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Synthesis (La Plata)

versão impressa ISSN 0328-1205

Synthesis (La Plata) v.9  La Plata jan./dez. 2002

 

0 saber de Teseu n´ As Suplicantes de Eurípides

Filomena Yoshie Hirata

Universidad de Sào Paulo

Resumen
Teseo aparece en tres tragedias como el importante rey de Atenas, que viene a socorrer, figura bien consolidada míticamente desde el siglo VI A.C. En Heracles de Eurípides y en Edipo en Colono de Sófocles, él aparece en la escena para soco rrer a dos grandes héroes, Heracles y Edipo, y en las condiciones penosas en las cuales estos encuentros ocurren, sobresale una profunda identificación entre los dos héroes -Teseo y Heracles, en una tragedia, y Teseo y Edipo en la otra- iden tificación en la grandeza humana y en el sufrimiento. Sin embargo este trabajo trata de la tercera tragedia, Las Suplicantes de Eurípides, en la cual Teseo es Ilamado a socorrer a Adrasto. Pero aquí nada aproxima a los dos, no hay ninguna afinidad. Adrasto es representado como una persona común, desprovisto de su honra del pasado y que sucumbe a la desgracia, puesto que ésta es atribuida a su insensatez.

Palabras clave: Teseo; Heracles; Edipo; Adrasto; Siete contra Tebas; Atenas.

Abstract
Theseus appears in three tragedies as the important king of Athens, who comes to help, a mythically well established figure since the sixth century B.C. In Euripides' Heracles and in Sophocles' Oedipus at Colonus, he appears on the stage to help two great heroes, Heracles and Oedipus, and in the painful condition in which these encounters occur, there is a deep identification between both heroes –Theseus and Heracles, in one tragedy, and Theseus and Oedipus, in the other– identification in human greatness and suffering. However, this paper deals with the third tragedy, Euripides' Suppliants, in which Theseus is called to help Adrastus. But, here, nothing brings the two together, there is no affinity between them. Adrastus is represented as an ordinary man, deprived of his past honour and defeated by misfortune because this is ascribed to his foolishness.

Key words: Theseus; Heracles; Oedipus; Adrastus; Seven against Thebes; Athenas.

