SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número22Apuntes sobre el concepto de Modelo Productivo: estructura, formación social y producción de subjetividadesEvolución de la negociación colectiva en las industrias del cuero en la Argentina (1954 a la actualidad) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Trabajo y sociedad

versión On-line ISSN 1514-6871

Trab. soc.  no.22 Santiago del Estero jun. 2014

 

PERSPECTIVAS ANALÍTICAS Y REGISTRO DE EXPERIENCIAS SOBRE EL MUNDO LABORAL

Trajetórias de vida, trabalho e saúde de permissionários em uma Central de Abastecimento de Hortifrutigranjeiros e Flores*

Trayectorias de vida, el trabajo y la salud de los licenciatarios en un Mercado Mayorista de hortalizas, frutas y flores 

Trajectories of life, work and health of licensees in a Wholesale Flower and Vegetable Market 

 

Ângela Maria Ferreira*, Aparecida Mari Iguti**, Inês Monteiro***

? Extraído da dissertação "Desvelando o trabalho em uma Central de Abastecimento de Hortifrutigranjeiros e Flores: uma história contada por seus permissionários", Departamento de Enfermagem, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2008. Esta pesquisa contou com suporte da Fapesp - Projeto de Pesquisa em Políticas Públicas e do CNPq (bolsa de produtividade em pesquisa).
* Psicóloga, Professora e Consultora em Treinamento. angelamar_fer@hotmail.com
** Professora Associada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Medicas - FCM- Universidade Estadual de Campinas. iguti@unicamp.br. Fone: 55-19-35219243.
*** Professora Associada da Faculdade de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho. Universidade Estadual de Campinas. Orientadora da dissertação. inesmon@fcm.unicamp.br. Fone: 55-19-35218820.

 


RESUMEN

Esta investigación tiene como objetivo identificar el papel de la horticultura de alimentación central y las flores en la vida de sus licenciatarios y sus trayectorias de trabajo y el impacto en la salud. Se utilizó un enfoque cualitativo, con entrevistas semiestructuradas. En el estudio participaron 24 becarios seleccionados entre el tiempo de trabajo en Ceasa, incluyendo algunos "pioneros" (primera generación) y otros más jóvenes (segunda generación) de ambos sexos (masculino y femenino) y los diferentes grupos de edad. El papel y la importancia de esta institución están relacionados con la generación de empleo y la estabilidad de sus dos fundadores y descendientes y para la generación de empleo. En la relación entre el trabajo y la salud de los beneficiarios informó que la obra más antigua, incluso pesado, propició satisfacción y salud. Durante gran parte de los titulares de la generación más joven, sin embargo, la percepción predominante de que la actividad es estresante, y es necesario cuidado exigente para la preservación de la salud.

Palabras clave: Trabajo; Salud; Alimentos; Flores.

RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo conhecer o papel de uma central de abastecimento de hortigranjeiros e flores na vida de seus permissionários, além de suas trajetórias de trabalho e repercussões sobre a saúde. Foi utilizada abordagem qualitativa, com entrevistas semiestruturadas. Participaram deste estudo 24 permissionários selecionados a partir do tempo de trabalho na Ceasa, incluindo alguns 'fundadores' (primeira geração) e outros mais jovens (segunda geração), de ambos os sexos (masculino e feminino) e diferentes faixas etárias. O papel e a importância dessa instituição foram relacionados à geração de trabalho e estabilidade, tanto para seus fundadores e descendentes quanto para geração de emprego. Na relação estabelecida entre trabalho e saúde dos permissionários os mais antigos relataram que o trabalho, mesmo pesado, propiciava satisfação e saúde. Para boa parte dos permissionários das gerações mais novas, entretanto, predominou a percepção de que a atividade é estressante, exigindo cuidados para preservação da saúde.

Palavras-chave: Trabalho; Saúde; Alimentos; Flores.

ABSTRACT

This research aimed to understand the role of a fruit, vegetable and flowers wholesale distribution center from the owners' viewpoint in their occupational lives and health. A qualitative approach is employed with open response interviewing. The study included 24 owners selected during working time in Ceasa, involving some 'pioneers' (first generation) and other young (second generation) of both sexes (male and female) and age groups. The role and importance of this institution are related to the generation of jobs and stability for 'pioneers' and their descendants and for job provision. In the established relationship between work and owners' health it is reported that the older work, even heavy work, propitiated satisfaction and health. For many of the owners from the younger generations, however, the perception prevailed that the activity is stressful, demanding care for preserving health.

Keywords: Work; Health; Food; Flowers.


 

SUMÁRIO

Introdução. Método. Trabalho, saúde e doença. Considerações finais. Referências.

*****

 

