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Mastozoología neotropical

versión impresa ISSN 0327-9383versión On-line ISSN 1666-0536

Mastozool. neotrop. vol.24 no.2 Mendoza dic. 2017

 

ARTÍCULO

Análise tricológica de pelos-guarda de roedores do pampa brasileiro, com uma chave de identificação

 

Raissa P. Migliorini¹, Mauro A. da S. Bossi¹, Felipe B. Peters², Alexandre U. Christoff² e Carlos B. Kasper¹

¹ Laboratório de Biologia de Mamíferos e Aves (LABIMAVE), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), São Gabriel, Rio Grande do Sul Brasil. [Correspondência: Carlos Benhur Kasper <cbkasper@yahoo.com.br>]
² Departamento de Biologia, Museu de Ciências Naturais, Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, Rio Grande do Sul Brasil.

Recibido 3 febrero 2017.
Aceptado 30 mayo 2017.
Editor asociado: A Chemisquy


RESUMO.

A identificação de espécies por meio da tricologia é uma ferramenta simples, rápida e de baixo custo que pode ser aplicada em distintos campos. Nesse trabalho, analisamos os pelos-guarda de 17 espécies de roedores autóctones do pampa brasileiro e três espécies alóctones. De forma a facilitar a identificação de roedores com base no padrão dos pelos apresentamos uma chave dicotômica de identificação. Encontramos seis padrões principais de medula e três diferentes padrões de cutícula, com algumas características específicas importantes no reconhecimento dos táxons. Nesse trabalho são apresentadas as primeiras informações sobre os padrões tricológicos para seis espécies, além da complementação de informações para os demais táxons. Com isso, complementamos lacunas existentes em estudos tricológicos para pequenos mamíferos não voadores do Pampa brasileiro, distinguindo com sucesso a maioria das espécies e aumentando assim o conhecimento deste grupo no extremo sul do Brasil.

ABSTRACT.

Trichological analysis of guard-hairs of rodents from Brazilian Pampa, with an identification key.

Species identification using trichology is simple, cheap and fast, and can be used in various fields of study. We analyzed guard-hairs from 17 autochthonous rodent species and three other allochthonous species of the Brazilian Pampas. To aid rodent identification based on hair morphology, we provide an identification key, based on characteristics of the medulla and cuticle. We found six major medullar patterns, and three major cuticular patterns. Together, these provide characters useful for species-level identification. This article presents the first information on hair morphology of six rodent species, and complements existing data for others. Thus, we fill some gaps in the knowledge of the trichology of small non-volant mammals of the Brazilian Pampas, and distinguish most of species occurring in this southernmost region of Brazil.

Palavras-chave: Caviidae; Cricetidae; Cutícula; Medula; Muridae.

Key words: Caviidae; Cricetidae; Cuticle; Medulla; Muridae.


INTRODUÇÃO

Pelos são estruturas encontradas exclusivamente nos mamíferos (Noback 1951). Segundo Tee­rink (1991) os pelos podem ser divididos em duas grandes categorias: os pelos-guarda e os subpelos. Os pelos-guarda são mais longos, grossos e pigmentados, contribuindo com o padrão geral de coloração da pelagem, além de apresentar a função mecanorreceptora e de camuflagem no ambiente. Os subpelos são mais curtos, finos, ondulados e numerosos, contribuindo principalmente para a termor­regulação e proteção.

O uso de características morfológicas dos pelos como caráter taxonômico teve início com Hausman (1920). As características morfológi­cas informativas na identificação dos pelos são os padrões da cutícula, o tipo de medula e a forma do pelo em corte transversal. Usualmente pelo menos duas destas características devem ser examinadas para uma diagnose confiável, realizada a partir dos pelos guarda, que pos­suem padrões de cutícula e medula consistentes o suficiente para permitir a identificação das espécies (Day 1966).

