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Temas medievales

versión impresa ISSN 0327-5094versión On-line ISSN 1850-2628

Temas Mediev. v.14  Buenos Aires dic. 2006

 

RESEÑAS BIBLIOGRÁFICAS

BOYER, Régis (dir.), Les Vikings, premiers européens (VII-XI siècle): les nouvelles découvertes de l'archéologie, Paris, Autrement, 2005 (285 pp., ilust.).

   No medievalismo europeu, os estudos de escandinavística estão tendo cada vez mais espaço e repercussão. Exposições, publicações, congressos e outras atividades acadêmicas elegem os "bárbaros" nórdicos como temas preteridos de investigação. Reflexo disso foi o colóquio internacional promovido pela Universidade de Paris-IV Sorbonne, entre 11 a 12 de março de 2004, com o tema: Les vikings, premiers Européens? Este evento reuniu alguns dos maiores especialistas mundiais nesta área, que agora vem a público na forma de um livro, organizado pelo renomado investigador francês Régis Boyer (conhecido do público hispânico pela obra La vida cotidiana de los Vikingos), professor titular de língua, literatura e civilização escandinava na Universidade de Paris-IV e fundador do Institut d'Études Scandinaves, autor de dezenas de livros e inúmeros estudos em periódicos acadêmicos.
   Boyer escreveu dois artigos, o primeiro tratando da finalidade do evento ("Porquoi un colloque sur Les vikings, premiers Européens?"), no qual discorre que a cultura, política, sociedade e economia da Europa medieval foram afetadas diretamente pela Escandinávia viking, legitimando seu estudo contemporâneo, e o desfecho da obra ("Bilan et tentative de synthèse"), no qual analisa os primeiros estereótipos criados pelos europeus sobre os nórdicos (no seu comportamento -vestuário semelhante a trogloditas-, em seus equipamentos -os fantasiosos capacetes córneos ou com asas, no seu cotidiano- o uso de crânios como taças, entre outros) até uma síntese crítica de todos os trabalhos apresentados no colóquio.
   O arqueólogo britânico Neil Price participou com o artigo "L'esprit Viking: magie et mentalité dans la societé scandinave ancienne". Nesta pesquisa, Price trata do tema da feitiçaria entre os nórdicos medievais, seus usos e aplicações sócio-culturais, suas interpretações e suas sobrevivências nas fontes literárias dos séculos XII ao XIV. A principal prática mágica estudada é o Seiðr (canto), que assume diversas formas e sentidos na sociedade, geralmente utilizada para adivinhação e malefícios. As principais funções da feitiçaria seriam o seu uso doméstico e interferência na vida cotidiana, afetando diretamente nas relações internas e externas das comunidades. Price também dedica vários momentos na interpretação de objetos encontrados em tumbas femininas, revelando diversos instrumentais das práticas de feitiçaria, especialmente bastões mágicos, que vão sobreviver na cultura popular de diversas regiões da Europa durante o Medievo. Sua conclusão aponta para melhores estudos futuros sobre a relação entre a magia dos povos circumpolares e a área escandinava, além de melhores interpretações dos vínculos entre magia e agressão na Era Viking.
   Por sua vez, a historiadora norte-americana Jenny Jochens contribuiu com o estudo "La femme viking en avance sur son temps". A investigação do papel das mulheres nórdicas é uma área promissora, que vem contando com diversas publicações recentes (inclusive na revista Temas Medievales, 12 (2004), "Mujeres en la Saga de Njal", da especialista Nelly Egger de Iölster) de autoras como Judith Jesch, Jenny Blain e Carol Clover, entre outras. Jochens investiga a situação feminina através de fontes epigráficas (inscrições rúnicas), monumentos fúnebres e comemorativos, atestando a importância delas para o controle das propriedades, dos patrimônios e mesmo do cotidiano, participando, por exemplo, da confecção das velas dos navios, sem os quais não ocorreriam as famosas expedições vikings pelo mundo. Em particular, a historiadora analisa a vida de uma famosa escandinava, Gurir Þorbjarnardóttir, verdadeiro símbolo do papel cultural desempenhado pelas mulheres nas suas comunidades e no seu tempo. Viajando para Roma, convertendo-se em freira na Islândia ou participando de cultos pagãos na Groelândia, Gurir absorvia a cultura ancestral e transmitia este conhecimento para as novas gerações. Jochens conclui que as nórdicas estavam mais avançadas em relação as mulheres das outras sociedades de seu tempo, especialmente por sua relação com a propriedade, seu papel sobre a vida econômica e sua contribuição objetiva à vida cultural: "as mulheres Vikings foram realmente as primeiras mulheres européias" (p. 217).