Introdução

O presente estudo foi realizado em uma das principais centrais de abastecimento brasileiras: a Central de Abastecimento - Ceasa Campinas, inaugurada em 10 de março de 1975 e municipalizada em 17 de dezembro de 1989 (Departamento de Mercado de Hortigranjeiros da Ceasa Campinas - DMH, 2007) (Ceasa, 2008b) quando, devido à extinção do Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento - SINAC criado pelo governo federal, o controle acionário das CEASAs foi delegado aos estados e municípios. Além de se constituir de um importante entreposto de abastecimento também realiza atividades de utilidade pública como o Programa de Segurança Alimentar - PSA, projeto de Alimentação Escolar e o Banco de Alimentos, programas de suplementação alimentar que remetem àqueles criados no país na década de 1970, como o Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT e o Programa Nacional de Alimentação do Escolar - PNAE (Araújo e col, 2010).
O Mercado de Hortigranjeiros da Ceasa Campinas conta em sua estrutura atual com quatro Galpões Permanentes, quatro Mercados Livres, dois Pavilhões de Beneficiamento e um Pavilhão de Alho, Batata e Cebola. Reúne 707 permissionários nas 'pedras' e 134 nos boxes, totalizando 841 associados. Estima-se que deste total, 65% sejam somente comerciantes e 35% também produtores (DMH, 2007). No que diz respeito ao Mercado Permanente de Flores e Plantas Ornamentais da Ceasa Campinas, hoje considerado o maior mercado da América Latina e o primeiro mercado permanente de flores com área coberta do Brasil, sua criação se deu em 21 de julho de 1993, com a fundação da Associação dos Produtores e Comerciantes do Mercado de Flores de Campinas - APROCCAMP (Ceasa, 2008a).
Os relatos são de seus permissionários, ou seja, os comerciantes, produtores ou não de hortícolas, frutas e flores, que têm a concessão para comercializar seus produtos na Central de Abastecimento. Ao relatar suas trajetórias profissionais foram simultaneamente reconstituindo o percurso dessa Central desde sua criação até o momento atual, resgatando seu valor enquanto instituição geradora de emprego e peça fundamental no vínculo entre produtor e consumidor final. Tomamos como uma das referências Spink (1999), que considera que "o sentido do mundo à nossa volta, nada mais é que uma construção social que se dá coletiva e interativamente por aqueles que a vivenciam em sua cotidianidade".
Nesta perspectiva este estudo teve por objetivo conhecer a trajetória profissional dos permissionários de uma central de abastecimento de alimentos e flores e examinar e os impactos do trabalho sobre sua saúde.

Método

Estudo de abordagem qualitativa no qual as percepções, experiências e reflexões dos permissionários foram acessadas por meio de suas narrativas. Foi utilizada a entrevista semi-estruturada com nove questões como fio condutor. Na primeira questão solicitava-se ao participante que contasse a história de sua trajetória profissional na Ceasa Campinas, permitindo que o entrevistado tivesse maior liberdade para contar sua história. A própria técnica da história oral recomenda que, quão mais abertas forem as explorações, mais suscitarão o estilo narrativo da pessoa dando-lhe liberdade de fazer composições e encadeamentos de suas memórias (Bosi, 2003). As demais perguntas, apesar de mais diretivas, como por exemplo, os desafios encontrados na trajetória profissional; importância da Ceasa na perspectiva do produtor, comerciante e consumidor; concorrência; o sentido do trabalho e interferência do trabalho na saúde foram úteis para o acesso a informações mais específicas e complementares sobre a vida, trabalho e saúde dos permissionários.
As entrevistas foram realizadas pela primeira autora no período de setembro de 2007 a fevereiro de 2008, nos locais de trabalho dos permissionários e duraram em média, pouco mais de uma hora. Os depoimentos foram gravados com a anuência dos participantes, que receberam posteriormente sua entrevista transcrita, com a possibilidade de alterar seu conteúdo, caso discordasse do texto registrado.
Participaram do estudo 24 permissionários selecionados a partir do tempo de trabalho na Ceasa, envolvendo alguns 'fundadores' (primeira geração) e outros mais jovens (segunda geração), de ambos os sexos e de diferentes faixas etárias do Mercado de Hortigranjeiros e de Flores. Participaram também um funcionário do DMH com 28 anos de atividade na Central e um prestador de serviços da ASSOCEASA, que complementaram as memórias dos permissionários.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp como adendo ao projeto 143/2004, e todos os seus participantes receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

 

Os permissionários

Dos 24 permissionários participantes, 18 eram homens e, seis, mulheres. Entre os homens, quinze eram da área de hortifrutigranjeiros e, três, de plantas e flores. Em relação às mulheres três eram dos Hortifrutis e três do Mercado de Flores. Quanto ao tempo de atividade na Ceasa, nove entrevistados tinham 32 anos de trabalho no Mercado de Hortifrutis e os demais, em média, 22 anos. Já no Mercado de Flores, quatro permissionários tinham em torno de dez anos de atividade nesta Central e dois deles, 13 e 14 anos. A escolaridade dos permissionários de Box foi equilibrada, sendo quatro com nível fundamental, dois com nível médio e quatro com formação universitária. Já entre os que trabalhavam nas pedras, todos apresentavam nível fundamental indicando algum grau de diferenciação entre permissionários de Box e de Pedra. No mercado de Flores havia três com nível fundamental, um médio e dois graduados.

Da origem e trajetória dos permissionários e da origem da Central

A história da centralização do abastecimento em Campinas teve seu começo muito antes da inauguração da Ceasa em 10 de março de 1975. Os permissionários e fundadores resgataram em suas memórias fatos, lugares e imagens que remontam à sua infância, quando começaram a trabalhar com os pais na roça, no plantio e na colheita, indicando que o papel da Ceasa só faz sentido se inserida no contexto de suas histórias de vida. Na configuração da história de nosso país, a presença de imigrantes é ainda bastante recente e relacionada com atividades rurais, como pode se ver na fala seguinte:

"Eu sou nascido aqui em Campinas, meu pai era italiano, eles vieram morar numa fazenda, [...] depois compraram um sítio aqui em Betel, foi lá por meados de 1900... acho que 10 por aí, [...] começou picar, derrubar e plantar café, banana; plantou laranja..." (P1).