A identificação de espécies por meio da aná­lise e reconhecimento da estrutura microscópica de pelos é uma ferramenta simples, rápida e de baixo custo, sendo aplicada em distintos campos como: arqueologia (Dove & Perauch 2002); ciência forense e controle de qualidade de alimentos (Silveira et al. 2013a); controle do comércio ilegal de peles (Chakraborty & Chakraborty 1996) e paleontologia (Meng & Wiss 1997). Outra aplicação da tricologia está relacionada à identificação de presas consumi­das por espécies carnívoras (Day 1966). Neste tipo de trabalho a identificação das presas é realizada através do conteúdo estomacal ou material não digerido encontrado nas fezes. Isso é importante já que pequenos mamíferos representam um dos principais recursos utili­zados na dieta de carnívoros. A identificação de presas em nível de espécie permite estudos ecológicos mais refinados, como sobreposição de dieta (Day 1966; García & Kittlein 2004), auxiliando o entendimento da coexistência de espécies simpátricas (Juarez & Marinho-Filho 2002; Pedó et al. 2006; Trigo et al. 2013). Análises qualitativas e quantitativas dependem da capacidade de se identificar esses materiais (Day 1966). Como a queratinização dos pelos confere resistência aos processos digestivos e de putrefação, mantendo-os praticamente intactos, a tricologia configura-se como uma técnica simples e acessível para a identificação dessas presas (Quadros & Monteiro-Filho 1998).

Comparações de pelos com diferentes origens e a descrição de novos padrões microestruturais a partir de espécimes provenientes de coleções ou museus são válidas, uma vez que processos de taxidermia não causam alterações estruturais que prejudiquem a sua identificação (Day 1966; Quadros & Monteiro-Filho 1998). Mas, apesar da ampla gama de aplicações práticas e da faci­lidade de acesso a esta técnica, há relativamente pouca literatura publicada sobre a morfologia dos pelos de roedores autóctones, sobretudo no sul do Brasil. Ainda que apresentem espécies presentes no Pampa brasileiro, a maioria das informações publicadas provém de espécimes com ocorrência na Argentina (Fernández & Rossi 1998; Cavia et al. 2008) ou de outras regiões do Brasil (Martin et al. 2009; Silveira et al. 2013b). Parte das informações existentes se encontra na forma de trabalhos não publi­cados, como dissertações e teses (Fernandes 2008; Quadros & Monteiro-Filho 2010; Oliveira 2014; Almeida 2015). Informações específicas a respeito dos padrões tricológicos das espé­cies com ocorrência no Pampa brasileiro são escassas. Além disso, muitas espécies ainda não tiveram suas características tricológicas descritas por completo, limitando estudos da dieta de carnívoros, por exemplo.

Diante deste panorama, este trabalho tem por objetivo caracterizar os padrões microestrutu­rais dos pelos-guarda das principais espécies de roedores autóctones e alóctones ocorrentes na região do Bioma Pampa do Rio Grande do Sul e apresentar uma chave dicotômica ilustrada para identificação.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisadas 37 amostras de pelos-guarda de 17 espécies de roedores autóctones do pampa brasileiro, variando de um a três indivíduos para cada espécie, de acordo com a disponibilidade de exemplares nas coleções. Para as espécies Akodon azarae (Fischer, 1829), Cavia magna (Ximenez, 1980), Calomys laucha (Fischer, 1814), Lundomys molitor (Winge, 1887), Necromys lasiurus (Lund, 1841), Oligoryzomys nigripes (Olfers, 1818), Reithrodon tipicus (Waterhouse, 1837) e Sooreta­mys angouya (Fischer, 1814) foram obtidas duas amostras cada. Para Cavia aperea (Erxlebel, 1777), Deltamys kempi (Thomas, 1917), Holochilus vulpinus (Brants, 1827), Oligoryzomys flavescens (Waterhouse, 1837), Oxymycterus nasutus (Waterhouse, 1837) e Scapteromys tumidus (Waterhouse, 1837) foram utili­zadas amostras de três indivíduos cada. As amostras de Akodon reigi (Gonzáles; Langguth; Oliveira, 1998), Nectomys squamipes (Brants, 1827) e Wilfredomys oenax (Ávila-Pires, 1960) foram obtidas de apenas um indivíduo de cada espécie. Para os roedores alóctones Rattus norvegicus (Berkenhout, 1769) e Rattus rattus (Linnaeus, 1758) foram utilizados pelos de um indivíduo de cada espécie, além de amostras de dois indivíduos de Mus musculus (Linnaeus, 1758). Os espécimes são provenientes das coleções do Museu de Zoologia do Pampa, da Universidade Federal do Pampa, Campus São Gabriel, e do Museu de Ciências Naturais, da Universidade Luterana do Brasil, Campus Canoas (Apêndice). Para elaboração da chave dicotômica foram utilizados os padrões encontrados neste trabalho.

