SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 issue2Fluctuating asymmetry as an indicator of environmental stress in small mammalsBats of the Estacão Ecológica Aiuaba, Ceará, Northeastern Brazilian: an integral protection unit in the Caatinga author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

  • Have no cited articlesCited by SciELO

Related links

Share


Mastozoología neotropical

Print version ISSN 0327-9383On-line version ISSN 1666-0536

Mastozool. neotrop. vol.24 no.2 Mendoza Dec. 2017

 

ARTÍCULO

Influência da paisagem na presença e abundância do bugio-ruivo Alouatta guariba clamitans em fragmentos florestais no sudeste do Brasil

 

Anne Sophie de Almeida e Silva¹, Vanessa Barbisan Fortes² e Julio Cesar Voltolini³

¹ Laboratório de Primatologia, PPG Biodiversidade Animal, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil. [Correspondência: <annesophie.as@hotmail.com>]
² Laboratório de Primatologia, Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas/CESNORS, Universidade Federal de Santa Maria, Palmeira das Missões, RS, Brasil.
³ Departamento de Biologia, ECOTROP (Grupo de Pesquisa e Ensino em Biologia da Conservação), Universidade de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil.

Recibido 3 enero 2017.
Aceptado15 mayo 2017.
Editor asociado: R Gregorin


RESUMO.

Este estudo avaliou a influência de métricas da paisagem na presença e abundância de Alouatta guariba clamitans, em 21 remanescentes de Mata Atlântica, em Taubaté, SP. Utilizando um levantamento ex­tensivo, entre agosto de 2014 e julho de 2015, no qual foram percorridas trilhas, das 8:00 às 12:00 e das 13:00 às 17:00 hs, totalizando um esforço amostral de 672 horas. Para obter a presença/ausência da espécie, foram considerados registros diretos e indiretos. As métricas da paisagem foram analisadas no ArcGIS v.9.3. Quanto às análises estatísticas, utilizou-se a regressão logística múltipla e a regressão linear múltipla, ambas realizadas no BioEstat v.5.0. O bugio-ruivo esteve presente em 57,14% (n = 12) dos remanescentes. Foi encontrada associação positiva entre a presença deste primata e a área do fragmento (Chi² = 1,16; P = 0.00). Não foi obtida relação entre ocupação e distância média dos fragmentos do entorno (Chi² = 1.19; P = 0.31), nem entre ocupação e índice de forma (Chi² = 0.53; P = 0.37). Foi obtida associação negativa entre a área do fragmento e a abundância populacional (r² = -0.53; P = 0.03). Assim, a variável área foi a mais importante, demonstrando ser fundamental sua incorpo­ração na elaboração de modelos preditivos da ocorrência do bugio-ruivo. Embora a hipótese da configuração metapopulacional precise ser melhor investigada, nossos resultados sugerem que a manutenção dos fragmentos pequenos e médios (4.1-35 ha) pode ser importante para a conservação da espécie na região.

ABSTRACT.

Effect of the landscape on the presence and abundace of the brown howler Alouatta guariba clamitans in forest fragments of southeastern Brazil.

This study evaluated the influence of landscape’s metrics on the presence and abundance of Alouatta guariba clamitans in 21 Atlantic Rainforest fragments in Taubaté, Southeastern Brazil. Using broad surveys completed between August 2014 and July 2015, we walked trails in the forest from 8:00 to 12:00 and from 13:00 to 17:00 hs, totalizing 672 hours of observation. Both direct and indirect records were considered to confirm the presence of the species. Landscape metrics were analysed in ArcGIS v.9.3. Multiple logistic regression and multiple linear regression analyses were performed in BioEstat v.5.0. The brown howler monkey was present in 57.14% (n = 12) of the fragments. A positive association between the presence of this primate and the area of the fragment was detected (χ² = 1.16, P<0.01). Occupation was not associated to the average distance from the surrounding fragments (χ² = 1.19, P = 0.31) or to the shape index of the fragment (χ² = 0.53, P = 0.37). A negative association was observed between fragment area and howler popula­tion abundance (r² = -0.64, P = 0.02). Therefore, area was the most important explanatory variable and should be incorporated in the elaboration of predictive models of brown howler monkey occurrence. Although hypothesis of metapopulation configuration needs to be better investigated, our results suggest that the maintenance of small and medium fragments (4.1-35 ha) may be important for the conservation of the species in this region.