Essas atividades rurais estão presentes em vários relatos dos permissionários, já que uma parcela deles ainda mantém estreita relação com a produção rural, pois o início de suas ocupações aconteceu de forma bastante precoce

"comecei trabalhar com sete anos", misturando-se com as atividades escolares, "quando eu saía da escola eu ia ajudá meu pai, carpí café, aquelas coisarada"... (P12),

e vinculadas com o trabalho dos familiares, pai ou mãe em geral,

"começamos com seis anos acompanhando a mãe... cortá cana, [...], depois, trabalhar com plantio de algodão" (P11). "Com sete anos fui pra escola, fiz o 4º ano primário só, então era meio período na escola, meio período na roça, não fazia serviço pesado, mas acompanhava meus pais. Produzia.... era banana, era café, né?" (P15).

Como relata Bosi (2003, p. 54) "A comunidade familiar ou grupal exerce uma função de apoio como testemunha e intérprete daquelas experiências. O conjunto das lembranças é também uma construção social do grupo em que a pessoa vive". Em se tratando de família de agricultores, associou-se sempre o trabalho em conjunto repartido cotidianamente, no qual o marido, a mulher, os filhos mais velhos e até pequenos (crianças) poderiam tanto realizar tarefas comuns quanto àquelas atribuídas de acordo com a idade, o sexo e a posição que ocupavam dentro da própria estrutura familiar. Os meninos em especial, ao acompanharem seu pai (ou os mais velhos) na labuta diária do campo, eram preparados não só para se tornarem parceiros eficientes de trabalho, como também trabalhadores do ramo capacitados para o futuro (Brandão, 1983).
Outro aspecto é destacado por Azevedo & Pelicioni (2011, p. 720), pois "o padrão técnico moderno permitiu uma mudança na agricultura, inserida no contexto urbano-industrial próprio da modernidade, que enfatiza, alem da produtividade, tendencias de uniformização dos modos de vida rural e urbano".
Ainda jovens esses permissionários do Mercado de Hortigranjeiros iniciaram como comerciantes no Mercado Municipal de Campinas, também conhecido como Mercadão ou Mercadão Velho, fundado em 1908. Um deles, em especial, destacou-se por sua postura empreendedora e vanguardista na comercialização de bananas:

"Foi em 1946, com uma carrocinha, vender banana, no Mercadão Velho. Era com uma carrocinha, com um animal, e vendia [...] foi até 1951, daí nós compramos um caminhãozinho e começamos vender; o primeiro a vender banana em cima do caminhão no Mercado Velho fui eu" (P1).

Acompanhando os permissionários em sua história de trabalho, chegamos ao Jardim do Lago ou 'Ceasinha', espaço provisório que os permissionários ouvidos na pesquisa utilizaram para a comercialização de seus produtos, até ficarem prontas as instalações da Ceasa Campinas. O CEAB - Centro de Abastecimento Provisório, instalado em 1971, reunia condições físicas mais favoráveis ao trabalho dos comerciantes e produtores, pois, diferentemente do Mercado Municipal, dispunha de uma área maior e galpão coberto. Ficaram instalados neste local por quatro anos, até a inauguração da Ceasa Campinas, em 1975.
Desde a época do Mercado Municipal os permissionários 'fundadores' já haviam preenchido um cadastro, assegurando-lhes o direito de comercializar seus produtos nesses locais, o que implicava no pagamento do uso do espaço em todos eles (Mercadão e Ceasinha), uma espécie de 'aluguel', semelhante ao das instalações da Ceasa.
Quando se mudaram para a Ceasa, nem todos os comerciantes encontraram seu espaço (pedra) pronto. Só existiam os Galpões Permanentes 1 e 2, onde se localizavam os boxes; o Mercado Livre Central ainda se encontrava em construção (P3).

Papel da Ceasa

A percepção que os permissionários têm da Ceasa Campinas pode ser situada em vários enfoques distintos, que vão de sua "importância" pessoal às relações de "concorrência" interna e externa. Boa parte dos permissionários, tanto dos boxes quanto das pedras, ressaltou a importância da Central na cadeia produção-distribuição de alimentos ao consumidor, com papel balanceador da oferta de alimentos perecíveis para o mercado consumidor.

"[..] vem a equilibrar tanto o fornecedor quanto o cliente nosso aqui o mercadista, porque se você tem produtos oferecíveis na Central do A ao Z, nós também temos na sociedade, o consumidor, nesse nível do A ao Z" (P4).
"Então é uma ferramenta que vem de encontro à necessidade de toda a população tanto da parte de produção quanto da parte de consumo. Se você não tivesse uma oferta maciça dentro de uma central de abastecimento, você poderia ter até uma manipulação de produto, um grande grupo concentra a produção de um determinado produto, estabelece um preço X e por aquele preço é negociado" (P5).

Quanto à garantia de qualidade dos produtos ao consumidor um permissionário expressou-se do seguinte modo:

"Pro consumidor, no caso meu e do M. (outro permissionário) que a gente é produtor, sempre pega um alimento, uma mercadoria mais fresquinha né, no caso hoje, 5ª feira, a minha foi colhida ontem" (P15).
Os permissionários relatam a grande opção e variedades de produtos: "Eu acho essencial porque é um grande centro atacadista, onde você encontra todas as variedades de frutas, tanto nacionais como estrangeiras, e você tem muita opção e outra a segurança, a limpeza, os produtos, eu acho que são de excelente qualidade" (P10).
"Ainda aqui na Ceasa é uma vitrine, é um show-room onde, por incrível que pareça, embora somos concorrentes, mas a proximidade, um estar próximo ao outro, facilita que o cliente componha uma carga completa, que não existe uma empresa que possa vender desde hortaliça, leguminosas, frutas, tudo" (P7).
"De ser uma central de distribuição de produto, que vem de tudo quanto é Estado, do Brasil inteiro vem produto aqui e é distribuído por aqui então facilita pra todo mundo, pra quem comercializa aqui, pro consumidor, pros comerciantes de fora, se não tivesse a Ceasa, como é que o pessoal ia buscar mamão na Bahia?" (P14).