O protocolo para coleta, limpeza e preparação das impressões cuticulares e medulares dos pelos‑guarda seguiu a metodologia proposta por Quadros e Monteiro-Filho (2006a) com algumas adaptações. As amostras de pelos foram coletadas manualmente na região de intersecção da linha mediana com a linha da cintura escapular no dorso dos espécimes. O processo de diafanização foi adaptado, consistindo na imersão dos pelos por 24 horas em água oxigenada cremosa 30 volumes, diluída em água na proporção 1:1. Para pelos muito espessos, como os de Cavia sp., adicionou-se pó descolorante, dispensando assim a necessidade de realizar cortes na região do escudo. Para a observação da cutícula, os pelos-guarda foram prensados entre uma lâmina de vidro revestida por uma fina camada de esmalte incolor e outra revestida com fita adesiva. Foi respeitado um período de 25 minutos para secagem do esmalte antes da colocação do pelo na lâmina e sua prensagem com o auxílio de um torno de mesa.

A nomenclatura utilizada na classificação dos caracteres foi baseada em Quadros e Monteiro-Filho (2006b). Os padrões cuticulares foram observados na região proximal do pelo (haste) e os padrões medulares na porção mais espessa do escudo. To­das as lâminas foram fotografadas em microscópio óptico, utilizando uma câmera Fujifilm acoplada ao tubo triocular, sob o aumento de 400x.

RESULTADOS

Nas 20 espécies analisadas foram reconhecidos três padrões cuticulares distintos. Nove espé­cies apresentaram a cutícula com o padrão imbricado folidáceo estreito (Figs. 1A e B) e onze espécies apresentaram a cutícula pavi­mentosa. Esta última se subdivide em: ondeada transversal, encontrada em três espécies (Fig. 1C) e losângica, encontrada em oito espécies (Figs. 1D, E).


Fig. 1
: Fotomicrografias dos padrões microestruturais diagnósticos da cutí­cula dos pelos-guarda de 17 espécies de roedores autóctones e três espécies alóctones do pampa brasileiro. A) cutí­cula imbricada folidácea estreita com mais de quatro fileiras de escamas de Holochilus vulpinus; B) cutícula im­bricada folidácea estreita de Nectomys squamipes; C) cutícula pavimentosa on­deada transversal de Cavia magna; D) cutícula losângica estreita de Deltamys kempi, e E) cutícula losângica larga de Calomys laucha.

Foram encontrados quatro diferentes padrões medulares já descritos na literatura: literáceo, reticular, listrado e alveolar. Dois padrões me­dulares não se encaixaram nos descritos pela literatura, sendo denominados aqui com os nomes misto e sinalado. Das espécies analisa­das, uma apresentou o padrão literáceo (Fig. 2A) e duas espécies não tiveram um padrão correspondente ao proposto por Quadros & Monteiro-Filho (2006b), tendo o nome propos­to aqui como sinalado (Figs. 2B e 2C). Cinco espécies apresentaram o padrão reticulado (Figs. 2D, 2E, 2F e 2G), três espécies o pa­drão listrado (Fig. 2H), seis espécies o padrão alveolar (Figs. 2I, 2J, 2K e 2L) e três espécies o padrão misto entre alveolar e listrado (Figs. 2M, 2N e 2O). Um resumo das combinações dos padrões cuticulares e medulares geral é apresentado na Tabela 1.