Palavras-chave: Fragmentação de habitat; Mata atlântica; Metapopulações; Primates.

Key words: Atlantic rainforest; Habitat fragmentation; Metapopulations; Primates.


INTRODUÇÃO

A capacidade de persistência de uma população depende do equilíbrio entre os processos de colonização e de extinção (Hanski 1999), os quais são influenciados pela configuração da paisagem: tamanho e quantidade de fragmen­tos, forma, características da matriz e grau de isolamento (Rodriguez-Toledo et al. 2003). Em ambientes modificados, as espécies reduzem seu potencial de dispersão, ao encontrarem dificuldades em transitar por meio de uma matriz homogênea e pouco permeável, ou por matrizes heterogêneas compostas por um mosaico de manchas menos favoráveis (Lin­denmayer & Fischer 2006).

A teoria do equilíbrio da biogeografia de ilhas em conjunto com a dinâmica metapopu­lacional, tem contribuído na compreensão dos efeitos da área do fragmento e da importância da conectividade na probabilidade de extinção das espécies (Hanski 1999). Nessa abordagem, a paisagem é considerada uma rede de manchas, onde as espécies ocorrem como populações locais, conectadas por migração (Hanski 1998). No entanto, quando consideradas individual­mente, manchas de habitat disjuntas frequen­temente apresentam tamanho insuficiente para manter uma população mínima viável (PMV) (Laurence & Williamson 2001), devido tanto à pequena área, quanto aos recursos limitados (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009).

Entre os primatas é comum ocorrer migração de indivíduos adultos para outros grupos, a fim de garantir o sucesso reprodutivo (Nunn 1999). Em Alouatta Lacépède, 1799, machos e fêmeas ao atingirem a maturidade sexual deixam o grupo de nascimento, para se inserir em bandos pré-estabelecidos ou formar novos (Jardim 2005). Desse modo, fragmentos em que a capacidade de suporte do habitat foi atingida e, portanto, com tamanho insuficiente para comportar vários grupos, implicam na necessidade de dispersão entre remanescentes florestais e a transposição da matriz dos indi­víduos púberes (Grande 2012).

Assim, o tamanho dos fragmentos e a dis­tância de isolamento entre manchas têm se mostrado importantes para explicar a ausência e a presença de primatas em remanescentes florestais (Estrada & Coates-Estrada 1996; Mandujano & Estrada 2005). Porém, pouco se sabe sobre o movimento de bugios entre fragmentos florestais (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). Embora existam diversas observações de bugios deslocando-se no chão, conforme observado para A. palliata (Gray, 1849) (Estrada & Coates-Estrada 1996) e A. pigra (Lawrence, 1933) (Pozo-Montuy & Serio-Silva 2007), suas habilidades de dispersão em matrizes perturbadas são provavelmente limitadas (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009).

O bugio-ruivo A. g. clamitans (Cabrera, 1940) é um primata endêmico da Mata Atlân­tica de ampla distribuição. No Brasil, pode ser encontrado do Rio Doce (Espírito Santo) ao Rio Camaquã (Rio Grande do Sul), e na província de Misiones, na Argentina (Fortes 2008; Bicca-Marques et al. 2015). Os bugios, de modo geral, têm sido citados como táxons relativamente tolerantes às perturbações do ha­bitat, uma vez que, encontram-se presentes em manchas nas quais outras espécies de primatas, como o macaco-aranha (Ateles Geoffroy, 1806), não conseguem persistir (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). No entanto, os bugios podem ser mais sensíveis do que geralmente considera‑se, nas respostas do gênero perante a perda e fragmentação das florestas tropicais (Estrada & Coates-Estrada 1996).