   Em seguida, o professor islandês Torfi Tulinius apresentou sua interessante pesquisa "La conversión du Viking: l'image du guerrier païen dans les sagas islandaises". Perpetuando uma tradicional perspectiva nos estudos literários envolvendo Islândia medieval, Tulinius apresenta uma perspectiva de influências bíblicas na composição das sagas durante o século XIII. Apesar deste tipo de literatura remeter aos tempos pagãos e parte de sua estrutura narrativa ter sido elaborada ainda no período oral, alguns elementos da composição foram influenciados pelos indivíduos que transcreveram essas fontes dentro do pensamento latinista. Assim, a própria concepção do guerreiro viking e sua antiga história foram repensadas pela moral religiosa do catolicismo medieval. Analisando especificamente a Saga de Egill Skalla-Grímsson, o professor Tulinius demonstra que esta narrativa recebeu influências diretas do Velho Testamento, como a descrição dos personagens do rei David e Bethsabée (transfigurados no comportamento de Egill e Ásgerr), Caim e Abel (transfigurados na relação entre Thórólfr e Egill), entre outras passagens da saga. Assim, o viking personificado nas sagas é por excelência uma figura da literatura e não simplesmente uma imagem histórica que a escrita preservou após a entrada da cultura e escrita latina na Escandinávia. A sua representação de submissão da ordem e da autoridade divina e terrestre (Egill perante o rei da Inglaterra) seria também uma influência implícita do pensamento cristão -sobre o papel do monarca na literatura, consultar o artigo de Nelly Egger de Iölster, "El rey y la paz en algunas fuentes nórdicas", Temas Medievales, 4 (1994)-. O trabalho de Tulinius, além de extremamente interessante a todo pesquisador de escandinavística, também é um excelente exemplo de análise comparativa e metodológica nas fontes escritas e de heurística medieval bem aplicada.
   Em outro artigo do livro, "Monuments archéologiques de l'âge viking au Danemark", a arqueóloga dinamarquesa Else Roesdahl se dedica ao debate de outros tipos de fontes para o estudo da Escandinávia medieval, as provenientes da cultura material e monumental. Nos últimos 30 anos, a arqueologia nórdica ampliou consideravelmente a lista deste tipo de materiais, criando enormes possibilidades de pesquisas e novos referenciais. Em outra resenha de nossa autoria (Revista Signum, 7 (2005), do livro The Viking Age Rune-stones) já havíamos abordado a questão da importância dos pesquisadores terem acesso a esse tipo de fonte, criando um importante comparação entre as informações escritas e as de natureza imagética ou monumental disponíveis para a área setentrional da Europa. Os tipos básicos de monumentos investigados por Roesdahl são as tumbas de nobres, tanto do período pagão quanto cristão (algumas destas construções foram erigidas após o século XI, em torno de igrejas), mas todos estavam relacionados a concepções de morte, religião, lei e natureza. A forma e a função dos monumentos era variável, conforme a região ou época, alguns tendo novos significados culturais (principalmente com a mudança de poder político e religioso). Uma constatação muito pertinente e interessante desta arqueóloga é que os monumentos nórdicos eram pouco construídos durante períodos estáveis, mas, ao contrário, aumentavam muito em quantidade durante períodos de stress (de um ponto de vista social). Outra constatação de Roesdahl é a inexistência de pesquisas sistemáticas para as inscrições rúnicas, não ocorrendo nenhum estudo global sobre sua abrangência na área escandinava, o que acaba atrapalhando maiores interpretações sobre a história e os mitos dos Vikings. O monumento mais detalhado pela pesquisadora é o de Jelling, na Dinamarca, um conjunto real, fúnebre e epigráfico, que envolve desde tumbas pagãs (do rei Gorm) até câmaras mortuárias de origem cristã (do filho de Gorm, o famoso rei Harald, Dente Azul), esta última com o maior conjunto rúnico do norte europeu. Como conclusão, a arqueóloga afirma que os monumentos arqueológicos constituem em importantes indicadores da evolução política, cultural e religiosa de cada região escandinava.
