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Trabajo y sociedad

versão On-line ISSN 1514-6871

Trab. soc.  no.31 Santiago del Estero dez. 2018

 

DOSSIER

O problema da aproximado no “policiamento de proximidade”: dilemas da experiência de “pacificáo” de favelas do Rio de Janeiro

El problema de la proximidad en el "policiamiento de proximidad": dilemas de la experiencia de "pacificación" de favelas de Río de Janeiro

The problem of approximation in "proximity policing": dilemmas of the "pacification" experience of favelas in Rio de Janeiro

Palloma MENEZES* 

*Universidade Federal Fluminense - UFF . E-mail: pallomamenezes@gmail.com

RESUMO:

Este artigo trata do problema da aproximação envolvida no chamado “policiamento de proximidade” que foi implementado em 38 Unidades de Polícia Pacificadoras inauguradas durante a última década no Rio de Janeiro. Este estudo foi baseado em uma pesquisa etnográfico e ementrevistas em profundidade realizadascom moradores, policiais e traficantesde três favelas entre 2009 e 2015.As primeiras sessões do artigo tratam dos traumas passados e das incertezas em relação ao futuro do projeto quefomentaram, desde o início do processo de “pacificação”, desconfianças mútuas e dificultaram a aproximação entre policiais e moradores de favelas. A seção seguinte tem como objeto as "ferramentas de aproximação" que foram frojadas pelos policiais da UPP durante a "pacificação". E a última parte do trabalho trata do caso exemplar da primeira comandante da UPP. O argumento central do trabalho é que as ações empreendidas por essa policial, em alguma medida sintetizavam o próprio “espírito” do projeto das UPPs e os dilemas da “pacificação”, uma vez que articulavam, por um lado, atividades de repressão a crimes e de ordenamento do território da favela; e por outro, ações preventivas, baseadas nas tentativas de aproximação com a população das favelas.

Palabras Chave: violência urbana; crime; policiamento; pacificação; favelas; Rio de Janeiro

RESUMEN:

Este artículo trata del problema del acercamiento involucrado en el llamado "policiamiento de proximidad" que fue implementado en 38 Unidades de Policía Pacificadoras inauguradas durante la última década en Río de Janeiro. Este estudio se basó en una investigación etnográfica y en entrevistas en profundidad realizadas con residentes, policías y traficantes de tres favelas entre 2009 y 2015. La primer parte del artículo trata de los traumas pasados y de las incertidumbres en relación al futuro del proyecto que fomentó, desde el inicio del proceso de "pacificación", desconfianzas mutuas que dificultaron la aproximación entre policías y moradores de favelas. La siguiente sección tiene como objeto las "herramientas de aproximación" que fueron empleadas por los policías de la UPP durante la "pacificación". Y la última parte del trabajo trata del caso ejemplar de la primera comandante de la UPP. El argumento central del trabajo es que las acciones emprendidas por esa policía, en alguna medida sintetizaban el propio "espíritu" del proyecto de las UPPs y los dilemas de la "pacificación", ya que articulaban, por un lado, actividades de represión a crímenes y de ordenamiento del territorio de la favela; y por otro, acciones preventivas, basadas en los intentos de aproximación con la población de las favelas.

Palabras clave: Violencia urbana; crimen; policiamiento; pacificación; favelas; Rio de Janeiro.

ABSTRACT:

This article deals with the problem of the approach involved in the so-called "policing of proximity" that was implemented in 38 Pacifying Police Units launchedduring the last decade in Rio de Janeiro. This study was based on ethnographic research and in-depth interviews with residents, police officers and traffickers from three slums between 2009 and 2015. The first sections of the article deal with past traumas and uncertainties regarding the future of the project, which have fostered mutual mistrust since the beginning of the pacification process and have made it difficult for police and slum dwellers to approach.The next section deals with the "approach tools" that were fleched by UPP officers during "pacification". And the last part of the work deals with the exemplary case of the first commander of the UPP. The central argument of the work is that the actions undertaken by this police officer, to some extent, summed up the "spirit" of the UPPs' project and the dilemmas of "pacification", since they articulated, on the one hand, activities of repression of crimes and of planning of the territory of the favela; and on the other hand, preventive actions, based on the attempts to approach the favela population.

Key words: urban violence; crime; policing; pacification; favelas; Rio de Janeiro

SUMÁRIO

Introdução; 1. Os traumas do pasado; 2. Medos relacionados ao futuro do projeto da UPP; 3. As “ferramentas de aproximação” utilizadas em áreas “pacificadas”; 4. “A comandante é mãezona, mas quando precisa, ela bate feito homem”; 5. A comandante como liderança carismática e o problema da rotinização; Considerações finais; Referências Bibliográficas.

Introdujo

Há exatos dez anos, a "violência urbana" no Rio de Janeiro - cidade que precisava se preparar para receber a Copa do Mundo em 2014 e que tinha apresentado a candidatura para sediar das Jogos Olímpicos em 2016 - parecia ser um “problema sem solução”. Como resumiu o então Secretário de Segurança do Estado, José Mariano Beltrame, naquele momento era como “era como se não houvesse esperança” para os conflitos violentos que ocorriam cotidianamente na cidade, pois:

além de toda a carga do passado e do sucateamento material, a polícía do Rio se via ás voltas com outro problema grave: havia muito estava envolvida numa ratina diária de confrontes com traficantes fortemente armados. Servir á populacao ganhara urna dimensão muito perigosa. O policial, diversas vezes, entendía que

estava lá para o que desse e visse, para todo o tipo de enfrentamento. A polícia que sofre com a violência também gera violência. Portanto, uma questão-chave era como desarmar este círculo vicioso. (Beltrame, 2014, p. 83)

O “círculo vicioso” ao qual Beltrame faz referência vinha sendo alimentado há algumas décadas por um “modelo de segurança, pautado na letalidade como indicador de eficiência” (RIBEIRO; DIAS; Carvalho, 2008). Tal modelo tomou vulto na década de 1990 e aprofundou-se ainda mais no início da década atual. Algumas pistas que evidenciavam o aprofundamento da concepção bélica na política de segurança no começo dos anos 2000 eram a “banalização” da utilização do “caveirão” em favelas cariocas (Ribeiro; Dias; Carvalho, 2008), os pesados investimentos feitos para aumentar o efetivo do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e o Batalhão de Policiamento de Choque (BPCHq), além da criação de Grupamentos de Ação Tática (GAT) nos batalhões convencionais.

Misse, Grillo, Teixeira e Neri (2013) afirmam que a intensificação da militarização das práticas de policiamento, embora tenha sido importante para a “afirmação e consolidação da superioridade bélica do Estado com relação às facções do tráfico de drogas”, gerou um aumento considerável na letalidade da ação policial e nos números de “autos de resistência” que atingiram o seu ápice em 2007 - quando foram contabilizados 1.330 casos no estado (o que representava 18% do número total de homicídios naquele ano ) e 902, na capital do Rio de Janeiro.

Ribeiro, Dias e Carvalho (2008) sugerem que esse crescimento deve ser associado ao fato do então governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral Filho, em seu primeiro ano de governo, ter aprofundado ainda mais a “política do confronto”, disseminando, por exemplo, as chamadas “mega-operações” realizadas em favelas. Uma das “mega-operações” que mais ganhou visibilidade no início do governo Cabral foi a realizada no complexo do Alemão, em 27 de junho de 2007, menos de um mês antes da realização dos Jogos Pan-Americanos no Rio de Janeiro. A operação contou com cerca de 1.200 policiais e resultou na morte de 19 pessoas.

O relatório publicado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) revelou que algumas das 19 mortes foram causadas por execuções sumárias e arbitrárias ocorridas durante a operação policial. E, a partir daí, multiplicaram-se as críticas não apenas àquela operação específica, mas à política de segurança que vinha sendo implementada por Cabral como um todo. A política da “guerra contra o tráfico”, que já vinha sendo questionada em diversos países, tornou-se alvo de diversos questionamentos que apontavam que:

as ações policiais nas favelas estão focadas apenas no uso excessivo da força, em execuções sumárias. A proporção entre as mortes e as prisões e apreensões de drogas e armas durante a realização das “mega-operações” nas favelas indica a ausência de ações coordenadas de inteligência, indica, mais do que isso, que a ação do Estado se torna cada vez mais criminalizadora da pobreza, como se as armas fossem ali fabricadas e as drogas ali cultivadas. Ignora a participação ativa de policiais e de outros segmentos sociais na organização de redes criminosas, como o tráfico de drogas e de armas. (Ribeiro; Dias; Carvalho, 2008, p. 15)

Naquele momento, embora a política do confronto estivesse nitidamente desgastada, não havia um modelo alternativo à ela. Como apontou, naquela ocasião, o então subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Secretaria de Segurança, Roberto Sá, fazer algo novo que desse certo “era impensável (...). Eu cheguei a achar que essa questão das favelas não tinha jeito. Aliás, não só eu, todo mundo chegou a achar que isso era um problema sem solução. Tinha-se que se aprender a conviver com ele.”

O “problema da segurança pública”, como apontado na fala de Roberto Sá, encontrava-se sobreposto ao “problema das favelas”. Havia um consenso, naquele momento, de que não seria possível o governo resolver o problema da violência urbana se não mudasse o seu modo de atuação nos territórios das favelas. Em 25 de outubro de 2007, Sérgio Cabral chegou a sugerir, em uma entrevista, que o aborto poderia funcionar como uma nova forma de controle da violência nas favelas, já que, segundo o governador, esses territórios podiam ser considerados como “verdadeiras fábricas de marginais”.

Embora não tenha usado o termo “fábrica de marginais”, Beltrame também apontou que considerava, naquele momento, que as favelas eram “o ponto de irradiação das ocorrências policiais” nos bairros cariocas ou o “nascedouro da criminalidade” na cidade (Beltrame, 2014, p. 104). Nas palavras do secretário:

Eu entendia que o grande problema eram os territórios abandonados à própria sorte pelo Estado. O Rio, segundo o Instituto Pereira Passos, contabiliza mais de mil favelas, numa prova de como o desleixo da história hoje recai sobre os ombros da polícia. Assim que cheguei ao Rio, marquei um mapa com os dados da violência, ficava patente a coincidência entre as marcas que havia feito e a criminalidade. A favela Santa Marta, que fica no Morro Dona Marta, em Botafogo, Zona Sul, era o ponto de irradiação das ocorrências policiais do bairro. Jacarepaguá, na Zona Oeste, ostentava índices de criminalidade dos mais elevados, e o nascedouro era a Cidade de Deus bem ao lado. Meu mapa do Rio era um tabuleiro de xadrez com diversas “casas” dominadas pelo tráfico. A solução óbvia era acabar com a distinção e pintar tudo de uma cor. (Beltrame, 2014, p.104)

Beltrameapontava, portanto, que tinha acreditava na necessidade de elaborar algo novo que trouxesse resultados mais perenes no combate ao tráfico nas favelas. Segundo o secretário, naquele momento, não faltavam “ideias de especialistas” e inspirações - como os casos de Bogotá e Medellín, na Colômbia. Mas o difícil era “obter crédito”, ou seja, “tempo para mudar a cultura de trabalho”. Na visão de Beltrame o maior desafio era “sobreviver numa Secretaria que historicamente troca seu titular de duas a três vezes a cada mandato de quatro anos”.

