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Trabajo y sociedad

On-line version ISSN 1514-6871

Trab. soc. vol.21 no.34 Santiago del Estero June 2020

 

ARTÍCULOS

Desvelando o trabalho e a saúde de trabalhadores (as) de limpeza hospitalar

Unveiling the work and health of workers of hospital cleaning

Develando el trabajo y la salud de los /as trabajadores/as de la limpieza hospitalaria

Cristiane Batista ANDRADE1 

Inés MONTEIRO1 

1Brasil

RESUMO

Dentre as transforma9oes ocorridas nas últimas décadas destacam-se a reestruturaao das atividades produtivas, incorpora9ao de tecnologia, aumento da subcontrataao, desregulamenta9ao de direitos no trabalho e terceirizaao. Este estudo tem por objetivo analisar as trajetórias e atividades de trabalho e suas repercussoes na saúde dos(as) trabalhadores(as) de limpeza hospitalar. Utilizou-se questionário com questoes sobre trajetórias de trabalho, capacidade para o trabalho, análise de acidentes de trabalho com 69 trabalhadores; além de observa9ao dos diferentes locais de trabalho. Houve predominancia de mulheres (89,9%), com relato de trabalho precoce na história de vida e experiencias como trabalhadoras domésticas e no meio rural. Os trabalhadores relataram medo e insegurana advinda com o processo de terceirizaao hospitalar e o reconhecimento da perda da saúde no e pelo trabalho. As doenas com diagnóstico médico relatadas foram lesoes por acidentes, musculoesqueléticas e cardiovasculares; e as doen9as emocionais leves nas autorreferidas. O trabalho de limpeza hospitalar exige capacidade física adequada e, portanto acompanhamento de saúde que compreenda a especificidade desta atividade. A temática do trabalho e sua rela9ao com a saúde se faz importante, já que as mudabas atuais apontam para a precariza9ao e intensificaao do trabalho e trouxeram repercussoes á vida, á saúde e subjetividade da classe trabalhadora.

Palavras chave: trabalho; servio hospitalar de limpeza; genero e saúde

ABSTRACT

Among the transformations that have occurred in recent decades include the restructuring of the productive activities, incorporation of technology, increased outsourcing, deregulation of rights at work and outsourcing. This study aims to analyze the trajectories and work activities and their repercussions on the health of the workers hospital cleaning. It was used a questionnaire with questions about motion paths work, ability to work, analysis of work- related accidents with 69 workers; in addition to observing the different workplaces. There was a predominance of women (89.9%), with report of work early in the history of life and experiences as domestic workers and in the countryside. Workers have reported fear and insecurity from with the outsourcing process and the recognition of the loss of health and work. The diseases with medical diagnosis reported injuries by accidents, musculoskeletal and cardiovascular; and emotional diseases take on self-referred. The hospital cleanup work requires adequate physical capacity and therefore health monitoring to understand the specificity of this activity. The theme of work and its relationship with health becomes important, because the current changes point to the precariousness and intensification of work and brought repercussions to life, to health and subjectivity of the working class.

Keywords: work; housekeeping; gender and health

RESUMEN

Entre las transformaciones que se han producido en las últimas décadas incluyen la reestructuración de las actividades productivas, la incorporación de tecnología, el aumento de la subcontratación, la desregulación de los derechos en el trabajo y la externalización. El objetivo de este estudio fue analizar las trayectorias y las actividades de trabajo y sus efectos sobre la salud de los trabajadores del servicio de limpieza. Se utilizó un cuestionario con preguntas acerca de las trayectorias de trabajo, capacidad de trabajo, el análisis de los accidentes de trabajo con 69 trabajadores; además de la observación de los distintos lugares de trabajo. Hubo un predominio de mujeres (89,9%), con el relatos de trabajo temprano en la historia de la vida y experiencias como trabajadoras domésticas y en el campo. Los trabajadores han informado de miedo e inseguridad por el proceso de terciarización y el reconocimiento de la pérdida de salud en el trabajo. Las enfermedades con diagnóstico médico informaron de lesiones por accidentes, lesiones músculo-esqueléticas y cardiovasculares; y enfermedades emocionales autorreferidas. El trabajo de limpieza del hospital requiere capacidad física propia, por lo tanto, la vigilancia de la salud que entienda la naturaleza específica de esta actividad. El tema del trabajo y su relación con la salud es muy importante, ya que los cambios actuales apuntan a la precariedad y la intensificación del trabajo y trajo consecuencias para la vida, la salud y la subjetividad.

