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Mastozoología neotropical

versão impressa ISSN 0327-9383

Mastozool. neotrop. vol.21 no.2 Mendoza dez. 2014

 

ARTÍCULO

Diferentes métodos de regeneração florestal podem interferir na comunidade local de morcegos?

 

Poliana Mendes1, Thiago B. Vieira1, Monik Oprea1, Vinícius T. Pimenta2 e Albert D. Ditchfield2

1 Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução, Departamento de Ecologia, Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Universidade Federal de Goiás (UFG), Caixa postal 24223, 74690-970 Goiânia, GO, Brasil [correspondência: Poliana Mendes <polimendes@gmail.com>].
2 Laboratório de Estudos de Quirópteros, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Avenida Marechal Campos 1468, Maruípe, 29040-090 Vitória, ES, Brasil.

Recibido 21 septiembre 2012.
Aceptado 30 octubre 2014.

Editor asociado: H Mantilla-Meluk


RESUMO.

Em regiões tropicais, onde interações entre animais e plantas são muito comuns, a efetividade das técnicas de restauração ambiental depende dos animais presentes na área e disponíveis para dispersão de frutas ou sementes. Desta forma, o monitoramento da fauna é um bom indicador do processo de regeneração da mata. Nosso objetivo foi verificar se áreas regeneradas por diferentes métodos na ARIE Morro da Vargem, Ibiraçu, Espírito Santo, apresentam diferenças na riqueza e na composição de espécies e de guildas tróficas de morcegos. Foram realizadas 29 noites de coleta (julho de 2006 a julho 2007), sendo 6 noites de captura na Mata (fragmento florestal), 6 noites no Camará (regeneração com intervenção), 8 no Bosque (regeneração com intervenção) e 9 na Capoeira (regeneração natural). Foram obtidas 564 capturas e 26 espécies. A riqueza estimada foi maior para o Bosque e Camará do que para a Capoeira e a Mata. As áreas não são diferentes com relação à composição de espécies e de guildas tróficas de morcegos. A menor riqueza de espécies na área de Mata pode ser explicada por esta ser um fragmento florestal restrito ao topo de um morro. Já no Bosque as diferentes espécies vegetais plantadas podem fornecer recursos para os morcegos em boa parte do ano. A extensa área de vida das espécies de morcegos e a proximidade entre as áreas comparadas podem ser algumas explicações para a similaridade da composição de espécies e de guildas entre as áreas amostradas.

ABSTRACT.

Can forest regeneration methods affect local bat communities?

In tropical regions, where plant-animal interactions are widespread, the effectiveness of environmental restoration techniques is dependent on the animal species present and available for fruit and seed dispersal. Therefore, monitoring the local fauna can be a good indicator of the forest regeneration process. Our goal in this study was to verify whether areas rforested by different regeneration methods in Morro da Vargem, municipality of Ibiraçu in the state of Espírito Santo, southeastern Brazil, present differences in bat species richness and composition, and in bat trophic guild number. We carried out 29 capture nights, between July 2006 and July 2007, being 6 nights in the Mata area (a pristine forest fragment), 6 nights in the Camará area (regeneration with some level of human intervention), 8 nights in the Bosque area (regeneration with some level of human intervention), and 9 nights in the Capoeira area (natural regeneration). We obtained 564 captures with 26 species. The estimated richness was greater in Bosque and Camará areas than in Capoeira and Mata. We found no differences between areas regarding species composition and trophic guilds. The lower species richness in the Mata area can be explained by its location, on a hilltop. On the other hand, the exotic plant species found in the Bosque area may provide resources year- round. The large home range of bat species and the proximity of the studied areas could explain the species composition and trophic guild similarity between the areas.

Palavras-chave: Chiroptera; Floresta secundária; Restauração ambiental.

Key words: Chiroptera; Environmental restoration; Secondary forest.