Penso que, na tragédia grega, as personagens secundárias, justamen te por serem secundárias, por nâo estarem no centro do conflito, têm condiçâo de, de forma mais verossímil, representar o pensamento do homem comum.1 Como a tragédia trata de grandes linhagens, como os poetas escolhem enredos que pôem em cena personagens que se sobressaem, que sâo figuras incomuns, que vâo além dos limites da sophrosýne e caem na singularidade da hýbris, penso que certas ponderaçôes, certas atuaçôes de personagens vizinhas a essas, podem representar melhor as reflexôes do homem comum, do espectador, que no momento da açâo, diante da grandeza do herói trágico, de certa for ma é também um espectador privilegiado.
Sem dúvida, há personagens secundárias e secundárias... Nâo penso por enquanto nos anônimos: servas, amas, mensageiros, arautos, estrangeiros, guardas... Nâo que nâo sejam importantes. Veja-se, por exemplo, a ama de Fedra! Na verdade, penso nos que secundam, nos secundários que colaboram com o desenvolvimento da açâo dramática, que de alguma forma trabalham para encaminhá-la a um fim, pondo certo esforço nisso, certa participaçâo social. Nâo se trata, portanto de deuses ex machina que, por serem deuses, podem facilmente desatar os nós, solucionando os impasses; ao contrário, essas personagens cumprem um papel que exige compromisso político, ético, quando nâo certo poder de persuasâo.
Das várias personagens secundárias que ocupam a cena trágica, detive me em Teseu, porque aparece em várias peças e, em três, desempenha um papel semelhante, de caráter altamente humanitário, como o rei de Atenas, que vem socorrer. As três tragédias sâo: Héracles louco e As Suplicantes de Eurípides e Édipo em Colono de Sófocles. Já se trata, portanto, da figura de Teseu, sedimentada pela tradiçâo a partir do século VI, após os Pisistratidas sobretudo, como o exemplar rei de Atenas, dessa cidade também exemplar que é Atenas democrática no século V.2 Ao contrário do que se poderia pen sar, essa condiçâo real nâo leva a nenhuma acomodaçâo, ou mesmo a uma observaçâo à distância dos acontecimentos; os poetas trágicos fazem questâo de conservar o lado heróico e aventureiro de Teseu que, em cena, dá mostras de coragem e de bravura, aparecendo em armas e acompanhado de sua tropa, pronto para combater.3 Assim, n' As Suplicantes, as qualidades guerreiras e políticas de Teseu sâo relevantes, porque se trata de guerra, de uma obra de oportunidade, representada após a derrota de Atenas em Délion, na fronteira da Beócia, em 424 a.C. Quanto a Héracles louco, embora coloque face a face dois grandes heróis, nâo trata de lutas, nem de guerras, mas de solidariedade e grandeza humanas em permanente confronto com a autoridade divina. Já Édipo em Colono é uma peça de fim de século; num tom lúgubre, ela prenuncia vários fins: a morte de Édipo, a morte de Sófocles e a morte de Atenas, que se sobressaem às alusôes à guerra. Na morte, heroicizado e imortalizado, Édipo faz o caminho inverso ao de Édipo rei: é sua ascensâo.4 Mas, como a disputa de Etéocles e Polinices por Tebas também faz parte do enredo, Teseu de Sófocles nâo é menos heróico que o d' As Suplicantes, porque precisa salvar Édipo e suas filhas dos tebanos. Sâo três tragédias diferentes, de autores diferentes, representadas em contextos diferentes. No entanto, o que me chama a atençâo e pretendo desenvolver aqui, é que nelas persiste um elemento, digamos, de caráter psicológico, ou seja, uma espécie de identificaçâo entre a personagem que vem socorrer e aquela que é socorrida, condiçâo fundamental, para que depois tudo se encaminhe para um bom final. Nas três ocasiôes, Teseu, contemplando diretamente o sofrimento do herói trágico, é o espectador privilegiado.
Em Héracles louco, Teseu entra em cena apenas no êxodo. Chega com uma tropa, em armas, pois ficara sabendo que Lico tomara o poder em Tebas e, tornando-se tirano, ameaçava matar a família de Héracles. Ao chegar, diz ele:

"Venho trazer a lança aliada" (v.1165)5

No entanto, chega tarde. No momento, Héracles chora de dor e cobre o rosto de vergonha. Acaba de acordar de profundo sono e tenta compreender, olhando ao redor, que numa enorme crise de delírio matou a mulher e os três filhos. Fizera exatamente o que o usurpador do trono, Lico, pretendia fazer antes de ser morto por ele. Percebendo que a desgraça é outra, Teseu muda seu discurso:

"Venho para gemer junto" (v.1202)

