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Trabajo y sociedad

On-line version ISSN 1514-6871

Trab. soc.  no.33 Santiago del Estero Dec. 2019

 

AUTORES, REFERENTES, CREADORES DE IMAGENES

Os "Sem direitos" e as lutas sociais: contribuigóes a partir de Enrique Dussel

The environmental issue in Latin America: a reading on Enrique Dussel

La cuestión ambiental a partir de los "sin derechos": una lectura en Enrique Dussel

César Augusto COSTA1* 

Carlos Frederico LOUREIRO2** 

*Sociólogo, Pós-Doutor em Direito e Justiga Social/FURG. Docente/Pesquisador do Programa de Pós-Graduagao em Política Social/UCPEL. Líder do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL/UCPEL. Pesquisador do Laboratório de Investigagoes em Educagao, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ). Correo: sociologors@gmail.com

**Doutor em Servigo Social/UFRJ. Professor Associado no Programa de Pós-Graduagao em Educagao e Ecologia Social/UFRJ. Coordenador do Laboratório de Investigagoes em Educagao, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ).

RESUMO

O ensaio aborda as contribuigSes do filósofo Enrique Dussel para a questao ambiental e o processo de lutas na América Latina na perspectiva dos “sem direitos” do ponto de vista epistemico e político. Objetiva compreender a proposta política de Dussel acerca da realidade das lutas ambientais vinculadas ao processo de expropriagao social em tres momentos. No primeiro, refletiremos a origem do sistema-mundo moderno- colonial e as implicares deste processo histórico para a questao ambiental. No segundo, analisaremos a relagao entre a questao ambiental, as lutas sociais e seu processo de expropriagSes na América Latina. Ao final, examinaremos como se insere a questao ambiental no debate político e ampliado das lutas sociais á luz da filosofía de Enrique Dussel, visualizando a historicidade das vítimas do sistema-mundo ou “sem direitos” expropriados pela matriz eurocentrica e excludente.

Palavras-chave: América Latina; Enrique Dussel; Lutas sociais; Questao ambiental; Sem direitos.

ABSTRACT

The essay discusses the contributions of the philosopher Enrique Dussel for the environmental issue and the process of struggle in Latin America from the perspective of "no rights" from the point of view epistemic and political. Aims to understand the political proposal of Dussel about the reality of environmental struggles linked to the process of expropriation on three occasions. At first, we will reflect the origin of the modern world-system and the implications of this historic process for the environmental issue. In the second, we will analyze the relationship between the environmental issue, the social struggles and their process of expropriation in Latin America. In the end, we will examine how the environmental issue in the political debate and expanded the social struggles in the light of the philosophy of Enrique Dussel, viewing the historicity of the victims of the world-system or "no rights" expropriated by the Eurocentric matrix and exclusionary.

Keywords: Latin America; Enrique Dussel; Social struggles; Environmental issue; Without rights.

RESUMEN

El ensayo aborda las contribuciones del filósofo Enrique Dussel a la cuestión ambiental y el proceso de luchas en América Latina desde la perspectiva de los "sin derechos" desde el punto de vista epistémico y político. Objetivo comprender la propuesta política de Dussel acerca de la realidad de las luchas ambientales vinculadas al proceso de expropiación social en tres momentos. En el primero, reflejamos el origen del sistema-mundo moderno-colonial y las implicaciones de este proceso histórico para la cuestión ambiental.

En el segundo, analizaremos la relación entre la cuestión ambiental, las luchas sociales y su proceso de expropiación en América Latina. Al final, examinaremos cómo se inserta la cuestión ambiental en el debate político y ampliado de las luchas sociales a la luz de la filosofía de Enrique Dussel, visualizando la historicidad de las víctimas del sistema-mundo o "sin derechos" expropiados por la matriz eurocéntrica y excluyente.

Palabras clave: América Latina; Enrique Dussel; Luchas sociales; Cuestión ambiental; Sin derechos.

SUMÁRIO

Introdugao; 1 Do sistema-mundo moderno-colonial á questao ambiental; 2 Questao ambiental, lutas sociais e expropriagóes na América Latina; 3 Reflexóes finais: as lutas sociais e o reconhecimento dos “sem direitos” em Dussel. Referencias bibliográficas Introdugao

“A periferia da Europa serve de “espago livre” para que os pobres, fruto do capitalismo, possam se tornar proprietários capitalistas nas colonias” (DUSSEL, 1993).

Neste ensaio pretendemos, a partir leitura do pensador argentino Enrique Dussel, refletir, do ponto de vista epistemico e político, as contribuigóes de sua Ética da Libertagao para a questao ambiental e seu histórico processo de lutas latino-americanas na perspectiva dos “sem direitos” (DUSSEL, 2015). Neste sentido, o trabalho objetiva compreender a proposta política existente na leitura de Dussel acerca da realidade das lutas ambientais forjadas no processo de expropriagao material capitalista.

O filósofo mendocino é considerado por grande parte dos pesquisadores latino-americanos como um dos maiores expoentes da Filosofia da Libertagao, nos quais destaca-se uma concepgao de filosofía política e prática orientada pela finalidade da libertagao. Particularmente, o vínculo entre a questao ambiental, seu processo de lutas sociais e os povos considerados “sem direitos” na América Latina (AL), sao vistos assim:

Ao contrário do que estamos acostumados a imaginar, a América exerceu um papel decisivo no processo de formagao do sistema-mundo moderno. É apenas a partir do surgimento da América que a Europa se afirma como centro geopolítico do mundo. Sem o ouro e a prata da América, sem a ocupagao de suas terras para o plantío da cana-de-agúcar, do café, do tabaco e tantas outras especiarías, sem a exploragao do trabalho indígena e escravo, a Europa nao se faria nem moderna, nem centro do mundo (Porto- Gongalves, 2003). Desta forma, é no violento processo de dominagao e exploragao da América que se localiza um dos principais fatores da profunda transformagao que o cenário mundial sofre em finais do século XV e inicio do século XVI. O exterminio de populagoes inteiras, a escravidao, a servidao, a (des)possessao de terras, a exploragao das riquezas naturais, encontram-se nos fundamentos das relagóes sociais e de poder que instituem América, Europa e o sistema-mundo moderno que se ergue. (PORTO- GONQALVES E QUENTAL, 2012: 5).

Consequentemente, a temática abordada neste ensaio parte do reconhecimento de Enrique Dussel enquanto referencia do pensamento filosófico latino-americano e da aproximagao teórica dusseliana junto aos movimentos e lutas sociais. Tal esforgo argumentativo possui relevancia por duas razoes essenciais: trazer de forma mais explícita a contribuigao de Dussel para a questao ambiental latino-americana; defender a posigao dusseliana de que novas formas de relagao com/na natureza passa necessariamente pela transformagao social superando as relagóes do sistema-mundo moderno-colonial.