Mesmo ciente da importância da Ceasa Campinas, um entrevistado testemunhou a preocupação quanto à atuação das grandes redes de supermercado, não somente no comércio varejista, mas também no segmento atacadista:

"Agora uma grande preocupação que temos é que as grandes redes além de dominarem o comércio varejista, estão criando uma verdadeira ponte sobre as Centrais de Abastecimento constituindo o que eles chamam de CDs, Centro de Distribuição, onde eles vão captar os produtos diretamente na roça, porém nunca de pequenos produtores, mas sim de grandes produtores [...]";
"Bom, o Ceasa, ele sempre foi um dos mercados antigo, né? [...] a tradição de Ceasa permanece. Mas [...] esses atacadistas grandes, esses centros de atacado grande, não conseguiram nos parar" (P19).

Os entrevistados também relataram o espaço de solidariedade social da CEASA quanto aos projetos sociais, como o Instituto de Solidariedade Alimentar - ISA, criado há 23 anos por um dos permissionários participantes desta pesquisa, cuja missão é distribuir os produtos que não são vendidos pelos permissionários às famílias carentes cadastradas:

"Iniciou-se em 84 e hoje já faz exatamente 23 anos que esse projeto social, tornou-se um dos maiores da América Latina, pelo quantitativo de alimentos doados pelos nossos usuários, permissionários. [...] Hoje nós atingimos a casa, de média de 350 a 400 mil kg de alimentos/mês" (P3).
"O Instituto que se solidificou a sua pretensão solidária propriamente dita, um ponto importante que penso, valha destaque obrigatório de que ele tem tido nos últimos tempos uma condição de distribuição de 350 toneladas/mês de alimento, de forma gratuita [...]" (Outro P).

Em abril de 2001 foi criado o Grupo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Segurança Alimentar - GDRSA em Campinas e em outubro do mesmo ano foi lançado o Programa de Segurança Alimentar - PSA com vistas a formatar projetos de ação nesta área, ambos sob a responsabilidade oficial da Ceasa Campinas, que também lhes serviu de sede. Os projetos do PSA Campinas são Alimentação Escolar, Hortas Comunitárias, Selo de Validade e Banco de Alimentos (Leite, 2006).

A CEASA na vida dos permissionários

Houve relatos semelhantes entre alguns permissionários dos boxes e principalmente das pedras sobre a importância da Ceasa na vida de permissionários que foram o reconhecimento do seu papel na estruturação e estabilização de suas vidas, na aquisição de algum patrimônio e como forma de inclusão social.

"Se eu tenho alguma coisa veio daqui, né?" Ou "tudo que eu tenho, eu levei daqui, trazendo a mercadoria, conseguindo trocar por dinheiro, foi daqui" ou ainda, "o que eu construí na minha vida, foi tudo comercializado no Ceasa", percebendo que se trata de um espaço privilegiado de trocas, já que "vende um pouco no sítio, mas a porcentagem é pouca" (P15).

Fica clara a percepção da finalidade do CEASA, da razão da existência dos entrepostos de abastecimento, como expressa um permissionário:

"O que eu vejo é que a Ceasa é uma central de distribuição, então eu vejo ela com uma virtude muito grande: você tem muitas pessoas conseguindo vender seus produtos, eu vejo isso aqui como um fator essencial" (P6).

Identificam a CEASA como um espaço de oportunidades para quem não pode se escolarizar e profissionalizar:

"Eu não tive formação nenhuma, só que aqui eu sou doutorado (rindo), eu entendo bastante, é o motivo que eu tô até hoje e faria tudo de novo. Eu sou uma pessoa sem profissão, vai ganhar o que? Eu comecei sem nada" (P14).

Outro aspecto importante destacado, especialmente pelos permissionários dos boxes, foi a Ceasa como fonte geradora de emprego, quase que oferecendo uma das definições de emprego informal, por meio das características apontadas.
Para o Programa Regional de Emprego para a América Latina e Caribe (PREALC) da OIT (Organização Internacional do Trabalho), o setor informal é composto por pequenas atividades urbanas, geradoras de renda, que se desenvolvem fora do âmbito normativo oficial, em mercados desregulados e competitivos, no qual é difícil distinguir a diferença entre capital e trabalho. Essas atividades utilizam-se de pouco capital, técnicas rudimentares e mão de obra pouco qualificada e produzem emprego instável de reduzida produtividade e baixa renda. O setor também se caracteriza pela falta de acesso aos financiamentos e créditos disponíveis ao setor formal e também pela baixa capacidade de acumulação de capital e renda (Jakobsen, 2000).
Esta perspectiva foi relatada por um permissionário:

"Que gera emprego barato, certo?""Um emprego informal porque até um cara que pode ser analfabeto, pode ter nenhum estudo, tá trabalhando, tá sustentando a sua família, isso pra uma cidade, pra um governo, acho que é essencial [...]". "Porque esse pessoal sem trabalhar o que pode gerar de prejuízo pra sociedade num todo, num todo, não tem dinheiro que pague" (P4).
Entretanto, ficam explícitas algumas 'exigências' apontando que "você não precisa ter uma escola, você não precisa ter uma faculdade, você precisa ter um semblante bonito e um poder de comunicação bom [...], ela dá oportunidade a qualquer um, só basta ter vontade de trabalhar" (P3).