Foi nesse contexto que, o secretário descreve que, “as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) nasceram em doses homeopáticas na salinha de almoço da Secretaria de Segurança”. Para Beltrameas UPPsforam resultado “um pouco de experiências anteriores, das conversas de almoço, da urgência de novas soluções, do talento da equipe e até mesmo de sorte”, mas que é impossível lembrar com exatidão como surgiu o projeto. Nas palavras dele: “não houve algo sistematizado. Aguardávamos uma janela de oportunidade, que surgiu antes mesmo que tudo estivesse perfeitamente organizado” (Beltrame, 2014, p. 105). Tal “janela de oportunidades”, segundo o próprio Beltrame descreve,acabou se abrindo no Santa Marta,favelaonde o projeto-piloto do secretário começou a ser testado em novembro de 2008.

Examino neste artigo o início do processo de experimentação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em três favelas “pacificadas” da cidade. A partir de um trabalho etnográfico realizado no Morro Santa Marta (localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro), na Cidade de Deus (localizado na Zona Oeste) e no Parque Proletário (que fica na Zona Norte da cidade) - e também a partir de entrevistas realizadas com moradores, traficantes, policiais e moradores dessas favelas entre 2009 e 2015 - analiso neste artigo as dificuldades envolvidas na atividade policial empreendida nos territórios “pacificados”. O trabalho debate, especialmente, o problema da aproximação envolvida no chamado “policiamento de proximidade” que foi implementado em 38 UPPs inauguradas no Rio de Janeiro na última década.

Ao longo do artigo apresento as tentativas empreendidas pelos policiais envolvidos no projeto de polícia “pacificadora” para viabilizar uma aproximação com os moradores das áreas “pacificadas”. Nas primeiras sessões do artigo, mostro como traumas passados e incertezas em relação ao futuro do projeto alimentaram, desde o início da “pacificação”, desconfianças mútuas que dificultaram enormemente a aproximação entre policiais e moradores. Posteriormente, descrevo as ferramentas de aproximação que foram frojadas durante a atividade policiais em áreas com UPPs. Por fim, apresento o caso exemplar da primeira comandante da UPP, a major Priscilla Azevedo, que classifico como uma liderança carismática. Evidencio como as ações empreendidas por ela, em alguma medida, sintetizavam o próprio “espírito” do projeto das UPPs, uma vez que articulavam, por um lado, atividades de repressão a crimes e de ordenamento do território da favela; e por outro, ações preventivas, baseadas nas tentativas de aproximação com a população das favelas.

1. Os traumas do passado

O primeiro ano após a chegada da polícia nas favelas onde foram inauguradas as primeiras Unidades de Polícia Pacificadora foi um período marcado por uma forte tensão entre moradores e policiais. “Conflituoso”, “conturbado”, “tenso” e “difícil” são apenas alguns dos adjetivos que tanto moradores como policiais utilizam para definir tal período. O major Bruno Xavier, que foi comandante da UPP da Cidade de Deus, definiu esse período inicial como um momento de “adaptação” ou de “aclimatação”, cujas dificuldades ele lista adiante:

Tivemos aqueles problemas de praxe, de abordagem de início, de implantação das novas normas que têm que ser aplicadas dentro da comunidade. Então, o processo de adaptação, de chegada, que é mais difícil (...) porque é o processo justamente de adaptação, de aclimatação com os policiais, com a comunidade. (...) Para algumas comunidades que passaram aí 40, 50 anos vivendo aí à margem da sociedade, começou a entrar nos eixos, é um processo difícil, entendeu? (Trecho de entrevista com major Bruno Xavier, realizada em agosto de 2013, enquanto ele era comandante da UPP Cidade de Deus)

O momento inicial da “ocupação permanente” na Cidade de Deus, assim como no Santa Marta, foi marcado, portanto, por um “choque” entre “quem chega estabelecendo novas regras” e “quem teve sua rotina alterada”. O comandante da UPP da Cidade de Deus aponta que a implementação de “novas práticas” e um novo “método”, definido como “policiamento de proximidade”, teve que ser gradual por ter envolvido uma série de desafios e dificuldades. A principal delas talvez tenha sido, e ainda seja, a tentativa de se criar uma aproximação com atores cujo desejo inicial era, quase que espontânea e invariavelmente, o de afastamento.

Neste artigo argumento que houve, pelo menos, três obstáculos que impediram a aproximação entre moradores e policiais nos territórios “pacificados”: a) os traumas e sequelas originados em experiências pretéritas vividas nos territórios favelados tanto por moradores e traficantes quanto por policiais; b) o medo gerado pelo rumor1 de que o projeto das UPPs não ficará indefinidamente, tendo portanto data para acabar - sendo depois das Olimpíadas de 2016 a data mais provável; c) o temor da “contaminação” que qualquer contato com policiais dentro dos territórios “pacificados” pode gerar.

Esses obstáculos entrelaçam três tempos históricos. Eles envolvem acontecimentos passados que se relacionam com o que os atores podem esperar do futuro e, consequentemente, orientam como eles agem no presente. Koselleck (2006) sugere que as categorias de espaço de experiência e horizonte de expectativa são fundamentais para pensar nesses entrelaçamentos entre diferentes temporalidades. Segundo o autor, a experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados. Ele aponta que “na experiência se fundem tanto a elaboração racional quanto as formas inconscientes de comportamento, que não estão mais, ou que não precisam mais estar presentes no conhecimento” (Koselleck, 2006:309).

Koselleck lembra que a história é desde sempre concebida como conhecimento de experiências alheias e o mesmo é possível dizer sobre as expectativas. Elas também são ao mesmo tempo ligadas às dimensões pessoal e interpessoal. Além disso, o autor destaca que a expectativa se realiza no aqui-agora (que nada mais é do que o futuro presente), mas está “voltada para o ainda-não, para o não experimentado, para o que apenas pode ser previsto. Esperança e medo, desejo e vontade, a inquietude, mas também a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade fazem parte da expectativa e a constituem” (Koselleck, 2006:310).

Embora experiências e expectativas se relacionem diretamente, Koselleck ressalta que elas não são conceitos simétricos complementares, que coordenam passado e futuro como se fossem imagens especulares recíprocas. Como resumo o autor:

1A partir de uma discussão já apresentada em trabalhos anteriores (Menezes, 2015), os rumores são pensados neste artigo como “notíciais improvisadas” (Shibutani, 1966), passíveis de surgir tanto em situações marcadas por mudanças drásticas do ambiente quanto por eventos não usuais que, repentinamente, rompam a rotina de determinado grupo, tal como foi o início do processo de “pacificação” das primeiras favelas onde foram inauguradas UPPs.

Quem acredita poder deduzir suas expectativas apenas da experiência está errado. Quando as coisas acontecem diferentemente do que se espera, recebe-se uma lição. Mas quem não baseia suas expectativas na experiência também se equivoca. Poderia ter-se informado melhor. Estamos diante de uma aporia que só pode ser resolvida com o passar do tempo. Assim, a diferença entre as duas categorias nos remete a uma característica estrutural da história. Na história sempre ocorre um pouco mais ou um pouco menos do que está contido nas premissas. Este resultado nada tem de surpreendente. Sempre as coisas podem acontecer diferentemente do que se espera: esta é apenas uma formulação subjetiva daquele resultado objetivo, de que o futuro histórico nunca é o resultado puro e simples do passado histórico. (Koselleck, 2006:312).

Mostrarei a seguir como as experiências passadas mantidas vivas em forma de lembrança - juntamente com as expectativas pessimistas quanto à permanência das UPPs e o risco da “contaminação” pelo contato - ajudam a explicar a proximidade sem aproximação existente entre a população das favelas e a polícia no contexto das UPPs. No que concerne à questão dos traumas oriundos de experiências passadas, vários relatos sugerem que a vontade de muitos moradores, no início da ocupação, era de permanecer longe da polícia. Isso porque quase todos os moradores do Santa Marta e da Cidade de Deus já tinham passado por experiências traumáticas com policiais dentro do território das favelas - ou pelo menos conheciam pessoas próximas que também viveram a mesma situação. Como narram alguns moradores do Santa Marta e da Cidade de Deus:

Durante esses meus anos de vida, a imagem que eu adquiri do que é um policial - não é um preconceito, é um pós-conceito - por ter convivido vários anos com a polícia vindo à favela. (...) A visão que eu tenho é de um cara violento, uma imagem ruim (...). A imagem que eu tenho de policial é de uma pessoa violenta e intolerante. Para mim não mudou nada (após a UPP), continua a mesma coisa. Polícia é polícia. É tudo a mesma coisa. Não existe essa coisa de “policial bonzinho, policial malzinho”. Polícia é polícia, sempre autoritária e intolerante. (Trecho de entrevista com um jovem morador do morro Santa Marta)

Ah, tem diferença da forma como os policiais agem na rua e aqui, porque, na rua, eles agem com mais respeito e, devido a gente morar em morro, eles acham que “ah, não, mora em morro, então, vamos bater, vamos esculachar, vamos fazer o que é certo”. (Trecho de entrevista com uma moradora do Santa Marta)

O que tirava a paz era a polícia que vendia a violência para a favela, não é? Ela vendia a violência e depois vinha cobrar com violência. Então, o tráfico comprava o coronel, para deixar frouxo. Isso aí eles aceitavam, isso aí é sabido (...). Quando eu era mais jovem, sempre alguém, na roda de amigos, falava: “Tem que acabar com o tráfico. Bota dois, três, quatro policiais ali [no morro] e acaba”. Então a gente sabia que a culpa do tráfico existir era da polícia. A gente sempre quis distância da polícia porque sabia que eles que geravam a violência aqui na favela e ainda ganhavam dinheiro com isso. Eles sempre lucraram com as mortes dos nossos amigos e parentes. (Trecho de entrevista com um morador da Cidade de Deus)

Ainda que a relação entre os policiais e os moradores de favelas seja marcada por uma forte assimetria de poder, é interessante ressaltar que essa relação é traumática para ambas as partes. Assim como muitos moradores têm “trauma de polícia”, diversos policiais também já tiveram inúmeras experiências traumáticas em favelas. Essas memórias de momentos difíceis - como confrontos com traficantes seguidos de morte de moradores inocentes, de “bandidos” e de policiais - afetavam e afetam diretamente a percepção que esses profissionais têm dos territórios favelados.