Investigar quais atributos da paisagem predizem a presença e a abundância de A. g. clamitans é essencial para o estabelecimento de planos de manejo e delimitação de áreas prioritárias para a conservação da espécie. Este estudo teve como objetivo geral analisar as possíveis relações da configuração da paisagem com a ocupação de remanescentes florestais por A. g. clamitans. Os objetivos específicos foram testar quais métricas da paisagem (área do fragmento, grau de isolamento, índice de forma, área da borda e área central) melhor predizem a presença/a ausência e a abundância do bugio-ruivo em fragmentos florestais em Taubaté, SP.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O estudo foi conduzido em 21 fragmentos de Mata Atlântica, de diferentes tamanhos, localizados no município de Taubaté (23° 01’ 30”S e 45° 33’ 31”W), Vale do Paraíba, SP. Segundo a classificação climática de Köppen (1948), a área apresenta clima Cwa, temperado úmido, com verões chuvosos e in­vernos secos. Nenhum dos fragmentos amostrados encontra-se sob algum tipo de proteção ambiental. São áreas pertencentes à prefeitura ou parcialmente inseridas em propriedades particulares.

Para a seleção dos fragmentos utilizou-se uma imagem de satélite do Google Earth (2014) (Fig. 1). A partir do centroide de um fragmento fonte (núme­ro 1), no qual os bugios estão presentes e que poderia funcionar como área fonte, devido a seu tamanho, foram amostrados todos os remanescentes poten­cialmente habitáveis, em um raio de 3.5 km. Foram considerados potencialmente habitáveis fragmentos com fitofisionomia exclusivamente florestal (Grande 2012) e com pelo menos 2 ha (Bicca-Marques 2003) (Tabela 1).


Fig. 1
. Acima: estado de São Paulo com destaque para a localização de Taubaté e dos fragmentos amostrados em relação ao município. Abaixo: imagem de satélite mostrando os fragmentos atualmente. Fonte: Google Earth, 2017

Tabela 1
Área dos remanescentes em hectares (N = 21), distância média dos remanescentes do entorno (DMF), distância do fragmento mais próximo (DFP) e abundância populacional (indivíduos/10km) de bugios-ruivos Alouatta guariba clamitans nos 12 fragmentos ocupados pela espécie, em Taubaté, SP

Planejamento da amostragem e análise estatística

Os fragmentos foram amostrados entre agosto de 2014 e julho de 2015, nos quais, foram percorridas trilhas das 8:00 às 12:00 e das 13:00 às 17:00 hs, utilizando-se o método do levantamento extensi­vo (broad surveys). O levantamento extensivo é indicado para amostrar grandes áreas geográficas em um relativo curto período de tempo. Em am­bientes florestais, as observações são geralmente conduzidas em estradas ou trilhas já existentes, objetivando obter a distribuição geográfica de uma espécie, a abundância relativa em diferentes áreas e informações básicas sobre a idade e a composição das populações (NRC 1981).

O número de visitas dependeu do tamanho do fragmento, de modo que, remanescentes com até 11 ha foram amostrados em três dias, os de tamanho entre 12 e 35 ha em quatro, e os maiores que 35 ha em cinco dias. As amostragens foram concluídas em 84 dias de campo, sete por mês, com um esforço amostral de 672 horas de observação. Para prevenir tendenciosidade nas amostragens as visitas ao longo dos meses foram aleatórias. As trilhas percorridas em cada fragmento fo­ram plotadas com auxílio de GPS, na imagem de satélite, para verificar a efetividade da amostragem e garantir que a área total de cada remanescente fosse visitada.

Para a etapa inicial, de presença/ ausência da espécie, esta foi conside­rada presente no fragmento quando houve registro direto (visual ou auditivo) ou indireto (fezes). Quando a presença da espécie foi confir­mada em um remanescente, a etapa seguinte foi a de levantamento populacional, na qual, para cada avistamento era anotado o número de indivíduos e sua classificação sexo-etária segundo Mendes (1989). Em seguida, foi calculada a abundância de bugios por fragmento, utilizando-se a taxa de encontros (número de indivíduos avistados/10 km percorri­dos), durante as amostragens em cada remanescente (Lopes & Ferrari 2000).