   Um dos mais importantes escandinavistas da Alemanha, o historiador Rudolf Simek, colaborou com a pesquisa "L'émergence de l'Âge Viking: circonstances et conditions". Seu inovador trabalho questiona as duas concepções mais tradicionais de explicação das causas da expansão nórdica durante a Idade Média, a fome e a superpopulação. Para Simek, as causas devem ser buscadas em três fatores conjugados: o técnico, o estratégico e o mental. No primeiro, a extrema sofisticação da engenharia e tecnologia náutica dos vikings (a mais elaborada de todo o período tardo-medieval), proporcionou desde a busca por pontos mais remotos em alto mar, quanto a possibilidade de realizar ataques e saques de surpresa pelo litoral de toda a Europa e inclusive Mediterrâneo e Oriente. O caráter estratégico demonstra que na realidade, todos os locais saqueados pelos nórdicos já eram conhecidos anteriormente, através do pacífico intercâmbio comercial e marítimo. O último fator estudado por Simek é o da mentalidade, onde os valores religiosos e sociais dos nórdicos compeliam os jovens guerreiros a buscarem aventuras no exterior para se consagrarem como adultos em suas comunidades (uma viagem de iniciação guerreira e ao mesmo tempo um sintoma de concepção ético-religiosa, ao se buscar morrer em batalha para adentrar ao Valhala).
   O epigrafista francês Alain Marez foi autor de outro artigo incluído na coletânea, "Une Europe des Vikings? La leçon des inscriptions runiques". Neste estudo, o autor faz uma ponderação sistemática sobre runologia, a ciência que investiga os vestígios de runas, a escrita dos povos germânicos desde a Antigüidade, dos quais os vikings são herdeiros. O trabalho do runologista, além de estudar lingüística e língua islandesa antiga, é interpretar documentalmente os vestígios, reagrupando os dados e classes documentais, além de averiguar a autenticidade das inscrições. A pesquisa sobre a escrita na era viking é primordial, não somente para a obtenção de novas fontes históricas, como também para entendermos processos sociais de maneira mais ampla e profunda. A exigência de gravadores especializados em runas denota a preocupação de uma elite aristocrática em obter conhecimento ao mesmo tempo em que tenta legitimar-se no poder (de forma religiosa e cultural). De maneira geral, as inscrições rúnicas são divididas em dois tipos básicos: os registros de viagens ao exterior (piratarias, conquistas, aventuras, comércios, colonizações) e a homenagem a algum falecido importante. Para Marez, os vikings foram "os artistas de uma osmose nova entre o Norte e a Europa Continental, e é sem dúvida neste sentido que podemos considerá-los como os primeiros europeus" (p.177).
   A obra Les Vikings, premiers européens é um importante referencial bibliográfico para todos os medievalistas interessados em entender como os nórdicos interferiram na formação da Europa entre os séculos VIII ao XII, tanto em suas estruturas político-econômicas quanto culturais, ocasionando um grande legado que é presente até nossos dias. Aos especialistas em escandinavística, o livro é um instrumental bem atualizado nos mais variados campos de investigação da Escandinávia medieval, especialmente os que envolvem a cultura material e literária. Nas palavras de desfecho de Régis Boyer, os vikings foram iniciadores de modernidade na Europa e não meros bárbaros selvagens provindos do Norte, ao contrário do imaginário que impera sobre este povo na cultura de massa. Resta aos historiadores do presente e do futuro a missão de investigar novas perspectivas que ainda aguardam estudos deste formidável período histórico.

Johnni Langer

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