INTRODUÇÃO

Uma considerável porção das florestas naturais do mundo é representada por áreas já modificadas pela ação humana em diferentes épocas e em diferentes intensidades, e posteriormente abandonadas permitindo sua regeneração (Willis et al., 2004). Atualmente, a maior parte das áreas regeneradas e em processo de regeneração está em áreas consideradas marginais para a agricultura em grande escala (Asner et al., 2009). O investimento nas florestas secundárias e na regeneração de áreas degradadas promete grandes benefícios no futuro (Chazdon et al., 2009). Contudo, o sucesso de um programa de regeneração ambiental depende de diversos fatores como do estágio inicial da floresta, degradação da terra, a proximidade com florestas naturais, polinização e dispersão das sementes e propágulos (Chazdon, 2008). Além disso, depende do caminho escolhido para a regeneração, embora algumas vezes só seja necessário parar com o distúrbio para que uma área seja regenerada, outras vezes a regeneração natural pode não ser suficiente para estabelecer algumas espécies vegetais (Sampaio et al., 2007; Chazdon, 2008). Em regiões tropicais, onde interações entre animais e plantas, como a zoocoria e zoofilia são muito comuns (Howe e Smallwood, 1982), a efetividade das técnicas de restauração ambiental dependem fortemente da comunidade de animais presente na área (Andresen, 2003). Assim o monitoramento da fauna, dessas áreas é um bom indicador do processo de regeneração da cobertura vegetal (Souza e Batista, 2004).

A Floresta Atlântica, situada na costa leste do Brasil, é uma das formações florestais mais ameaçadas do planeta, aproximadamente 88% de sua área original foi degradada (Ribeiro et al., 2009). Consequentemente são necessárias ações que promovam a regeneração de áreas degradadas e a conservação de remanescentes florestais deste bioma, como acontece em algumas localidades, como por exemplo, na Área de Relevante Interesse Ecológico Morro da Vargem (ARIE-MV), situada no município de Ibiraçu, Espírito Santo. Em 1974 essa área era composta principalmente por cafezais, pastos e fragmentos florestais. Desde então, cerca de 100, dos 120 ha, foram destinadas à recuperação ambiental. As áreas de floresta primária e secundária foram destinadas à preservação e uma pequena parte foi destinada para agricultura de subsistência (Aracruz Celulose, 1991). Em 1985 a área foi declarada como Estação Ecológica "Mosteiro Zen Morro da Vargem" e 2005 a área foi instituída como Área de Relevante Interesse Ecológico Morro da Vargem pelo governo do estado do Espírito Santo.

Morcegos representam um dos principais dispersores de sementes nos trópicos (Fleming 1988), principalmente de plantas pioneiras (Galindo-Gonzáles et al., 2000), tornando-os importantes na regeneração de áreas degradadas. O potencial de dispersão dos morcegos está associado com o hábito de forrageio, a mobilidade e com as grandes distâncias que algumas espécies desta família podem percorrer em busca de alimentos (Galindo-Gonzáles, 1998; Bernard e Fenton, 2002; Bianconi et al., 2006). A diversidade de hábitos alimentares da ordem Chiroptera faz com que esta ordem represente um grupo de estudo interessante para entender o funcionamento de processos ecológicos em ecossistemas (Jones et al., 2009). Desta forma, nosso objetivo foi verificar se áreas regeneradas por diferentes métodos na ARIE Morro da Vargem, Ibiraçu, Espírito Santo, apresentam diferenças na riqueza e na composição de espécies e de guildas tróficas, identificando ainda se existem espécies ou guildas tróficas relacionadas preferencialmente a alguma forma de regeneração presente na área.