Palabras Clave: trabajo; servicio de limpeza; género; salud

INTRODUQÁO

As mudabas no processo produtivo ocorreram desde o fim do desenvolvimento gerado pelo pós-guerra. Após esse período, em meados da década de 1970, houve uma profunda crise económica mundial, que atingiu o mercado de trabalho e as atividades produtivas. Já havia, nessa época, desempregados ou subempregados com salários insuficientes para sua sobrevivencia. Com isso, destacamos, dentre as mudanqas ocorridas, nas últimas décadas, a reestruturaqao das atividades produtivas, alteraqoes nas formas tecnológica e organizacional de produzir, aumento da subcontrataqao, desregulamentaqao de direitos no trabalho, terceirizaqao, novas tecnologias - como a automaqao e robótica - flexibilizaqao, exigencia de qualificaqao e transformares na gestao empresarial (Harvey, 2005).

O modelo de acumulaqao capitalista nao apenas alterou a “forma de ser da classe trabalhadora”, como também contribuiu para “[...] processo de superexploraqao da forqa de trabalho, caracterizado por baixos salários, ritmos de produqao intensificados, jornadas de trabalho prolongadas, combinando uma extraqao tanto da mais valia absoluta quanto da mais valia relativa”. Dentro deste contexto, o processo de reestruturaqao produtiva trouxe a flexibilizaqao e a precarizaqao do trabalho e a informalidade (diminuiqao da proteqao social dos direitos trabalhistas). Soma-se a isso a terceirizaqao dos serviqos, os adoecimentos e os acidentes de trabalho em decorrencia da pouca atenqao ás condiqoes de trabalho (Antunes, 2014: 40).

O questionamento e as reflexoes sobre o trabalho no serviqo de higiene e limpeza surgiram durante a pesquisa que deu origem a dissertaqao de mestrado (Andrade & Monteiro, 2007). As condiqoes de trabalho e a capacidade para o trabalho foram centrais para entender o processo de adoecimento de trabalhadores (as) permanentes - concursados - que realizavam a limpeza de um hospital universitário. Consideramos que durante a pesquisa deu-se inicio o processo de terceirizaqao do serviqo de higiene e limpeza e, nao raras foram as vezes em que os trabalhadores verbalizaram o medo e a inseguranqa diante deste contexto, mesmo sendo concursados públicos. Sendo assim, há questoes a serem postas no que diz respeito á configuraqao do trabalho no setor de higiene e limpeza hospitalar: quais as trajetórias de trabalho antes da entrada no hospital? Quais sao as atividades, condiqoes de trabalho e os problemas de saúde apresentados por esses (as) trabalhadores (as)?

Diante desses aspectos, o objetivo desse artigo é analisar e discutir o trabalho (histórias e trajetórias de trabalho, e as atividades que desenvolvem) e as repercussoes na saúde dos (as) trabalhadores (as) de limpeza hospitalar. Sao discutidas as doenqas com diagnóstico médico e as auto referidas, e os acidentes de trabalho. Buscamos o diálogo com as produqoes da psicodinamica do trabalho sobre a interface entre saúde, trabalho e subjetividade. Uma das características da área da saúde é a presenqa majoritária de mulheres e também do trabalho de cuidado. Portanto, o diálogo com os estudos de trabalho, genero e cuidado se faz necessário.