Entendemos a aproximagao do pensamento político dusseliano para as lutas ambientais como necessária e determinante, uma vez que temos uma ampla quantidade de pesquisas e estudos na questao ambiental que reconhecem a diversidade cultural latino-americana (comunidades tradicionais, quilombolas, pescadores artesanais, ribeirinhos, seringueiros, etc) promovendo questionamentos das relagóes sociais alienadas no capitalismo (COSTA e LOUREIRO, 2013), fundamento último da destruido intensiva da natureza (DUSSEL, 2011). Neste horizonte, situamos que:

Es la lógica del sistema capitalista la que está destrozando el planeta, es la ganancia, la obtención de más y más ganancia por sobre todas las cosas. Es la lógica de las empresas transnacionales a las que sólo les importa aumentar las utilidades y bajar los costos. Es la lógica del consumo sinfín, de la guerra como instrumento para adueñarse de mercados y recursos naturales, y no importa si para conseguir más mercados y más ganancia se tiene que destruir los bosques, explotar y despedir trabajadores y privatizar los servicios esenciales para la vida humana (...) Esto implica la contraposición de dos culturas, la cultura de la vida, del respeto entre todos los seres vivos, del equilibrio en contra de la cultura de la muerte, de la destrucción, de la avaricia, de la guerra, de la competencia sin fin. Nuestros ojos y corazones lo ven y sienten, nuestros hijos e hijas lo están viviendo: el capitalismo es el peor enemigo de la humanidad. (AYMA, 2011: 9-10)

É a partir da Filosofía de Enrique Dussel e em diálogo com alguns pensadores latino-americanos (GROSFOGUEL, 2016; ASSIS, 2014; QUIJANO, 1992; 2005; FONTES, 2008; PORTO-GON^ALVES, 2015), que o presente ensaio buscará realizar o enfrentamento destas questóes em tres momentos, que se seguem após a introdugao. Neste primeiro momento, pretendemos refletir a origem do sistema-mundo moderno-colonial (DUSSEL, 2000) e as implicares deste processo histórico para a questao ambiental na América Latina (AL). No segundo, analisaremos alguns a relagao entre a questao ambiental, as lutas sociais e seu processo de expropriagóes na AL. Ao final, examinaremos como se insere a questao ambiental no debate político e ampliado das lutas sociais á luz da Ética da libertagao de Enrique Dussel, visualizando a historicidade das vítimas do sistema-mundo ou “sem direitos” expropriados pela matriz capitalista eurocentrica da América Latina.

Do sistema-mundo moderno-colonial a questao ambiental

Refletindo sobre a historicidade do processo económico e político latino-americano, temos em vista que as Américas nao foram incorporadas dentro de uma já existente economia mundial capitalista; pelo contrario, nao haveria uma economia capitalista mundial sem a existencia das Américas (QUIJANO, 1997). Quijano (2005) situa que tal processo iniciou com uma colonizado interna de povos com identidades diferentes, mas que habitavam os mesmos territórios e foram convertidos em espatos de dominado interna. Esse fenómeno se desdobrou com a colonizado imperial ou externa de povos que nao só tinham identidades diferentes, como habitavam em territórios para além do espago de dominado interna dos colonizadores.

A expansao colonial iniciada no século XVI, com as grandes navegagóes e o “descobrimento” das Américas - posteriormente incrementada com o neocolonialismo do final do século XIX, que promoveu a repartido da África e Ásia -, é vista, nessa abordagem, como condigao sine qua non para a existencia e a manutengao do capitalismo industrial. Por outro lado, a extingao do colonialismo histórico-político nas Américas, com a construgao de nagóes independentes no século XIX, bem como na África e Ásia, por intermédio da descolonizagao em meados do século XX, nao foi condigao necessária e suficiente para a emancipagao político-económica e cultural dos países periféricos. Assim, a acumulagao primitiva colonial, longe de ser uma pré-condigao do desenvolvimento capitalista, foi um elemento indispensável da sua dinámica interna e posterior continuidade (ASSIS, 2014: 613-14).

A posigao de Dussel (2000) é sustentada pelo domínio da centralidade europeia, a partir da periferia, que considera o processo de modernidade como gestao do sistema-mundo. Tal posigao busca recuperar o recuperável da modernidade, e negar a dominagao e exclusao do sistema-mundo. Para o pensador argentino, é um projeto de libertagao da periferia negada desde a origem da modernidade. Assim, “o problema que se descobre é o esgotamento de um sistema civilizatório que chega a seu fim” (DUSSEL, 2000, p. 65). Para ele, significa:

A superagao da razao cínico-gerencial (administrativa mundial) do capitalismo (como sistema económico), do liberalismo (como sistema político), do machismo (na erótica), do predomínio da raga branca (no racismo), da destruigao da natureza (na ecologia), etc., supóe a libertagao de diversos tipos de vítimas oprimidas e/ou excluídos. É neste sentido que a ética da libertagao se define como transmoderna (já que os pós-modernos sao ainda eurocentricos) (DUSSEL, 2000: 65).

Para o filósofo argentino, o final do presente estágio civilizatório de 500 anos possui dois limites absolutos que sao: a) a destruido ecológica da natureza, pois desde a origem a modernidade constituiu a natureza como objeto explorável com vistas ao lucro, á acumulado de capital, e; b) a destruido da própria humanidade pelo caráter das relaces de exploragao (DUSSEL, 2000).

Dussel (1980) em sua clássica obra Filosofía da Libertagao na América Latina, apontava que é a partir do mundo, desde um mundo histórico, político, erótico ou simbolicamente determinado, que compreendemos a natureza. Se há uma história do mundo, há também a história da natureza. Ou seja, os gregos compreenderam a fysis como eterna, divina, nascente; os medievais compreenderam a natureza como criada (natura naturata), finita, sem principio de corrupto; o moderno europeu compreendeu a nature ou Natur como sendo a matéria observável matematicamente (desde Galileu) ou explorável economicamente (desde a revoluto industrial). A natureza, juntamente com o trabalho e o capital, é a origem do mítico progresso civilizador. A partir desta compreensao, se entende o que se quer indicar quando se diz que a natureza é politicamente interpretada: é hermeneuticamente visualizada desde o centro ou a periferia, desde as diversas classes sociais, desde os sistemas políticos, principalmente, como matéria de um modo de produjo numa formado social determinada. Com isso, Dussel indica que:

Sendo a natureza, para a modernidade, só um meio de produgao, corre o risco de ser consumida, destruida e, além disso, agulando geometricamente sobre a terra os dejetos, até por em perigo a reprodugao ou desenvolvimento da própria vida. A vida é condigao absoluta do capital; sua destruigao destrói o capital. Chegamos a essa situagao. O “sistema de 500 anos” (a modernidade ou o capitalismo) enfrente seu primeiro limite absoluto: a morte da vida em sua totalidade pelo uso indiscriminado de uma tecnologia antiecológica constituida progressivamente a partir do único critério da “gestao” quantica do sistema- mundo na modernidade: aumento da taxa de lucro. Mas o capital nao pode autolimitar-se. Enquanto tal, torna-se perigo para a própria humanidade (DUSSEL, 2000: 66).

Para Dussel (2000), o segundo limite da modernidade é destruigao da própria humanidade. O autor entende que, o “trabalho vivo” é a outra mediagao essencial do capital, onde o sujeito humano pode criar novo valor (mais-valia, lucro). O capital vence todas as barreiras, póe mais tempo absoluto ao trabalho; quando nao pode superar este limite, aumenta a produtividade pela tecnologia; mas tal aumento diminui a proporgao do trabalho humano; há assim humanidade sobrante (desprezada, desempregada e excluida), pois:

O desempregado nao ganha salário, dinheiro; e o dinheiro é única mediagao no mercado pela qual podem ser adquiridas mercadorias para satisfaze as necessidades. De todo modo, o trabalho nao empregável pelo capital aumenta (aumenta a desocupagao). Aumenta assim a proporgao de sujeitos necessitados nao solventes - tanto na periferia como no centro. É a pobreza, a pobreza como limite absoluto do capital. Hoje constatamos como a miséria cresce em todo o planeta. Trata-se da “lei da modernidade” (DUSSEL, 2000: 66).

Compreendemos a continuidade dos processos de expropriagao de recursos naturais por subjugagao dos “sem direitos” ou “vítimas” (DUSSEL, 2000; 2015) localizados em países da periferia do capitalismo, que, embora nao sejam mais alvo do domínio social, político e económico da Europa (DUSSEL, 1993), ainda funcionam como espago de avango das frentes de acumulagao e reprodugao ampliada do capital (FERNANDES, 2008; PORTO-GON^ALVES, 2004) na AL.