As métricas da paisagem consideradas foram: área do fragmento; grau de isolamento, tanto a distância do fragmento mais próximo (DFP) como a distância média de todos os fragmentos do entorno (DMF) em um raio de 1 km; índice de forma (SHAPE); área da borda e área central do remanescente. O índice de forma foi calculado a partir da fórmula: (Perímetro/√Área)/4 e a área da borda foi calcula­da pela fórmula: (Perímetro × Extensão da borda) (Volotão 1998). A extensão da borda, por sua vez, foi considerada igual a 35 m (Rodrigues 1998). A área central do remanescente foi obtida pela fórmula: (Área do fragmento – Área da borda) (Volotão 1998).

A existência de multicolinearidade entre as variáveis independentes foi testada por meio da Correlação de Spearman a fim de evitar a sua redundância. Como as variáveis DFP e DMF estavam correlacionadas, apenas a distância média dos fragmentos do entorno (DMF) foi considerada. Do mesmo modo, como as variáveis área do fragmento, área da borda e área central do remanescente estavam correlacionadas, apenas a primeira foi considerada. As métricas da paisagem foram analisadas no software ArcGIS 9.3 (ESRI 2008).

Como os fragmentos amostrados são próximos, foi testada a existência de auto-correlação espacial por meio do c-hat no software R 3.2.2 (RDCT 2015). O c-hat é uma medida de dispersão dos dados, nos quais valores maiores que 1 indicam sobreposição no modelo. Como para este estudo foi encontrado um valor de c-hat = 1.12, indicando, portanto, sobreposição moderada (<4) (Mazerolle 2004) e um bom ajuste dos dados ao modelo de ocupação pelo bugio, optou-se por não excluir fragmentos da amostra, uma vez que não comprometiam a independência dos resultados.

Para analisar as possíveis relações da configuração da paisagem com a ocupação dos fragmentos, foi utilizada a regressão logística múltipla. Para obter a associação entre as variáveis da paisagem e a abundância, utilizou-se a regressão linear múltipla. As análises foram realizadas no software BioEstat v. 5.0 (Ayres et al. 2005).

RESULTADOS

Dos 21 fragmentos amostrados, o bugio-ruivo esteve presente em 57.14% (n = 12) dos rema­nescentes. O número de avistamentos em cada fragmento variou de oito a 23 registros (Fig. 2). Foi encontrada associação positiva entre a pre­sença deste primata e a área do fragmento (Re­gressão logística múltipla; Chi² = 1.16; P = 0.00; N = 21). Não foi obtida relação da ocupação com a distância média dos fragmentos do entorno (DMF) (Chi² = 1.19; P = 0.31) e nem com o índice de forma (SHAPE) (Chi² = 0.53; P = 0.37) (Tabela 2).


Fig. 2
. Fragmentos com presença (n = 12) e ausência (n = 9) do bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) e o número de avistamentos por remanescente em Taubaté, SP. Mapa feito a partir de imagem de satélite de 2014.

Tabela 2
Associação entre as variáveis preditoras da paisagem com a presença do bugio-ruivo (Alouatta guariba clamitans) nos fragmentos florestais (N = 21), em Taubaté, SP. *P-valor em itálico indica significância estatística.

As distâncias do fragmento mais próximo variaram entre 10 e 1.500 m (Média ± Erro Padrão = 167.33 ± 74.45m), sendo inferiores a 100 m em 70% dos remanescentes. Já as distâncias médias dos fragmentos do entorno variaram de 10 a 854 m (Média ± Erro Padrão = 357.9 ± 51.6m), sendo que 70% dos remanes­centes apresentaram DMF inferiores a 500 m.

A espécie ocupou fragmentos com tamanho médio de 73.5 ha (6.9 ha a 460 ha), enquanto que o tamanho médio dos não ocupados foi de 15.4 ha (4.1 ha a 26.5 ha) (Tabela 1). Houve uma tendência de ocupação pelo bugio-ruivo de remanescentes mais conectados e menos alongados, mas, não foi significativa.

A abundância populacional de bugios-ruivos variou de 3.8 a 22.5 e apresentou associação negativa com a área do fragmento (Regressão linear múltipla; F = 5.78; r² = -0.53; P = 0.03; N = 12). Não foi obtida associação entre a abundância e o índice de forma (F = 1.54; r² = 0.05; P = 0.24) e nem entre a abundância e a distância média dos fragmentos do entorno (F = 0.07; r² = -0.18; P = 0.47).