Uma simples troca de palavras, dóry sýmmakhon por hos synalgôn, revela a perspicácia de Teseu e seu espírito aberto e propício para auxiliar qualquer que seja a dificuldade. Teseu chega exatamente no momento em que Héracles, recobrando a consciência, percebe o que acabara de realizar e, diante da monstruosidade de seu ato e da vergonha de ter sofrido uma grande crise de delírio, resolve suicidar-se, pois nâo vê outra soluçâo para a desonra que a morte. Consequentemente, a tarefa de Teseu consiste em salvar Héracles da morte.
Em Édipo em Colono, Teseu chega por solicitaçâo de Édipo que, por meio de um oráculo, sabia que, no momento da morte, deveria dirigir-se ao bosque das deusas Eumênidas na Ática. Chama por Teseu, pois este deverá ser instruído sobre sua morte, além de beneficiado com o dom de seu corpo. Como Sófocles faz coincidir no drama esse momento da morte de Édipo com o combate dos filhos pelo trono de Tebas, cabe a Teseu nâo apenas acolher Édipo, velho, cego e exilado, mas também protegê-lo das ameaças dos filhos e de Creonte, que querem levá-lo à força a Tebas. Nas duas tragédias mencionadas, percebe-se que há uma perfeita sintonia, uma identificaçâo de sentimentos que torna, antes de obrigatória, afetiva a aproximaçâo das duas personagens: Teseu e Héracles e Teseu e Édipo. Entre um e outro aflora certa cumplicidade desde o princípio, que está acima das exigências da philía ou da súplica.
De fato, Teseu e Héracles sâo dois grandes heróis da mitologia grega que rivalizam quanto à quantidade de façanhas heróicas. Sâo também conhecidos: no passado, Héracles salvara Teseu trazendo-o do Hades. Certamente Teseu devia sentir-se devedor, mas o que os identifica no momento é a forma pela qual ambos se reconhecem no sofrimento do outro: assim como hoje Héracles se sente o mais infeliz dos homens, assim também se sentira Teseu no Hades.
É um sentimento desse tipo que transborda no encontro entre Teseu e Édipo. Nâo há como Teseu deixar de sentir-se penalizado diante desse velho, cego e maltratado Édipo, cuja história desgraçada e incomum era conhecida por muitos. Mas Teseu também sofrera e penara no exílio antes de chegar a Atenas, revelar sua verdadeira identidade, conquistar o trono e tornar-se quem ele é.
No entanto, n' As Suplicantes de Eurípides, tudo se passa de forma total mente diferente. Para começar, o título da tragédia pôe em destaque o coro, representado pelas mâes dos guerreiros mortos na célebre expediçâo intitulada Sete contra Tebas. Adrasto, rei de Argos, que antes organizara o frustrado combate, é agora quem chefia essas mâes, as seguidoras dela e os filhos dos heróis mortos, enfim, a comitiva argiva que está em Elêusis. 0 objetivo é conseguir, por intermédio de Etra, que Teseu os auxilie a recuperar os corpos dos mortos que os tebanos insistem em deixar insepultos. Assim, de início, as mâes tentam persuadir outra mâe e ainda que tentem timidamente alegar que têm direito (ékhomen éndika, v. 65), elas apelam à piedade de modo desesperado. E tocam o coraçâo de Etra.
Teseu entra inesperadamente. Apenas procura a mâe e surpreso com a cena que vê, a mâe cercada pelas suplicantes, acaba sendo posto face a face com Adrasto, que enfim é quem deverá fazer a súplica em nome das mâes. Como se estivesse fazendo uma investigaçâo policial, Teseu submete Adrasto a um mi nucioso inquérito que, aparentemente, vai além das causas da guerra. Pergunta vai e resposta vem, um abismo vai se fazendo entre os dois, pois Adrasto causa crescente irritaçâo em Teseu. Justamente ao contrário do que pretendia, Adrasto nâo consegue despertar nenhuma compaixâo em Teseu, seja por seu sofrimento pessoal, seja pelo peso que carrega por assumir a responsabilidade pelo desas tre que foi o ataque a Tebas. Na avaliaçâo de Teseu, tudo foi fruto de falta de reflexâo, insensatez e mesmo certa impiedade de Adrasto. Nessa investigaçâo da verdade, Teseu critica Adrasto, por confiar facilmente nos oráculos e rapidamente ser persuadido por eles, como se os deuses existissem (hos dzónton theôn, v. 221), quando de fato deveria refletir melhor sobre o que eles anunciam. Mas também Adrasto, quando convém, é capaz de rejeitar a palavra oracular. Na verdade s âo duas atitudes que, opondo-se, indicam a descrença na mântica e corroboram com a desgraça, pois a primeira mensagem acatada acarreta o casamento de duas filhas de Adrasto com dois estrangeiros, nâo argivos, nem phíloi, ou seja, Tideu e Polinices, e a outra, de Anfiarau, ignorada, leva à gue rra. Teseu qualifica a atitude de Adrasto como impetuosa e imprudente (eupsykhía e nâo euboulía, v. 161), caso contrário o que justificaria que um pai entregasse as filhas a dois exilados malditos, identificados como javali e leâo (v. 140), senâo a compreensâo do oráculo segundo seu próprio desejo? Na verdade Teseu exige de Adrasto uma reflexâo mais objetiva dos fatos, uma atitude mais eficaz, considerando que ele também é um líder, um chefe, mais condizentes com a de um homo politicus do século V, como muitas vezes a tragédia se encarregou de modelar.6
