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Mastozoología neotropical

Print version ISSN 0327-9383On-line version ISSN 1666-0536

Mastozool. neotrop. vol.14 no.1 Mendoza Jan./June 2007

 

Área de uso e utilização de habitat de cachorro-do-mato (Cerdocyon thous Linnaeus, 1766) no cerrado da região central do Tocantins, Brasil

Roberto Guilherme Trovati¹, Bernardo Alves de Brito² e José Maurício Barbanti Duarte³

¹ ESALQ/USP Laboratório de Ecologia Animal/LEA, Avenida Pádua Dias, 11, CP:9 - CEP 13418-900, Piracicaba - São Paulo, Brasil <rgtrovati@yahoo.com.br>. ² Departamento de Criação de Unidades de Conservação/IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), SCEN Trecho2, Ed. Sede, Cx. Postal 09870, Cep: 70818-900 Brasília - Distrito Federal, Brasil. ³ Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (NUPECCE) Universidade Estadual Paulista (UNESP) CEP: 14884-900, Jaboticabal - São Paulo, Brasil.

RESUMO: Cerdocyon thous é um canídeo com ampla distribuição geográfica pelo Brasil ocupando desde área abertas até ambientes florestados e na região central do Tocantins (Brasil) é um animal relativamente abundante. Entretanto, são poucos os dados na literatura que relatam o uso de habitat e a área de uso deste canídeo no bioma Cerrado. Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar o uso de habitat e a área de uso do C. thous no Cerrado na região central do Tocantins. Após a captura e o monitoramento dos animais por rádio-telemetria pode se observar que os animais utilizaram com maior freqüência o Cerrado latu sensu e strictu sensu. As áreas de uso variaram de 2.50 a 6.72 km² para o MCP (Mínimo Polígono Convexo) e de 5.33 a 7.23 km² para MH 95% (Média Harmônica 95%). A área centro (área de maior concentração de localizações MH 75%) ocupou 44% da área de uso calculada para a MH 95%. Assim o presente estudo vem contribuir com importantes informações sobre a ecologia deste canídeo em um dos biomas mais ameaçados do mundo.

ABSTRACT: Home range and habitat use of crab-eating fox (Cerdocyon thous Linnaeus, 1766), in the Cerrado of the central region of Tocantins, Brazil. Cerdocyon thous is a species widely distributed in Brazil, in a variety of habitats ranging from open area to forests and in the central region of Tocantins (Brazil) is relatively abundant. Nevertheless, literature related to habitat use and home range of this canid in the Cerrado biome is scarce. Therefore, the aim of this study was to evaluate the use of habitat and home range of this species in the Cerrado of the central region of Tocantins. After capturing and monitoring three animals by radiotracking, we concluded that all animals spent most of their time in cerrado latu sensu and strictu sensu. Their home range varied from 2.50 to 6.72 for the MCP (Minimum Convex Polygon) and from 5.33 to 7.23 for HM (95% Harmonic Mean). The core area (area with greatest concentration of localization 75% HM) was 44% of the home range calculated for 95% HM. Thus, the present study contributes to the ecology of this canid with valuable information in one of the most threatened biomes in the world.

Palavras chaves. Área de uso. Cerdocyon thous. Cerrado (savana). Rádio-telemetria. Uso de habitat.

Key words. Cerdocyon thous. Cerrado (savanna). Habitat use. Home range. Radiotracking.