DISCUSSÃO

O percentual de ocupação de fragmentos foi de 57%, compatível ao encontrado por outros autores para Alouatta em paisagens fragmen­tadas, como para A. palliata com 60% (Estrada & Coates-Estrada 1996). De forma semelhante à paisagem deste estudo, os fragmentos ana­lisados por esses autores eram de tamanhos variáveis (de 2 a 1000 ha), em condições isola­das e com intensa conversão da floresta nativa em sistemas agrícolas. Para A. g. clamitans, reporta‑se 60% de ocupação, com a espécie presente em manchas de, no mínimo, 2 ha (Ribeiro & Bicca-Marques 2005). A presença da espécie na maior parte dos fragmentos, assim como, em uma ampla variedade de habitats pode ser explicada, em partes, pela sua dieta essencialmente folívora associada à pequena área de vida (Estrada & Coates-Estrada 1996; Estrada et al. 2002; Ribeiro & Bicca-Marques 2005).

O tamanho do remanescente florestal parece ser o principal fator limitante para as popula­ções em habitats fragmentados, provavelmente porque o tamanho da mancha está positi­vamente relacionado com a disponibilidade de alimentos e negativamente relacionado às pressões antropogênicas, estresse fisiológico e carga parasitária (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). Neste estudo, a área do fragmento foi a única variável que explicou a presença das po­pulações de bugios ao longo da paisagem. Essa influência já era esperada considerando‑se as predições da teoria de metapopulações (Hanski 1999), segundo a qual, áreas maiores suportam maior número de indivíduos. A associação entre tamanho da área na probabilidade de ocupação de fragmentos florestais por Alouatta foi igualmente encontrada em diversos outros estudos (Estrada & Coates‑Estrada 1996; Man­dujano & Estrada 2005; Arroyo-Rodríguez et al. 2008; Fortes 2008; Arroyo-Rodríguez & Dias 2009).

No entanto, a perda de habitat não somente reduz as populações, como as torna mais sus­cetíveis a processos estocásticos (como epide­mias), catástrofes ambientais (como incêndios), demográficos (por exemplo, variações/ano no sucesso reprodutivo) e genética (como deriva genética). Particularmente, surtos de febre ama­rela têm sido responsáveis pelo rápido declínio de diversas populações de bugios (Agostini et al. 2013). Embora na região de estudo não haja registro de epidemias de febre amarela, a presença da espécie em fragmentos pequenos poderia ser resultado de eventos estocásticos, já que estes têm o potencial de interagir com outros fatores e ampliar os efeitos de cada um, criando o que foi descrito como “vórtice de extinção’’ (Gilpin & Soulé 1986).

Apesar dos bugios estarem ausentes na maior parte dos fragmentos considerados pequenos (≤11 ha) e médios (12 a 35 ha), a utilização de mais de um remanescente pelos mesmos grupos, observado neste estudo, sugere uma possível configuração metapopulacional. Um padrão semelhante de uso de vários fragmentos foi observado por Mandujano et al. (2006), em grupos de A. palliata que habitavam man­chas pequenas, porém próximas, de 3 ha, no México. Essas observações destacam tanto a capacidade de bugios de explorar remanescentes florestais pequenos, como a habilidade do gê­nero de se deslocar entre fragmentos florestais (Bicca‑Marques 2003). No entanto, como o re­gistro dos eventos de utilização de mais de um remanescente pelos mesmos grupos foi baixo (n = 7) não é possível afirmar que a utilização de vários fragmentos seja um evento frequente.

Não foi obtida relação entre grau de iso­lamento e ocupação de remanescentes pelos bugios, contrariando as predições da teoria de metapopulações (Hanski 1999), porém, concor­dando com o observado por outros autores em paisagens fragmentadas. A ausência de signifi­cância estatística pode estar relacionada com a capacidade dos bugios em se deslocarem entre fragmentos florestais (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). De modo geral, primatas não transitam pela matriz e entre fragmentos aleatoriamente, já que a configuração espacial das manchas e a natureza da matriz são críticas para uma dispersão bem sucedida (Mandujano et al. 2004). Assim, embora seja uma paisagem que foi fragmentada, a configuração espacial das manchas permitiu a permanência da espécie na região.