Cabe aqui a ressalva de que no local estudado, dependendo da categoria ocupacional, haviam trabalhadores registrados, 'autônomos' e pessoas sem qualificação profissional, contratadas como diaristas para trabalhos de carga e descarga de mercadorias.

Especificidades do Mercado de Flores

A trajetória ocupacional dos permissionários do Mercado de Flores traz histórias bastante diversificadas, como a de um produtor com formação em Agronomia e de uma comerciante que comprava as flores de alguns permissionários da própria Ceasa Campinas.
A grande maioria dos permissionários, tanto nos Hortigranjeiros, quanto no Mercado de Flores é oriunda da área rural. As principais diferenças estabelecidas entre estas categorias estão relacionadas às suas histórias de vida e aos tipos de produtos que vendem.
A importância do Mercado de Flores para alguns dos permissionários se voltou basicamente para a vantagem de o produtor ter um espaço próprio para a comercialização de flores e plantas e para tradição das Ceasas que oferecem garantias à manutenção do negócio, mesmo para aqueles não produtores:

"O mercado, o setor de flores por uma questão sei lá, não sei te dizer porquê, o produtor passou a fazer a comercialização, coisa que não acontece no hortifruti, existe o intermediário pra isso, o produtor produz, raramente é ele quem vem vender. Na flor funciona com o produtor, então na verdade quem tem um ponto de venda na Ceasa, seja aqui ou em qualquer outro, está fortalecido como empresário" (P20).

Cooperação e concorrência

Os permissionários consideram que apesar da concorrência na Ceasa existe cooperação, parceria, amizade e um código moral no seu trabalho.

"Existe a concorrência comercial, ela é natural, mas não porque ele é meu concorrente ele deixa de ser meu amigo [...] Eu tenho o desejo de vender pra um bom cliente e tudo mais, todos têm, mas a concorrência quando ela é honesta, não tem problema nenhum e aqui dentro você vai perceber que não existem pessoas desonestas" (P5).
"E as coisas foram criadas e fundamentadas nisso, numa integração entre a gente, numa amizade mais respeitosa mesmo sabendo que os interesses financeiros eles são latentes em cada um, principalmente quando se trata de concorrente. Aqui é o único lugar que eu vejo, a exemplo do Brasil, que os que representam mamão sentam junto, os batateiros sentam junto, isso foi o tempo que providenciou, né? Uma respeitabilidade" (P3).
"Existe uma concorrência entre nós? Existe, no entanto às vezes nós trocamos, compramos mercadoria do próprio concorrente, por que? É difícil você não pode ter um estoque extremamente alto, porque o risco é demais, é um produto perecível [...] Existe um convívio junto e tem que ser um convívio saudável, porque afinal de contas eu estou aqui há 25 anos..."(P7).

Os relatos permitem traçar um paralelo com o estudo de Sato (2006, p.120), realizado com feirantes de um bairro da cidade de São Paulo: "O feirante vive numa tênue tensão entre dois pólos opostos: competição e cooperação".
Mesmo havendo competição, interesses comerciais e financeiros por parte de cada um dos permissionários, eles deixaram transparecer em suas falas uma "atitude" de cumplicidade e companheirismo que se aproxima do campo das representações sociais do próprio grupo.
A maioria dos entrevistados possuía experiência de 25 a 30 anos de Ceasa, sem dúvida um longo tempo de convívio, partilhas e cumplicidade onde o local de trabalho se constitui em um território que abriga seus 'habitantes', com tradições e uma identidade de grupo, um pertencimento assemelhando-se ao de Bosi (2003) em seus estudos com os velhos memorialistas moradores da cidade de São Paulo.