Duramente criticado, Adrasto nâo recua. Servindo-se dos recursos de supli cante, agacha-se no châo e segura os joelhos de Teseu, humilhando-se pelas mâes, e faz o discurso da compaixâo. Tenta mesmo uma argumentaçâo política: por que procurar Atenas e nâo Esparta? Por que procurar Teseu? Mas nada consegue. Na verdade, nem Adrasto, nem as mâes suplicantes conseguem com seu dilema colocar Teseu sob o peso de uma anánke, como acontece com Pelasgo que, n' As Suplicantes de Ésquilo, é colocado pelas Danaides em situaçâo aporética.7 0 discurso de Adrasto nâo faz jus à fama que a tradiçâo lhe atribuiu no decorrer dos tempos. Ele escorrega nos apelos melodramáticos, expondo sua situaçâo de excessiva desgraça; aliás ele pensa demais na sua própria condiçâo, esquecendo-se de enfatizar a impiedade dos tebanos em deixar os mortos insepultos e privados das honras fúnebres, o que constitui um crime religioso grave e, sem dúvida, poderia ser seu melhor argumento.
Fazendo prevalecer o resultado de seu inquérito particular, Teseu nâo se deixa persuadir, mas também nâo quer ser acusado de impiedade por rejeitar as suplicantes.8 E argumenta mostrando sua maneira de ver o mundo: saber discernir entre o bem e o mal, é o que se pede a um chefe. Os bens que a divindade atribui ao homem, sâo mais abundantes que os males e devem ser bem usufruídos, com bom senso, sýnesis (v. 203); ocorre que a arrogância, a violência fazem-no desviar-se da rota, quando ele pretende ser mais sábio que os deuses. Segundo Teseu, este é o caso de Adrasto e, inconformado, retoma o argumento já citado sobre a má interpretaçâo dos oráculos (vv. 219 e seg). Parece particularmente perturbado corn a decisâo apressada de Adrasto de dar as filhas em casamento a estrangeiros desconhecidos, misturando o justo com o injusto, quando devia privilegiar os seus, mantendo a integridade familiar. Alianças sâo feitas com os pares (v. 225). Depois, atribui a rejeiçâo ao oráculo de Anfiarau, que previa a derrota, à má influência dois jovens genros, cheios de ardor guerreiro e ambiçâo. Enfim, apresentando suas razôes políticas, morais e religiosas, Teseu deixa claros os motivos pelos quais nâo deve tornar se aliado de Adrasto (sýmmakhos, v. 246)9 Já está pronto para partir, quando é retido pela mâe. Começa, entâo, o desdobramento da súplica.
Nâo há identificaçâo de sentimento, assim como nâo há possibilidade de acordo entre Teseu e Adrasto, mas há afinidade entre Etra e as suplicantes: as mâes se entendem. Tanto Adrasto, quanto as mâes nâo têm o que opor aos argumentos de Teseu, tanto sâo claros. Todavia enquanto este analisa os erros do passado de Adrasto, Etra se detém no presente. Retoma as palavras do filho, observando que hoje sâo os tebanos que desrespeitam a ordem natural e harmoniosa do mundo, cometendo o crime de privar os mortos dos ritos fúne bres. E as vítimas sâo as mâes e os filhos adolescentes dos mortos e por eles Etra implora a Teseu. Sem mencionar Adrasto, ela se torna porta-voz das mâes. Seu discurso muda o tom da peça. Cessam as lamentaçôes, pois o tom de Etra é categórico e firme e a argumentaçâo tem conteúdo político. Poder-se-ia dizer que a mâe conhece o filho a quem fala. As razôes que alega sâo sedutoras, porque tocam fundo no político. Socorrer as mâes, constitui um ato elevado de humanidade, de piedade, mas também um alto crédito na reputaçâo. Toda Grécia saberá e isso só trará renome a ele, por impedir a transgressâo de leis comuns a todos os gregos. Dessa forma, Etra acaba dando ao filho as razôes lógicas necessárias para justificar a aliança.
Esse desdobramento da súplica tem sua originalidade, pois cria certa tensâo dramática, após o fracasso da primeira tentativa. Mas, ao contrário do que ocorre n' As Suplicantes de Ésquilo, deixa evidente que nem sempre os suplicantes sâo atendidos. As Danaides acreditam firmemente que, por serem suplicantes, elas devem ser protegidas por Pelasgo, em nome de Zeus Hikésios, e isso pesa na decisâo de Pelasgo. Nesta peça, verifica-se que nâo basta cair na desgraça e suplicar para ser protegido e poupado. De fato, Teseu pondera sobre tudo que Adrasto fez e reage como se os erros cometidos de forma tâo insensata o liberassem de qualquer envolvimento. Enfim, nâo se compra uma guerra pela tolice dos outros. Pelo julgamento que Teseu faz da açâo de Adrasto e conseqüente recusa do auxílio, entendemos por que, no primeiro contato dos dois, o interrogatório de Teseu teve caráter de investigaçâo. A súplica aqui perde o sentido totalmente religioso e assume urn caráter racional. O suplicante é julgado antes de ser atendido. Novidade de Eurípides? Nâo sei. Mas sem dúvida uma evoluçâo nas idéias religiosas.