Quanto ao índice de forma, não foi obtida relação entre essa variável e a presença dos bugios nos remanescentes. Sabe-se que a frag­mentação de habitats pode aumentar a quanti­dade total de bordas, por meio do incremento da relação perímetro/área. Um maior número de bordas poderia ser visto como algo negativo para a permanência das espécies de Alouatta em paisagens fragmentadas, no entanto, esse incremento oferece não apenas desvantagens, como também vantagens (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). Uma das vantagens é que man­chas alongadas e, portanto, com mais bordas, podem ser colonizadas mais facilmente do que manchas compactas (Ewers & Didham 2006).

Outra vantagem pode estar relacionada com a habilidade dos bugios em explorar recursos alimentares de espécies vegetais secundárias, predominantemente encontradas nas bordas (Marsh 2003). Uma desvantagem é que a forma irregular das manchas favorece os denominados “efeitos de borda”, afetando a composição e a estrutura da vegetação dentro do fragmento (Fortes 2008). Essas vantagens ou pelo menos a habilidade dos bugios em lidar com as des­vantagens da forma dos remanescentes, podem explicar a ausência de relação obtida entre o índice de forma e a ocupação das áreas.

A associação negativa encontrada entre a abundância populacional de bugios e a área do fragmento, corrobora a tendência sugerida por outros autores, de se observar abundâncias elevadas e grupos maiores em fragmentos menores (Mendes-Pontes 1999; Jardim 2005). Resultados semelhantes foram obtidos em flo­restas tropicais, para A. palliata (Gray, 1849), A. pigra (Lawrence, 1933), A. seniculus (Lin­naeus, 1766) e A. caraya (Humboldt, 1812), nas quais a densidade da população era maior em manchas menores e isoladas (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). Uma possível explicação é a baixa abundância e a menor diversidade de compe­tidores e predadores que existe em fragmentos pequenos (Fortes 2008).

Em particular, a baixa abundância de pre­dadores, pode aumentar a probabilidade de recrutamento em espécies mais adaptadas a lidar com os efeitos negativos da fragmen­tação (Bicca-Marques 2003). Assim, o efeito regulador que predadores naturais exercem nas populações de bugios pode ser menos intenso em habitats fragmentados, já que predadores de grande porte, como aves de rapina e felinos, são geralmente os primeiros a desaparecerem em áreas antropizadas (Arroyo-Rodríguez & Dias 2009). Entretanto, se a fragmentação do habitat pode afetar negativamente a presença de populações de grandes predadores, nes­tes mesmos habitats, frequentemente há um aumento no número de canídeos silvestres e domésticos (May & Norton 1996). Assim, o deslocamento pelo chão expõe os indivíduos, especialmente os menos experientes a cães do­mésticos, provavelmente os maiores predadores de bugios em paisagens agrícolas fragmentadas (Chiarello 2003).

CONCLUSÕES

A variável área do fragmento foi a mais im­portante, demonstrando ser fundamental sua incorporação na elaboração de modelos predi­tivos da ocorrência do bugio-ruivo. Embora a hipótese da configuração metapopulacional dos bugios precise ser melhor investigada, nossos resultados sugerem que a manutenção das áreas aqui consideradas pequenas (até 11 ha) e médias (de 12 a 35 ha) pode ser importante, uma vez que, os mesmos grupos foram vistos explorando mais de um remanescente.

Com base nos resultados apresentados e discutidos, sugerimos como ação de manejo a criação de uma Unidade de Conservação, que inclua os remanescentes, de 1 à 10 e de 19 à 21, tanto porque a espécie encontra-se presente na maior parte desses fragmentos, quanto pela disposição espacial dessas áreas que pode faci­litar o deslocamento dos bugios na paisagem. Caso alguns desses fragmentos desapareçam é provável que a espécie não conseguirá se deslocar por distâncias cada vez maiores e por matrizes cada vez mais impermeáveis.