Fig. 2
: Fotomicrografias dos padrões microestruturais diagnósticos da medula dos pelos-guarda de 17 espécies de roedores autóctones e três espécies alóctones do pampa brasileiro. A) medula unisseriada literácea de Rattus norvegicus; B) medula multisseriada sinalada de Cavia aperea, seta “a” indica células de bordas uniformes; C) medula multisseriada sinalada de Cavia magna, seta “b” indica células de bordas irregulares; D) medula multisseriada reticulada de Nectomys squamipes, seta “c” indica a fileira externa de células; E) medula multisseriada reticulada de Scapteromys tumidus, seta “d” indica a fileira externa de células; F) medula multisseriada reticulada de Necromys lasiurus; G) medula multisseriada reticulada de Sooretamys angouya; H) medula listrada de Oligoryzomys sp. I) medula alveolar com quatro fileiras de células de Reithrodon tipicus; J) medula alveolar com a espessura das células maior que a espessura dos alvéolos de Lundomys molitor; K) medula alveolar com a espessura das células menor que a espessura dos alvéolos de Akodon reigi; L) medula alveolar de Deltamys kempi; M) medula multisseriada mista de Wilfredomys oenax, seta “e” indica padrão listrado e seta “f ” indica padrão al­veolar; N) medula multisseriada mista de Akodon azarae, seta “g” indica padrão listrado e seta “h” indica padrão alveolar, e O) medula multisseriada mista de Oxymycterus nasutus, seta “i” indica padrão alveolar e seta “j” indica padrão listrado.

Tabela 1
Combinações dos padrões gerais de cutícula e medula dos pelos-guarda de 17 espécies de roedores autóctones e três espécies alóctones do pampa brasileiro, de acordo com nossos resultados e literatura. Nomenclatura de acordo com Quadros & Monteiro-Filho (2006b).

Os padrões morfológicos de cutícula e me­dula, bem como as características encontradas mais úteis para diferenciação das espécies de roedores das famílias Caviidae, Cricetidae e Muridae ocorrentes na região dos pampas no Rio Grande do Sul estão sumarizados na chave de identificação na Tabela 2.

Tabela 2
Chave dicotômica para identificação de 17 espécies de roedores autóctones e três espécies de roedores alóc­tones da região do Pampa do Rio Grande do Sul com base nas características microscópicas de medula e cutícula dos pelos-guarda, acompanhada das ilustrações das Figs. 1 e 2.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Neste trabalho são apresentadas as primeiras descrições dos padrões de cutícula e medula dos pelos-guarda de Cavia magna, Lundomys molitor, Oxymycterus nasutus, Reithrodon tipi­cus, Sooretamys angouya e Wilfredomys oenax, além da complementação de informações dos demais táxons. Para Cavia aperea, Calomys laucha, Deltamys kempi, Holochilus vulpinus e Oligoryzomys flavescens há dois trabalhos rea­lizados na Argentina (Fernández & Rossi 1998; Cavia et al. 2008) que não seguem a mesma pro­posta de nomenclatura aqui utilizada. Poucos estudos realizaram análise da microestrutura dos pelos de roedores autóctones brasileiros na região sul do país (Fernandes 2008; Martin et al. 2009; Quadros & Monteiro-Filho 2010; Silveira et al. 2013b; Oliveira 2014; Almeida 2015).

Ao analisarmos os roedores alóctones, parte dos resultados foi similar aos encontrados na literatura e parte divergente. Os padrões cuticu­lares foram semelhantes aos de Teerink (1991), que descreve esses murídeos com padrão cuticular losângico, exceto para R. norvegicus, para o qual encontramos cutícula pavimentosa ondeada transversal (Fig. 1C). Tanto Teerink (1991) quanto nossos resultados discordam de Silveira et al. (2013a), que classifica esses murídeos alóctones com cutícula imbricada folidácea.