Em um depoimento que deu sobre o início da ocupação do Santa Marta durante um seminário sobre as UPPs, a major Priscilla Azevedo explicitou, por exemplo, uma de suas experiências traumáticas que viveu em favelas. Ela conta que foi sequestrada perto de sua casa e levada para o Complexo do Alemão em 2007. E, por isso, ficou extremamente incomodada quando foi “convidada” para trabalhar em uma favela para auxiliar na implantação do projeto das UPPs:

Eu tive a grata oportunidade de trabalhar no Complexo do Alemão de 2006 a 2008. (…) Era uma área extremamente complicada (…). Em 2008 eu fui convidada, convidada entre aspas, né? Porque no militarismo, nunca é um convite. E aí, confesso que não queria ir. Até porque em 2007 eu também fui vítima dessa violência no nosso Estado, fui roubada na porta da minha casa, fui sequestrada e levada para uma favela. E aí vem o porquê de eu tocar nesse assunto. Porque quando eu fui pedir ajuda para os moradores quando eu estava apanhando dentro da favela, a primeira coisa que eu vi foi uma senhora na porta dela. Expliquei a situação falei que eu tinha sido assaltada, amarrada. Ela chamou o marido dela, vieram com uma vassoura na mão e começaram a me bater. Aí, eu comecei a gritar e eles me acharam de novo, me pegaram de novo. Daí numa segunda vez, tentei novamente fugir, entrei numa casa onde tinha uma família conversando (...). Eu expliquei de novo o que tinha acontecido e eles perguntaram: “ah, foram os meninos que te pegaram? Então, se você não sair da minha casa agora, eu vou chamar eles novo”. E saíram para chamar eles. Então, esse contato, além da cultura que a gente tinha de incursão em favela… ainda fui contaminada, porque não tinha como desvincular dessa oportunidade que eu tive de pedir ajuda e de ter sido tratada dessa forma… Então, quando me mandaram comandar esse policiamento que até então não tinha o nome de UPP, nós éramos ligados a filosofia de policiamento comunitário. A gente procura policiar uma determinada área. Mas como eu ia conseguir fazer isso, colocar isso em prática, se na verdade, eu queria era distância daquilo ali? A gente começa a achar que todo mundo que está ali não presta. (Trecho de um depoimento da major Priscilla Azevedo)

A fala de Priscilla revela como a memória de momentos de tensão vividos em favelas no passado a ajudaram a emoldurar as percepções que ela e muitos outros policiais tinham desses territórios e da população que ali vive. Por outro lado, as experiências traumáticas experimentadas por essa parcela da população também colaboraram para que as pessoas desconfiassem fortemente dos policiais que atuavam na favela. E, para completar, essas desconfianças de ambos os lados ganhavam ainda mais força devido à circulação do rumor de que o projeto das UPPs tinha data para acabar.

2. Medos relacionados ao futuro do projeto da UPP

Provavelmente, o rumor que mais circulou desde a criação das UPPs foi o de que o projeto só duraria até a realização dos Jogos Olímpicos em 2016. Ele aparecia em conversas informais de cariocas que moravam em diferentes áreas da cidade, assim como em debates mais formais entre acadêmicos ou mesmo em artigos científicos, em discussões propostas pelos movimentos sociais, em vídeos divulgados em redes sociais e até mesmo em blogs e outros fóruns de discussões, tais como as mídias sociais que alcançam um grande e diverso público. Durante meu trabalho de campo no Santa Marta e na Cidade de Deus ouvi inúmeras especulações sobre o fim do projeto:

Essas UPPs nada mais são, nada menos são, que depois de 2016 isso vai acabar. Porque vem a Copa e aí as Olimpíadas e acabou. Porque isso é uma política eleitoreira. É tudo mentira. Esse é o meu ponto, porque isso só existiu... Se a gente colocar em volta de onde estão essas UPPs. Cidade de Deus, perto da Barra, onde vai ter os jogos olímpicos. A gente tem Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, Copacabana. Botafogo, tem Leme, Andaraí, Parque da Tijuca, Borel... Gente, isso é muito sério. Estamos pagando milhares, é muito dinheiro em troca de uma Olimpíada, em troca de uma Copa do Mundo. (Depoimento de uma moradora do Santa Marta durante um debate público sobre as UPPs realizado na favela em 2012)

Este depoimento ilustra como grande parte da população associa a criação das UPPs à preparação da cidade para realização de grandes eventos. E mostra como, consequentemente, havia uma constante especulação de que a ocupação “permanente” das favelas se tratava na verdade “uma ação temporária” que teria o objetivo de garantir a segurança durante os grandes eventos que ocorreriam no Rio de Janeiro e, além disso, garantir também bastante votos aos políticos que apoiaram a criação do projeto.

Não era raro ouvir nas favelas insinuações de que a UPP era mera “politicagem” ou uma “política eleitoreira”. A recorrente utilização desses termos, especialmente antes das eleições de 2014, evidenciava a existência de um temor de que o projeto acabasse caso viesse a ocorrer uma alternância no Governo do Estado.

Esse projeto só me assusta de um lado (…). Será que isso vai continuar mudando [de] governante? Porque se não continuar, vai ter um derramamento de sangue em todo lugar onde tiver UPP. Depois que esse governo sair, quem vai bancar essas UPPs todas aí? (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)

Mesmo quem não entende de política, entende que a UPP é um projeto político. Gol de letra do Sérgio Cabral, não é, meu irmão? O Lula veio com o Bolsa Família, o PAC, o Sérgio Cabral veio com a UPP e com a UPA. Aí fica aquela preocupação nossa de quando o Sérgio Cabral sair. Aí assume o Garotinho e ele tem desavença com o Cabral. Ele vai querer botar o projeto do Cabral para a frente? Você sabe que tudo na UPP é

alugado. É viatura alugada, o contêiner é alugado, o computador é alugado, tudo é alugado. Então a gente sabe disso, sabe que a qualquer momento... Então a gente procura manter aquela distância porque nós somos repreendidos. (Trecho de entrevista com um morador da Cidade de Deus)

Por já ter vivido inúmeras situações nas quais políticas públicas foram criadas, apresentadas como se fossem a grande solução para o “problema” das favelas e, logo depois, abandonadas, muitas pessoas antecipam que a história irá se repetir no caso das UPPs. Depoimentos de moradores do Santa Marta e da Cidade de Deus expõem como a lembrança de projetos que não tiveram continuidade tem um lugar de destaque no quebra-cabeça das memórias que essa parcela da população possui da atuação do poder público em seus territórios de moradia.

A gente não tinha esse conhecimento de como seria, até porque a UPP era um projeto novo e sempre vem aquela desconfiança da gente que está na favela, porque antes disso já vieram outras. Por exemplo, primeiro foi o DPO, depois foram as cabines, que cada localidade tinha umas cabines, aí passava outra e o Garotinho ganhou o Polígono, [n]o outro [governo] criaram aquele balão que ficava rodeando. Então a gente achava que aquilo era algo passageiro, político. (Trecho de entrevista com um morador da Cidade de Deus)

Os moradores de áreas “pacificadas” temiam, desde a criação das UPPs, que o padrão de atuação do Estado nas favelas - que tem como uma de suas características centrais a constante descontinuidade de projetos - não se alterasse. Logo, não sentiam que podiam confiar que dessa vez seria diferente, pois como afirmam Burgos et al. (2012), permanecia e ainda permanece entre os moradores de favela um constante “temor de sofrer uma (nova) traição por parte do poder público”.

Os próprios policias que passaram a atuar nas UPPs também temiam a descontinuidade do projeto. Um policial do Santa Marta afirmou em uma entrevista, por exemplo, que “tem um decreto assinado até 2023, mas não vale de nada. É, porque teve o decreto de que a escala nossa ia ser uma e durou dois meses e mudou (…). Então, não vale muito esse decreto, não. São eles que fazem e eles que fiscalizam”. E, devido à essa desconfiança em relação à longevidade desse novo tipo de policiamento, muitos PMs julgavam que para suas carreiras não seria interessante “perder tempo” trabalhando nas UPPs.

Não tenho a intenção de precisar como surgiu o rumor de que as UPPs têm data para acabar, mas julgo não ser arriscado sugerir que, provavelmente, este rumor aparece como resultado de uma junção entre a experiência prática dos moradores da cidade do Rio de Janeiro e o saber teórico produzido por sociólogos, antropólogos e historiadores que evidenciam como frequentemente acontece interrupções de políticas públicas no Brasil, especialmente, na área de segurança pública. Acredito que a produção desse rumor se aproxima daquilo que Giddens (1990) chama de “dupla hermenêutica”. Isso porque, os conhecimentos dos “nativos” assim como os dos “acadêmicos” são construídos a partir de experiências passadas que se retroalimentam na investigação no momento presente, ajudando a construir especulações sobre o futuro. Os relatos dos nativos sobre essas experiências, sem dúvida, dão subsídios aos pesquisadores que estudam as recorrentes suspensões das políticas públicas no Brasil. Mas, da mesma forma, as análises científicas produzidas sobre esses casos de políticas públicas que não tiveram continuidade ou fracassaram também afetam as percepções nativas sobre o tema, que ao sofrerem alterações alimentam a produção de novas análises sociológicas e antropológicas. Os rumores fazem parte desse jogo de retroalimentação e, muitas vezes, são os responsáveis por construir pontes entre o saber nativo e o científico.

Portanto, os rumores afetam os pesquisadores que os estudam e que também são afetados pelas análises feitas sobre eles. O rumor de que a UPP tem data para acabar, por um lado, alimenta e, por outro, é alimentado por expectativas dos moradores, análises acadêmicas e/ou militantes. E este jogo de retroalimentação gera uma série de consequências práticas: desde o início da ocupação era complicado, por exemplo, o estabelecimento de uma relação de proximidade entre policiais e moradores diante da expectativa de que, em um futuro próximo, traficantes poderiam voltar a dominar o morro e se vingar de quem se mostrava, publicamente, a favor da UPP.

Durante uma entrevista, um PM da Cidade de Deus afirmou que achava que “o maior problema do morador da comunidade são esses boatos que a UPP talvez acabe e aí os traficantes voltem e volte o

que era antes. O maior receio do morador é esse. Se não ele já tinha se entregado 100%”. Muitos dos policiais com quem conversei diziam acreditar que os “boatos” que circulam pela favela eram propositalmente espalhados e alimentados por traficantes (ou “ex-traficantes”) para evitar que a população se aproxime da polícia. O comandante da UPP do Parque Proletário, afirmou durante uma entrevista que, na visão dele, a utilização de rumores era uma forma daquele elemento que era envolvido com o tráfico de coagir o morador, dizendo: “não, eles vão embora em 2016, aí vai voltar tudo como era antes”.

Priscilla Azevedo, que foi a primeira comandante de uma UPP, compartilhava a mesma opinião. Segundo ela, muitas foram as dificuldades que teve que enfrentar quando chegou ao Santa Marta. A principal delas foi a desconfiança da população local que, mais uma vez, é associada à lembrança de experiências anteriores de ocupação policial que não tiveram continuidade. Como resume Priscilla:

Então, quando me mandaram comandar esse policiamento que até então não tinha o nome de UPP, nós éramos ligados à filosofia de policiamento comunitário. A gente procura policiar uma determinada área. Mas como eu ia conseguir fazer isso, colocar isso em prática, se na verdade, eu queria era distância daquilo ali? A gente começa a achar que todo mundo que está ali não presta. Aí fui trabalhar nessa comunidade. Uma comunidade que já tinha tido experiência de ocupação policial em 1993, o Batalhão de Operações Especiais ocupou essa favela, ficou lá por cerca de 90 dias e saiu e não deu satisfação a ninguém. Em virtude dessa saída, alguns moradores sofreram consequências com o tráfico, às vezes pelo simples fato de dar um bom dia para um policial, ou de num barzinho receber um policial e dar uma água. Então, as pessoas sofreram isso com a saída da polícia militar. Então, a gente começou um programa num local onde a polícia simplesmente não deu satisfação, não disse para que ela veio, o que ela queria e depois foi lá e saiu. Então, os moradores do Santa Marta, eles simplesmente não tinham contato nenhum com a gente. Então, eu passava, dava um bom dia e muitas vezes as pessoas nem olhavam para a minha cara. (Trecho de um depoimento da major Priscilla Azevedo)

3. As “ferramentas de aproximação” utilizadas em áreas “pacificadas”

Diante de tudo que foi debatido até aqui, parece evidente, portanto, que a proximidade física entre moradores e policiais da UPP nos territórios de favelas não foi, de modo algum, sinônimo de aproximação em um primeiro momento. Embora a proximidade física entre policiais e moradores fosse indubitavelmente uma condição necessária para que a polícia pudesse estabelecer uma relação mais próxima com a população, ela não foi uma condição suficiente para garantir que uma aproximação ocorresse, de fato, entre esses dois atores.