MATERIAIS E MÉTODOS

A área de estudo foi a Área de Relevante Interesse Ecológico Morro da Vargem (ARIE-MV) administrada pelo Mosteiro Zen Budista Morro da Vargem que está situada no município de Ibiraçu, Espírito Santo, entre as coordenadas 19°53'28"S e 40°22'43"W (Fig. 1). Sua altitude média é de 350 m, temperatura média de 21 °C e a precipitação média anual é de 1500 mm (Aracruz Celulose, 1991). Na região do Espírito Santo em que Ibiraçu se situa, o período chuvoso se inicia geralmente entre três e 12 de outubro e dura de 173 a 192 dias (Minuzzi et al., 2007). Dentre as formações vegetais da ARIE-MV foram selecionadas quatro para a realização do estudo: (i) Bosque - reflorestado em 1986, com espécies vegetais exóticas e nativas. Alguns vegetais presentes no Bosque são, por exemplo, a Seringueira, Bananeira e Araucária, a área amostrada corresponde a aproximadamente 27 hectares. O Bosque foi criado com o objetivo de conter o processo erosivo das encostas e também para fornecer matéria prima e subsistência; (ii) Camará: antigo pasto que passou por um processo de regeneração natural e devido a grande lentidão da regeneração foi destinado a um processo de regeneração artificial através de reflorestamento com árvores pioneiras como a Quaresmeira (Tibouchina sp.) e o Camará (Gochnatia sp.), a área amostrada de Camará corresponde a aproximadamente 8 hectares; (iii) Capoeira: antiga plantação de café em processo de regeneração natural desde a ocupação da área pelo mosteiro, apresenta porte baixo (aproximadamente 3 a 6 m de altura), a área amostarda de Capoeira foi de aproximadamente 10 hectares; (iv) Mata: fragmento florestal situado no topo do morro, em ambiente rochoso, com menor grau de alteração antrópica, a área amostrada de Mata corresponde a aproximadamente 45 hectares. A Mata situase mais próxima ao Bosque e a Capoeira situa-se mais próxima ao Camará, porém estes dois grupos de áreas próximas são mais distantes entre si. Valendo ressaltar que, estas áreas foram separadas seguindo o Plano de Manejo da área, e que, apesar de serem estruturalmente diferentes, são muito próximas entre si (< 1 km).


Fig. 1. Localização espacial da Área de Relevante Interesse Ecológico Morro da Vargem (ARIE-MV) administrada pelo Mosteiro Zen Budista Morro da Vargem, Ibiraçu, Espírito Santo, Brasil.

Foram realizadas 29 noites de captura, entre julho de 2006 e julho de 2007, sendo 6 noites de captura na Mata, 6 noites no Camará, 8 no Bosque e 9 na Capoeira. Em cada noite de amostragem 10 redes de neblina (2.5 m de largura e 9 m de comprimento) permaneceram abertas por 6 horas após o pôr-do-sol, sendo que cada uma delas foi amostrada a cada 2 meses. Os animais capturados foram acondicionados em sacos de algodão e pesados. A medida do antebraço foi aferida com um paquímetro de precisão 0.05 mm. O sexo e estado reprodutivo foram obtidos através da observação direta dos indivíduos, seguindo a técnica descrita por Racey (1988). Cada morcego foi marcado utilizando uma coleira de identificação numerada com anéis coloridos seguindo o padrão de algarismos romanos, adaptado de Esbérard e Daemon (1999).

Alguns indivíduos de cada espécie foram coletados como espécimes-testemunho, e levados para o Laboratório de Estudos de Quirópteros (LABEQ) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Os espécimes-testemunho foram fixados em solução de formalina 10% e armazenados em solução de álcool 70%. A riqueza da quiropterofauna foi estimada nos ambientes amostrados pelo estimador Jackknife de primeira ordem (Heltshe e Forrester, 1983) calculado no programa EstimateS 8.00 (Colwell, 2006), utilizando cada rede de neblina como uma pseudoréplica. A diferença de riqueza estimada entre as quatro áreas amostradas (Mata, Capoeira, Camará e Bosque) foi verificada por inferência do intervalo de confiança (Zar, 2008).