Sendo assim, existe uma colonialidade na apropriagao da natureza, entendida tanto como resultado da construgao no interior da modernidade de formas económico-instrumentais de se pensar e explorar o ambiente, quanto como expressao de processos concretos de expropriagao territorial que sustentam a lógica prevalecente da acumulagao capitalista e mantém em funcionamento o sistema-mundo colonial-moderno.

A colonialidade na apropriagao da natureza se refere á existencia de formas hegemónicas de extragao recursos naturais considerando-os como mercadorias, ao mesmo tempo em que representa o aniquilamento de modos subalternos de convívio com o meio ambiente, bem como a perpetuagao e justificagao de formas assimétricas de poder na apropriagao dos territórios. Temos em vista que:

No cenário atual, prescindindo de uma dominagao política de corte colonial que desconhece a soberania dos povos, as grandes corporagoes empresariais e os conglomerados financeiros tem se valido do poder económico para expandir e incorporar novos espagos nos circuitos de acumulagao do capital. Nesse sentido, o direcionamento de capitais para a produgao brasileira de agrocombustíveis pode exemplificar a continuidade da incorporagao de novos territórios na lógica de acumulagao capitalista, além de evidenciar a vigencia de uma colonialidade na apropriagao da natureza, tendo em vista que os recursos naturais sao vistos como vantagem comparativa capaz de garantir a integragao á economia global (ASSIS, 2014: 616).

Passamos ao exame das relagSes envolvendo a questao ambiental e as expropriagSes no continente latino-americano.

Questao ambiental, lutas sociais e expropriagoes na América Latina

A América Latina e muitos países africanos, sufocados por suas ditaduras, entregaram-se a um modelo de produgao agressivo, indicando o crescimento a qualquer custo, com ou sem degradagao ambiental. O atual modelo agrario, operado pelo processo de reprodugao ampliada do capital sustenta-se tanto pelo uso de um modo de produgao de conhecimento do capital, que supervaloriza a ciencia e as técnicas ocidentais, quanto pela expansao das áreas destinada aos cultivos (PORTO-GONQALVES, 2004).

Dentro desta configuragao, está em curso um novo ciclo de expropriagao em diversas ordens (FONTES, 2010) que compromete dramaticamente a vida das classes trabalhadoras urbanas e rurais e dos povos e comunidades tradicionais. É neste horizonte que as expropriagSes e os conflitos ambientais provocados pelo padrao de acumulagao do capital, sao redefinidos por um desenvolvimento desigual e combinado. Isso reitera que a forma de articulagao e subordinagao das fragSes burguesas hegemónicas, ao qual a forga dinámica do capital, impulsionado pelo setor financeiro e por megacorporagSes cuja intensificagao se dá pelas expropriagSes e exploragao do trabalho (LEHER, 2015). A nova reconfiguragao do Brasil como produtor de commodities para atender as necessidades de potencias mundiais como a China teve apogeu nos governos progressistas que nao hesitou em aprofundar a referida subordinagao da economia brasileira ás necessidades da nova potencia.

A insergao nacional no mercado de agrocombustíveis elucida o funcionamento das novas relagSes centro-periferia e, nelas, o Brasil possui uma dupla fungao, ao mesmo tempo, neocolonial e imperialista; de um lado, representa o espago de vazao dos capitais acumulados nas economias centrais (cujo capital é investido por meio da atuagao de conglomerados internacionais que exploram os recursos naturais e humanos).

Tal processo periférico do territorio brasileiro em prol do abastecimento energético das centrais cumpre uma fungao neocolonial; e de outro lado, patrocina o alargamento da atuagao das megacorporagSes nacionais. Por sua vez, agem como centrais e periferizam territorios localizados na África e nos países centro-americanos, ampliando o mercado global de agrocombustíveis e possibilitando a insergao de novos territorios nos circuitos de acumulagao. Desse modo, os capitais e empresas brasileiras patrocinadas pela atuagao do Estado se expandem na diregao de oportunidades mais rentáveis de investimento (ASSIS, 2014). Para Leher (2015: 25):

é forgoso reconhecer que a exportagao de commodities foi convertida em carro chefe da economia, visto que, além da exportagao de produtos brutos, primários, muito dos produtos semimanufaturados e manufaturados sao intensivos em recursos naturais e foram manufaturados por meio de tecnologías intermediárias (...) as conseqüencias socioambientais sao evidentes, pois esse verdadeiro saqueio de recursos naturais é indissociável das expropriagSes que, por sua vez, adensam os conflitos socioambientais no Brasil, América latina, África e em grande parte da Ásia. Em outros termos: as fragSes burguesas locais, seus socios majoritários e os governos que manejam o Estado (como se depreende do BNDS, do novo Codigo florestal, do desmembramento do Ibama, etc) aprofundam o capitalismo dependente, as expropriagSes e a exploragao).

Desta forma, Gongalves (2014: 92) reafirma esta conjuntura, pois:

Há o destaque para o conjunto de problemas que sao proprios ás commodities: baixa elasticidade-renda da demanda; elasticidade-prego da demanda desfavorável; pequena absorgao dos beneficios do progresso técnico; reforgo de estaturas de produgao retrógradas baseadas nas grandes propriedades, que gera maior concentragao do excedente e o poder económico; concentragao da riqueza e da renda; que causa vazamento da renda e pouco dinamismo do mercado interno; restrigao externa, visto que as commodities se caracterizam por alta volatilidade de pregos e instabilidade de pregos e instabilidade da receita da exportagao.

Tais elementos aprofundam o horizonte da trajetória das lutas sociais e ambientáis, tomando evidente considerar que o controle dos recursos naturais é estratégico, pois significa a materialidade indispensável para assegurar o atual padrao de acumulagao do capital (LEHER, 2007) bem como determina a esfera material da política (DUSSEL, 2007) e da natureza (COSTA E LOUREIRO, 2015).

Assim, imp5em-se lógicas perversas de nao reconhecimento dos direitos e da “remogao” territorial de povos indígenas e comunidades tradicionais, submetendo o Estado a um “balcao de negócios” gerenciados pelas classes hegemonicas, os quais flexibilizam leis e direitos trabalhistas; reduzem direitos sociais (previdencia social); precarizam condig5es de trabalho; “achatam” Políticas Públicas e ambientais (LOUREIRO, 2009) em consonancia com o capital internacionalizado (FERNANDES, 2008).

A globalizagao neoliberal está inscrita como parte das lutas sociais. Na realidade, nega em grande medida parte das demandas postas pelos diferentes movimentos sociais e suas lutas. Desse modo, a globalizagao e todo seu processo de transformares que vem passando desde os anos de 1970 parece ganhar de forma mais evidente quando se ve á luz dos conflitos sociais que desencadearam nas décadas posteriores (PORTO-GONCALVES, 2015).

A crítica ás rígidas hierarquias na familia, na escola, nas fábricas, no Estado, nas relaces internacionais; ao colonialismo; á desigualdade social; ao racismo; ao machismo; ao eurocentrismo e seu racismo, sua razao técnica, sua ciencia reducionista, seu materialismo economicista; ao consumismo; ao produtivismo foram críticas que se teceram a partir de múltiplos movimentos de libertado nacional, de jovens, dos operários, das mulheres, dos negros, dos camponeses, dos indígenas, dos ambientalistas que, por todos os lados, bradavam Viva a Diferenga e Abaixo as Fronteiras, por novas sensibilidades, pelo direito ao ócio, pelo trabalho livre, e libertariamente diziam “é proibido proibir” (PORTO-GONCALVES, 2015: 19).