Como havia um sério problema de “falta de confiança” na polícia e na continuidade do projeto das UPPs, os policiais que atuam em áreas “pacificadas” tiveram que forjar diversos mecanismos visando uma aproximação com a população desses territórios. Como resume Priscilla: “a polícia militar tinha que ter ferramentas de aproximação para lidar com essas pessoas. Não bastava que participasse de reuniões ou organizasse eventos. A gente tinha que ter algo mais concreto, alguma coisa que não fosse tão pontual”.

A partir das entrevistas realizadas com policiais e das observações que fiz em campo pude notar que as estratégias utilizadas, especialmente pelos comandantes das UPPs, para se aproximar dos moradores no início do processo de “pacificação” incluíam as seguintes medidas: a) percorrer a favela e se fazer presente no cotidiano para conhecer e passar a ser conhecido pelos moradores; b) divulgar para os moradores os números do comandante e da sede da UPP (para que eles pudessem ligar para um dos números caso precisassem de alguma ajuda ou quisessem fazer alguma denúncia); c) participar dos eventos e reuniões promovidos pelos moradores na favela; d) realizar reuniões, eventos, festas, excursões, passeios e atividades culturais organizados pela UPP dentro e fora da favela; e) organizar aulas de futebol, balé, música etc., que incluiam policiais da UPP como professores.

O uso das estratégias mencionadas não começou a acontecer seguindo alguma diretriz ou uma orientação formal dada pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Na realidade, essas estratégias foram mais utilizadas em algumas favelas com UPP do que em outras e, nesses diversos territórios, elas foram usadas de diferentes maneiras. Como a UPP foi um projeto que foi sendo elaborado e formalizado no próprio curso de sua implementação - e experimentado nos primeiros territórios “pacificados”-, os comandantes que estiveram à frente das primeiras UPPs foram os responsáveis por criar e testar táticas, deixadas ao seu próprio arbítrio e estilo pessoal, visando uma possível aproximação com a população. Durante uma entrevista com um policial que trabalhou na Coordenadoria de Polícia Pacificadora nos primeiros anos de UPP, ele narrou como se deu esse processo:

Era tudo muito novo (...). Foi muito na experiência pessoal de cada um. “Ah, eu acho legal fazer dessa forma”, não tinha uma diretriz. Foi dando certo, sabe? “Ah, a gente vai dividir o policiamento assim, vamos colocar aqui, ali”, não teve isso, não. Foi muito da visão pessoal de cada comandante. Por isso que eu falo que a major Priscilla e o major Romeu foram os grandes, tiveram uma grande parcela de influência em todos os outros comandantes que vieram depois. Porque começou a dar certo, deu certo e o pessoal começou a replicar isso. (Trecho de entrevista com um policial que trabalhou na Coordenadoria de Polícia Pacificadora)

No início da minha pesquisa de campo acompanhei, especialmente, a atuação da comandante Priscilla Azevedo no Santa Marta. Descrevo, a seguir, quais “ferramentas de aproximação” foram criadas e testadas por ela no Santa Marta e que, posteriormente, também passaram a ser utilizadas em outras favelas “pacificadas”.

Antes de tornar-se a policial com o cargo mais alto no programa das UPPs, e a primeira mulher a ocupar uma posição estratégica na Superintendência de Planejamento Operacional da Seseg, Priscilla Azevedo era uma personagem não muito conhecida no cenário da segurança pública. Após ter sido convidada, no fim de 2008, para atuar na primeira favela “pacificada” da cidade e ter passado dois anos à frente da UPP do Santa Marta, Priscilla teve seu trabalho reconhecido dentro e fora da favela - e até mesmo fora do país.

Quando foi anunciado que a então capitã comandaria a ocupação do Morro Santa Marta, a imprensa carioca deu destaque ao fato de uma mulher assumir a responsabilidade de comandar uma tropa de 120 policiais, composta basicamente por homens. É importante lembrar que, naquele momento, o número de policiais femininas nas UPPs ainda era bastante reduzido. Assim, o fato de ser uma mulher e ainda comandar um grande número de policiais homens gerava uma certa surpresa. Todavia, esse estranhamento inicial logo foi substituído por um entusiasmo gerado por uma espécie de crença coletiva - compartilhada tanto por policiais, como pela população de um modo geral - de que a comandante teria uma aptidão especial para lidar com os moradores da favela por ser mulher.

A população do Santa Marta também parecia concordar com a ideia de que as policiais femininas são mais afáveis e passam mais confiança do que os homens. Por isso, os moradores mais críticos à atuação da polícia apontam que a escolha de uma mulher para o comando da UPP do Santa Marta teria sido uma “jogada de marketing do Governo”, uma espécie de “maquiagem” utilizada com o intuito de disfarçar a truculência que historicamente marca a atuação da PM nas favelas cariocas. Nas palavras de um jovem do Santa Marta: “o fato de ser uma mulher é estratégia meio que para convencer mais fácil as pessoas. Colocaram uma mulher lá, mulher negra, para o morador meio que se identificar com aquilo”.

É possível dizer que existia uma crença generalizada - entre policiais e os moradores - de que as mulheres que atuavam na UPP tinham uma maior predisposição para atuar no “social” e para se aproximar da população. Por isso, Mourão (2013) sugere que a discussão sobre gênero nas UPPs é importante para o debate sobre certos aspectos centrais do projeto. Um desses aspectos é “a associação do ethos militar, guerreiro, forjado, como sugerem alguns autores, na gramática da virilidade violenta (Bourdieu,1998; Welzerlang, 2002; Calazans, 2004; Moreira, 2011), à dificuldade de conceber o policiamento de proximidade como sendo ‘verdadeiro trabalho de polícia’” (Mourão, 2013, p. 8).

Nas entrevistas realizadas no Santa Marta, na Cidade de Deus e no Parque Proletário ouvi uma parcela dos policiais menosprezando o “trabalho social” desempenhado por alguns de seus colegas da UPP. Eles rotulavam os cursos, as atividades desenvolvidas com crianças e jovens e até mesmo o trabalho de mediação como um “trabalho de babá ou de assistente social”. E, ao apresentarem essa crítica, reclamavam também que não podiam “trabalhar de verdade” nas UPPs, que não podem fazer o “trabalho de policial militar”.

Como lembra Teixeira (2015) a mistura entre aquilo que é considerado como o trabalho de polícia propriamente dito e o trabalho como agente social, que ocorre nas UPPs, “exibe uma dinâmica repleta de ambivalências e de conflitos relativos a dois repertórios de significados que, em geral, disputam o protagonismo - e a legitimidade - das intervenções nos territórios da pobreza”. Os policiais que têm essa dupla atuação têm que lidar, por um lado, com “o tradicional repertório da guerra, que prioriza o conflito violento com as quadrilhas de narcotraficantes”; e, por outro, com “o repertório do social, que prioriza a ação preventiva, através do desenvolvimento de atividades que visam, dentre outros objetivos, à diminuição do envolvimento das pessoas com a criminalidade” (Teixeira, 2015, p.78).

Teixeira (2015) propõe chamar de “policial social” esses agentes das UPPs que mobilizam, simultaneamente, elementos desses dois repertórios. Para o autor, o policial social não é uma categoria nativa, mas sim uma expressão mobilizada por ele com o objetivo de descrever a articulação de diferentes representações e práticas que compõem o cotidiano de favelas “pacificadas”. Creio que podemos tomar Priscilla como um típico exemplo do que Teixeira chama de “policial social” (2015). Na verdade, neste caso, tal termo pode ser considerado não só como um tipo sociológico, mas também uma categoria nativa, já que diversos moradores do Santa Marta se referiam à Priscilla como uma policial “mais social, mais humana que não é só policial, não é só militar”. Usando as palavras de Teixeira, sugiro que Priscilla “representa justamente o encontro, numa trajetória individual, entre essas duas propostas de intervenção: a “prevenção ao crime” e a “guerra do crime” (2015, p.84).

Priscilla narra que o início de seu trabalho no morro de Botafogo não foi fácil como já foi dito anteriormente. Ela conta que no começo ela não conhecia os moradores e eles também não sabiam quem ela era. Ao chegar ao Santa Marta para comandar o policiamento na favela, ela ressalta que se sentia “um monstro”, pois todo mundo ficava olhando quando ela passava, mas quase ninguém lhe dirigia a palavra. Apenas crianças aproximavam-se da Capitã.

Para tentar driblar as dificuldades iniciais, a comandante decidiu que era necessário se fazer presente no cotidiano do Santa Marta. Ela passou, então, a circular pelas ruas - tanto de dia, como de noite, em dias úteis ou nos fins de semanas -, se apresentando para os moradores e comerciantes do morro. Sempre que conhecia um novo morador, a comandante pedia para que ele anotasse o seu telefone e ligasse caso tivesse qualquer problema. Da mesma maneira, em suas falas públicas, Priscilla costumava passar os telefones de contato da UPP, além de seu telefone pessoal, para que a população pudesse entrar em contato diretamente com ela. Durante uma entrevista para Rádio Comunitária Santa Marta, ela explicou ao vivo:

às vezes eu não atendo o telefone porque posso estar dormindo, posso estar no banheiro fazendo alguma coisa ou em alguma reunião. Mas se não atendo na primeira, atendo na segunda. Pega caneta papel aí e anota, o telefone é (...). Esse é o telefone que fica comigo. Tem o telefone também do policial permanente que fica 24 horas. (...). Infelizmente esses telefones são de serviço e por isso não podemos atender chamada a cobrar. Mas vou dar o meu telefone pessoal, que é (...), esse pode ligar a cobrar. Me dá uma ajudinha aí, se tiver crédito, eu agradeço. (Trecho de entrevista de Priscilla Azevedo na Rádio Comunitária Santa Marta em 2011).