1.1. Trabalho, genero e o cuidado na área de saúde.

Na área de saúde, de modo semelhante ás outras áreas, há uma tendencia em terceirizar serviqos, como o da higiene e limpeza, portaria, lavandería e seguranqa. Diante das transformares no mundo do trabalho, durante alguns anos, a área da saúde esteve distante das mudanqas ocorridas com a flexibilizaqao e acumulaqao flexível. Essas apareceram após as transformares no setor bancário e industrial, e foi apenas no inicio da década de 1990 que instituios de saúde, principalmente públicas, iriam empregar as diretrizes da nova organizaqao do trabalho. Com isso, iniciam-se a terceirizaqao de alguns setores de atividades, maior exigencia de qualificaqao de alguns profissionais e medidas voltadas á reduqao de custos. A predominancia do processo de terceiriza9ao em instituyes públicas de saúde, nos servaos de limpeza (parcial), vigilancia e transporte, nos diferentes locais, foi constatada em um estudo sobre reestrutura9ao produtiva na área da saúde (Cocco, 1997).

O processo de democratiza9ao e o desenvolvimento do SUS (Sistema Único de Saúde) advindos com a Constituyo de 1988, no século passado, nao apenas contribuiu com o avan9o do sistema de saúde com garantias á universaliza9ao, mas também impos a normaliza9ao dos contratos de trabalho na área pública (Martins y Molinaro, 2013). Para estes autores, o Regime Jurídico Único (RJU) trouxe a garantia de concursos públicos para a entrada na carreira. No entanto, afirmam que a flexibiliza9ao dos direitos trabalhistas é tida como alternativa para a minimiza9ao de custos do Estado, tendo no processo terceiriza9ao o aumento do mercado informal e com consequencias aos trabalhadores.

Além da flexibiliza9ao dos direitos do trabalho encontrada na área de saúde, há de considerar que a precariza9ao das condyes de trabalho tem sido frequente nas instituyes de saúde, expressa pela falta de contrata9ao de recursos humanos, bem como a intensifica9ao do trabalho daqueles que nele permanecem (Mauro, Paz, Mauro, Pinheiro & Silva, 2010). Portanto, as mudabas no trabalho afetam sobremaneira a saúde, pois demissoes, contratos temporários, saúde precária e inexistencia de férias e de folgas, além de interferirem na saúde, podem causar medo e inseguran9a nos trabalhadores (Dejours, 2005).

Sendo a presta9ao de servaos uma das áreas que mais se expandem no cenário da reestrutura9ao das produ9oes, somamos a isso a constata9ao de “que algumas questoes continuam desafiando a todos, tais como o sofrimento, as doen9as, os acidentes. Estas questoes, além de terem consequencias para as próprias pessoas, acarretam prejuízos para as instituyes e para a sociedade” (Sznelwar, Lancman, Wu, Alvarinho & Santos, 2004, p. 46).

A predominancia de mulheres no trabalho de limpeza hospitalar é comumente encontrada no Brasil (Andrade y Monteiro, 2007; Chillida y Cocco, 2004; Gemma, Fuentes-Rojas, y Soares, 2017; Petean et al., 2014; Sznelwar et al., 2004). Sendo assim, os estudos da área de trabalho e genero trazem as suas contribues ao sinalizarem a divisao sexual do trabalho construida social e históricamente na sociedade capitalista, na qual a hierarquiza9ao do trabalho está posta. De modo geral, homens estao em postos de trabalho de maior valora9ao social e, portanto mais remunerados se comparados com os lugares destinados ás mulheres.

Deste modo, os constructos sociais permitem a separa9ao entre os trabalhos de mulheres e de homens. Somamos a isso, o fato do trabalho doméstico ser desempenhado gratuitamente pelas mulheres, com representa9oes de amor e de dever (Hirata y Kergoat, 2007). Em certa medida, o trabalho feminino é acompanhado pela precariza9ao do trabalho e também do ingresso e da permanencia de mulheres em postos de trabalho vulneráveis (Hirata, 2011).

Neste sentido, o trabalho de cuidado é visto como aquele que atende as necessidades da familia e de outras pessoas, doentes ou nao. Inclui a manuten9ao da casa, cuidados pessoais (banho, alimenta9ao, bem estar etc), responsabilidade, solicitude, envolvimento afetivo (Boris, 2014; Soares, 2012). O care como trabalho relacional é trazido por Kergoat (2016). Além da dimensao relacional, ele perpassa as rela9oes entre o emocional, sexual e cognitivo (Soares, 2012).