A superagao do desafio ambiental se insere no bojo da globalizagao neoliberal que requer o entendimento das quest5es colocadas pelo movimento da contracultura dos anos 60 na medida em que a década de neoliberalismo se desenvolve e se faz contra tal movimento. Assistir o processo de globalizagao neoliberal neste viés é relevante para compreender o complexo e contraditório processo histórico em que instaura o desafio ambiental, procurando saídas alternativas para o mesmo. Para Porto-Gongalves (2015, p. 20):

Estamos diante nestes últimos 30-40 anos de globalizagao neoliberal, de uma devastagao do planeta sem precedentes em toda a história da humanidade, período em que, paradoxalmente, mais se falou de natureza e em que o próprio desafio ambiental se colocou como tal. Daí ser fundamental entendernos a natureza do processo de globalizagao e de que modo esse processo implica ou nao a globalizagao da natureza.

Vemos, portanto, que o processo de globalizagao traz em si, a globalizagao da exploragao da natureza com proveitos e rejeitos distribuídos de forma desigual. Também que aliado a ele, a globalizagao há ao mesmo tempo a dominagao da natureza e a dominagao de alguns homens sobre outros homens, da cultura européia sobre outras culturas e povos, e dos homens sobre as mulheres (PORTO-GONCALVES, 2015). Históricamente, nao faltam argumentos que essa dominagao se deu por raz5es naturais, na medida em que certas ragas seriam inferiores. “A modernidade européia inventou a colonialidade e a racialidade (base da escravidao) e, assim, essa tríade - modernidade-colonialidade-racialidade - continua atravessando, até hoje, as práticas sociais e de poder” (PORTO-GONCALVES, 2015: 25).

Compreendemos também que o território nesta perspectiva dos “sem direitos” (DUSSEL, 2015) na AL, é uma categoría que nos remete a inscrigao da sociedade da natureza e nos obriga a considerar as relag5es sociais e de poder que estao vinculadas na relagao das sociedades com a natureza. Pois a problemática ambiental ganha maior adensamento quando vista a partir do território, das territorialidades e dos processos de territorializagao e expropriagao material da vida. A vasta dívida externa da maior parte dos países reduzidos a condig5es semicoloniais tem sido objeto de uma chantagem política onde organismos financeiros internacionais imp5em políticas de ajuste estrutural que, agravam a pilhagem de recursos naturais e os problemas ambientais.

Desse modo, o esforgo (energia, literalmente) desses países nessa diregao significa, na prática, ampla utilizagao de recursos naturais, muitos nao renováveis, como os minerais, com a sua deplegao, o que está implicando o avango de áreas ocupadas originariamente por populag5es de outras matrizes culturais (indígenas, afrodescendentes, camponeses de várias matizes ecoculturais), onde ricos acervos de biodiversidade estao dando lugar a monoculturas ou, ainda, para onde vem se dando a transferencia de Trabajo y Sociedad, Núm. 33, 2019108

indústrias altamente poluentes do Primeiro Mundo para o Terceiro Mundo, com destaque paras as de papel e celulose e as de alumínio-bauxita. Alega-se, sempre com base no raciocinio crematístico- monetário, que se trata de commodities, ou seja, mercadorias cujos presos se determinam em dólares pelo mercado mundial (PORTO-GONCALVES, 2015: 46).

Na AL e no Caribe a colonialidade sobreviveu ao colonialismo, através dos ideiais desenvolvimentistas eurocentricos, ocupando os ideiais das elites crioullas, brancas e mestizas nascidas na América. A exportagao de matérias-primas agrícolas e minerais com base na exploragao das melhores terras, por intermédio de latifúndios produtivos, e das melhores jazidas. Neste caso, o recurso das empresas das antigas metrópoles continuou mantendo a servidao indígena e a escravidao negra, cujo processo sobreviveu ao colonialismo (PORTO-GONCALVES, 2015).

A crenga de que a natureza é uma fonte inesgotável de recursos e que sua explorando nao geraria efeitos nocivos é que proporcionou uma espécie de fuga para a frente nas lutas de caráter distributivo no interior, sobretudo, das sociedades desenvolvidas. Em outras palavras, as reivindicagoes dos trabalhadores, acreditou-se, ser satisfeitas aumentando-se a produtividade. O modelo fordista partia da premissa de que todos os trabalhadores dos países industrializados pudessem usufruir da riqueza material (p. PORTO- GONCALVES, 2015: 48).

Ao questionarmos a desigualdade, o que se indica no horizonte é que ser quer ser igual e assim, permanecemos nos marcos do pensamento eurocentrico (PORTO-GONCALVES, 2015). Dessa maneira, todos querem ser desenvolvidos com a Europa e os Estados Unidos, cujo ideia prevalece marcada pela colonialidade do saber e do poder, visto que nao se consegue pensar fora destes marcos do pensamento moderno-colonial (DUSSEL, 1993), enquanto um pensamento único.

Consequentemente, tanto pela oferta dos bens de consumo como do lado da demanda dos recursos naturais, assim como pela desigual distribuigao da riqueza, o modelo fossilista do capitalismo em sua fase imperialista nao consegue mais se sustentar. A poluigao e o esgotamento dos recursos naturais passam a ser pautas dos interesses de grupos empresariais.

Assim, período atual, de globalizagao neoliberal, difere de outros períodos que lhe antecederam pela especificidade do desafio ambiental que lhe acompanha e que, também, o constitui. Afinal, até os anos 1960, a dominagao da natureza nao era uma questao, e sim uma solugao - o desenvolvimento. É a partir desse período que se coloca explicitamente a questao ambiental (...). A globalizagao neoliberal é uma resposta de superagao capitalista a essas questoes par o que, sem dúvida, procura, á sua moda, se apropriar de reivindicagoes como direito á diferenga e com ele justificar a desigualdade e, também, assimilar á lógica do mercado questao ambiental. Entretanto, o período histórico da globalizagao neoliberal que legitimou a questao ambiental é, paradoxalmente, aquele que levou mais longe a destruigao da natureza. Jamais em um período de 30 anos, em toda a história da globalizagao que se iniciou em 1492, foi tamanha a devastagao do planeta (PORTO-GONCALVES, 2015: 51-52)

O extrativismo segue sendo um dos processos de exploragao mais problemáticos hoje em dia nao somente na AL, mas também no mundo. Na divisao internacional do trabalho, o extrativismo é o mecanismo que vincula a exploragao de recursos naturais á vida dos trabalhadores, suas comunidades e o ambiente (GROSFOGUEL, 2016). O extrativismo económico tem conseqüencias que nao remetem somente a pauperizagao económica dos trabalhadores mineradores, mas também aos processos destrutivos da vida e ecologia planetárias. Este fator tem produzido uma especulagao financeira através de indústrias extrativistas nas bolsas de valores do mundo com conseqüencias nefastas em nível mundial.

Las consecuencias pasan no solamente por la destrucción ecológica, sino también por la violencia que usan para desplazar a seres humanos de sus territorios, cuya mayoría son sujetos racializados en las «zonas del no-ser» del sistema-mundo. Las víctimas de estos procesos en el mundo son los pueblos clasificados como no occidentales que en el caso de América Latina son fundamentalmente poblaciones indígenas y afros. Dicha violencia ejercida por actores armados, tanto públicos como privados busca limpiar étnicamente los territorios para que las compañías mineras tomen posesión de la tierra y sus recursos, sobre todo cuando las comunidades no se venden por dinero y organizan resistencias a la destrucción extractivista. Esta explotación extractivista no es nueva. Tiene una larga historia, a partir de la expansión colonial europea en 1492 (GROSFOGUEL, 2016: 127).

