estão em larga medida por fixar, sobretudo numa escala mais ampla da actividade policial que possa infl uenciar as filosofias e práticas da patrulha tradicional.

As diferenças detectadas nos serviços de uma polícia de esquadra permitem desmistifi car a ideia de que a actividade policial em contexto é homogénea e indecifrável por ser eminentemente opaca nas suas políticas da acção (Palacios Cerezales 2005). A pluralidade policial é um facto e a abertura da organização à mudança das filosofias do policiamento de proximidade, caracterizada como uma "revolução silenciosa" (Matrofski 2002), parece ser uma realidade. Todo o texto evidenciou, com a preciosa ajuda da minúcia etnográfica, que o trabalho policial não é unívoco.

Todavia, alguns entendimentos e consensos territoriais permanecem a guiar os diferentes serviços. A variação profi ssional expressa nos diferentes serviços e sequências do policiamento não tem expressão recíproca nos territórios policiados, perpetuando assim, de diferentes modos, ordens morais que segmentam os espaços da cidade. Pode dizer-se que uma mesma cartografia profissional e moral é produzida a partir dos diferentes roteiros do policiamento. Há uma divisão sócio-espacial que atravessa e produz essa cartografia. Na parte de cima, nos bairros de classe média, as visibilidades policiais são geralmente passivas e os citadinos, considerados cidadãos a proteger. Na parte de baixo, as áreas marcadas pela probreza são homogeneamente tidas como lugares e territórios de tráfico de droga, a presença policial é ostensiva e os territórios devem ser controlados. Assim, os polícias são parte integrante de culturas urbanas, integram o mapa de ordens políticas para a cidade, nesse efi caz e disseminado exercício de micro-poder (Foucault 1975).

É de notar que mesmo a actividade da agente da proximidade ocorre e é desenvolvida na comunidade da parte de cima. Embora a pobreza entre idosos aperte certamente na parte de baixo, esta é ocultada nos discursos policiais anti-droga. A pobreza silencia-se por trás de portas fechadas aos agentes; em lugares onde rareiam instituições de solidariedade, onde os habitantes não têm representantes ou porta-vozes locais. Os polícias, a organização e o Estado vão esquecendo os idosos desses lugares, porque as ruas dos seus bairros não são incluídas nas itinerâncias dos polícias da proximidade. Tais idosos surgem menos nos registos, relatórios e redes de inter-ajuda policiais e locais. São as ocorrências que levam os agentes, sobretudo no carro-patrulha, a contactar tais pessoas, geralmente já num contexto problemático, em situação de distúrbio, desordem ou violência. Tal resulta no adensamento da ambiguidade da actividade policial entre o apoio e o controlo de pessoas. Tal ambiguidade, nos espaços da cidade onde resvala para o lado do controlo, leva facilmente a deslocar a acção da rede de solidariedades locais para as redes da justiça. O movimento dominante dos polícias nessas partes da cidade, nesses bairros da droga, tende a ampliar a sua acção penalizadora e criminalizante. Este movimento sublinha distâncias e adia as proximidades.

As mudanças na filosofia organizacional não têm assim um impacto análogo em todo o território. Asinovações da proximidade difi cilmente chegam aos territórios mais estigmatizados pelos polícias, pelo poder e pelos próprios habitantes que participam no processo (cf. Katane 2002). Mesmo se diferentes sequências do policiamento apontam diferentes lógicas de entendimento da actividade que podem anunciar a aproximação da polícia e do Estado aos citadinos, elas evidenciam também a tendência policial para separar colectivos, para uma certa selectividade da aplicação dos seus recursos de controlo e apoio, para perpetuar, de novas formas, uma separação entre quem está do lado de cima e quem está do lado de baixo da área e da sociedade. É assim que sequências, itinerários e incidências quotidianas do policiamento ajudam a criar "regiões moralmente diferenciadas na cidade" (Agier 1996: 39-40). Os efeitos das itinerâncias policiais produzem guiões que são lidos e relidos nas sociedades, em particular nos canais mediáticos e nos canais da justiça. Este texto pretendeu assim demonstrar como as cartografias sócio-policiais merecem tornar-se objecto de estudo e ser examinadas de perto, nas suas práticas materiais e extensões simbólicas.