Trabalho, saúde e doença

Para alguns, o trabalho relaciona-se a um código de honra que um permissionário define como "honroso" por associar à construção da própria vida "permitir que os filhos estudassem" e também fornecer "uma boa estrutura de vida". Uma virtude, para outro, que diz "é o que dignifica o homem". Ou ainda relaciona-se com o corpo, confundido com o biológico, "é a própria vida; está no sangue", "o elixir da vida", ou ainda com certa transcendência, "é o brilho da minha vida", e para vários, a centralidade da própria vida, "é tudo". E num olhar incomum, "é diversão".
Dentre os significados manifestos nos relatos, destacaram-se aqueles vinculados à satisfação, realização, estruturação de vida, e ao próprio sentido de viver, ou seja, com estreita relação entre algumas de suas necessidades psicossociais. Entretanto o trabalho pode também se constituir em fonte de transtornos que acabam afetando sobremaneira a saúde daquele que trabalha. Além de conhecer o significado que o trabalho tinha para esses permissionários, também se considerou a relação entre o próprio trabalho e o seu estado de saúde.
Assim, no tocante às relações estabelecidas entre o trabalho e o seu estado de saúde, todos os participantes da pesquisa posicionaram-se de forma que pudemos identificá-las, sob quatro enfoques apresentados a seguir.
Na percepção de um permissionário, a saúde seria a ausência de alterações nos exames clínicos complementares "[a saúde é] boa, eu faço exame todo, eu terminei uma bateria agora, essa semana" e a capacidade de se manter trabalhando "[...] o trabalho interferiu porque eu vejo que se eu ficar parado, eu fico doente" (rindo) (P2).
Em outro, o trabalho traz saúde, desde que o trabalhador goste do que faz: "o trabalho não mata, não judia, alegria de vida, não cria rugas, né, e gostar daquilo que faz realmente, sabe, a gente tem muita ocupação construtiva" (P3). Dejours (1987), estudando o sofrimento no trabalho no contexto da sua psicodinâmica, lembra-nos da insatisfação e do 'conteúdo (não) significativo' das tarefas produtoras de sofrimento. Assim, o permissionário expressa a necessidade dos sentidos simbólicos que um sujeito necessita para ter o trabalho como fonte de prazer e, portanto, de saúde.
Outros invocam o divino, que os protege das doenças "eu graças a Deus nunca assim fiquei doente" (P10) ou mesmo com problemas, "eu graças a Deus nunca tive problema, eu já tive quebradura, cirurgia por causa de quebradura, a cirurgia do nariz, mas são coisas passageiras, mas uma doença, graças a Deus, nunca tive" (P13) ressaltando que o significado de doença não passa pelos eventos de causa externa, como os traumas.
Um permissionário se recorda de problemas financeiros "é claro que tem pedaços terríveis que a gente passa, financeiro" (P9), lembrando que questões conjunturais podem fazer com que tenham um mal estar que não é de natureza orgânica. Uma permissionária se recorda de suas internações, mas para o parto, associando a doença com a injeção: "Olha difícil eu ficar doente, muito difícil. Só fui internada duas vezes na minha vida, o parto das crianças mesmo, fora isso, não sei o que é uma injeção" (P23).
Os estudos e pesquisas de Dejours (Dejours, apud Lancman & Sznelwar, 2004) referem que é pela mediação do trabalho (atividade em si), no campo das relações sociais (equipe, colegas de trabalho, chefias) que o indivíduo pode realizar-se pessoalmente, por meio do reconhecimento por aquilo que produz e assim, fortalecer sua identidade. Logo, podemos supor que na medida em que as pessoas puderem vivenciar tais condições e com isto manter seu equilíbrio físico e mental, seu bom estado de saúde poderá ser preservado.
Os entrevistados tendem a explicar o estresse de forma semelhante ao preconizado por Sparks & Hammond (1981), lidando com fatores 'protetores' e 'agravantes' cujos pólos podem se equilibrar (estado de saúde) ou desequilibrar (doença), dos quais discordamos. As situações de trabalho e fora dele podem se constituírem em fontes de estresse, alimentadoras desse estado (input) e por outro lado, outras situações no trabalho e fora dele, que se traduzem em um'esvaziamento' (output). A fala seguinte mostra que estratégias o interlocutor encontrou para'atenuar' o desgaste produzido pelo trabalho (coping), que estão de acordo com um dos modelos de estresse propostos:

"Olha precisa tomar muito cuidado com estresse, nervosismo, pra não prejudicar a saúde. Acho que a gente tem que ter nossos hobbies, nossas férias, sessão de massagem... Então são vários fatores: quem gosta de pescar, vai pescar, quem gosta de fazer outra coisa, vai fazer, que é pra pessoa manter o equilíbrio mental, e do equilíbrio mental a pessoa poder manter um equilíbrio energético do corpo pra poder não se estressar" (P6).

Também a confiança e crença no profissional médico, cujos conselhos nem sempre são fáceis de seguir:

"O nosso trabalho é estressante, é pesado, principalmente nessa época (fim de ano), é um sufoco, é gente pedindo coisa... [...] Mas assim em termos de saúde, meu trabalho é esse, então não é uma coisa que me afeta, não faz mal a saúde, cansa como qualquer trabalho [...] Minha saúde, eu tenho um acompanhamento médico, um amigo meu aqui de Campinas, é médico professor da Unicamp, um cara que eu tenho uma confiança enorme [...] tenho procurado seguir os conselhos dele, alguns sim, alguns não, como sempre, a gente é meio teimoso, né?" (P20).

Outra possibilidade, a saúde relacionada a hábitos saudáveis, como dormir cedo, sempre indicando uma preocupação e cuidado:

"logicamente você tem que ter toda uma adaptação [...] Já te expliquei, por exemplo: acabou o Jornal Nacional (na televisão) que acaba o quê? 8 horas, 9 horas, eu vou dormir" (P5).

Ou então, a idade que pesa na resistência física:

"Quando a gente é mais jovem, né, a gente acha que tudo pode, que você aguenta ficar até uma hora da manhã e acordar às 4 e meia, vir trabalhar e às vezes até consegue e acha que tá tudo bem. Mas, na verdade, seu desempenho não é o mesmo. [...] É impossível alguém não estar descansado e render a mesma coisa que alguém descansado, é a água e o vinho, não tem como (P7). Sente a necessidade de modificar seus hábitos:"[...] Tenho que mudar. Não, não é porque eu quero, é uma necessidade, [...] é o que meu corpo necessita.É uma série de mudanças [...] e você só toma uma consciência de fato disso com a maturidade, isso é fato, não tem como..."(P7).

A experiência da incapacidade temporária: o trabalho que afeta a saúde

Após um período de atividades extenuantes, P14 relata um problema de saúde: "eu virava o caminhão, subia, ia daqui pra lá, distribuía as caixas, e voltava pegando, recolhendo (os produtos diretamente das roças), só que era cansativo, trabalhoso, nessa época eu até me estressei, era muito serviço... [...] Não parei de trabalhar, mas tive uma depressão muito forte. Isso foi em 94". Ao ser indagado se o trabalho voltou a afetar a sua saúde, relatou ter sido a única vez.
Outro permissionário relaciona seu problema de saúde com o trabalho:

"Deu labirintite em mim uma vez, estado de nervos; acho que foi canseira demais, né? Mexeu com pressão, mexeu com tudo, mas eu consegui normalizar" (P17).