LITERATURA CITADA

1. Agostini, I., A. L. J. Desbiez, & P. Miller. 2013. Brown Howler Monkey Conservation Workshop. IUCN/ SSC Conservation Breeding Specialist Group (CBSG), Brasil.         [ Links ]

2. Arroyo-Rodríguez, V., & P. A. D. Dias. 2009. Effects of habitat fragmentation and disturbance on howler monkeys: a review. American Journal of Primatology 72(1):1-16.         [ Links ]

3. Arroyo-Rodríguez, V., S. Mandujano, & A. J. Benítez- Malvido. 2008. Landscape attributes affecting patch occupancy by howler monkeys (Alouatta palliata mexicana) at Los Tuxtlas, México. American Journal of Primatology 70:69-77.         [ Links ]

4. Ayres, M., Jr. M. Ayres, D. L. Ayres, & A. A. S. Santos. 2005. BioEstat: Aplicações Estatísticas nas Áreas das Ciências Bio-médicas. Sociedade Civil Mamirauá, MCT, Imprensa Oficial do Estado do Pará, Belém.         [ Links ]

5. Bicca-Marques, J. C. 2003. How do howler monkeys cope with habitat fragmentation? Primates in Fragments: Ecology and Conservation (L. K. Marsh, ed.). Springer, New York.         [ Links ]

6. Bicca-Marques, J. C. et al. 2015. Avaliação do Risco de extinção de Alouatta guariba clamitans Cabrera, 1940 no Brasil. Processo de avaliação do risco de extinção da fauna brasileira, Brasília.         [ Links ]

7. Chiarello, A. G. 2003. Primates of the Brazilian Atlantic Forest. Primates in Fragments: Ecology and Conservation (L. K. Marsh, ed.). Springer, New York.         [ Links ]

8. Environmental Systems Research Institute (ESRI). 2008. ArcGis: Software Version 9.3. <http://pro.arcgis.com/en/pro-app/>         [ Links ].

9. Estrada, A., & R. Coates-Estrada. 1996. Tropical rain forest fragmentation and wild populations of primates at Los Tuxtlas, Mexico. International Journal of Primatology 17(5):759-783.         [ Links ]

10. Estrada, A. et al. 2002. Population of the black howler monkey (Alouatta pigra) in a fragmented landscape in Palenque, Chiapas, México. American Journal of Primatology 58(2):45-55.         [ Links ]

11. Ewers, R. M., & R. K. Didham. 2006. Confounding factors in the detection of species responses to habitat fragmentation. Biological Reviews 81:117-142.         [ Links ]

12. Fortes, V. B. 2008. Ecologia e comportamento do bugio-ruivo Alouatta guariba clamitans (Cabrera, 1940) em fragmentos florestais na depressão central do Rio Grande do Sul, Brasil. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre.         [ Links ]

13. Gilpin, M. E., & M. E. Soulé. 1986. Minimum viable populations: processes of species extinction. Conservation Biology, The Science of Scarcity and Diversity (M. E. Soulé, ed.). Sinauer, Sunderland.         [ Links ]

14. Grande, T. O. 2012. Ocupação de fragmentos florestais e uso da matriz por primatas na paisagem urbana de Goiânia, Goiás. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Goiás, Goiás.         [ Links ]

15. Hanski, I. 1998. Metapopulation dynamics. Nature 396:41-49.         [ Links ]

16. Hanski, I. 1999. Habitat connectivity, habitat continuity, and metapopulation in dynamic landscapes. Oikos 87(2):209-219.         [ Links ]

17. Jardim, M. M. A. 2005. Ecologia populacional do bugio-ruivo nos municípios de Porto Alegre e Viamão, RS, Brasil. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, Campinas.         [ Links ]

18. Köppen, W. 1948. Climatología: con un estudio de los climas de la tierra. Fondo de Cultura Económica, Tlalpan.         [ Links ]

19. Laurence, W. F., & G. B. Williamson. 2001. Positive feedbacks among forest fragmentation, drought, and climate change in the Amazon. Conservation Biology 15(6):1529-1535.         [ Links ]

20. Lindenmayer, D. B., & J. Fischer. 2006. Habitat fragmentation and landscape change: an ecological and conservation synthesis. Island Presse, Washington.         [ Links ]