A classificação dos morcegos nas diferentes guildas alimentares seguiu o proposto por Kalko et al. (1996). Para verificar se existem diferenças na composição de espécies e de guildas entre as diferentes áreas foi utilizado o Procedimento de Permutação de Resposta Múltipla (MRPP) (Mielke e Berry, 2001), no programa R (Ihaka e Gentleman, 1996). Desta forma foram feitos dois testes, um a partir de uma matriz de abundância de espécies e outro a partir de uma matriz de abundância de guildas por noite de coleta. Foi utilizada a distância de Sørensen como medida de dissimilaridade. A estatística considerada no teste é denominada "A" e varia de -1 a 1. Os valores positivos próximos a zero significam que não existe diferença na composição de espécies ou de guildas entre as áreas. Os valores positivos indicam que as áreas são diferentes em termos de composição de espécies ou guildas. Já os valores negativos indicam que as diferenças na composição de espécie são maiores dentro dos grupos do que entre os grupos (Mielke e Berry, 2001). Para a representação gráfica dessas relações foi utilizada uma Análise de correspondência destendenciada (DCA) (Hill e Gauch, 1980) com a matriz de similaridade de espécies calculada pela medida de Bray-Curtis.

RESULTADOS

Do total de 564 capturas foram encontradas 26 espécies de morcegos pertencentes a três famílias (Tabela 1). A família Phyllostomidae foi a mais comum representando 87.6% das capturas. Das espécies capturadas Carollia perspicillata foi a mais comum seguida por Lonchorrhina aurita e Artibeus lituratus. L. aurita foi capturado somente entre outubro e abril, já C. perspicillata e A. lituratus foram capturados em todos os meses de estudo. Com relação à proporção das guildas na ARIE-MV a guilda mais abundante foi a dos frugívoros (Tabela 2). Na Capoeira a mais abundante foi a dos Carnívoros/Insetívoros Catadores, isso devido a grande abundância de L. aurita capturados na área (Tabela 1). Nas outras 3 áreas a guilda mais abundante foi a dos frugívoros, sendo C. perspicillata a espécie mais abundante na Mata e no Bosque e a espécie A. lituratus a mais abundante no Camará.

Tabela 1. Espécies capturadas na ARIE-MV, Ibiraçu, Espírito Santo, Brasil, guildas e abundância em cada área amostrada. NE – Nectarívoro; FR – Frugívoro; C/IC – Carnívoro/Insetívoro Catador; HE – Hematófago; IAAA – Insetívoro Aéreo de Áreas Abertas; IACB - Insetívoro Aéreo de Clareira e de Bordas; ON – Onívoro.

Tabela 2. Abundância de guildas em cada área amostrada, ARIE-MZ, Ibiraçu, Espírito Santo, Brasil. NE – Nectarívoro; FR – Frugívoro; C/IC – Insetívoro Catador; HE – Hematófago; IAAA – Insetívoro Aéreo de Áreas Abertas; IACB - Insetívoro Aéreo de Clareira e de Bordas; ON – Onívoro.

A riqueza estimada para área foi maior do que a observada, indicando que a amostragem realizada não foi suficiente para representar as espécies de morcegos da ARIE-MV (Fig. 2A). Quando comparadas as áreas Mata, Capoeira, Camará e Bosque, a riqueza observada pode ser considerada igual para todas as áreas amostradas na ARIE-MV, porém a riqueza estimada foi maior para o Bosque e Camará do que para a Capoeira e a Mata (Fig. 2B-E, Fig. 3).


Fig. 2. Riqueza de espécies (A) total, (B) na área de bosque, (C) camará, (C) capoeira e (D) de mata observada e estimada durante as coletas na ARIE-MV, Espírito Santo, Brasil, no período de julho de 2006 a julho de 2007. As barras representam intervalo de confiança de 95%.


Fig. 3. Comparação entre a riqueza de espécies de morcegos nos diferentes ambientes amostrados na ARIE-MV, Espírito Santo, Brasil. As barras representam um intervalo de confiança de 95%.

Foram obtidas 40 recapturas na ARIE-MV, o que representa 7.08% do total de capturas. Destas 40 recapturas obtidas, 27 ocorreram na mesma área da primeira captura, 26 entre os 6 primeiros meses e 15 ocorreram na mesma noite. As recapturas não foram utilizadas nas análises.