Este permissionário do Mercado de Flores vivenciou uma série de transformações na sua vida profissional e, a mais importante, segundo ele, e responsável pelos prejuízos que sofreu em sua saúde, foi a mudança da condição de empregado à atacadista do ramo de flores: desde que passou a trabalhar na comercialização de flores teve três infartos, fez três pontes safenas e três angioplastias, além de ser hipertenso. A alteração da saúde é relacionada com o acúmulo progressivo, como desgaste, e o permissionário denomina 'estresse' (mas que poderia ser também angústia, medo, outros estados mentais):

"Na minha [saúde] interferiu porque eu vim de vários estresse de uns tempo pra cá. Tipo eu falei que era produtor então a gente tinha mercadoria, então às vezes chovia, estragava mercadoria, e cê vem aqui no Ceasa, cê pensa que vai vender num preço e não vende, então tudo isso deixa a gente estressado. Cê vende pra pessoa, a pessoa compra mais do que achou que ia vender, não vendeu; deu troca, cê vai lá troca mercadoria que cê não tem culpa que não vendeu ..." "cê tem [...] a lidar com o público, lidar com a compra primeiro, depois o público, e cada freguês tem um temperamento diferente [...]" (P19).
"Eu comecei a me estressar e perdi, como diz, a minha paz, quando eu comecei a trabalhar por conta e fui lidar com firma, com funcionários, horário e flor e cobrar e vender, isso veio a prejudicar bastante a minha vida e a minha saúde".

Também atribui a uma rotina cansativa e penosa:

[...] "Cê já acorda todo dia de manhã é difícil, acordar um ano, dois é fácil; eu acordo desde os 15 anos, faz 18 anos que eu acordo cedo [...], então é uma coisa que vai estressando [...] Mas também instável, "por causa das trajetórias da minha vida, nesse trabalho agitado, né, porque a Ceasa Campinas, a Ceasa SP, a Ceasa Ribeirão Preto, cada dia nós tamos num lugar" e que levaram ao aparecimento/agravamento de uma doença crônica "porque eu tenho diabetes há três anos. É controlada e tudo, mas tem que tomar insulina tal, fazer os controles "(P19).

A princípio, os problemas acarretados pelo trabalho no decorrer dos anos, desde a mudança de papel profissional, parecem estar relacionados ao que Levi (1998) chamou de "sobrecarga qualitativa", um dos principais fatores situacionais que pode atuar como significativo estressor laboral. A sobrecarga qualitativa diz respeito à grande variedade de estímulos, com conteúdo de trabalho bastante diversificado, que exige muita criatividade, elevada interação social, muita responsabilidade e autonomia. Outro enfoque diz respeito à condição de desenraizamento desenvolvida por Simone Weil. Bosi (1987, p. 21) ao abordá-la, comenta que: "Entre os mais fortes motivos desenraizadores está a separação entre a formação pessoal, biográfica mesmo, e a natureza da tarefa, entre a vida no trabalho e a vida familiar, de vizinhança e cidadania".
Um aspecto bastante interessante revelado neste estudo foi este espaço de trabalho constituir-se num território, que no conceito de Milton Santos (1999) corresponde "ao lugar onde ocorre um cotidiano compartilhado entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições, a cooperação e conflito são bases da vida em comum", e no qual os permissionários constroem redes sociais e criam uma identidade.