INTRODUÇÃO

   O cachorro-do-mato Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766) foi o primeiro canídeo sul-americano descrito na literatura (Bisbal e Ojasti, 1980). A estrutura social destes animais caracteriza-se por uma composição que pode variar de dois a cinco indivíduos que forrageiam a uma distância de aproximadamente 100 metros entre si, mas geralmente não existindo colaboração durante as caçadas (Brady, 1979; Macdonald e Courtenay, 1996). Apesar de que Montgomery e Lubin (1978) citam que aos pares os C. thous podem apanhar alimentos maiores, tais como tartarugas e iguanas. No geral, estes são animais generalistas, podendo a sua dieta variar conforme a época do ano e a região habitada, o que permite a este canídeo uma ampla distribuição geográfica, que vai do norte da Venezuela até a Argentina e o Uruguai (Emmons e Feer, 1997).
   No Brasil, a distribuição desta espécie se dá por quase todo território, com exceção das planícies da Bacia Amazônia (Berta, 1982; Bisbal, 1988; Marinho-Filho et al., 1998). Segundo Brito et al. (2001), essa é a espécie mais abundante, dentre os mamíferos terrestres de médio e grande porte da região central do Tocantins. Apesar disso, alguns dados da ecologia básica dessa espécie, como área de uso e utilização de hábitats, ainda são escassos para maior parte dos biomas brasileiros, principalmente para o Cerrado.
   Os estudos existentes para a área de uso do C. thous mostram variações consideráveis entre as regiões estudadas. Na Venezuela, a área de uso dos cachorros-do-mato variou de 0.45 a 1 km² (Brady, 1979; Sunquist et al., 1989). Já no Brasil, a área de uso foi de 0.48 a 10.42 km² na região Amazônica (Macdonald e Courtenay, 1996), de 1.4 a 11.1 km² em área alterada de Mata Atlântica (Michalski, 2000), chegando a 12.8 km² em região de Cerrado (Juarez e Marinho-Filho, 2002).
   Quanto ao uso de habitat os C. thous mostram preferência por áreas com formações mais abertas (savana arbórea e mata do tipo capoeira) (Brady, 1979; Sunquist et al., 1989; Macdonald e Courtenay, 1996). Michalski (2000) observou que esses animais podem utilizar também ambientes de campo. Já Juarez e Marinho-Filho (2002), citam que no Cerrado, estes usam os vários ambientes (cerrado sensu strictu, campo sujo, capão de mata e inclusive áreas de cultivo de milho e soja). Entretanto, em uma área de floresta semidecídua da Bolívia, a preferência de habitat foi pelas matas ciliares, matas úmidas e matas secas com formação de cerradão respectivamente (Maffei e Taber, 2003).
   Bisbal (1989), revisando as coleções científicas da Venezuela observou que esse canídeo é encontrado com maior freqüência em áreas de florestas tropicais secas, úmidas e muito secas. Entretanto, Yanosky e Mercolli (1989) estudando o uso de áreas de banhado por mamíferos noturnos, relataram que o C. thous foi à espécie mais importante no ambiente, com evidente seleção por este tipo de habitat.
   Apesar do grande número de informações existentes para a espécie no que tange à ecologia, muitas lacunas ainda persistem. Frente a isso, o objetivo deste estudo foi de conhecer alguns aspectos básicos da ecologia do C. thous, como a área de uso e uso de habitat no Cerrado da região central do Estado do Tocantins.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

   O estudo foi conduzido em uma área de aproximadamente 20 000 ha, localizada nas proximidades da foz do ribeirão Santa Luzia, um afluente da margem esquerda do rio Tocantins, localizado entre os municípios de Miracema do Tocantins e Porto Nacional (Fig. 1).


Fig. 1. Localização da área de estudo, ribeirão Santa Luzia, Tocantins, Brasil.

   A área é predominantemente composta de cerrado latu sensu, com a ocorrência de outras fitofisionomias como: campo limpo, campo de cerrado, cerrado sensu strictu com formações de cerradão (ambiente pouco comun), floresta estacional (entalhes de capão de mata), floresta ombrófila densa com algumas zonas aluviais (floresta ciliar) e formações de veredas, com a vegetação gramineo-lenhosa dominando as partes arenosas e mais abertas.
   Para uma simplificação do ambiente da área de estudo consideramos as formações cerrado latu sensu, campo limpo, cerrado sensu strictu e cerradão como cerrado. As veredas e florestas alagáveis foram classificadas como área úmida e as florestas não alagáveis que se dispunham ao longo de rios, ribeirões e córregos como mata ciliar.

Capturas

   A captura dos animais para colocação das coleiras com rádio transmissores foi feita utilizando-se o método de armadilhagem descrito por Crawshaw (1995).
   Foram utilizadas armadilhas do tipo gaiola feitas de estrutura metálica com a porta de entrada do tipo guilhotina, medindo 60x50x110 cm (largura, altura e comprimento, incluindo espaço para isca) com um espaço entre as barras de 2 a 3 cm. A disposição das mesmas foi realizada com base na presença de vestígios (rastros e fezes) nas estradas e trilhas. O período de armadilhagem teve duração de aproximadamente 13 meses (maio de 2000 a junho de 2001), com média de 7 armadilhas em funcionamento.
   Como iscas foram empregadas os mais variados tipos de atrativos: frutos, ovos de galinha, pescoço de frango, restos de peixe e de bovinos, além da utilização de iscas vivas, como coelhos, preás e galinhas. As inspeções das armadilhas foram realizadas diariamente, ao amanhecer.