Além de se aproximar dos moradores “comuns”, a comandante também tentou estabelecer contato com as lideranças comunitárias do Santa Marta - como pastores, presidente de associações, coordenadores de ONGs etc. E, como no início ela não sabia quem eram as lideranças, Priscilla começou a participar das reuniões e eventos organizados por moradores do morro mesmo sem ser convidada:

Então, todos os eventos que tinham no morro, eu não esperava ser convidada, porque eu sabia que não seria (...). Mas eu ia. E aí quando eu chegava, sempre alguém falava que eu estava ali para estragar o evento. Mas eu não estava nem aí. Eu perguntava quem era o presidente e me apresentava (...). Eu decidi que eu tinha que conhecer todos os ambientes, todos os personagens, saber quem era o que e por que. (Trecho da fala da major Priscilla Azevedo em um seminário em dezembro de 2010)

É interessante notar que depois que conseguiu estabelecer contato com essas lideranças, Priscilla passou a expor publicamente esses vínculos. Durante uma entrevista à Rádio Comunitária Santa Marta em 2011, por exemplo, ela aproveitou para agradecer o apoio que recebia de algumas lideranças da favela:

Eu respeito o Zé Mário como presidente da associação, porque ele não é polícia, não tem que fazer trabalho de polícia, de informante, de nada disso. Até porque eu tenho meios para saber de qualquer coisa. É cada macaco no seu galho mesmo (…). Queria agradecer também e mandar um abraço à uma pessoa que admiro muito, que tenho ela como uma autoridade religiosa que faz projetos abençoados para crianças e adultos, que é o Pastor Waldecir. Tem uma semana que não o vejo, mas o encontrei ali no pé da escada semana passada e queria mandar um abraço para ele. (Trecho de entrevista de Priscilla Azevedo na Rádio Comunitária Santa Marta em 2011)

Quando fazia esse tipo de discurso, por um lado, Priscilla parecia querer mostrar intimidade com essas lideranças que são conhecidas na favela para, assim, tentar ganhar mais confiança de outros moradores. Mas, por outro lado, como ela sabia que esse contato com a polícia tem um forte potencial “contaminador”, ela parecia também tentar responder antecipadamente às críticas que poderiam ser feitas a essas lideranças por estarem se aproximando da polícia. Para tentar “limpar” a imagem desses moradores, Priscilla em diversas falas públicas ressaltava que apesar de terem contato com ela, esses moradores não estavam atuando como informantes da UPP. Durante uma entrevista, quando falava sobre as denúncias que a UPP recebe, fez questão de interromper a frase para dizer “não é denúncia da associação de moradores, o Zé Mário não tem nada a ver com essa história”.

Embora Priscilla tenha conseguido conhecer e se aproximar de alguns líderes locais, como pastores, presidente de associações (de moradores e de comerciantes), coordenadores de ONGs e projetos sociais etc., outras lideranças negaram-se a estabelecer contato com a comandante. Em uma conversa informal com um líder comunitário do Santa Marta, ele relatou ter recebido da comandante um convite para participar de um famoso programa dominical demaior emissora de televisão brasielira. Ele fez questão de dizer, em seguida, que se negou a ir e que, mesmo que a polícia estivesse tentando comprar o apoio dele, ele não estava à venda.

Para tentar driblar essas dificuldades iniciais de aproximação e as “resistências” de algumas lideranças, Priscilla notou que além de participar das reuniões organizadas pelos próprios moradores, ela também precisava começar a organizar reuniões para debater com a população temas que iam muito além da questão do policiamento, como problemas relacionados ao recolhimento do lixo, ao fornecimento de luz, água etc. No entanto, algumas lideranças da favela se negavam a participar desse tipo de encontro. Isso ficou muito claro para mim no fim de uma reunião sobre o Programa Saúde da Família realizada no Polo de Inclusão Social Padre Velloso na qual havia diversos moradores da favela. Nessa ocasião vi a comandante se aproximar de um líder comunitário do Santa Marta para se apresentar e questionar por que ele preferia se manter afastado da UPP e não participar das reuniões que ela organizava. De um modo bastante ríspido o líder comunitário disse para a comandante que não tinha “nenhum assunto para tratar com a polícia”. E acrescentou: “se eu precisar dialogar com o Governo, vou direto à secretaria que trata da questão que eu preciso resolver. Seu eu precisar falar de educação, vou na secretaria de Educação, se precisar falar de saúde, vou na secretaria de Saúde, porque não concordo que a polícia resolva questão que não é de polícia”. Priscilla ainda tentou insistir, mas ele permaneceu irredutível se mostrando avesso a dialogar com a comandante sobre problemas que não fossem “de polícia”.

Além de tentar dialogar com as lideranças e com a população adulta, Priscilla notou que era importante promover outras atividades para tentar conquistar também as crianças do morro. Ela começou, então, a organizar uma série de atividades dirigidas ao público infantil, que acabaram tornando-se o alvo principal da política de aproximação desenvolvida por ela.

Uma “ferramenta de aproximação” utilizada por Priscilla, posteriormente usada por outros comandantes, foram as excursões, os passeios e as festas na favela. No Santa Marta, além da distribuição de presentes em datas festivas - como Natal, Dia das Crianças, Páscoa etc. -, Priscilla começou a organizar excursões para levar as crianças para shows no Maracanãzinho, para visitar o quartel do Bope e assistir, por exemplo, espetáculos em um circo na Quinta da Boa Vista. Por considerarem que parte da juventude já estava “perdida para o tráfico” (Leite e Machado Da Silva, 2013), os comandantes de UPPs preferiram, desde o início do projeto, investir mais na organização de atividades voltadas para o público infantil. No Parque Proletário, o comandante falou sobre a dificuldade da polícia em lidar com os jovens:

No trabalho em áreas pacificadas, a gente sempre tem (...) duas faixas etárias nas quais a gente consegue uma entrada muito mais imediata e eficaz, que são os idosos e as crianças. E a gente tem aquela faixa etária aí dos 12 aos 20 e pouco, que é uma faixa etária que é mais difícil da gente lidar. Porque são aqueles que vivenciaram um pouco do glamour que o tráfico de drogas tinha dentro das áreas pacificadas. Então logicamente que é mais difícil a gente lidar com essa juventude. E o idoso que não quer ver o filho envolvido com tráfico de drogas. Muitas vezes ele já tem até históricos negativos na família de ter perdido as pessoas por causa dessa relação com o tráfico de drogas e as crianças que são óvulos de atividades. (Trecho de entrevista com Filipe Matos de Carvalho, comandante da UPP Parque Proletário em agosto de 2013)

As atividades de aproximação eram realizadas prioritariamente, portanto, com os idosos e, principalmente, com as crianças. A interação estabelecida entre alguns comandantes de UPPs, como Priscilla, e as crianças, assemelhava-se àquela que antes era estabelecida entre os “pequenos” e os “donos do morro”. Uma das primeiras atividades organizadas pela polícia logo após a ocupação da polícia foi a distribuição de presentes para as crianças da favela no Natal de 2008.

Assim como os traficantes faziam no passado, Priscilla, além de organizar a distribuição de presentes no Natal, também promovia festas ou atividades recreativas em outras datas comemorativas, como o dia do seu próprio aniversário. Em entrevista dada na Rádio Santa Marta em 2010, Priscilla contou que para celebrar seu aniversário organizou um passeio para levar as crianças da favela para visitarem o Bope. Na entrevista ela disse que “foi muito bom, foi um grande presente de aniversário que Deus me deu, passar o dia do meu aniversário com 200 crianças aqui do morro em um batalhão de polícia”.

A partir da realização dessas atividades e do estabelecimento de uma relação mais próxima com as crianças, comandantes como Priscilla acabaram tornando-se uma nova referência para as crianças do morro, que passam, por exemplo, a cantar para eles os mesmos funks que antes cantavam para o “chefe” do tráfico na favela, exaltando o poder de quem manda no morro. Em meu diário de campo, relatei uma situação na qual vi crianças cantando funks com o nome da comandante:

Hoje amanheceu chovendo. Desci o morro e fui para Praça Corumbá encontrar com um morador que tinha me convidado para ir ao passeio que a UPP estava organizando para o Circo do Marcos Frota, na Quinta da Boa Vista. Pensei que chegaria na praça e não encontraria quase ninguém devido à chuva. Mas chegando lá vi um grande número de pais e crianças se abrigando debaixo dos guarda-chuvas enquanto esperavam o micro-ônibus chegar para levá-los para o circo. O número de pessoas era tão grande que o ônibus lotou e teve que fazer duas viagens. Fui na primeira, junto com um grande grupo de crianças, alguns adultos, a comandante Priscilla e mais um policial. Assim que a viagem começou, Priscilla pediu para que todos fizessem juntos uma oração para agradecer Jesus pela vida e pedir proteção para o passeio. Assim que a reza terminou, uma pessoa que estava na parte de trás do ônibus gritou “Jesus proteja a nossa capitã!”. A partir dali o clima foi de descontração, ao longo do trajeto entre Botafogo e a Quinta da Boa Vista as crianças cantavam músicas e pareciam se divertir bastante. Em um momento uma das meninas começou a cantar um funk no qual o nome da Priscilla foi inserido. A letra era assim: “Esse é bonde da Priscilla se não quer então rejeita, uh aceita, uh aceita!”. Priscilla gostou e foi participar da cantoria. Outras crianças começaram, então, a cantar “A Priscilla é o terror! A Priscilla é o terror!”. Uma mãe que estava acompanhando a filha no passeio, então, interviu e gritou lá de trás: “A Priscilla é uma benção!”. Depois as crianças começaram a cantar o funk: “deixa ela passar não chora nem mexe, sabe quem está passando é as cria da chefe”! E, logo em seguida, a música passou a ser: “a Priscilla é o poder!”. A capitã ria e repetia a música com as crianças. Entrando na brincadeira, ela sugeriu que as crianças cantassem a mesma música para o outro policial que também estava no ônibus: “Agora vamos cantar: O Camilo é o poder! O Camilo é o poder!” (Trecho do meu diário de campo do dia 06 de novembro de 2010).