Entendemos que o extrativismo significa remover volumes de recursos naturais que nao sao processados para a exportado, e é muito mais que extrado de minerais e petróleo. O extrativismo se estende á agricultura, pesca e aos bosques. O extrativismo é um saqueio que assistimos desenvolver desde a época colonial até o neocolonialismo neoliberal de nossos dias. Trata-se de um saqueio, roubo e apropriaqao de recursos naturais do sul para o beneficio de minorias demográficas de países considerados superiores, que compóem o norte e que constituem as elites capitalistas do sistema-mundo (DUSSEL, 1993). Mais ainda, o extrativismo é central a destruido da vida em todas as formas, pois:

El extractivismo sigue al pie de la letra el concepto occidentalocéntrico de «naturaleza». El problema con el concepto de «naturaleza» es que sigue siendo un concepto colonial, porque la palabra está inscrita en el proyecto civilizatório de la modernidad. Por ejemplo, en otras cosmogonías la palabra «naturaleza» no aparece, no existe, porque la llamada «naturaleza» no es objeto sino sujeto y forma parte de la vida en todas sus formas (humanas y no-humanas). Entonces, la noción de naturaleza ya es de suyo euro-céntrica, occidentalo-céntrica, y antropocéntrica. Es un concepto muy problemático porque implica la división entre sujeto (humano) y objeto (naturaleza), donde el sujeto (humano) es el que tiene vida, y todo lo demás es «naturaleza» considerada como objetos inertes. Por consiguiente, sus formas de vida son inferiores a la humana y están inscritas en la lógica instrumental de medios-fines de la racionalidad occidental donde la «naturaleza» se convierte en un medio para un fin. En resumen, en la cosmovisión dualista cartesiana occidentalo-céntrica, lo humano es concebido como exterior a la naturaleza y la naturaleza como un medio para un fin. Cuando esa racionalidad es aplicada en la producción de tecnológica como ha sido el caso durante los últimos cinco siglos de modernidad, tienes la racionalidad de la destrucción de la vida porque cualquier tecnología que se construya a partir de la noción de «naturaleza» entendida de esta manera dualista occidental-céntrica va a tener inscrita dentro de sí-misma la racionalidad de la destrucción de la vida, ya que no tiene pensada la reproducción de la vida. Por tanto, es una noción problemática de la dominación ejercida por la colonialidad del poder, el saber y el ser (GROSFOGUEL, 2016: 129).

Se observarnos o que ocorre na geoeconomia capitalista da produdo extrativista, esta se dá em espatos de periferia do sistema-mundo considerados como zonas de nao-ser planetário, portanto, habitados por sujeitos postos como racialmente inferiores, pelos condenados da terra (FANON, 1966), vítimas do sistema-mundo moderno-colonial (DUSSEL, 1993; 2000) ou ainda, os “oprimidos” na visao de Paulo Freire (1987).

Em locais de extrado de cobre, tais como o Chile, ou a extrado do ouro, como a Colombia, essas empresas extrativas destroem o equilibrio ecológico do lugar produzindo doenqas para os moradores da área e praticam formas brutais de violencia contra trabalhadores ou pessoas que se rebelam. Enquanto isso, nas áreas onde habitam aqueles que sao considerados racialmente superiores, os afortunados da terra, se desfrutam os objetos que produzem morte em locais de extrado.

Os chips de cobre para os computadores ou iphones e os materiais de ouro para as jóias e os condutores de informado, sao todos objetos cujo desfrute nao está ao alcance dos sujeitos que produzem em zonas de nao-ser mineiras. Nas zonas de ser o sistema administra os conflitos com mecanismos de regulado e emancipado, enquanto que os conflitos em zonas de nao ser se decidem mediante mecanismos de violencia e desapropriaqao. Sao formas de desfrute da vida de um lado como condiqao de possibilidade de destruido da vida em outro. Os afortunados da terra vivem nas costas dos condenados da terra. A morte num lado produz vida em outro. Este sistema de injustiqa global está no centro da discussao acerca do extrativismo, pois:

La explotación, la destrucción y la violencia producidas por las transnacionales extractivistas reproducen las mismas prácticas sin importar el carácter del gobierno de turno. Y frente a sus víctimas, estos gobiernos también se comportan en algunos casos con iguales dosis de violencia. Forma parte de la lógica occidentalocéntrica de izquierda o de derecha la ideología del desarrollismo, y frente a este fin todos los medios quedan justificados, incluida la destrucción y la violencia contra todas las formas de vida (humanas y no-humanas) como resultado del extractivismo. (...) Con esto no niego la diferencia cualitativa que representan estos gobiernos de izquierda frente a las maquinarias neoliberales que existían en estos países en el pasado. El problema es que ser de izquierda no es garantía frente al tema de la destrucción de la vida producida por las lógicas desarrollistas occidentalocéntricas (GROSFOQUEL, 2016: 131).

Seguindo a trilha de nossa reflexao, finalizaremos apontando os vínculos entre questao ambiental, as lutas sociais e os sem direitos na perspectiva dusseliana.

Reflexoes fináis: as lutas sociais e o reconhecimento dos “sem direitos” em Dussel

É inegável que a conquista e colonizado a partir do sáculo XV do territorio batizado como “América” condenou á servidao e ao exterminio seus povos originários, e serviu para a apropriaqao de suas riquezas naturais, alimentando o nascimento do capitalismo emergente (SEOANE, 2010).

A luz do que já foi explicitado, há limites inerentes ao desenvolvimento contraditório do capital em sua relado metabólica com a natureza na produdo material da existencia. Sao fronteiras inquestionáveis ao seu padrao de acumulado. No capitalismo, a forma de produdo dos meios de satisfaqao e existencia da vida humana e social, se faz ampliando as desigualdades no processo de uso e apropriaqao do que é criado. Isso se dá porque o capital é a própria negado do trabalho vivo, da possibilidade de livre criado das pessoas; é o trabalho objetivado que se realiza de modo alienado. Com isso, o capital só o é pelo processo expropriador e dominador de acumulado da ganancia e de distribuido crescentemente assimétrica da riqueza produzida e de direitos na organizado das nades. Esta relado social que é meio e fim é uma relado formal; e é o fundamento do denominado problema ecológico.

No entender de Dussel (2014: 7):

En efecto, la vida en el Planeta (y su culminación evolutiva: la vida humana), de la cual el ser humano es efecto (en cuanto a la existencia y dignidad cerebral auto-consciente, responsable, libre, y por ello la obra más espléndida de la evolución de la propia vida), es puesta a riesgo por el criterio formal del capital. Ese criterio se define como el del aumento de la tasa de ganancia, que se opone en definitiva a la existencia misma de la vida. Dicha contradicción se explica si se capta la lógica que impone la competencia en el mercado capitalista [tesis 8], que se encuentra oculta bajo una formulación fetichista, absolutizada como pretendido último criterio económico.

Numa passagem magistral o filósofo argentino, expóe de forma clara os fundamentos entre capitalismo, tecnologia e questao ecológica:

El argumento resumidamente es el siguiente: a) todo capital (singular, por ramos dentro o fuera de un Estado) compite con los otros capitales; b) se trata entonces de lograr producir mercancías con el menor valor-precio posible; c) la manera de aumentar la productividad o disminuir el precio de la mercancía en el mercado se logra gracias obtener mayor plusvalor relativo [tesis 6]. Por lo tanto el capital debe hacer crecer su composición orgánica, o, dicho de otra manera, por una mayor eficacia en el uso de la tecnología más desarrollada; d) el capital se encuentra entonces constreñido a subsumir materialmente dicha tecnología, la más desarrollada y en el corto plazo (porque en el largo plazo no podría resistir el embate de la competencia de otros capitales que en el corto plazo lo destruirían por ser menos desarrollado); e) la mejor tecnología desde el criterio de la permanencia de la vida humana exigiría mucho más tiempo para que su desarrollo; f) por ello se impuso un criterio no-ecológico de subsunción de la tecnología en el proceso productivo del capital; es decir, un criterio para elegir la mejor tecnología (no en cuanto a la afirmación de la vida) que permitiera triunfar en la lucha de la competencia en el corto plazo, para disminuir inmediatamente el valor de cambio del producto (DUSSEL, 2014: 7-8).