O processo de transformação das políticas do policiamento é gradual e convida, por múltiplos caminhos que se prendem com orientações globais e acontecimentos mundiais - em particular após os atentados terroristas de 11/09 e toda a reacção mundial que se lhe seguiu (AAVV 2004) - a que se encare o trabalho de polícia na segurança pública como trabalho eminentemente anti-criminal. As influências globais no sentido de isolar e tornar alvo preferencial das polícias os factores criminais podem modificar políticas nacionais, mesmo quando os contextos conhecidos as contrariam. Tal é tanto mais evidente quanto o contraste que resulta entre o que é estatisticamente assinalável no trabalho dos polícias - o seu trabalho continua a ser sustentado por uma série e plural forma de actuação e de resposta a demandas sociais para a sua acção - e o que é estatisticamente revelado, analisado e publicado: o trabalho considerado e classifi cado como criminal.18

O exercício etnográfico aqui proposto surge a ilustrar ambiguidades que atravessam o sistema policial português contemporâneo e de ponta a ponta - as diferenciações territoriais (na parte de cima e na parte de baixo); as diferentes investidas policiais e frequência de presença nesses territórios; a dificuldade em conjugar a assistência a pessoas e o controlo do crime... As particularidades de cada serviço não são meras valências funcionais mas implicam efectiva diferença de filosofia e apontam para mudanças a ocorrer no policiamento. Mas mesmo nos serviços de primeira linha, onde menos probabilidades existem para que os agentes actuem directamente em realidades criminais, já se desenham tendências onde este é o vector privilegiado de leitura da actividade policial.

Agradecimentos

Agradeço o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia português, e ao programa POCTI, que me permitiram desenvolver a pesquisa de doutoramento (Durão 2008a). A tese pode ser lida integralmente em https://repositorio.isctept/handle/10071/274. Agradeço a concepção gráfi ca dos mapas a Carlos Vieira Reis. Gratidão a Laura Zapata pela leitura da primeira versão deste texto com contributos críticos muito estimulantes e a Rolando Silla pela tradução do resumo para castelhano. Agradeço ainda os estimulantes comentários dos revisores anónimos.

NOTAS

1 Em Portugal a esquadra de polícia representa a unidade mínima organizacional mais próxima dos cidadãos. Em geral as esquadras estão inseridas na malha urbana e é a partir delas que se orienta o patrulhamento de rotina. Tem um serviço de atendimento e recepção de denúncias durante as 24 horas do dia. Actualmente, o número de efectivos por esquadra varia entre os 60 e os 100 polícias, distribuídos em cinco grupos que fazem escalas ininterruptas. Em termos de comando, as esquadras dependem das Divisões, que por sua vez dependem de um Comando Metropolitano que está sob as ordens de um poder centralizado na Direcção Nacional e este do Ministério da Administração Interna, já que se trata de uma organização de polícia nacional. Fazendo uma tradução para o contexto brasileiro, por exemplo, diria que a esquadra se situa entre o batalhão da Polícia Militar e a delegacia da Polícia Civil. Neste caso, os agentes da polícia que trabalham em esquadras são todos eles inteiramente responsáveis pelo ciclo completo da actividade de policiamento: desde a patrulha na rua, isolada, em duplas ou em grupos, ao registo escrito e acompanhamento com testemunha dos processos em tribunal. Foi nas esquadras que efectuei grande parte do meu trabalho de campo, embora fazendo também visitas esporádicas a outras unidades especializadas da mesma força policial.

2 Tem-se verifi cado um agravamento da desigualdade económica em Portugal, incidindo sobretudo em crianças e idosos. Face aos restantes países da União Europeia, Portugal situase no grupo dos 10 Estados Membros com taxa de risco de pobreza superior à média europeia de 16% (Instituto Nacional de Estatística, Outubro 2007). Uma em cada cinco pessoas (21% da população) vive abaixo da linha da pobreza e o risco de persistência na pobreza é de 15%. No final de 2007 Portugal atingiu a sexta posição entre os países mais pobres no ranking do PIB per capita, em paridade de poder de compra da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE). A riqueza nacional portuguesa vale menos 28 por cento que a média dos países "desenvolvidos". Mas apesar de terem menos rendimentos, os portugueses mantêm um ritmo de consumo idêntico ao de outros países, o que tende a gerar um aumento do fenómeno de sobre-endividamento familiar e a potenciar situações de pobreza.