Contenção química

   Para imobilização farmacológica dos animais empregou-se a combinação de cloridrato de cetamina (10 - 15 mg/kg) e cloridrato de xilazina (1-1,5 mg/kg). A administração dos agentes anestésicos foi realizada por dardos projetados por zarabatana, sendo os animais imobilizados com relativa facilidade e segurança (Trovati et al., 2001).

Rádio-telemetria e área de uso

   Para o monitoramento dos C. thous foi usada a técnica de telemetria VHF, em freqüência entre 150 e 152 MHz (Telemetry Eletronics Consultants, EUA). As localizações se deram pelo método de triangulação (White e Garrott, 1990) e por registro direto, sendo os pontos registrados com o uso de GPS (Sistema de Posicionamento Global). Para o processamento dos dados, todos os azimutes foram corrigidos levando em conta a declinação magnética em relação ao norte geográfico, acrescendo-se 20° para cada direção, tomada com a bússola para os anos de 2000 e 2001. O conjunto de dados resultantes das triangulações e dos registros de localizações diretas (avistamento) foram analisados no programa Tracker 1.1 (Radio Location Systems AB) determinando-se assim, a área de uso de cada animal. Para isso, foram utilizados os dois modelos mais comumente encontrados na literatura, o mínimo polígono convexo (MCP) e a média harmônica (MH) (White and Garrott, 1990; Crawshaw, 1995). Para a MH, optou-se em utilizar 95% das localizações no cálculo da área de uso e, com 75% das mesmas, determinou-se a área de maior concentração de pontos dentro da área de uso, denominada de área centro. Já para o método do MCP foram empregadas 100% das localizações. Nos cálculos da área de uso dos animais, registros de localizações e na verificação do habitat foram utilizados apenas as localizações independentes, neste estudo consideradas como aquelas obtidas em dias diferentes.

Animais capturados e monitorados

   Foram capturados cinco indivíduos, três machos e duas fêmeas, destes, apenas três fizeram parte do estudo, duas fêmeas - Ctf1 e Ctf3 e um macho Ctm2, todos adultos. Os animais estudados foram capturados em área constituída por vegetação de cerrado sensu strictu com formações de cerradão.
   A fêmea Ctf1 foi o primeiro animal a ser capturado e a receber o rádio-colar em 26 de Maio de 2000. O segundo foi um macho adulto, Ctm2, capturado 43 dias depois, a uma distância de aproximadamente 100 metros do ponto de captura de Ctf1. O terceiro e último animal foi uma fêmea, Ctf3, capturada 11 meses após o macho Ctm2 no mesmo ponto de captura deste.

RESULTADOS

Uso de habitat

   A fêmea Ctf1 foi o animal com o mais longo período de monitoramento e com o maior número de localizações espaciais (Tabela 1). Assim, pôde-se verificar um maior uso desse indivíduo pelo habitat de cerrado (cerrado sensu strictu com manchas de cerradão), seguido de área úmida (matas alagáveis e/ou veredas de buriti) e mata ciliar (não alagável). Já o macho Ctm2 apresentou um período de monitoramento que acabou sendo inferior em 8 meses ao da fêmea Ctf1, pois este veio a óbito. Em relação ao uso de habitat, Ctm2 apresentou maior registro de localizações, em ordem crescente de importância para área úmida, mata ciliar e cerrado. A fêmea Ctf3 foi o animal com menor período de monitoramento (2 meses), sendo possível verificar, nesse curto intervalo, uma similaridade entre esta e o macho Ctm2, quanto à utilização do habitat (Tabela 1).

Área de uso

   A área de uso dos três animais estudados variou em relação ao tamanho. Ctf1 apresentou a maior área para o MCP e para MH 95%, seguida por Ctm2 e Ctf3 (Tabela 1). Entretanto, Ctf1 foi o único animal a ter sua área de uso estabilizada o que se deu após 80 localizações durante um período de aproximadamente 11 meses de monitoramento.

Unidade social

   O monitoramento dos animais evidenciou que a fêmea Ctf1 e o macho Ctm2 localizavam-se próximos. Das 50 localizações registradas para o macho, em 36% (18 localizações) ele estava junto com a fêmea, comportamento que ocorreu em 6 dos 7 meses que o macho foi monitorado. Já para a fêmea (Ctf1) obteve-se 29 localizações neste período (6 meses), estando esta na companhia do macho em 62% destas (18 localizações).
   Durante o período em que as fêmeas Ctf1 e Ctf3 estavam sendo monitoradas simultaneamente estas não foram localizadas próximas. Esta observação não pôde ser feita com relação à fêmea Ctf3 e o macho Ctm2, pois este veio a óbito, antes que a mesma fosse capturada.