Além das festas e excursões, outras atividades que tomaram as crianças e os jovens como público preferencial foram os cursos que começaram a ser ministrados pelos próprios policiais da UPP. Como explica Priscilla, “tudo começa com o comandante recrutando, por exemplo, um policial que é professor de inglês, outro que é professor de violão, outro que pode dar aulas de artes marciais e, assim, os cursos vão sendo criados”. Embora algumas pessoas teçam críticas alegando que policiais não deveriam fazer esses tipos de atividades na favela, pois essa não seria a função da polícia, Priscilla ressalta que essas atividades são importantes para ajudar os policiais a se aproximarem, especialmente, das crianças:

As pessoas criticam, falam que a polícia militar não tem que dar aula. Mas qual é o ponto negativo disso? Eu não consigo ver. A gente não vai tirar 10 policiais do policiamento ostensivo para dar aula, mas um, qual é o problema? As coisas positivas são as crianças participarem de atividades que vão interagir com outras crianças do mundo inteiro. Isso abre a cabeça da pessoa. Porque tem gente da favela que não sai da favela. (Trecho da fala da major Priscilla Azevedo em um seminário em dezembro de 2010)

Na Cidade de Deus, esta mesma estratégia de aproximação foi também utilizada desde o início da implementação da UPP. Os policiais da UPP da aludida favela narram que tudo começou de um modo bastante improvisado e aos poucos foi se expandindo. Segundo relatos, um sargento, que dava aula de futebol, foi o primeiro a começar a oferecer atividades para os jovens. No início, contudo, relata um policial: “ele ficava na praça ali, sozinho. No primeiro dia só conseguiu um menino para brincar com ele, ficava brincando, chutando bola. Aí depois veio mais um, ia chamando, não queriam ir. Aí, depois de um tempo, que ele conseguiu. Hoje já tem 400 crianças e tem que negar matrícula”. Depois disso, os oficiais começaram a identificar outros policiais que poderiam atuar da mesma maneira:

O policial é faixa preta de judô. “Gosta de dar aula?”. “Gosto!”. Vamos montar um projeto social lá para o policial. Então a gente vai identificando aqueles policiais que têm essa predisposição para trabalhar em áreas sociais, para estar próximo da comunidade, para trabalhar ali. (…) A gente também procura parcerias (...) o jiu-jitsu é feito na igreja católica da Cidade de Deus, que o padre cedeu o espaço. Reforço escolar, outras lutas, já foram no CRJ, aula de música está sendo em uma igreja evangélica. (Trecho de entrevista, realizada no dia 31 de julho de 2013, com um policial da Cidade de Deus)

Os policiais apontavam que a realização desses 1cursos era importante para ajudar a UPP a “conquistar” a população. Como narrou um policial da Cidade de Deus durante uma entrevista: “quando a gente acaba levando um projeto social para as crianças (...) os policiais acabam tendo essa interação com as crianças e aí, a partir disso daí os pais acabam também abraçando, acabam entendendo o nosso projeto aqui”. Outro policial também ressaltou que o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que passou a ser desenvolvido por policiais nas escolas da favela, ajudava os moradores a conhecer melhor os policiais e a mudarem a visão que tinham de alguns agentes da UPP:

O que nós temos aqui da polícia é o Proerd, você já deve ter ouvido falar. (...) Ao mesmo tempo, a gente faz aquela aproximação, quebra o gelo. Eles já vão crescendo com outra visão do policial. Hoje em dia é tio/tia. Antigamente era verme. Mudou um pouco, não é? (Trecho de entrevista, realizada no dia 31 de julho de 2013, com um policial da UPP da Cidade de Deus)

4. “A comandante é mãezona, mas quando precisa, ela bate feito homem”

As “ferramentas de aproximação” permitiam, portanto, que uma parte da população das favelas mude a imagem negativa que tinha dos policiais no passado. No Santa Marta, por exemplo, a comandante Priscilla por ter se dedicado a desenvolver “ferramentas” para se aproximar, especialmente, das crianças da favela, ganhou a fama de “mãezona”. Diversas vezes ouvi tanto moradores como policiais dizendo que a comandante tinha conseguido “ganhar a população” porque era sensível, atenciosa, carinhosa e procurava ajudar muitos moradores em questões que não eram consideradas propriamente “trabalho de polícia”. Todavia, é interessante notar que, ao mesmo tempo, circulavam rumores pela favela de que “Priscilla é mãezona, mas quando precisa, ela bate feito homem”. Esse rumor sintetiza como as ações da policial transitavam entre a prevenção e a repressão como definiu um morador do Santa Marta. Como sintetizou um morador da favela:

A polícia é de aproximação mas na hora que ela tiver que ficar desaproximada, vai desaproximar! (risos) Ué, não vai? (...) “Poxa, o cara era bonzinho!”, entendeu? Mas na hora que precisar vai ser malzinho e vai fazer o

que tem que ser feito, vai reprimir e não vai ficar só na aproximação. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)

Os rumores sobre Priscilla circulavam no Santa Marta acompanhados de relatos de que a comandante já teria batido em alguns jovens “envolvidos com o tráfico” na favela. Certa vez ouvi um morador comentando que já tinha visto a comandante dando muito chute em um jovem perto da quadra da Escola de Samba. Segundo ele, o cara estava “meio doidão e quis encarar policiais que vieram falar com ele, ele quis crescer para cima dos caras, mas deu azar de Priscilla estar chegando nessa hora e aí ela, não teve pena e esculachou”.

O fato de Priscilla não atuar apenas na prevenção e no trabalho de aproximação, mas também mediar conflitos e “ser firme”, “tomar atitude quando tem que tomar” e “não fugir do trabalho pesado” era visto com bons olhos por boa parte de seus colegas de trabalho e também dos moradores da favela. Certa vez um policial que trabalhou desde o início da implementação da UPP no Santa Marta relatou que gostava da comandante porque “na hora de fazer ronda de noite, ela pegava a pistola dela e descia o morro andando com a gente. E se tivesse qualquer problema, ela resolvia”. Em outra ocasião ouvi uma moradora dizendo que ela gostava do jeito da comandante “porque não pode dar mole para vagabundo, não! Senão, ninguém respeita a polícia e vira bagunça”.

A fama de “durona” de Priscilla se espalhou não só pelo Santa Marta, mas ganhou também destaque na grande mídia. Quando a policial ganhou o “Prêmio Internacional Mulheres de Coragem 2012”, por exemplo, foi divulgada uma reportagem no jornal O Globo na qual era dito que, no início da ocupação, a comandante chegou a andar de fuzil pelas vielas do morro e que depois da “pacificação”, adotou a pistola, “mas a arma da major sempre foi mesmo a conversa. Junto com a repreensão no olhar, era imbatível. Pode parecer politicamente correta, mas, dizem, que se transformava em operações policiais. Com a adrenalina, sobravam até palavrões”.

Nesta reportagem do jornal O Globo, assim como em várias outras matérias que traçaram um perfil de Priscilla, havia quase invariavelmente uma referência ao sequestro sofrido por ela em 2007. O fato de a PM ter conseguido fugir e ainda ter participado da operação que prendeu a quadrilha de bandidos que a havia sequestrado é recorrentemente acionado tanto pela mídia como pelos próprios moradores do Santa Marta para compor a imagem de Priscilla como uma “mulher de coragem”:

O título faz sentido. Em 2007, ela sofreu um sequestro-relâmpago. Foi levada com uma arma enfiada na boca até uma favela em Niterói. Quando a identificaram como policial, ela apanhou. Na cara. E muito. Ficou cheia de hematomas. Mas conseguiu fugir. Catou um por um de seus detratores; só falta um. Um dia chega o dia dele. (Trecho da reportagem “Primeira mulher a comandar uma UPP é uma das dez a ganhar prêmio internacional nos EUA” divulgada em 06 de março de 2012 no jornal O Globo).

Entre os moradores circula um rumor de que Priscilla teria sido violentada quando foi sequestrada. Por isso, quando ela conseguiu fugir, teria ligado para o governador e teria pedido autorização para ir lá e “acabar com os caras” que a sequestraram. Quando me contou essa história, um morador do Santa Marta disse que esse caso foi importante para construir a fama de Priscilla. Isso porque, por um lado, ela “ganhou moral” entre os policiais por ter ido atrás dos bandidos e ter mostrado que tem disposição para matar e, por outro, passou a ser temida pelos bandidos que sabem “ela não perdoa quem anda na vida errada”. Já outro morador comentou que ele achava que ela mesma tinha inventado essa história “só para o povo acreditar que ela é brava e passar a ter medo dela”.

A fama de “durona” de Priscilla acabou fazendo muitas pessoas afirmarem que ela se portava como a nova “dona do morro”. Isso era visto de modo positivo, por uma parcela da população - já que muitos consideravam bom que a policial passasse a ser uma referência para a nova geração da favela. Todavia, essa mesma atitude era criticada por uma outra parcela dos moradores. Um jovem me disse em uma conversa que “Priscilla não é essa pessoa que parece ser, simpática. Se fosse para definir Priscilla, definiria como muito autoritária”.Outro adjetivo comumente utilizado pelos moradores para caracterizar Priscilla era “mandona”. Quem a chamava assim, geralmente, reclamava que ela queria “se meter em tudo” e “mandar em todos” dentro da favela. Durante uma entrevista uma jovem de 17 anos do Santa Marta contou que

Um caso que aconteceu comigo, em uma festa junina que teve no morro… Eu estava bebendo, estava usufruindo do meu dinheiro, gastando, e ela falou que menor [de idade], na comunidade dela, não poderia beber. Como se a comunidade fosse dela... “Na minha comunidade, não quero que menor beba!” Eu virei, educadamente, e falei: “Não estou bebendo com o dinheiro da senhora, o dinheiro é meu. Trabalhei o mês todo, no final do mês recebi e quero gastar do modo que eu bem entender”. Ela me pegou: “Ah, já que você quer beber...” Desceu até a casa dos meus pais e virou para a minha mãe e falou que se ela me visse bebendo de novo, se ela visse tudo aquilo de novo, ela tiraria a minha guarda e as minhas duas irmãs dos meus pais. E afirmou, na frente da minha mãe, que a minha mãe era incapaz de cuidar de pelo menos duas adolescentes e duas crianças. E a minha mãe dando o maior duro para dar educação, dar de tudo... Ela falou: “Já sentei, já conversei. O que eu faço não quero que elas façam, mas é dessa forma que o mundo está agindo hoje em dia. Então, elas estão tendo exemplos não só dentro de casa, como na comunidade”. (Trecho de entrevista com uma moradora do Santa Marta)

Em 2011, pouco antes de deixar o comando do Santa Marta, a major Priscilla concedeu uma entrevista em um programa ao vivo da Rádio Comunitária Santa Marta. Nessa ocasião, a comandante respondeu perguntas de ouvintes que participaram do programa pelo telefone e, aproveitou o espaço para mandar um recado para alguns moradores da favela:

Queria aproveitar um espaço para fazer um pedido aos moradores ali dos prédios da estação 3 que têm os apelidos de Jambalai e Bangu 3 (risos). Em nome de Jesus, precisamos nos reunir para conversar. Esse prédio aí parece que tem um espírito aí nesse prédio da confusão. Isso aí tem que acabar (...). Tem uma moradora que estende o lençol aberto, não sei se seca mais rápido, não tem necessidade, atrapalha o vizinho debaixo. Tinha uma senhora que tinha que fazer uma comida de uns cachorros, mas ainda bem que isso já foi resolvido em nome de Jesus (...). Então a gente tem que fazer uma reunião para acertar uma coisa. Espero que esteja rolando tudo bem. Já ouvi que tem gente colocando som alto altas horas da noite. É uma falta de respeito e consideração com vizinhos (...) Aí toda hora, principalmente final de semana chamam a PM para ir lá resolver esses problemas. E agora já que me chamaram uma vez, eu me meto sim e vou me meter sempre (locutor coloca barulho de sirene de polícia). A gente tem que conversar e resolver esse problema porque não é possível. Já estão há dois anos juntos e não sabem que não podem secar lençol tapando a frente do vizinho? Quer ter cachorro em apartamento? Tem que limpar, não pode ter o cheiro, porque aí eu trago minha família lá da Paraíba para passar o reveillon aqui e está aquele cheiro de cachorro podre? (Trecho de entrevista de Priscilla em um programa da Rádio Comunitária Santa Marta)

O depoimento acima mostra como questões que a princípio não eram consideradas “problemas de polícia” acabam se tornando no contexto pós-“pacificação”. Este alargamento da categoria “problema de polícia” pode ser notado em outro trecho da entrevista de Priscilla na Rádio Santa Marta, no qual a policial deu parabéns para uma moradora que estava fazendo aniversário naquele dia e alertou “que Deus te abençoe, que te dê um namorado honesto, correto e trabalhador, porque se não for, não vai namorar, eu estou vigiando, eu e Seu Manuel não vamos deixar”. Essa fala evidencia como a comandante passou a interferir em questões que iam muito além do que, tradicionalmente, é entendido como “função da PM”,

Se no caso acima, Priscilla poderia ser criticada por estar “se metendo onde não foi chamada” ou por estar interferindo em questões que não são “de polícia”, pude observar outros casos em que esse tipo de interferência era solicitada pelos próprios moradores da favela. Certa vez, eu estava perto da primeira estação do bondinho do Santa Marta acompanhando Juca - um morador do Santa Marta que tinha pedir autorização para a realização de um evento na favela - quando Mota, um outro morador que eu também já conhecia há algum tempo, se aproximou da comandante junto com o filho. Ele pediu desculpa por interromper a nossa conversa, mas disse que o assunto era urgente.