As áreas não são diferentes com relação à composição de espécies de morcegos (A = 0.05; p = 0.01). A composição de guildas tróficas seguiu a mesma tendência de similaridade entre os locais (A = 0.05; p = 0.04). É possível observar a existência de preferência de algumas espécies pela formação de capoeira, como Chrotopterus auritus, Eptesicus furinalis, Lonchorrhina aurita, Molossus molossus, Myotis nigricans e Trachops cirrhosus (Fig. 4). A abundância das guildas dos Onívoros, Nectarívoros e Hematófagos estão relacionadas positivamente entre si e com os Insetívoros Aéreas de Áreas Abertas e negativamente com os Insetívoros Aéreos de Clareira e Bosque e Carnívoros/Insetívoros Catadores (C/IC) (Fig. 5). Ainda é possível observar uma relação entre as áreas de capoeira e os morcegos Carnívoros (C) e insetívoros catadores (IC).


Fig. 4. Representação gráfica da ordenação dos pontos amostrados realizada com a abundância de espécies de morcegos nas diferentes formações da ARIE-MV, Espírito Santo, Brasil. As espécies estão representadas pela primeira letra do gênero (em maiúsculo seguido de ponto) e as três primeiras letras (em minúsculo) do epíteto específico da espécie. No gráfico estão representados apenas as 10 espécies que mais contribuíram para a formação do primeiro eixo da DCA.


Fig. 5. Representação gráfica da ordenação dos pontos realizada com a abundância de indivíduos por guilda trófica nas diferentes formações amostradas na ARIE-MV, Espirito Santo, Brasil. C/IC- carnívoros e insetívoros catadores, FR- frugívoro, HE- hematófago, IACB- insetívoro aéreo de clareiras e bordas, IAAA- insetívoro aéreo de áreas abertas, NE- nectarívoro e ON- onívoro.

DISCUSSÃO

A grande abundancia e diversidade de Phyllostomidae na região pode ser explicada pelo fato de a família ser a mais representativa da região Neotropical (Fenton et al., 1992) e comumente é a mais abundante em estudos realizados na região (Kalko et al., 1996). Esta família, Phyllostomidae, abriga o maior número de guildas alimentares da ordem, essa quantidade de especializações tende a reduzir a competição entre as espécies, facilitando a simpatia e consequentemente aumentando sua dominância na comunidade. Por outro lado a metodologia utilizada nas pesquisas com morcegos neotropicais, redes de neblina, tende a superestimar a família Phyllostomidae e consequentemente subestimar outras famílias como Vespertilionidae e Molossidae (Novick, 1977). Sendo que algumas estimativas apontam que estas últimas famílias podem representar de 30 a 50% do total de morcegos (Kalko, 1998).

A espécie predominante neste estudo, C. perspicillata, é uma espécie de sub-bosque que se alimenta de frutos de espécies pioneiras que ocorrem principalmente em clareiras, áreas em regeneração e bordas de florestas (Mello et al., 2004). Esta espécie é comumente a mais abundante em estudos da região Neotropical (Fleming, 1988). Apesar de localmente comum, C. perspicillata não é associada a áreas muito degradadas, como por exemplo, áreas urbanas ao contrario de A. lituratus que é geralmente associado a áreas urbanas e antrópicas (Fleming, 1988; Oprea et al., 2009). A alta taxa de captura de uma espécie de morcego num determinado local pode estar relacionada a uma rota entre um abrigo e o local de forrageio (Kunz e Kurta, 1988). No estudo, a maior taxa de captura da espécie L. aurita, ocorreu em dezembro, época em que as Quaresmeiras (utilizadas na regeneração da área Camará) estavam floridas. A maioria dos indivíduos L. aurita foi capturada na trilha que liga a área de Capoeira, onde há um abrigo da espécie, à área de Camará. Desta maneira acredita-se que as capturas podem ter ocorrido quando estes morcegos saiam de seu abrigo e se direcionavam ao Camará em busca de alimento.