Pascale Molinier, em entrevista para Wlosko e Ros (2015), parte do pressuposto da divisao sexual do trabalho para afirmar que as atividades laborais sao sexuadas á medida da separa9ao entre os trabalhos de homens e mulheres. O processo de elabora9ao da identidade profissional e das constru9oes das subjetividades estao associadas ao genero. Como exemplo, cita as atividades de cuidado (saúde, educa9ao, doméstico) em que as mulheres constroem o trabalho com a interlocu9ao na compaixao e na solicitude com as pessoas a serem cuidadas.

Para a autora, o trabalho de care é impossível de ser medido e invisível, salvo quando ele nao é realizado.

Assim como a divisao sexual do trabalho é construida por meio das relaqoes sociais de sexo, as representares do trabalho de cuidado remetem ao baixo status e á desvalorizaqao do trabalho de mulher, pois envolve “sujeira, corpos e intimidade” (Boris, 2014: 104). Neste sentido, os trabalhadores da limpeza hospitalar lidam "[...] com o sofrimento, a doenqa e a morte. O trabalho apresenta diferentes tipos de constrangimento: esforqo físico e exigencia de posturas inadequadas, equipamentos por vezes insuficientes ou mal conservados, arquitetura hospitalar que exige grandes deslocamentos, escassez de pessoal, riscos de acidentes e de contágio, trabalho em turnos e noturno, ritmo de trabalhos excessivos" (Sznelwar et al., 2004: 46).

O trabalho de cuidado é comumente encontrado na área hospitalar, mesmo entre os profissionais nao diretamente ligados ás práticas de care e, portanto a interaqao entre eles e as pessoas doentes acontecem para que proporcionem conforto físico e psíquico (Sznelwar et al., 2004). Outra perspectiva é que em trabalhos precários nos quais há inserqao predominante da mulher, pode ocorrer problemas de saúde relacionados ao trabalho, como as lesoes osteomusculares, devido ao desgaste muscular e a intensificaqao do trabalho - aumento de horas de trabalho e do ritmo, além de alguns fatores individuais (idade e condiqoes de saúde), bem como a permanencia da invisibilidade dos riscos e dos adoecimentos das trabalhadoras (Brito, 2000).

Metodología

Esse estudo foi desenvolvido com os trabalhadores do Serviqo de Higiene e Limpeza de um hospital universitário, na cidade de Campinas-SP, Brasil, com a participaqao efetiva de 69 trabalhadores de um total de 80 ativos. As perdas (13%) foram devidas á: atraso de preenchimento, dois questionários incompletos, quatro recusas formais, uma ausencia por férias e tres afastamentos por doenqa.

O período de coleta de dados ocorreu de julho a setembro de 2001, durante o qual o Serviqo de Higiene e Limpeza sofreu reformulaqao em seu quadro de trabalhadores, devido ao processo de terceirizaqao em dois serviqos de suporte na universidade: limpeza e vigilancia.

Embora a coleta dos dados tenha acontecido em meados de 2001, a publicizaqao dos achados no atual cenário se justifica pela relevancia da temática que expoe as condiqoes de trabalho de uma atividade que está permeada por riscos ocupacionais, situaqoes de vulnerabilidade (doenqas profissionais e acidentes de trabalho), baixo status e salários. A reestruturaqao produtiva do capital (Harvey, 2005; Antunes, 2014) influenciou a vida e o trabalho dos sujeitos desta pesquisa, tendo em vista os medos e receios da inserqao do processo de terceirizaqao do setor de higiene e limpeza do hospital estudado, no início dos anos 2000.

Portanto, até o final do mes de setembro de 2001, o serviqo contava com 80 trabalhadores (as) e o restante foi remanejado para outros setores, aposentou-se ou estava afastado por doenqas. O hospital onde foi realizado o estudo é considerado de nível terciário, possui seis andares, tres portarías e contava na época da pesquisa com 350 leitos.