Dussel (2014) adverte em seguida que o perigo antiecológico nao constitui como último fundamento a tecnologia enquanto tal inadequada ou perigosa para afirmado e crescimento da vida humana, mas sim o critério de sua eleiqao. E esse critério é o mesmo capital, enquanto inclui como momento de sua esséncia. Portanto, para ele:

Hay uma inmensa ingenuidad en los movimientos ecológicos (a veces aún en el caso que se defienda a la Pacha Mama) cuando se diagnostican la causa del suicidio humano-ecológico, ya que se enfrentan criticando a la tecnología inadecuada (que es el medio elegido), pero desconocen su causa radical (que es el capital como el criterio de su selección” (DUSSEL, 2014, p.8).

A construqao da globalizaqao latino-americana nao implicou em um espaqo económico homogéneo em nivel internacional. Entre outras questóes, a construqao simultanea de integraqóes no plano nacional se deu sob a hegemonia de alguma das principais poténcias capitalistas, áreas consideradas verdadeiros “quintáis” para seu desenvolvimento económico e para projegao e defesa de seus interesses globais. Podemos nos questionar o que isso significa para as lutas ambientais na AL?

Assim, Seoane pontua que:

Este proyecto de recolonización orientado principalmente a la apropiación de los bienes comunes de la naturaleza supone, tal como lo habíamos mencionado antes, garantizar el proceso de desposesión de dichos bienes; vale decir, susustracción a los actuales usufructuarios y/o el desplazamiento y la “neutralización” de las comunidades y poblaciones que habitan en estos territorios, lo que muchas veces significa su condena al exterminio o extinción. Así, el uso de la fuerza, de la violencia, ya sea por parte del Estado, de grupos paraestatales o ilegales, o de la cooperación o coexistencia entre ambos, se torna un componente esencial de este proceso. Una historia de sangre que recorre las masacres sufridas por movimientos indígenas, campesinos, de pobladores y territoriales en las últimas décadas de Nuestra América y que se acentúa en los últimos años. Uma desde los pueblos historia de violencia sistémica que ha motivado su caracterización como uma “guerra” declarada a los pueblos pobres (SEOANE, 2010: 12).

Os questionamentos a esta depredagao do ambiente que adotaram as formas de luta “contra a contaminado”, implicavam uma experiencia de devastado e luta local-nacional que deram sustentado a uma profunda compreensao dos efeitos devastadores do capitalismo sobre o ambiente e a vida em nivel global, reiterando sua importancia na intervengao dos movimentos sociais latino-americanos na detengao do processo de contaminado, mudanzas climáticas e catástrofe ecológica hoje em curso. Segundo Seaone,

Expresión de ello es la iniciativa asumida por el actual gobierno de Bolivia en la figura de su presidente Evo Morales, con la convocatoria a la Conferencia Mundial de los Pueblos sobre el Cambio Climático y los Derechos de la Madre Tierra tras el fracaso de la reciente Cumbre sobre el Cambio Climático de las Naciones Unidas, realizada en Copenhague (Dinamarca). Esta problemática, sumada a las consecuencias de la mundialización neoliberal capitalista en los terrenos energético, alimentario, social y económico, há hecho que la situación actual sea entendida además como una verdadera “crisis de civilización hegemónica” dando cuenta así de la amplitud, diversidad y complejidad de las alternativas que plantea (2010, p. 9).

Evidenciamos, com isso, que para a questao ambiental e suas lutas na AL, essa discussao é determinante e estruturante dos processos políticos. Nesse contexto, o que o pensador argentino de fato contribui para tais reflexóes e que contribuigóes políticas estariam presentes em seu pensamento? Para Dussel, a situado critica que interessa á Ética da Libertagao se apresenta quando certos cidadaos sao excluidos nao-intencialmente do exercicio de seus direitos que o “Direito” nao consegue incluir. Para o pensador argentino:

Estes cidadaos com consciencia de serem sujeitos de novos direitos se experimentam a si mesmos como vítimas, sofrendo inevitavelmente os efeitos negativos do corpo do direito ou de agoes políticas, no melhor dos casos nao-intencionais. Sao as geragoes futuras diante dos crimes antiecológicos das geragoes presentes; é o caso da mulher na sociedade machista, das ragas nao brancas na sociedade racista ocidental, dos homossexuais nas estruturas heterossexuais, dos marginais, das classes exploradas por uma economia do lucro, dos países pobres e periféricos, dos imigrantes e ainda dos Estados nacionais debilitados pela estratégia do capital global nas maos de corporagoes transnacionais (ás quais nao se pode, e de destruigao ecológica ou social, como efeito de suas estratégias como aumento de pobreza no mundo) (DUSSEL, 2015: 128).

O filósofo argentino indica que as vítimas deste processo excludente sao os “sem-direito” (os que nao tem direitos reconhecidos, vigentes). Trata-se da dialética de uma comunidade política com “estado de Direito” em face de muitos grupos emergentes sem-direitos, vítimas do sistema-mundo (DUSSEL, 2015). Desse modo, ele sustenta seu argumento:

Nao era factível (pelas condigoes históricas concretas) o movimento feminista na Idade Média (embora tenha havido heróicas antecipagoes), como tampouco era possível o ecologismo antes da revolugao industrial, quando o Planeta parecia, todavia, uma fonte inacabada de recursos, e os efeitos negativos sobre a reprodugao da vida eram quase nao mensuráveis. A incorporagao de “novos” direitos ao “sistema do direito”, ou a explosao do “sistema do direito” vigente, que agora se transforma em “antigo”, por um novo sistema do direito, é fruto nao tanto da explicitagao de um direito natural, contudo nao descoberto, e sim da institucionalizagao de um «novo» direito descoberto pelas vítimas «sem--direito», fruto da maturidade histórica própria ao desenvolvimento da realidade humana (e da consciencia política), do processo civilizatório da comunidade política particular ou da humanidade em geral. Dito «descobrimento» nao é fruto nem de um estudo teórico nem de um voluntarismo de certos movimentos messianicos (DUSSEL, 2015: 130-131).

Logo, a negatividade material (a miséria, a dor, a humilhagao, a violencia sofrida, etc.) reitera para o “sem-direito” como uma lacuna dentro do sistema jurídico. Ou seja, Dussel (2015) entende os demais direitos foram tencionados a luz de outros processos, tais como pela dor, fruto da violencia familiar e da humilhagao do patriarcalismo em face de seus próprios filhos, da própria corporalidade sofrente da mulher oprimida pela cultura machista (no nível sexual, social, económico cultural, religioso, etc.), que permitiu subjetiva e publicamente descobrir sua inexistencia no sistema do jurídico. Em termos das lutas ambientais, podemos relacionar que:

A luta pelo reconhecimento do dito descoberto “em-negativo” é a origem histórica dos novos direitos do novo corpo de direito que se agregara á “lista” dos direitos humanos. É, evidentemente, um descobrimento histórico a posteriori; nao é um direito natural a priori, nem é tampouco um direito positivo. É, simplesmente, a consciencia de um “novo” direito descoberto na maturidade do processo histórico (este direito e nao qualquer outro, longe de todo relativismo), mas nao-institucionalizado, nao- positivizado. A dialética, como temos indicado, nao é a do “direito natural - direito positivo”, e sim entre “direito vigente - novos direitos históricos” (DUSSEL, 2015: 131).