Área centro

   O animal Ctf1 apresentou uma área centro (área de maior concentração de localizações - MH 75%), que ocupou 50% da área de uso obtida pela MH 95% (Tabela 1). Para os outros dois indivíduos Ctm2 e Ctf3, cuja área de uso não se encontrava estabilizada, registrou-se área centro correspondente a 47% e 25% da área de uso (MH 95%), respectivamente (Tabela 1). A média das áreas centro (áreas de maior concentração de localizações - MH 75%) dos C. thous foi de 40% da área de uso.

Sobreposição de área

   A sobreposição entre as áreas de uso mostrou que a área do macho (Ctm2) ficou praticamente contida dentro da área da fêmea (Ctf1) para o MCP e para área centro, sendo totalmente sobreposta para a MH 95%. Também foi verificada sobreposição entre a área calculada pelo MCP e pela MH 95% para as fêmeas. Entretanto, não se observou sobreposição entre as áreas centro das mesmas (Tabela 2).

   Ainda pôde-se observar a sobreposição entre as áreas da fêmea Ctf3 e do macho Ctm2 para o MCP e para MH 95%, fato este que pode ser constatado mesmo com a morte do macho que ocorreu antes da captura da mesma (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Uso de habitat

   Na área estudada notou-se que os C. thous estiveram com maior freqüência em ambientes de Cerrado sensu latu e strictu sensu, mesmo que, de forma diferenciada, outras partes da paisagem tenham sido utilizadas (mata ciliar e área úmida) (Tabela 1). As observações para o padrão de uso de habitat realizadas em outros estudos já indicavam o C. thous como uma espécie associada à ambientes abertos (Brady, 1979; Sunquist et al., 1989; Macdonald e Courtenay, 1996; Michalski, 2000). Inclusive, existe registro destes também em áreas alteradas, zonas de cultivo e áreas próximas de habitações humanas (Juarez e Marinho-Filho, 2002). Entretanto, Faria-Corrêa (2004) notou que apesar deste canídeo usar áreas abertas (campo, duna e banhado), este prefere o interior e bordas de mata ciliar. Associando as observações acima às de Maffei e Taber (2003), que evidenciaram que em uma região de floresta seca boliviana, os C. thous apresentam maior preferência por áreas de mata ciliar, florestas alagadas e florestas de encosta, podemos considerar esta espécie de canídeo como uma das mais plásticas da região neotropical, o que, possivelmente está relacionado ao comportamento alimentar generalista.

Área de uso

   As diferenças de tamanhos nas áreas podem estar possivelmente, associadas ao número de localizações, pois apenas o animal Ctf1 teve sua área estabilizada. No entanto, a média da área de uso para o MCP obtida para os três animais deste estudo (4.58 km²) foi semelhante à média registrada para os 21 indivíduos (5.32 km²), monitorados na Ilha de Marajó (Pará - Brasil) (Macdonald e Courtenay, 1996). Apesar das áreas de Ctm2 e Ctf3, aparentemente, não terem se estabilizado, o tamanho destas ainda são superiores a todas as menores e à algumas das maiores áreas de uso mencionadas para outras regiões estudadas por Brady (1979), Sunquist et al. (1989) Macdonald e Courtenay (1996), e Michalski (2000).
   As diferenças encontradas no tamanho da área de uso para as regiões estudadas podem estar associadas a fatores tanto técnicos (período de monitoramento e número de localizações) como ecológicos (a disponibilidade de alimento, número de indivíduos na área, acesso à água e outros). O recurso hídrico parece ser um fator que pode ter influência no tamanho da área de uso desse canídeo. Segundo Michalski (2000), uma fêmea com área de 0.3 km² teve 68.6% das localizações próximas a corpos d'água, enquanto que para o macho, a área foi consideravelmente maior (11.1 km²), estando 28.1% de suas localizações próximas à água. Yanosky e Mercolli (1989) evidenciaram que as bordas de corpos d'água são utilizadas por essa espécie, principalmente para buscar alimento, fato este que ainda necessita ser melhor estudado.