A súplica e seu desdobramento tomam os primeiros 365 versos da tragédia. É muito, mas nâo tem relaçâo com eventual dificuldade de decisâo. Diferente de Pelasgo de Ésquilo, que sente o peso da coerçâo e por isso demora para decidir, Teseu nâo se encontra numa situaçâo aporética, enfim, n âo é uma personagem trágica colocada na encruzilhada do destino, como diria J. P. Vernant,10 pois sua avaliaçâo final de Adrasto é bastante negativa: este é destituído de todas as qualidades e nem mesmo a habilidade retórica lhe é devidamente reconhecida; para tanto basta evocar seu discurso de súplica a Teseu e a oraçâo fúnebre.
À medida que Teseu cede aos apelos da m âe e decide recuperar os corpos dos heróis mortos, passa a dominar a açâo e também a ocupar o espaço cênico. Representando o ideal político ateniense, torna-se a personagem mais atuante do drama, mas sem ser a personagem trágica, pois n âo sofre a experiência trágica. O que temos, nos episódios seguintes, é uma caracterizaçâo do soberano perfeito de uma cidade democrática e de liderança política. Resumindo algumas açôes práticas que Eurípides expôe ao espectador, é possível acompanhar os caminhos de Teseu. Antes de declarar guerra aos tebanos, consulta a assembléia popular que, seguindo seu rei, declara-se a favor. No confronto com o arauto tebano, revelando domínio da retórica superior ao de Adrasto, Teseu tem espaço para mostrar as vantagens do regime democrático, criticando o oligárquico, onde nâo existe a figura do governante absoluto ou do tirano que decide tudo por todos. Declarada a guerra contra Tebas, pois nâo se chega um acordo, Teseu chefia sua tropa e luta como qualquer outro soldado, mostrando coragem nas açôes guerreiras. Na preparaçâo dos rituais fúnebres, mostra profunda solidariedade, ajudando na lavagem dos cadáveres em estado de putrefaçâo e, no enterramento, concede a Adrasto pronunciar a oraçâo fúnebre.
Mas como ninguém é perfeito, Teseu também resvala de vez em quando, o que na verdade nâo compromete sua grandeza, mas deixa espaço para discussôes. Por exemplo, Teseu sucumbe a interesses um tanto quanto mesquinhos, como fama e glória, lembrados por Etra, na persuasâo. Mostra também certa arrog ân cia em relaçâo a Adrasto, pondo em relevo sempre sua própria inteligência, muito bem integrada no novo mundo intelectual ateniense, como se pode exemplificar com a crítica direta a Adrasto em relaçâo à crença nos oráculos vinculada à crença na existência dos deuses. Mas, incontestavelmente, o melhor exemplo de imperfeiçâo está no êxodo. Uma idéia persistente de Teseu (como também do arauto tebano e das mâes), ao longo da peça, diz respeito à paz. Entretanto, enquanto as mâes choram e se desesperam diante das urnas de seus filhos, conclamando ao fim do sofrimento, o coro de adolescentes, filhos dos heróis mortos, canta um canto contrário, prometendo vingança. As mâes nada dizem aos filhos e eles nâo ouvem as m âe s. Eles também nâo sabem que Teseu nâo quis saquear Tebas, para deixar o caminho aberto para a paz. Nesse impasse entre duas geraçôes ou duas mentalidades que se opôem, Teseu nada diz aos adolescentes no sentido de preservarem a paz, deixando escapar essa oportunidade.
No final, Atena, a deusa, aparece ex machina e literalmente dita os termos do acordo de paz entre Argos e Atenas, mas também fala a favor da guerra, instigando à vingança os adolescentes. Com autoridade de deusa, passa por cima da autoridade política de Teseu, destruindo todo trabalho desenvolvido por ele ao longo da peça. E Teseu subitamente muda o que vinha sustentando e promete seguir as ordens de Atena. Do ponto de vista literário, pensando na figura de Teseu como central na peça e marcada pela grandeza política, essa súbita submissâo às ordens da deusa torna o final muito amargo.11
No entanto, se pensarmos que se trata de uma peça reconhecida como patriótica, representada para levantar oânimo dos atenienses depois da derrota de Délion em 424 a.C., o que explica os elogios a Atenas e a Teseu, e datada de 423, no oitavo ano de uma guerra que duraria quase trinta, a do Peloponeso, é difícil dizer que algum ateniense tivesse certeza de que era momento de pensar na paz. O patriotismo de Eurípides no drama poderia muito bem ser interpreta do como um estímulo à guerra, como alguns helenistas defendem.12 Mas a expediçâo dos Epígones pertence à História: apoiando os adolescentes e corrigindo Teseu, Atena conta a verdade. 13