Mota começou a explicar, então, que precisava da ajuda da comandante porque o filho dele “não tinha jeito, era um vacilão, um mentiroso” e ele não sabia mais o que fazer para lidar com o jovem. Ele relatou que o filho estava faltando o curso e que, logo, ia perder a bolsa que recebia. Priscilla perguntou quantos anos tinha o menino - que estava parado em pé ao lado do pai, que respondeu que o menino tinha 16 anos. Priscilla se virou, então, para o menino o começou a falar que ele deveria dar valor ao pai que tem, porque ninguém ia amá-lo como ele é amado em casa e disse que se ele continuasse assim nesse caminho errado, daqui a pouco começaria a ser “esculachado na rua”, ia acabar “levando tapa na cara de policial”. Ela perguntou se era isso que ele queria. O menino, muito constrangido e com vergonha por estar levando um sermão perto do “pé da escada” - onde há um grande movimento de pessoas -, apenas balançou a cabeça indicando que não. Para tentar resolver o problema que lhe foi apresentado, Priscilla disse para o pai que, se ele autorizasse, ela iria arranjar um emprego para o menino. A comandante disse que achava que o jovem ia mudar de comportamento depois que começasse a trabalhar porque ia ver “o duro que tem que dar para ter o próprio dinheiro” e assim passaria a valorizar mais a família. O pai gostou da ideia e eles combinaram que na semana seguinte, depois que passasse o feriado, o jovem iria procurar Priscilla para resolverem os detalhes sobre o trabalho que ela arranjaria para ele.

Alguns minutos depois, quando nos afastamos da comandante e de Mota, Juca começou a criticar o morador que tinha ido pedir a ajuda da comandante. Ele disse que na opinião dele “é muito triste ver que um pai não tem autoridade dentro de casa e que tem que pedir ajuda para uma pessoa de fora resolver os problemas da família”. Juca disse que ficou “chocado” com a cena que presenciamos, porque na opinião dele aquela era uma “questão de família” e não “de polícia”. Ele também criticou Priscilla, dizendo que ela agia como se fosse a “dona” do morro, querendo resolver tudo no morro, assim como o “pessoal da boca” fazia no passado.

Apesar de todas as críticas feitas à Priscilla, é inquestionável que a comandante conseguiu uma grande aprovação dentro e fora do Santa Marta. O presidente da associação de moradores do Santa Marta conta que, através das estratégias de aproximação que passou a usar, a policial conseguiu conquistar uma grande parte da população da favela. Ele narra que ela se tornou capaz de mobilizar até mais gente para participar de eventos, reuniões, festas e outras atividades do que ele próprio e outras lideranças tradicionais da favela conseguiam:

No primeiro ano a relação entre a polícia e os moradores se deu de forma dificultosa. Eu posso dar um exemplo muito prático: eu para regimentar 50 crianças para fazer um movimento qualquer na comunidade, eu tenho a maior, uma enorme, dificuldade. A Priscilla faz um evento ela leva 300 crianças. Aí você já vê a diferença. (…) A Priscilla faz um evento na quadra vão mais de 500 pessoas. A gente pede uma passeata não vão 20 pessoas. A gente pede uma passeata, um movimento para lutar pelo direito do morador e eu não consigo colocar 50 pessoas lá embaixo. A Priscilla faz um movimento, coloca 300, 400 pessoas na quadra. Então, quem está certo, quem está errado? Essa é a interrogação. (Trecho de entrevista com Zé Mário, presidente da Associação de Moradores do Morro Santa Marta)

Por conseguir conquistar muitos moradores da favela e a opinião pública, entre 2009 e 2010, Priscilla acabou passando a ser considerada a “cara” da “nova” polícia que a UPP representava. Como apontou Itamar Silva, um importante líder comunitário do Santa Marta, Priscilla acabou tornando-se “o maior símbolo da UPP”:

Mulher, negra, elegante, boa oratória, mansidão na voz e delicadeza no trato com moradores, ela contrastaria com a respeitabilidade exercida sobre seus comandados e a firmeza no enfrentamento dos remanescentes do tráfico que permaneciam no território. Respeitada por homens e mulheres, invertia a lógica que construiu a imagem do PM junto aos moradores de favela. O tempo que comandou o Santa Marta lhe rendeu o estrelato - capa da revista Veja, perfil publicado em vários meios de comunicação, entrevista na televisão como celebridade, prêmio internacional da ONU, reconhecimento do governo dos Estados Unidos e por aí vai. (Trecho de artigo de Itamar Silva, intitulado “O maior símbolo da UPP à frente da Rocinha” )

Considero que seja possível dizer que a policial, ao longo dos dois anos que comandou a UPP do Santa Marta, apresentou-se como “liderança carismática”. Julgo que, pelo menos, quatro pontos de contato podem ser estabelecidos entre a liderança exercida pela comandante e o “tipo puro” de dominação carismática descrito por Weber (1972). O primeiro ponto é que a liderança baseada no carisma “envolve um governo pessoal e não impessoal” (Bendix, 1960, p.238). Nesse sentido, vale lembrar que o comando de Priscilla era bastante marcado pela pessoalidade.

Durante um dos cursos organizados pela UPP, em uma conversa informal, ouvi a comandante comentando que estava precisando muito tirar férias, mas que não podia se ausentar da favela porque “vagabundo no morro” sabe quando ela está lá ou não no morro. E quando ela não estava, “eles ficam falando para todo mundo que “o morro está tranquilão” e que podem fazer o que quiserem porque a comandante não está na favela”. Esse caso ajuda a evidenciar como a própria comandante parecia acreditar que era a única capaz de resolver uma série de problemas da vida cotidiana no Santa Marta e que, portanto, sua presença era indispensável para a manutenção da ordem na favela.

Além da pessoalidade, há, pelo menos, três outros elementos que compõem “tipo ideal” de liderança carismática apresentado por Weber (1972) que também aparecem na liderança exercida por Priscilla no Santa Marta. O primeiro é que a liderança carismática “domina outros porque, através de sua pessoa, tornou-se manifesta uma missão, que, com muita frequência, revoluciona a ordem estabelecida”. O segundo elemento é que esse tipo de liderança, geralmente, “é produto da crise e do entusiasmo”. E o terceiro a emergência deste tipo de liderança, posteriormente, gera “implicações no problema da sucessão” (Bendix, 1960, p.238).

Priscilla chegou ao Santa Marta em um momento de crise2 - gerado pela implementação da UPP - com a missão de “pacificar” a favela. Como líder da polícia, ela exigia obediência com base nesta missão que ela acreditava que era seu dever desempenhar. Como líder carismática, ela conseguiu “dominar” a favela porque, através de sua pessoa, tornou-se manifesta a sua missão e sua intenção de revolucionar a “ordem” estabelecida pelo tráfico anteriormente. E, assim, conseguiu um “grau de compromisso por parte dos discípulos sem paralelo nos outros tipos de dominação” (Bendix, 1960, p.238). Mas é importante lembrar que como

a liderança carismática é uma resposta exclusivamente pessoal a uma crise na experiência humana; aqueles que sucedem ao líder carismático enfrentam, portanto, o problema de preservar um carisma pessoal após o fim do líder e da crise, quando as necessidades diárias entram novamente em evidência. (Bendix, 1960, p.239)

É importante ressaltar que quando Priscilla foi convocada a assumir o comando da Coordenadoria Geral de Programas Estratégicos das UPPs, outro policial que trabalhava na UPP do Santa Marta tornou-se o responsável pela UPP da primeira favela “pacificada” do Rio de Janeiro. E essa transição foi marcada por forte turbulência. Assim que ele assumiu o cargo, começaram a circular rumores de que antes de atuar na UPP, ele era policial do segundo batalhão (localizado em Botafogo perto do Santa Marta) e de que ele tinha envolvimento com milicianos:

Falam das histórias dele... Dizem que ele é um ex-miliciano e [as pessoas] têm medo de que ele faça aqui o que ele fazia onde ele comandava, antigamente. Ou seja, uma milícia. (…). Eu, pela minha parte, não vejo ele circulando pela comunidade tanto quanto Priscilla. Ela, antigamente, circulava pela comunidade, andava para cima e para baixo, estava sempre interagindo com as pessoas, independente de querer saber da vida das pessoas ou não. Ela andava, batia papo, sumia uns tempos, mas [estava] ali na comunidade sabendo o que estava se passando. Eu não vejo ele fazendo isso. (Trecho de entrevista com uma moradora do Santa Marta).

O comando desse novo policial na UPP do Santa Marta não durou muito tempo e quando ele saiu circularam rumores de ele teria sido afastado porque estaria envolvido em um esquema de corrupção na favela. Embora tal informação não tenha sido confirmada oficialmente, o Capitão Rocha que

2Em trabalho anterior (Menezes, 2015) defendo a ideia de que a chegada da polícia no Santa Marta e na Cidade de Deus foi vivida pelos habitantes desses territórios como uma “crise” (Shibutani,1966) ou “momento crítico” (Boltanski, 1990; Boltanski e Thévenot, 1991). Isso quer dizer que o início da “ocupação permanente” dessas favelas foi experimentado como um evento que produziu uma ruptura com as formas habituais de ação, quebrando com as expectativas que os atores possuíam acerca de sua maneira rotineira de ser, de se comportar e de agir. Ou dito de outro modo, o início das UPPs foi vivenciado pela população desses territórios como uma desrotinização momentânea da vida cotidiana. passou a comandar a UPP do Santa Marta confirmou durante urna entrevista que fiz com ele que foi chamado para atuar na favela porque “o capitão daqui já tinha passado por um desgaste com o comando das UPPs”. Ele conta que o que ocorreu foi:

algum problema interno, aí já estava desgastado. Então eu vim, fiquei aqui urna semana, duas semanas e acabou que o coronel optou por retirar o Capitão anterior e me colocou na fimcão de comandante (...)• Assim, para mim, acabou sendo bom. Porque eles puderam conviver com os dois tipos de comandos diferentes: o comando da Major Priscila e o comando do segundo. Realmente, teve essa argumentacao de que a Major Priscila era mais próxima e o Capitão posterior um pouco mais ausente. E, como eu cheguei depois desse Capitão, então eles tinham esse receio, essa angústia de saber como é que eu iria me comportar, se eu iria ser mais próximo, se eu iria ser mais ausente. Então, assim, acabou sendo bom, porque como o último foi esse Capitão mais distante. Então, o mínimo de proximidade que eu fosse ter já ia dar urna melhorada. Não que ele tivesse sido ruim, enfim, mas só de eu me relacionar, já ia ser diferente. Algumas situacóes são ruins, com relação á Major Priscila, que aí, via de regra, eles queriam fazer comparacóes. “Ah, porque na época da Major não era assim, era assado”, enfim. A Major, ela começou aqui do início. Foi a primeira, quando não sabia o que se tinha que fazer, hoje já tem outras UPPs, é diferente, a Major era mulher. Então, tem situacóes que eles querem retomar atitude que a Major tomou que não cabe mais eu tomar (...) Eles querem que eu... “Ah, porque na época da Major Priscila acontecia isso” e hoje não cabe mais. Urna coisa é vocé tomar um tipo de atitude em urna comunidade recém pacificada, em que o projeto foi recém inaugurado, que ninguém sabia como é que ele ia se dar, o que tinha que se fazer. Outra coisa é agora, quase cinco anos depois. Eu não posso chegar e tratar aqui o morador como se a UPP tivesse chegado ontem. Não posso. A relação é outra já, é diferente, tem que conversar. O diálogo, ele tem que ser muito mais intenso do que no início. No inicio, realmente... Porque não tinha diálogo nenhum, então o mínimo de diálogo que tivesse, já estava bom. (Trecho de entrevista com o Capitão Rocha enquanto ele era comandante da UPP do Santa Marta).