3 No documento considera-se que entre 1996 e 2006 os rácios de criminalidade global participada por 1000 habitantes evoluíram apenas 2,3%, considerados baixos quando comparados com outros países europeus onde os mesmos podem chegar a 4% e 6%, e mesmo assim ainda ser considerados patamares baixos (Relatório Anual de Segurança Interna 2006: 51).

4 De forma mais difusa, têm estado em foco em Portugal outro tipo de fenómenos, que fazem contrastar a percepção social com os factos delatados e litigados. Estes parecem relevar de factores sociais complexos do funcionamento do sistema político democrático e das instituições da justiça: crimes associados ao futebol profi ssional; casos de abusos de menores em instituições do Estado; crimes de corrupção com participação de agências do Estado, do poder autárquico e de grandes empresas; fi nanciamento indevido de partidos políticos, etc.

5 Um certo discurso das ciências sociais tem contribuído para esse retrato, como quando se diz que Portugal seria um país semiperiférico no contexto europeu, caracterizado por "uma descoincidência articulada entre as relações de produção capitalista e as relações de reprodução social" (Santos 1990: 109).

6 Segundo os autores, este modelo tem uma estrutura organizacional dualista em relação aos seus maiores corpos de polícias: uma polícia com estatuto militar, para cobrir áreas rurais, e uma outra civil, para áreas urbanas. Além disso, é muito centralizado na capital do país, ou seja, existe uma responsabilidade das polícias perante o poder central. Este difere do chamado "modelo nacional", predominante no norte da Europa (com uma organização policial única); e do "modelo descentralizado"característico dos países anglo-saxónicos (quer o anglo-holandês; quer o americano-germânico). Destes grandes modelos organizacionais discorreram diferentes estilos de policiamento que no presente, todavia, tendem cada vez mais a confl uir e a tornar-se híbridos.

7 Em 2007 a PSP contava com um total de cerca de 22 mil efectivos. Era o segundo maior corpo de polícias, pois a GNR tinha cerca de 26 mil, prevendo-se um aumento 1000 efectivos em cada força para 2008. Ambas têm trabalhado, até aqui, com grande autonomia organizacional. É de notar que ao contrário da PSP a GNR se manteve amplamente militarizada.

8 Notícias como "Ministro quer tirar polícias das secretarias da PSP" são muito frequentes (cf. Diário de Notícias, 09/11/2004). Recentemente, em Março de 2008, quando um novo Director Nacional da PSP tomou posse, na primeira declaração que fez aos jornalistas sublinhou a motivação de racionalizar o pessoal. Os sindicatos manifestaram de imediato a necessidade de mais agentes nas ruas, mesmo se os dados estatísticos continuam a apontar a existência de um dos maiores racios de polícias por número de habitantes da Europa.

9 O dispositivo policial do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP não tem correspondência directa com as fronteiras administrativas do plano político e municipal da "Área Metropolitana de Lisboa" [AML], mais ampla do que o primeiro. Ainda assim, tenhamos esta área por referência. A AML tem a maior concentração populacional do país. De acordo com os dados preliminares do último recenseamento geral da população residiam na AML, em 2001, 2 662 949 habitantes, cerca de ¼ da população portuguesa, então com quase 11 milhões de habitantes. Deste total 20,9% habitam na Grande Cidade de Lisboa. Nos 3 128 km2 da AML (3,3% do território continental de Portugal) residiam 27,1% da população de Portugal continental, e com uma população activa de cerca de 1,3 milhões de pessoa. Estão sedeadas na AML cerca de 30% das empresas nacionais, 32,7% do emprego nacional e na contribuição para o PIB ultrapassava os 36%. (Área Metropolitana de Lisboa 2006).

10 É preciso lembrar que de acordo com dados de 2004, que me foram fornecidos pelas entidades administrativas da Direcção Nacional da PSP, se estimava existirem 340 esquadras em todo o país, número que veio a reduzir em anos subsequentes.