Unidade social

   Macdonald e Courtenay (1996) relatam que na Ilha de Marajó (Pará - Brasil) a unidade social de C. thous pode se constituir de dois a cinco indivíduos adultos. Nossos dados aparentemente indicam que a unidade social constitui-se de apenas dois indivíduos. Neste caso, a fêmea Ctf1 e o macho Ctm2 comporiam esta estrutura, o que vêm corroborar com os dados de Montgomery e Lubin (1978), que em estudos nos Llanos na Venezuela, constataram que os cachorros-do-mato, freqüentemente, são registrados aos pares. Para 202 registros que os referidos autores tiveram da espécie, 80% das fêmeas e 75% dos machos foram vistos aos pares. Associação esta que pode ser vantajosa para a procura de alimento ou até mesmo para a captura de presas maiores (Montgomery e Lubin, 1978).

Área centro

   Poucos autores se preocuparam em estimar e compreender o que significa área centro dentro da área de uso de mamíferos. Kaufmann (1962), estudando os Nasua narica, na Ilha de Barro Colorado no Panamá, foi um dos primeiros a observar a existência deste padrão de comportamento para a utilização dos espaços dentro da área de uso. Registrando que em média a área centro desta espécie cobria 40% da área de uso e estaria relacionada a sítios de refúgio e zonas de alimentação.
   Apesar deste estudo ter trabalhado com uma outra espécie de carnívoro bastante diferente quanto a vários aspectos biológicos e ecológicos, o que se pôde notar, foi que dentro da área de vida dos C. thous existe a utilização mais intensa de um espaço (área centro) que na média também foi de 40%, como o encontrado por Kaufmann (1962). Aparentemente esta área centro parece ser o território dos indivíduos, mas esta é ainda uma observação que tem que ser aferida, com um número maior de animais amostrados e com melhores observações de campo.

Sobreposição de área

   Apesar de o casal constituir a unidade funcional básica dessa espécie (Montgomery e Lubin, 1978), existe diferenças na utilização das partes da área de uso, podendo isso estar relacionado a uma série de fatores como: patrulha da área de uso, busca por recursos alimentares e pontos de repouso. Brady (1979), já havia notado essa diferença na utilização das partes da área de uso para pares de C. thous por ele estudado nos Llanos venezuelanos. Os fatores que influenciam a utilização diferencial da área de uso necessitam ainda serem estudados com o acompanhamento mais intensivo dos animais.
   A sobreposição entre a área de uso de animais vizinhos (Ctf1 e Ctf3) foi confirmada, porém não há observação desta para a área centro destes animais, o que mais uma vez nos dá o indício de que talvez a área centro seja o provável território dos animais. A sobreposição da área de uso entre fêmeas adultas vizinhas de C. thous parece ser comum, pois também foi observada por Macdonald e Courtenay (1996), que registraram uma média de sobreposição de 3.5% (SD 5.1) para a espécie.
   Desse modo, pôde-se concluir que em área de Cerrado na região central do Tocantins, Brasil, os C. thous utilizaram com maior freqüência os ambientes de formação aberta, como cerrado latu sensu e sensu strictu. Entretanto, outras partes da paisagem (mata ciliar e área úmida) foram utilizadas, mostrando que estas fitofisionomias também são importantes para este canídeo.
   Para unidade social do C. thous no cerrado o que se pode observar neste estudo foram apenas indícios de que estes animais vivem em casais.
   Com relação à área de uso, as diferenças entre indivíduos possivelmente estão relacionadas ao número de localizações e ao período de monitoramento. O mesmo pode ser observado para área centro (área de maior concentração de centro localizações - MH 75%).
   Quanto à sobreposição de área de uso, esta foi confirmada entre os animais vizinhos, porém para área centro esta não ocorreu o que pode ser um indicativo que talvez este seja o espaço protegido pelo animal como o "território".

AGRADECIMENTOS

   Agradecemos ao Projeto Fauna (Investico/Ulbra - TO) pelo financiamento deste estudo e a todos que de uma forma ou de outra colaboram. Em especial aos auxiliares de campo e escritório: Ricardo, Janair, Divino, Zé, Franco, Kelto e Avanir. Aos amigos Leandra Lofego, Pedro Heber Ribeiro pela confiança no trabalho. A todos os amigos do Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (NUPECCE) Universidade Estadual Paulista (UNESP).

LITERATURA CITADA

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Recibido 14 junio 2005.
Aceptación final 20 de julio 2006.

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