Para os padrões medulares Teerink (1991) utiliza o número de células como característica, classificando M. musculus como miliforme e as espécies R. rattus e R. norvegicus com me­dula listrada. Em nosso trabalho, M. musculus mostrou uma medula alveolar, similar a Silveira et al. (2013a) enquanto o padrão de R. rattus condiz com Teerink (1991) quanto ao padrão e número de células. Por fim, em R. norvegicus encontramos um padrão unisseriado literáceo na região do escudo, discordando da literatura existente. Em seu estudo, Silveira et al. (2013a) optou por descrever um padrão geral para caracterizar a família Muridae, sem especificar diferenças entre as espécies, o que dificulta comparações mais precisas.

Em seu trabalho, Quadros & Monteiro-Filho (2010) descrevem a medula de C. aperea como contínua, multisseriada, poligonal, irregular e com margens crenadas. Nossos resultados mostraram um padrão medular contínuo, com várias fileiras de células isoladas, tanto para C. aperea quanto para C.magna. As células dispõem-se transversalmente ao maior eixo do pelo em formato semelhante a vírgulas, com variação de comprimento. Estas parecem sinalar a medula ao longo do escudo, de forma mul­tisseriada. Nós denominamos esse padrão de multisseriado sinalado. Em C. aperea as células possuem bordas uniformes (Fig. 2B) enquanto que em C. magna apresentam bordas irregula­res (Fig. 2C), possibilitando diferenciá‑las na chave dicotômica.

As análises dos pelos indicaram combinações distintas para os padrões cuticulares e medula­res da maioria das espécies estudadas, possibi­litando a diagnose dos táxons, exceto para as espécies do gênero Oligoryzomys analisadas, que apresentaram padrões muito similares entre si. Neste trabalho, ambas apresentaram cutícula de padrão pavimentoso losângico estreito e medula multisseriada listrada (Fig. 2H), correspondente a Quadros & Monteiro-Filho (2010) e Almeida (2015). O padrão cuticular de O. nigripes é descrito por Martin et al. (2009) como imbri­cada folidácea alongada, entretanto a ilustração utilizada pelos autores sugere semelhanças com o resultado deste estudo, de forma que ambos os padrões descritos podem se equivaler.

Os padrões cuticulares e medulares iden­tificados neste trabalho para H. vulpinus, N. squamipes e S. tumidus de forma geral coincidiram com a literatura (Fernandes 2008; Quadros & Monteiro-Filho 2010; Almeida 2015). Com base em um indivíduo coletado no Rio Grande do Sul, Oliveira (2014) evidenciou padrão cuticular losângico para S. tumidus, divergindo do padrão imbricado folidáceo es­treito de nosso trabalho. Entretanto o referido autor optou por não tirar maiores conclusões a respeito da morfologia do pelo-guarda daquele exemplar.

Para diagnose das três espécies foram ob­servadas as diferenças no tamanho e formato das células da medula. As fileiras de células mais externas longitudinalmente ao longo do escudo de N. squamipes mostraram-se de mesmo tamanho e formato que as fileiras mais internas, bem ovaladas (Fig. 2D). Em S. tumi­dus as fileiras mais externas apresentaram-se geralmente de tamanho irregular em relação às fileiras internas e variando seu formato de ovalado a longilíneo (Fig. 2E). Os padrões cuticulares destas espécies foram também si­milares, diferenciando-se apenas pelo número de fileiras das escamas, sendo H. vulpinus a única espécie que apresentou cutícula com mais de quatro fileiras (Fig. 1A) em relação às demais espécies, que possuem predomínio de três fileiras.