Notas

1. Este trabalho foi apresentado na XII Reuniâo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, em Ouro Preto, aos 10/08/2001. Faz parte de uma pesquisa mais ampla, intitulada "O saber de Teseu na tragédia grega". A primeira parte da pesquisa, "O saber de Teseu em Héracles louco e em Édipo em Colono" foi apresentada na XI Reuniâo da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, em Araraquara em 1999. A terceira parte tratará de Teseu no Hipólito.

2. Sobre essa questâo, remeto ao artigo de Walker, H.J. (1995) "The Early Development of the Theseus Myth" , Rheinisches Museum, 138: 1-33.

3. Cf. Plutarque, Vie de Thésée.

4. Ver Knox (1964: 143-162).

5. Para as três tragédias o texto grego mencionado é o da Société d' Édition Les Belles Lettres.

6. Nos termos em que Vernant trata de Etéocles d' Os Sete contra Tebas de Ésquilo, em Mito e Tragédia na Grécia Antiga , (1988: 19-40).

7. Sobre a aproximaçâo entre As Suplicantes de Ésquilo e de Eurípides, ver Aélion (1983: t. 2, 231-243).

8. Sobre a súplica e seu desdobramento, ver Aélion (1983: t. 2, 231-243).

9. Remeto à leitura de P. Burian (1985: 129-155) que enfatiza "the politics of the play ... the politics encoded in the structure of its discourse".

10. Quanto à situaçâo do herói trágico posto "na encruzilhada do destino" cf. Vernant, (1988: 19-40).

11. Como bem observa Kitto, em A Tragédia Grega, (1990: 68-80).

12. Nâo foi meu objetivo enveredar pelos caminhos da História, ou seja, por em relevo a importância da guerra do Peloponeso na peça, pois vários autores já o fizeram e com muito mais pertinência do que eu poderia fazer.

13. Cf. Burian (1985: 129-155).

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