Considerações finais

Partindo dos relatos dos permissionários pode-se compreender o papel que a Ceasa Campinas tem na vida destas pessoas e no mundo do trabalho. Destaca-se a importância da Ceasa enquanto geradora de oportunidades de trabalho, principalmente para produtores e comerciantes 'fundadores' que mesmo com pequena escolaridade, conseguiram se estruturar e "vencer" profissionalmente.
É bem verdade que trabalharam arduamente alcançando êxito profissional construindo uma força identitária positiva e consolidada. Por outro lado, consideram também o papel individual e de contexto, lembrando que ao longo dos anos "muitos se perderam no caminho", seja pela falta de tino administrativo ou comercial, seja por suas atitudes e valores frente à vida, seja pelas mudanças do contexto político e econômico do país e do mundo. Os permissionários dos boxes em sua maioria puderam proporcionar uma vida bastante confortável para suas famílias; de modo semelhante os permissionários das pedras também puderam alcançar uma estabilidade, ainda que em menor proporção, já que em geral possuem menor poder aquisitivo.
A responsabilidade social da Ceasa Campinas também se destacou pelos projetos sociais desenvolvidos. Nos relatos apareceu a bem sucedida experiência do ISA - Instituto de Solidariedade Alimentar. Os permissionários reconheceram a grande importância da Central de Abastecimento na cadeia produtiva de alimentos, não só para aliar as necessidades de escoamento dos produtos às dos consumidores, regular e informar os preços dos hortifrutis no mercado, como também para oferecer grande variedade de produtos com excelente qualidade. Atentos às grandes transformações do mercado varejista pela entrada dos super e hipermercados, os permissionários expressaram sua preocupação quanto ao futuro da Ceasa, já que produtores e consumidores acabam afetados, direta e indiretamente, pois compram as hortícolas diretamente na roça e subtraem consumidores que deixam de comprar do pequeno varejo (feiras, quitandas, sacolões), clientes tradicionais da Ceasa. A queda de lucratividade em suas vendas, nos últimos anos, causa desalento à maioria dos permissionários ouvidos.
No que concerne ao setor de flores e plantas, os grandes supermercados também vêm tentando fazer frente aos demais equipamentos de varejo e até aos próprios atacadistas. Contudo, por se tratar de um setor "novo" e em franca expansão, tal qual o próprio Mercado de Flores da Ceasa Campinas, não chega a constituir importante ameaça. Entretanto, como apontou uma permissionária, serão necessários investimentos e implementação de novas tecnologias, para que dentro de poucos anos não estejam defasados. Uma queixa frequente dos permissionários foi o ruído produzido pelos carrinhos que transportam as flores e plantas de ponta a ponta do mercado; uma questão que deveria ser abordada nas melhorias tecnológicas, entre as mais abrangentes.
A relação concorrencial fica permeada pelas parcerias e colaboração mútua para, por exemplo, negociar preços nas compras de produtos comuns, intercambiar mercadorias uns com os outros, uma estratégia coletiva que reduz riscos de perdas. Isto ficou evidente nos boxes e pedras. No Mercado de Flores conduzido diretamente pelos produtores, essas relações são menos evidentes.
O trabalho, para a quase totalidade dos permissionários ouvidos neste estudo, encerra um sentido vital para suas existências, não só por conta da sobrevivência, mas principalmente por estar associado a significados, tais como a satisfação, estruturação de vida e família, gosto pela atividade em si, rede de relacionamentos, diversão, identidade etc.
No tocante à relação estabelecida entre trajetória profissional e o estado de saúde dos permissionários, foram identificados diferentes significados entre os entrevistados. Todavia, a maioria não percebe o trabalho como causa de doenças. Alguns consideram que seria a falta de trabalho o motivo para adoecerem. Houve tendência por parte dos permissionários mais antigos
em associar o trabalho ao bem estar, apesar do franco reconhecimento da dura e desgastante jornada vivenciada em todos esses anos de Central. O sentimento de realização e de superação dos desafios parece ter sobrepujado o sofrimento da jornada. As queixas e depoimentos de sofrimento têm um fundo ligado ao sofrimento mental, embora percebam as limitações físicas advindas do trabalho penoso e da idade.
Entre os permissionários entrevistados, poucos relataram problemas de saúde, mas dois deles apresentam problemas graves e incapacitantes.
O resgate do papel, importância e história da Ceasa Campinas e das lutas e conquistas de seus permissionários em sua trajetória profissional, também trouxe consigo a valiosa oportunidade de se rediscutir um dos temas vitais à perpetuação da vida humana no planeta: o cultivo e distribuição de alimentos.
Reviver ou reconstituir a história da Ceasa Campinas pela memória de seus permissionários é possibilitar a reflexão e a re-significação sobre seu futuro.

Referências

1. Araújo, M. P. N.; Costa-Souza, J.; Trad, L. A. B. A alimentação do trabalhador no Brasil: um resgate da produção científica nacional. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v.17, n.4, pp.975-992, dez.2010.         [ Links ]

2. Azevedo, E.; Pelicioni, M. C. F. Promoção da saúde, sustentabilidade e agroecologia: uma discussão intersetorial. Saúde Soc., São Paulo, v.20, n.3, pp.715-729, jul. 2011.         [ Links ]

3. Bosi, E. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.         [ Links ]

4. Brandão, C. R. Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983.         [ Links ]

5. CEASA. Centrais de Abastecimento de Campinas S.A. Conheça a Ceasa - uma cidade dentro da cidade. Disponível em: <http://www.ceasacampinas.com.br> Acesso em: 10 mar. 2008a.         [ Links ]

6. CEASA. História da Ceasa acompanha desenvolvimento do país. Disponível em: <http://www.ceasacampinas.com.br/noticias/2004/17_03_04_2.ht> Acesso em: 10 mar. 2008b.         [ Links ]

7. Cunha, A. R. A. A. Dimensões estratégicas e dilemas das Centrais de Abastecimento no Brasil. Revista de Política Agrícola. v.15, n.4, pp.37-46, out.-dez. 2006.         [ Links ]

8. Dejours, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Oboré Editorial, 1987.         [ Links ]

9. Lancman, S.; Sznelwar, L. I. (orgs.). Christophe Dejours - Da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Brasília: Paralelo 15, 2004.         [ Links ]

10. Leite, J. P. A. Políticas municipais de segurança alimentar: o caso do município de Campinas. Campinas (SP), 2005. Dissertação - Universidade Estadual de Campinas.         [ Links ]

11. Levi, L. Psychosocial factors, stress and health. In: International Labour Organization. Encyclopaedia of Occupational Health and Safety, 1998.         [ Links ]

12. Santos, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 3 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.         [ Links ]

13. Sato, L. Feira livre - organização, trabalho e sociabilidade. São Paulo, 2006. Tese (Livre Docência), Universidade de São Paulo.         [ Links ]

14. Spink, M. J. P. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximação teórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1999.         [ Links ]

15. Sparks, D.; Hammond, J. Managing teachers stress and burnout. National Inst. of Education (Ed). Washington DC, February, 1981.Libros: Apellido, Nombre (año). Titulo en cursiva. Ciudad: Editorial         [ Links ]

Recibido: 03.05.13
Revisión editorial: 21.08.13
Aprobado definitivamente: 21.10.13