Os padrões cuticulares e medulares encon­trados neste trabalho para Necromys lasiurus diferiram do descrito por Quadros & Monteiro­-Filho (2010) e Martin et al. (2009). Ambos os autores descreveram a medula como alveolar, sendo em nosso estudo identificada como re­ticulada (Fig. 2F). Martin et al. (2009) ainda descreve a cutícula como pavimentosa, com escamas ondeadas, orientadas de forma oblíqua simples e bordas lisas. Este padrão difere do pavimentoso losângico estreito encontrado em nossos resultados (Fig. 1D), porém a ilustração utilizada pelos autores não torna claro o padrão descrito por eles. Encontramos padrões simi­lares para Sooretamys angouya, sendo possível diferenciá-lo de N. lasiurus por apresentar medula com células de formato mais ovalado (Fig. 2G).

Neste trabalho apresentamos pela primeira vez os padrões microestruturais para medula e cutícula de Lundomys molitor e Reithrodon tipicus. Ambos apresentaram cutícula imbricada folidácea estreita e medula alveolar, assim como o Akodon regi. A característica referente ao número de fileiras de células separou R. tipicus de L. molitor e A. reigi na chave. Em R. tipicus a medula possui quatro fileiras de células orga­nizadas, com contorno bem definido (Fig. 2I). As outras espécies possuem uma variação de três a quatro fileiras de células, dispostas de forma irregular ao longo do escudo. A dife­renciação entre L. molitor e A. reigi ocorreu de acordo com a espessura das células, sendo que em L. molitor (Fig. 2J) estas são mais espessas em relação aos alvéolos, diferente de A. reigi que possui uma maior espessura nos alvéolos quando comparado as células (Fig. 2K).

Os padrões dos pelos de Calomys laucha e Deltamys kempi são descritos apenas para a Argentina (Fernández & Rossi 1998; Cavia et al. 2008), sendo o padrão medular da primeira como trisseriado e do segundo como bisseria­do. Seguindo a nomenclatura de Quadros & Monteiro-Filho (2006a), encontramos o padrão medular alveolar para ambas as espécies, com variação de duas a três fileiras ao longo da região mais espessa do escudo, concordando de certa forma neste aspecto com a literatura (Fig. 2L). O padrão cuticular é semelhante entre as duas espécies, descrito como pavimentoso losângico, os quais se diferenciam pela dimen­são das escamas, sendo estreitas para D. kempi (Fig. 1D) e largas para C. laucha (Fig. 1E).

O padrão de cutícula e medula de Akodon reigi e A. azarae analisados coincidiram com o descrito por Silveira et al. (2013b), com padrão cuticular imbricado folidáceo estreito para ambas. A morfologia medular de A. reigi apresentou variação de três a quatro fileiras de células ovaladas, caracterizando o padrão alveolar, enquanto A. azarae apresentou medula multisseriada mista entre os padrões alveolar e listrado, com três a quatro fileiras de células na região do escudo (Fig. 1N).

As espécies Oxymycterus nasutus e Wilfredomys oenax também apresentaram cutícula imbricada folidácea estreita e padrão medular multisseriado misto, como A. azarae. Para a diagnose destas espécies utilizamos como critério a predominância de um padrão sobre o outro. Em A. azarae e O. nasutus predomina o padrão alveolar ao longo da região do escudo, com poucos alvéolos fundidos formando barras transversais ao maior eixo do pelo, caracterís­tica do padrão listrado. O contrário ocorre em W. oenax, no qual predomina o padrão listrado, com alguns pontos onde vê-se alvéolos com espaços delimitados, característico de padrão alveolar (Fig. 2M). As células de A. azarae possuem contorno bem definido (Fig. 2N), diferenciando-o de O. nasutus, as quais variam de ovaladas a mais longilíneas (Fig. 2O).

Neste estudo foram estabelecidos o padrão medular e cuticular de Cavia magna, Lundomys molitor, Oxymycterus nasutus, Reithrodon tipicus, Sooretamys angouya e Wilfredomys oenax, espécies para as quais não foram en­contrados trabalhos anteriores na literatura. Algumas espécies já possuíam descrições completas ou parciais, porém na forma de dados não publicados, mas com disponibili­dade de acesso, como Nectomys squamipes e Scapteromys tumidus.