Estes processos elencados acima orientam o plano latino-americano para o que é denominado por “acumulagao por espoliagao”, categoría conceitual cunhada por Harvey (2004) para caracterizar “o novo imperialismo” e sua combinagao estrutural de mais valia absoluta e mais valia relativa, que torna-se insuficiente se ignorarnos a colonialidade que atravessa o sistema-mundo moderno colonial. Diante tal processo de expropriagao material, a acumulagao por despossessao se refere á apropriagao privada dos chamados “bens comuns sociais” (as empresas e os servigos que foram transformados em públicos-estatais em particular a partir de meados do século XX) e os denominados “bens comuns da natureza” (em referencia ao que a teoria económica chama de recursos naturais”).

Temos em vista que:

De este modo, la acumulación por desposesión implicó un complejo y amplio proceso de cambios regresivos: de reformas legales, de implementación de políticas públicas, de iniciativas de las corporaciones y asociaciones empresariales, de proyectos de organismos internacionales y, en definitiva, del uso de la violencia estatal-legal y paraestatal-ilegal; todos orientados a garantizar la efectiva desposesión de estos bienes a los pueblos y las comunidades que hasta entonces eran sus tenedores y cuidadores para su mercantilización (especialmente por medio de la privatización), que posibilitaba así su apropiación privada y su explotación capitalista. Una explotación intensiva, en la amplia mayoría de los casos de carácter transnacional y orientada a la exportación de las “mercancías” obtenidas para su venta- consumo en el mercado mundial. Este proceso general es el que recibe el nombre de “saqueo”. Su aplicación no sólo conlleva el desplazamiento de las poblaciones originarias y la destrucción de sus condiciones de vida, sino que también resulta en la depredación del ambiente afectando al conjunto de la vida en el territorio y proyectando sus sombras en el plano nacional y en el internacional (SEOANE, 2010: 9).

Segundo Dussel (2016) nas culturas indígenas da América Latina, existe uma afirmagao de uma natureza distinta e equilibrada, ecológica e mais necessária em relagao á forma como a Modernidade capitalista confronta a natureza como explorável, negociável e destrutível. Para ele, a morte da natureza é um suicídio coletivo da humanidade e a cultura eurocentrica, globalizada e hegemonizada, nada aprendeu do respeito á natureza que existe em outras culturas, supostamente mais atrasadas, segundo os paradigmas desenvolvimentistas.

Esse princípio ecológico dusseliano também pode reconhecer o melhor da modernidade (nao negando radicalmente, mas superando-a dialeticamente), buscando integrar seus desenvolvimentos científicos e tecnológicos a outros modos de produzir, se organizar socialmente e criar culturas. Por sua vez, a contribuigao do seu pensamento, surge assim:

La Filosofía de la Liberación dusseliana afirma la necesidad de reconocer al sujeto ético viviente y comunitario, sobre todo cuando éste se presenta como víctima de un sistema perverso que lo niega, que lo excluye, que le impide vivir y que no le permite participar en condiciones de igualdad en la comunidad de comunicación donde se establecen normas que van a afectarle directamente; la Filosofía de la Liberación reconoce, también, la diversidad intersubjetiva de comunidades culturales, especialmente la de las víctimas, que descubren y luchan por sus nuevos derechos, una diversidad que no niega la universalidad de la razón material y discursiva, sino que la concretiza y la enriquece descubriendo los diversos Otros, «que es necesario saber articularlos «transversalmente» en su riqueza alterativamente (lo que hemos denominado hace años el momento analctico é del método dialéctico, que parte de la positividad «dis tinta», la diversidad alterativa, para encontrar la universalidad en la profundidad de cada diversidad, en la que se refleja la particularidad de la alteridad de los otros sujetos históricos) (ALONSO, 2009: 122)

Sem dúvida, temos a constatando que a AL vem enfrentando uma série de conflitos ambientais. Nas últimas décadas, os conflitos entre povos indígenas, governos e empresas com investimentos na regido ganham evidencia. Tais conflitos nos permitem afirmar que os governos latino-americanos, em geral, fracassaram em relando as políticas de protenao dos territórios indígenas, pois:

No centro das contradinoes do sistema mundo moderno-colonial já reiterado na introdunao, em que os protagonistas eram, sobretudo, do “andar de cima”, como os gestores dos organismos multilaterais, as ONGs e as corporanoes do grande capital transnacional, surgiram grupos sociais, etnias e classes que reinventam sua r-esistencia histórica d tomada de seus territórios, de suas terras e demais condinoes naturais de existencia desde a invasao/conquista, como os indígenas, os camponeses e os afro-americanos (em seus cumbes, quilombos e pallenques) e que, sobretudo nos últimos 40 anos, veem-se em grande parte como populanoes pobres das periferias urbanas vivendo em habitanoes subumanas paradoxalmente mais suscetíveis a situando de riscos ambientais do que quando estavam nas áreas rurais, nos campos e florestas. Nao esquenamos que a crise ambiental seja também, na perspectiva dessas populanoes, crise civilizatória reconfigurando o debate epistemico-político (PORTO-GONQALVES, 2012: 17).

Como conseqüencia, as demandas dos povos atingidos sao diversas e indicam a amplitude das lutas: questionamento acerca do valor percentual que as empresas transferem as comunidades e destinanao dos royalties; denúncias a respeito da usurpanao das terras e territórios tradicionalmente ocupados; reivindicanao de melhores condinoes de trabalho; preocupanao com o desmatamento de florestas/vegetanao existente nas áreas; denúncia dos riscos a saúde da populanao; denúncias contra a contaminanao do ar e d'água (JUNIOR, s/d, 2). Porém, existe uma questao central nesse conjunto de relanoes, o que segundo Porto-Gonnalves e Quental (2012: 19):

Trata-se da luta pela reaproprianao social da natureza que a humanidade, na sua diversidade, vem travando. É isso que se coloca enquanto questao territorial. Afinal, uma das condinoes para que haja uma dominanao generalizada de alguns homens sobre a humanidade é a exproprianao das condinoes materiais da existencia entre as quais se inclui a natureza. Assim, privados dessas condinoes pela instauranao do primado da propriedade que priva - propriedade privada - instaura-se a separanao homem-natureza nao só enquanto paradigma. Deste modo, sao profundas as implicanoes que emanam dessas lutas pela reaproprianao social da natureza, boa parte delas desencadeadas por populanoes com fortes vínculos territoriais, como os povos originários, camponeses, quilombolas, os sem-terra (desterritorializados em luta por re-territorializanao enquanto reaproprianao social da natureza).

Fontes (2010) pontua que tais processos sociais evidenciam uma análise num duplo movimento que indica direnoes opostas: a) de um lado o fio de conjunto dos processos, sem cair no equívoco de reproduzir sujeitos ocultos a presidirem os conflitos e lutas sociais; de outro, b) é a necessidade em trazer os sujeitos e o conjunto das atividades que eles realizam para existir (objetiva e subjetivamente), pois a produnao material da vida nos remete a relanoes sociais concretas. Com isso, queremos reiterar que:

Em quase toda a América Latina, esse processo foi acelerado de maneira violentíssima nas últimas décadas e, em muitos países, mesclou-se com a repressao e mesmo com o massacre frente a resistencia indígena. Agudizou-se, portanto, a revolta dessas populanoes, que resistiam nao apenas a essa exproprianao, mas defendiam seus modos de viver ancestrais mantidos a duras penas contra a homogeneizanao característica do predomínio mercantil. Lutam pela conservanao de suas tradinoes, a comenar pela defesa das línguas e culturas nativas que, por seu turno, passaram na atualidade a serem também violentamente expropriadas para os novos empreendimentos de base genética. A exproprianao Trabajo y Sociedad, Núm. 33, 2019114

capitalista nao se limita á terra ou aos meios de produgao - embora seja sobre eles que se exerga prioritariamente -, mas atinge todos os elementos da vida social que bloqueiem a plena disponibilidade da forga de trabalho (para o capital), assim como dos elementos naturais que até entao constituíam parte integrante da vida coletiva; bens nao convertidos em mercadorias sao expropriados, como água ou florestas, implicando, portanto, - e este é o elemento que queremos ressaltar - a expropriagao das populagóes, a serem convertidas em massas “contáveis” de desempregados (ou, em outros termos, em pura disponibilidade para o mercado) (FONTES, 2008: 25-26).