A diferença existente entre o número de espécies observadas e estimadas mostra que novas amostragens, na área estudada, ainda capturariam novas espécies. A não estabilização do estimador de riqueza pode ser explicada por razões como grande quantidade de espécies raras de morcegos nos estudos, que não são capturadas facilmente e quando são capturadas, são representadas por poucas capturas (Bergallo et al., 2003). Esbérard (2009) afirma que espécies raras podem ser adicionadas em qualquer momento da coleta, mas um número grande de espécies raras só será adicionado com um grande esforço amostral, portanto são necessárias mais coletas no local. A menor riqueza de espécies na área de Mata em comparação com a área Bosque e Camará pode ser explicada pelo fato da área de Mata ser um fragmento florestal restrito ao topo de um morro, que até 1974 era rodeado por pastagens e cafezais. Esse tipo de habitat pode não ser adequado para uma grande riqueza de espécies, assim como algumas espécies dependentes de áreas intactas e sensíveis a impactos como perda de habitat podem ter sido extintas localmente devido à perda de área e ao isolamento da mesma, impedindo a recolonização. Já no Bosque as diferentes espécies vegetais plantadas fornecem recursos, como flores e frutos, para os morcegos em boa parte do ano, atraindo ainda insetos que podem ser utilizados como recurso alimentar por morcegos. Esta ideia é apoiada em estudos realizados em sistemas agroflorestais, que tendem a apresentar uma maior diversidade de espécies que áreas florestais (Faria, 2006; Harvey e Villalobos, 2007).

Apesar de existirem evidências de que os morcegos se deslocam por grandes distâncias durante suas vidas (Menezes Jr. et al., 2008; Esbérard et al. 2011), a maioria das recapturas ocorreram na mesma área da primeira captura do indivíduo, indicando que estes indivíduos continuaram utilizando uma mesma área por um período extenso. Vale ressaltar que a espécie mais recapturada no mesmo local da primeira captura foi C. perspicillata. Este comportamento já foi demostrado Bernard e Fenton (2002), os autores afirmam ainda que, algumas espécies podem passar um tempo considerável explorando uma pequena área próxima do refúgio e esporadicamente de deslocarem em busca de novos abrigos e áreas de forrageio. Segundo Cosson et al. (1999) esta é uma estratégia utilizada por frugívoros de sub bosque aumentando assim o sucesso de forrageio.

Por esse motivo, era esperada alguma diferença na composição de espécies de cada uma das quatro áreas devido à possível preferência das diferentes espécies por determinados tipos ambientais e da abundância local de suas plantas-alimento e pelo comportamento que os morcegos apresentam de exploração de ambientes próximos ao seu abrigo (Bernard e Fenton, 2002). Porém essa diferenciação não foi observada. A extensa área de vida das espécies e a proximidade entre as áreas comparadas pode ser uma explicação para a similaridade da composição de espécies e de guildas tróficas entre as diferentes áreas amostradas. Pode também ser devido ao baixo número de capturas observado, que não permitiram a captura das espécies mais raras, como proposto por Esbérard (2009).

Nosso estudo não detectou diferenças na composição da comunidade de morcegos em locais regenerados por diferentes metodologias. No entanto estas áreas eram contiguas, separadas muitas vezes por uma trilha ou uma estrada para a passagem de um único carro. Desta forma acreditamos que os resultados encontrados possam ter sido influenciados por esta continuidade das áreas. Assim, propomos que, a amostragems em áreas regeneradas de diferentes formas e que não sejam contiguas, como no caso da ARIE, seria uma interessante forma de corroborar os resultados obtidos neste estudo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Mosteiro Zen Morro da Vargem pelo apoio ao desenvolvimento do trabalho de campo. Ao Dr. Daniel Brito pela ajuda na confecção do projeto e à parceria UFES/PETROBRÁS pela bolsa de iniciação científica para a aluna Poliana Mendes.

LITERATURA CITADA

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