A identificação de amostras de pelos de origem desconhecida só é possível quando baseada em estudos prévios, seja através de descrições, chaves de identificação ou livros com referências fotográficas. Com os resultados obtidos neste trabalho complementamos as lacunas existentes em estudos tricológicos para os roedores do Rio Grande do Sul, conseguindo distinguir com sucesso a maioria das espécies. Os dados ora apresentados poderão auxiliar na identificação de pequenos roedores con­sumidos por predadores, assim como auxiliar na discriminação de espécies com morfologia externa similar.

LITERATURA CITADA

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APÊNDICE 1

As amostras de pelos são provenientes de espécimes das coleções de mamíferos do Museu de Zo­ologia do Pampa (MZPAMPA), Universidade Federal do Pampa, campus São Gabriel, Rio Grande do Sul, Brasil e do Museu de Ciências Naturais (MCNU), da Universidade Luterana do Brasil, campus Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Akodon azarae: BRASIL, Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°18’55” S / 54°24’04” O) 1♂, 01/IX/2015(MZPAMPA M 277); Rio Grande do Sul: Santa Margarida do Sul (30°20’21” S / 54°03’35” O) 1♂, 15/IX/2015 (MZPAMPA M0340).

Akodon reigi: BRASIL, Rio Grande do Sul: Santa Margarida do Sul (30°20’21”S / 54°03’35” O) 1 ♂, 15/IX/2015 (MZPAM­PA M0341).

Calomys laucha: BRASIL, Rio Grande do Sul: Cacequi (29°55’55”S / 54°40’37”O), 1♀, 20/IV/2007 (MCNU 989); Rio Grande do Sul: Cacequi 29°55’55”S / 54°40’37”O), 1♀, 20/IV/2007 (MCNU 990).

Cavia aperea: BRASIL, Rio Grande do Sul: Rosário do Sul (30°13’45” S / 54°43’53” O) 1♂, 11/X/2014 (MZPAMPA M0112); Rio Grande do Sul: Rosário do Sul (30°13’45” S / 54°43’53” O) 1♀, 12/X/2014 (MZPAMPA M0121); Rio Grande do Sul: Rosário do Sul (30°13’45” S / 54°43’53” O) 1♂, 13/X/2014 (MZPAMPA M0123).

Cavia magna: BRASIL, Rio Grande do Sul: Rio Grande (31°59’44.38”S / 52°09’34.04”O) 1♂, 15/VII/2005 (MCNU 2433); Rio Grande do Sul: Rio Grande, 1♀, 14/IV/2006 (MCNU 2455).

Deltamys kempi: BRASIL, Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°18’55”S / 54°24’04” O) 1♀, 09/IX/2015 (MZPAMPA M0326); Rio Grande do Sul: Dom Pedrito (30°56’34” S / 48°43’54” O) 1♀, 01/V/2006 (MCNU 691); Rio Grande do Sul: Dom Pedrito (30°56’34” S / 48°43’54” O) 1♂, 01/V/2006 (MCNU 692).

Holochilus vulpinus: BRASIL, Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°17’16” S / 54°20’26” O) 1♂, 15/VI/2016 (MZPAMPA M0464); Rio Grande do Sul: Barra do Ribeiro (30°23’01”S / 51°25’56”O) 1♂, 14/IV/12 (MCNU 3682); Rio Grande do Sul: Cristal (31°02’38.7”S / 52°02’29.6”O) 1♂, 12/X/2012 (MCNU 3681).

Lundomys molitor: BRASIL, Rio Grande do Sul: Ijuí (28°24’14”S / 53°48’34”O), 1♂, 17/XII/2007 (MCNU 1804); Rio Grande do Sul: Lavras do Sul (30°38’32”S / 54°25’01”O) 1♂, 25/I/2010 (MCNU 2302).