11 Estas subunidades da PSP mais recentes, consideradas "mais profi ssionais", como os corpos onde a identidade surge ocultada (o GOE, por exemplo), a recém criada ASAE ou o Grupo de Explosivos e Armadilhas, e todo o complexo da segurança privada, já surgem fundamentados por um novo paradigma de apresentação social visível das Forças: são polícias de preto. Evocam, por um lado, uma dimensão de actuação paramilitar, e como bem lembrou Barbosa (2006) para o caso brasileiro são desterritorializados, actuam em "bando" no sentido de caçar e aniquilar outros bandos (de criminosos). Trata-se de enfatizar a velocidade reactiva. Por outro lado, criam uma ideia de posse de um tipo de efi ciência técnica e mesmo tecnológica impar, simbolizando os uniformes uma certa chegada da modernidade, da novidade histórica às polícias.

12 Tal está integrado no mais alargado "Programa SIMPLEX" que pretende transformar e aligeirar os procedimentos da burocracia de Estado portuguesa.

13 Daí começaram a surtir iniciativas que, num certo sentido, facilitam algumas tarefas, entre as quais se destaca a possibilidade de denúncia dos cidadãos via Internet. Por seu lado, no caso da PSP, o projecto-piloto, "Esquadra XXI", no Estoril, pretende ser o exemplo de esquadra do futuro, onde são testados benefícios e eficácia das novas tecnologias e onde, ao contrário de todas as outras, tem um portal de Internet próprio.

14 "Escola Segura", "Idosos em Segurança", "Comércio Seguro" e, de forma muito ténue, "Apoio à Vítima" são os programas que funcionam há mais tempo. Outros se sucederam: "Operação Férias", "Táxi Seguro" e, de forma menos organizada, "Violência Doméstica". Apenas recentemente começa a ser reflectido no seu conjunto este tipo de modelo policial, concretamente através do "Programa Integrado de Policiamento de Proximidade (PIPP)", numa fase de experimentação inicial no país e longe de receber unanimidade quer nos circuitos do poder político quer nas elites policiais.

15 Apenas a título de exemplo podem referir-se as considerações de Bayley (1994) quando defende que a polícia tem menos a ver com a resolução de crimes do que se julga e que ganharia em consolidar a sua acção nas questões menores, no patrulhamento das ruas, na resposta a chamadas, na regulação do trânsito. Só quando for seriamente considerada a disposição descentralizada do trabalho policial, oferecidas mais responsabilidades e qualifi cação aos agentes e reconhecido que são eles que constituem o mais nuclear trabalho da polícia, esta sofrerá uma radical mudança. Em uníssono, Manning (2003, 2004) tem defendido, ao analisar os contextos pós-09/11, que toda a atenção nos campos da segurança interna norte-americana, e por extensão no mundo, tem sido colocada no capital político e social da mudança tecnológica e vertente anti-criminal da polícia. A atenção deveria ser recolocada no reforço de formação e qualifi cação plural dosseus agentes que têm de lidar com sociedades multiculturais das quais emergem e nas quais vivem.

16 Para se ter uma ideia, na esquadra em análise, a maior percentagem de registos é realizada pelos serviços da patrulha, 70% do total. Destes, cerca de 60% correpondem ao trabalho do carro-patrulha (cf. Durão 2008b).

17 Tal como a maioria das mulheres agentes, esta casou com um polícia que conheceu ainda no curso de polícia, em regime de internato. Ficaram ambos na mesma esquadra. Sendo originários de regiões próximas, do norte do país, aí conservam os laços familiares e aí esperam regressar ao fim de alguns anos, desde o início do percurso profi ssional. A organização ofereceu a oportunidade ao marido ao fim de cinco anos de polícia. Ela aguarda em Lisboa, com o filho, a sua vez, a sua transferência.

18 Em 2005 tive acesso à consulta e tratamento de informação registada na esquadra de onde sobressaem as notas etnográficas que compõem este texto. Nos 1346 registos totais analisados, apenas 33% eram classifi cados como processos criminais. Os restantes 67% correspondiam a registos não classificados que, embora evidenciando ilicitudes previstas nos códigos legais, tal informação não chegaria a sair do perímetro administrativo da polícia, e grande parte dela não teria sequer tratamento formal. Mesmo nos anos mais agitados, raramente o total de crimes registados ultrapassa um terço de toda a actividade registada da PSP, no seu todo, tendência que me foi confirmada para a generalidade das esquadras no Comando de Lisboa por altos oficiais.

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