21. Lopes, M. A., & S. F. Ferrari. 2000. Effects of human colonization on the abundance and diversity of mammals in eastern Brazilian Amazonia. Conservation Biology 14(6):1658-1665.         [ Links ]

22. Mandujano, S., L. A. Escobedo-Morales, & R. Palacios- Silva. 2004. Movements of Alouatta palliata among forest fragments in Los Tuxtlas, Mexico. Neotropical Primates 12(3):126-131.         [ Links ]

23. Mandujano, S., & A. Estrada. 2005. Detección de umbrales de área y distancia de aislamiento para la ocupación de fragmentos de selva por monos aulladores, Alouatta palliata, en Los Tuxtlas, México. Universidad y Ciencia Número Especial II:11-21.         [ Links ]

24. Mandujano, S., L. A. Escobedo-Morales, R. Palacios- Silva, V. Arroyo-Rodríguez, & E. M. Rodríguez- Toledo. 2006. A metapopulation approach to conserving the howler monkey in a highly fragmented landscape in Los Tuxtlas, Mexico. New Perspectives in the Study of Mesoamerican Primates: Distribution, Ecology, Behavior and Conservation (A. Estrada, P. A. Garber, M. Pavelka & L. Luecke, eds.). Springer- Verlag, New York.         [ Links ]

25. Marsh, L. K. 2003. The nature of fragmentation. Primates in fragments: ecology and conservation (L. K. Marsh ed.). Springer, New York.         [ Links ]

26. May, S. A., & T. W. Norton. 1996. Influence of fragmentation and disturbance on the potential impact of feral predators on native fauna in Australian forest ecosystems. Wildlife Research 23(4):387-400.         [ Links ]

27. Mazerolle, M. J. 2004. Appendix 1: Making sense out of Akaike’s Information Criterion (AIC): its use and interpretation in model selection and inference from ecological data. Mouvements et reproduction des amphibiens en tourbières perturbées. PhD Thesis. Université Laval, Québec.

28. Mendes, S. L. 1989. Estudo ecológico de Alouatta fusca (Primates, Cebidae) na Estação Biológica de Caratinga, MG. Revista Nordestina de Biologia 6(2):71-104.         [ Links ]

29. Mendes-Pontes, A. R. 1999. Environmental determinants of primate abundance in Maracá island, Roraima, Brazilian Amazonia. Journal of Zoology 247:189-199.         [ Links ]

30. National Research Council (NRC). 1981. Techniques for the study of primate population ecology. National Academy Press, Washington.         [ Links ]

31. Nunn, C. L. 1999. The number of males in primate social groups: a comparative test of the socioecological model. Behavioral Ecology and Sociobiology 46(1):1-13.         [ Links ]

32. Pozo-Montuy, G., & J. C. Serio-Silva. 2007. Movement and resource use by a group of Alouatta pigra in a forest fragment in Balancán, Mexico. Primates 48:102-107.         [ Links ]

33. R Development Core Team (RDCT). 2015. Software R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna. <https://www.r-project.org/>         [ Links ]

34. Ribeiro, S., & J. C. Bicca-Marques. 2005. Características da paisagem e sua relação com a ocorrência de bugios-ruivos (Alouatta guariba clamitans Cabrera, 1940, Primates, Atelidae) em fragmentos florestais no Vale do Taquari, RS. Natureza e Conservação 3(2):65-78.         [ Links ]

35. Rodrigues, E. 1998. Edge effects on the regeneration of fragments in south Brazil. Dissertation Thesis. Harvard University, Cambridge.         [ Links ]

36. Rodriguez-Toledo, E. M., S. Mandujano, & F. Gracia- Orduña. 2003. Relationships between characteristics of forest fragments and howler monkeys (Alouatta palliata mexicana) in southern Veracruz, México. Primates in fragments: ecology in conservation (L. K. Marsh ed.). Springer, New York.         [ Links ]

37. Volotão, C. F. S. 1998. Trabalho de análise espacial - métricas do Fragstats. Dissertação de mestrado. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, São José dos Campos           [ Links ] 

 

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License