Mus musculus: BRASIL, Rio Grande do Sul: Manoel Viana (29°34’40”S / 55°30’10”O), 1♀, III/2003 (MCNU 1471); Rio Grande do Sul: Santa Vitoria do Palmar (33°40’10”S / 53°18’48”O), 1♂, 26/VI/2004 (MCNU 1550)

Necromys lasiurus: BRASIL, Goiás: Piranhas (16°35’46”S / 51°47’43”O) (MCNU 846); Minas Gerais: Capitólio (20°41’16”S / 46°04’57”O) 1♂, 08/I/2010 (MCNU 2339).

Nectomys squamipes: BRASIL, Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°17’16” S / 54°20’26” O) 1♂, 06/II/2016 (MZPAMPA M0434).
Oligoryzomys flavescens: BRASIL, Rio Grande do Sul: Manoel Viana (29°34’40”S / 55°30’10”O) 1♀, 29/04/2007 (MCNU 1631); Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°17’16” S / 54°20’26” O) 1♀, 14/VI/2016 (MZPAMPA M0459); Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°17’16” S / 54°20’26’’ O)1 ♂, 17/VI/2016 (MZPAMPA M0476).

Oligoryzomys nigripes: BRASIL, Rio Grande do Sul: Torres (29°22’11”S / 49°45’55”O) 1♀ 22/II/1988 (MCNU 457); Santa Catarina: Palhoça (27°50’20”S / 48°40’10”O) 1♂, 11/VIII/2008 (MCNU 1976).

Oxymycterus nasutus: BRASIL, Rio Grande do Sul: Santa Margarida do Sul (30°20’21” S / 54°03’35” O) 1♀, 10/IX/2015 (MZPAMPA - M330); Rio Grande do Sul: Santa Margarida do Sul (30°20’21” S / 54°03’35” O) 1♂, 11/IX/2015 (MZPAMPA M335); Rio Grande do Sul: Santa Margarida do Sul (30°12’33” S / 54°05’56” O)1 ♂, 29/IX/2015 (MZPAMPA - M0375).

Rattus norvegicus: BRASIL, Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°18’55” S / 54°24’04” O) 1 ♂, 08/XII/2015 (MZPAMPA M0413).

Rattus rattus: BRASIL, Rio Grande do Sul: Santa Vitória do Palmar (33°40’10”S / 53°18’48”O), 1♂, 26/VI/2004 (MCNU 1545), 1♀ (III/2006).

Reithrodon tipicus: BRASIL, Rio Grande do Sul: Santana do Livramento (Apa do Ibirapuitã, 30°39’14”S / 55°28’21”O) 1♂, 25/X/2011 (MCNU 2816); Rio Grande do Sul: Santana do Livramento (Apa do Ibirapuitã, 30°39’14”S / 55°28’21”O) 1♂, 25/X/2011 (MCNU 2831).

Scapteromys tumidus: BRASIL, Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°18’55” S / 54°24’04” O) 1♂, 01/IX/2015 (MZPAMPA M0278); Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°17’16” S / 54°20’26” O)1 ♀, 14/VI/2016 (MZPAMPA M0262); Rio Grande do Sul: São Gabriel (30°17’16” S / 54°20’26” O) 1♀, 17/VI/2016 (MZPAMPA M0474).

Sooretamys angouya: BRASIL, Rio Grande do Sul: Canela (Parque da Ferradura, 29°19’52”S / 50°46’38”O) 1♀, VIII/2001 (MCNU 1506); Rio Grande do Sul: São Francisco de Paula (29°29’26”S / 50°12’11”O) 1♂, 17/XII/2007 (MCNU 1614).

Wilfredomys oenax: BRASIL, Rio Grande do Sul: Camaquã (Arroio Pomonga, 31°22’48” S / 52°07’26”O) 1♂, 12/VIII/2008 (MCNU 2025).

 

 

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