Para Fontes (2008), o processo de “mercantilizagao” é um dos mais violentos da expropriagao social. As águas, o ar, a natureza biológica, sementes, gens humanos, etc. eram elementos naturais ou sociais sobre os quais nao incidia propriedade e que vem sendo devastados da totalidade dos seres humanos e convertidos em “principio material” de uma ética da libertagao e das lutas emancipatórias (COSTA E LOUREIRO, 2015). Ou, como postula Porto Gongalves (2010, p. 291): “Toda a questao passa a ser, portanto, quem determina o quanto, com que intensidade, por quem e para quem os recursos naturais devem ser extraídos e levados de um lugar para outro, assim como o próprio trajeto entre os lugares. Como se ve, é toda a questao política que está implicada no cerne do desafio ambiental, por meio do território”.

O que vem acontece indica a “conversao” da natureza em mercadoria, em um efetivo processo de expropriagao que determina as relagóes de trabalho e o metabolismo sociedade-natureza. Assim, nao apenas se converte coisas em mercadorias, mas se assegura a continuidade e expansao das relagóes sociais capitalistas (FONTES, 2008). Tendo em vista, estes elementos: “A expropriagao permanece, portanto, o fulcro central da exploragao capitalista, á qual corresponde, no extremo oposto da mesma relagao, a concentragao de recursos sociais (meios de produgao e de subsistencia) aptos a se converterem em capital, para ser valorizados, aplicados na própria exploragao de trabalhadores” (FONTES, 2008, p. 28).

No que tange a AL, para Seoane (2010), o marco das resistencias contra a expropriagao e exploragao privadas de seus bens comuns, os movimentos sociais e povos de Nossa América, tem conseguido elaborado um programa alternativo postulando uma série de práticas coletivas e horizontes emancipatórios que enriqueceram os debates e concepgóes sobre a transformagao social que haviam caracterizado épocas passadas. Esta dinámica de conflitos contra a apropriagao privada dos bens comuns e a vida no território, tem expressado uma consciencia das catastróficas consequencias que a forma social capitalista tem sobre a vida no planeta. Daí decorre, portanto, a consolidagao da preocupagao ecológica como parte de um dos núcleos programáticos dos movimentos sociais que, em sua multiplicidade, dao conta das alternativas ante uma crise de civilizagao.

Podemos apontar na esteira da reflexao de Dussel, os povos da América como hodiernamente denominados “sem direitos”, as comunidades indígenas, tradicionais, originárias e quilombolas, dos que mais sofrem na carne os efeitos da colonialidade, fruto do sistema-mundo vigente, clamam e vivem da possibilidade de sua superagao para além das colonialidades. Esse fator constitui projeto de sociedade permeado de novas relagóes sociais e políticas, pois o clamor dos excluidos, dos “outros negados” exige justiga para que possamos ter “possibilidade de ser” noutro padrao de sociabilidade.

Cabe indagar, o que está efetivamente em jogo nesse enfrentamento? E quais as implicagóes políticas fazem parte deste debate? Para Acselrad (2011: 111):

Tudo sugere que se trate do modo como se organizam as condigóes materiais e espaciais de produgao e reprodugao da sociedade - mais específicamente, como distribuem-se no espago distintas formas sociais de apropriagao dos recursos ambientais, e como, nessa distribuigao, a permanencia no tempo de uma atividade, caracterizada por certas práticas espaciais,5 é afetada pela operagao de outras práticas espaciais. ou seja, como para a expansao da monocultura do eucalipto, perdem os quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a expansao da soja transgenica, sao inviabilizadas as atividades dos pequenos agricultores orgánicos; como, por causa da produgao de energia barata para as multinacionais do aluminio, perdem os pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar; como, para a produgao de petroquímicos, perdem os trabalhadores sua saúde pela contaminagao por poluentes orgánicos persistentes.

Dussel (2015) entende que nas mediagóes sociais se realizam as condigóes universais por meio de sistemas concretos, cujo processo ocorre em primeiro lugar através dos sistemas materiais ecológico- economicos. Em relagao á dimensao material de sua reflexao, o filósofo de Mendoza procura novas formulagóes sobre o problema ecológico que se realiza no sociometabolismo do capital e nao somente na tecnología subsumida no processo de trabalho. Para ele, tal como argumentamos ao longo do ensaio, “el desastre ecológico no es fruto sólo de una tecnología anti-ecológica, sino más bien del criterio antiecológico, contra la vida humana, del capital en cuanto tal” (DUSSEL, 2007a: 10-11).

Podemos afirmar que a contribuido dusseliana ao processo de lutas sociais e ambientais se constitui num movimento dialético que parte das “vidas negadas” pelo projeto societário capitalista em sua matriz eurocentrica. Tais lutas sociais objetivam uma luta pela sobrevivencia, assim como do reconhecimento da dignidade humana como “Outro” (DUSSEL, 1993), a qual é negada por este projeto.

A partir do que chamaríamos de uma “pretensao política de justiqa”, levamos em conta que o sistema-mundo moderno-colonial, em sua continua tensao no modo de produdo capitalista latino-americano, abre espaqo para que os movimentos sociais, comunidades tradicionais, povos originários e demais populares impactadas em suas reivindicares, conquistem novos direitos, propondo horizontes políticos que visem superar sua condiqao de exclusao (injustiqa) ambiental. Pois para o filósofo de Mendoza, a questao do projeto de emancipado que á utopia constitui uma tarefa política concreta, onde a práxis libertadora, revolucionária e emancipatória consiste em dar passos concretos e históricos (DUSSEL, 2012).

Dussel colabora de forma decisiva aos “sem direitos” propondo uma crítica radical ao sistema- mundo, que somente é possível com o reconhecimento deste contexto desigual, desumano e alienado nas suas relaqSes com a natureza na AL, uma vez que, quando se nega o mito civilizatório e a inocencia da violencia descobre-se o eurocentrismo e a falácia desenvolvimentista, cujo processo legitima o “encobrimento do outro” e de seus direitos. Assim, configura-se uma luta por reconhecimento dos sem- direitos e sua libertado diante o padrao de sociabilidade vigente na AL (DUSSEL, 2015)

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1 Sociólogo, Pós-Doutor em Direito e Justiga Social/FURG. Docente/Pesquisador do Programa de Pós-Graduagao em Política Social/UCPEL. Líder do Núcleo de Estudos Latino-Americanos (NEL/UCPEL. Pesquisador do Laboratório de Investigagoes em Educagao, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ). Correo: sociologors@gmail.com

2Doutor em Servigo Social/UFRJ. Professor Associado no Programa de Pós-Graduagao em Educagao e Ecologia Social/UFRJ. Coordenador do Laboratório de Investigagoes em Educagao, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ).

Recibido: 28 de Febrero de 2019; Aprobado: 25 de Mayo de 2019

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