Rocha explicitou ainda que o fato dele ter substituído o capitão anterior que tinha urna péssima reputacao e era considerado como um comandante “ausente”, que não dialogava com a população, facilitou o trabalho dele. Na opinião de Rocha - que tinha um perfil mais próximo ao de Priscilla e buscava se aproximar dos moradores - o tempo em que esse outro capitão atuou como comandante da UPP do Santa Marta foi importante para os moradores verem que “a questão do comando influencia na administracao da UPP”.

Vale lembrar que o peso da influência do comandante na administracao das UPPs tinha relação direta com a pendência de critérios claros que estabelecessem a forma como o chamado “policiamento de proximidade” deveria funcionar cotidianamente ñas favelas “pacificadas”. Essa falta de institucionalizacao do projeto das UPPs gerou, pelo menos, dois efeitos bastante negativos. O primeiro foi que essa ausência de critérios dificultava a realizacao de avaliacóes sistemáticas e periódicas do trabalho dos policiais, assim como dos comandantes de diferentes UPPs. E o segundo efeito foi que todas decisóes tomadas ficavam a cargo do comandante de cada unidade, o que acabava fazendo com que o policiamento variasse bastante de favela para favela e mesmo de um momento para o outro em urna mesma UPP, dependendo do humor do comandante em cada situacao.

Como criticou Cano (2014), durante todo o período de existência das UPPs rudo dependeu, portante, “da vontade e da inclinação do comandante local. Não houve um esforço de institucionalizar essa relação”. E, desse modo, as tomadas de decisão ñas UPPs sempre foram muito pessoalizadas e o comando muito baseado no carisma do comandante de cada unidade, o que gerou urna série de implicacóes no problema da rotinizacao do projeto.

Considerações fináis

Para encerrar, gostatia de ressaltar que considero o caso da comandante Priscilla “bom para pensar” porque através de seu carisma e de sua forma de atuar, ela sintetizava, em alguma medida, o próprio “espírito” do projeto das UPPs e os dilemas da “pacificacao”. Isso porque, a policial conseguía, ao mesmo tempo, realizar urna ação mais preventiva na favela, fazendo o trabalho “social” e mediando confutes no Santa Marta, mas não deixava de lado as acóes repressivas“agindo com rigor quando necessário”. Ela era doce e delicada com crianças, idosos e “pessoas de bem”, fazendo um trabalho de aproximacao e prevencao. Mas, ao mesmo tempo, mostrava seu “ethos guerreiro” (CECCHETTO, 2004; ZALUAR, 2004, SOARES, 2000) e agia com “firmeza” com “quem merecia”. Como explicou um morador do Santa Marta:

Poxa, com as senhoras e as crianças a Priscila era unanimidade. Ela sabe fazer política. Na primeira operação aqui, ela passou uma geral no morro (...) ela foi na associação da terceira idade, ela foi na rádio interagir com o pessoal, debater. Isso é política...Quer dizer, está certo que, às vezes, tem que dar uns tapas mesmo, para ter respeito. Tem gente que é abusada. Até no hospital mesmo, tem gente lá com a seringa na veia e xinga a mãe do médico. Aqui é: “Ah, você vai bater em mim? Eu sou morador!”. É questão cultural, moral e cívica, não é? É aquele negócio: ao invés de ser uma batalha, tem que ter adaptabilidade e ela teve adaptabilidade, conseguiu adaptabilidade. (Trecho de entrevista com um morador do Santa Marta)

Embora Priscilla tenha conseguido se adaptar bem ao ambiente da favela e soubesse “fazer política” como afirmou o morador do Santa Marta, não podemos ignorar que o acúmulo de funções colocava policiais, como ela, diante de certos riscos. Por isso, mais uma vez, julgo o caso da comandante exemplar porque ajuda a evidenciar alguns dos principais dilemas da “pacificação” de favelas no Rio de Janeiro.

Um desses dilemas era que o fato de ao reprimir continuamente a ação de “criminosos” na favela e, ao mesmo tempo tentar prevenir que novos jovens se envolvessem no “mundo do crime”, os policiais da UPP acabacam tendo que lidar com certas “tentações”. A principal delas talvez fosse a de transformar as ações sociais - como cursos, passeios e excursões - não apenas em dispositivos pedagógicos de “ensino” e de “aproximação”, mas também em mecanismos de “monitoramento”. Como aponta Teixeira (2015) existia o risco dos policiais da UPP transformarem os projetos sociais em uma forma sutil de vigilância e de controle, utilizando a aproximação com os moradores para se obter informações que podiam ajudar no trabalho policial realizado na favela:

É possível pensar que o envolvimento de policiais militares com projetos sociais também poderia potencializar a operatividade do repertório da guerra, sofisticando-a: transformando alunos em informantes, através da manipulação das fronteiras entre os diferentes papéis em jogo. (Teixeira, 2015, p.94)

Os moradores de favelas “pacificadas” não ignoravam este risco. Eles sabiam, perfeitamente, que se participassem das atividades realizadas pela UPP na favela, os policiais podiam tentar “usá-los” para obter informações privilegiadas. E ainda que essa tentativa não fosse feita e o morador não passasse qualquer informação à polícia, todos corriam o risco de serem rotulados de “amiguinhos da Priscilla”. Rótulo esse que era considerado bastante arriscado, posto que significava incorrer no risco de ser tomado como um possível delator (“X9”).

Todos na favela sabiam que o simples fato de participar de alguma atividade na UPP ou estabelecer qualquer tipo de contato com a comandante ou com outros PMs dentro do território das favelas “pacificadas” poderia gerar uma “contaminação”. Todos na favela sabiam também que este tipo de acusação poderia colocar a vida de qualquer morador em risco. Por isso, em muitas ocasiões, diversos moradores de áreas “pacificadas” preferiam evitar qualquer tipo de aproximação com a comandante Priscilla e com outros policiais da UPP.

Em julho de 2010, participei das atividades dos cursos do Programa Educacional de Resistência às Drogas - PROERD para Pais. Embora Priscilla tenha “recrutado” vários moradores para participar das aulas que ocorriam nas manhãs de sábado na sede da UPP, o curso reuniu poucos alunos. Fui convidada por uma moradora que me relatou ter chamadomuito mais gente do que apareceu no curso. Ela conrou qu as pessoas, ao serem convidadas, apresentaram uma forte desconfiança por se tratar de um curso situado dentro da sede da UPP.

Durante uma das aulas, o presidente da Associação de Moradores do Santa Marta também disse ter notado que isso ocorria e lamentou dizendo: “é uma pena porque o pessoal fica naquela neurose e não vem fazer os cursos porque é na UPP, aí não tem as informações que estamos tendo aqui”. Essa “neurose” à qual se refere Zé Mário, o presidente de Associação de Moradores do Santa Marta, resultava, por um lado, de um vasto elenco de experiências traumáticas passadas envolvendo atos violentos praticados por traficantes contra moradores no contexto pré-UPP. E, por outro, se calcava também na circulação de rumores sobre a forma como traficantes vinham atuando em territórios “pacificados”. Tal atuação foi tornando-se mais agressiva ao longo dos últimos anos.

A “rotinização” do projeto das UPPs foi seguida de uma série elementos complexos como: a redução do número de policiais atuando nas favelas “pacificadas”; o “afrouxamento” do policiamento; o (re)fortalecimento do tráfico; o aumento da corrupção (que inicialmente parecia ser menos recorrente nas áreas com UPP); a (re)intensificação dos confrontos armados; assim como o aumento de casos de agressões e mortes violentas em áreas “pacificadas” praticadas tantos por traficantes como por policiais.

A partir da intensificação da presença desses múltiplos elementos em áreas ditas “pacificadas”, começou a ganhar força, entre 2011 e 2012, a percepção de que tudo estava voltando a ser como antes da UPP. Tal percepção intensificou-se ainda mais em 2013 com o caso do desaparecimento do pedreiro Amarildo - que pode ser considerado como um marco desse novo momento da política de “pacificação”. Amarildo de Souza era morador da Rocinha e desapareceu depois de ser levado por policiais da UPP para prestar depoimento em julho de 2013. Apesar do corpo de Amarildo não ter sido encontrado, há fortes indícios de que ele foi torturado e assassinado por policiais. Este caso gerou uma grande comoção nacional. O questionamento “Cadê o Amarildo?” virou uma das principais bandeiras das manifestações que tomaram conta das ruas da cidade do Rio de Janeiro, de quase todas as capitais brasileiras e que ficaram conhecidas como as “Jornadas de Junho”.

É interessante notar que, após a morte de Amarildo, Priscilla Azevedo foi convocada para assumir o comando da UPP na Rocinha. Ainda havia naquele momento uma esperança de que através do carisma pessoal da policial e de toda experiência que ela tinha acumulado ao longo dos anos que trabalhou no Santa Marta, ela poderia tentar reconquistar a confiança da população local no projeto das UPPs. Tal tentativa, no entanto, foi completamentefrustrada, já que nesse momento não parecia mais haver qualquer possibilidade de os moradores quererem se aproximar da “polícia de proximidade”.

O caso Amarildo abriu espaço para um amplo questionamento das UPPs, quebrando o consenso que parecia existir em torno do sucesso do projeto dentro e fora das favelas. Isso porque ele mostrou na prática como o medo dos moradores de se aproximar da polícia não envolvia só uma “neurose”. Tal aproximação, diferentemente das brilhantes análises goffmanianas, poderia gerar nãoo risco de “perder a face” (GOFFMAN, 1967), mas principalmente o risco de perder a própria vida. Portanto, este caso contribuiu para que a aproximação entre moradores e policiais em áreas com UPP se tornasse ainda menos provável e o chamado “policiamento de proximidade” ainda mais impossível.

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Recebido: 18 de Abril de 2018; Aceito: 28 de Junho de 2018

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