Para a coleta de dados, optamos por utilizar o instrumento para a avaliaqao de capacidade para o trabalho e dados de saúde, denominado Índice de Capacidade para o Trabalho - ICT. Esse instrumento é de origem finlandesa, traduzido para a versao em portugués no Brasil. Ele é autoaplicável com sete questoes referentes á capacidade para o trabalho, lesoes por acidentes ou doen9as (na opiniao do trabalhador e/ou com diagnóstico médico); impedimentos para o trabalho; afastamento do trabalho por problema de saúde nos últimos doze meses, perspectiva de ser capaz de realizar as tarefas no futuro; e referentes aos aspectos mentais - esperaba para o futuro, capacidade de realizar e apreciar as atividades diárias, e sentimento de estar ativo e alerta (Tuomi, Ilmarinen, Jahkola, Karajarinne, & Tulkki, 1997). O tratamento dos achados foi por meio de análise estatística. Em casos de associa9ao ou compara9ao de propones foi utilizado o teste de qui-quadrado e o nivel de significancia de 5%.

Concomitante á utiliza9ao do ICT foi solicitado aos trabalhadores que fornecessem, por meio de um questionário, os dados pessoais como sexo, idade, estado conjugal, escolaridade, tempo de trabalho no hospital, exercício ou nao de chefia/supervisao, as atividades de trabalho que desempenharam, os empregos anteriores, exercício de outra atividade remunerada, realiza9ao ou nao de tarefas domésticas, tempo gasto para ir e voltar ao trabalho. Este questionário possibilitou o levantamento das trajetórias de trabalho (empregos anteriores, ramo de atividade e fun9ao) e também das atividades que realizam no cotidiano de trabalho.

Realizamos também a coleta de dados sobre os acidentes de trabalho e de afastamentos entre os trabalhadores da limpeza hospitalar. Destacamos que os dados sobre os acidentes de trabalho sao do ano de 2000. Os dados sobre afastamentos sao referentes ao período de julho de 2000 a junho de 2001.

As conversas informais e as observa9oes do local de trabalho foram realizadas em horário de trabalho, sendo feita a apresenta9ao da pesquisadora e do projeto, a elucida9ao dos objetivos e da escolha pela popula9ao estudada. Os dados das observa9oes e das conversas foram registrados em diário de campo (Minayo, 1992). Neste sentido, buscando apreender as atividades de trabalho enquanto portadoras de sofrimento e das estratégias coletivas para minimizar as condi9oes de trabalho precárias e a busca pelos prazeres (Dejours, 1992).

Em rela9ao aos aspectos éticos o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa da universidade. Para a realiza9ao do termo de consentimento foi utilizado os Requisitos mínimos de protocolo de pesquisa, fundamentado na Resolu9ao no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os nomes sao fictícios para a garantia da preserva9ao da identidade.

Resultados e Discussao.

Dos 69 trabalhadores pesquisados, 62 eram do sexo feminino (89,9%) e sete (10,1%) do masculino. Essa distribuyo era esperada devido á predominancia de mulheres em servaos de higiene e limpeza. Com rela9ao ao nível de escolaridade 2,9% eram analfabetos; 23,5% tinham menos que quatro anos de escolaridade; 45,6% entre quatro e sete anos de escolaridade; 22,1% ensino fundamental completo e 5,9% ensino médio completo. A maioria, ou seja, 95,7%, nao realizava outra atividade remunerada e somente trés desenvolviam atividades como diaristas e faxineiras, semelhantes ao tipo de trabalho que exerciam no hospital. A média de idade foi de 49,4 anos. O tempo de trabalho no hospital foi, em média, de 14,7 anos. Havia diferentes horários de trabalho e, dependendo do setor, alguns realizavam oito horas diárias, ou seja, 40 horas semanais, e outros, seis horas diárias, com esquema de folga, sendo distribuídos no período matutino, vespertino e noturno. Os horários de pausa no trabalho dependiam do número de horas realizadas. Aqueles que trabalham 12/60 horas realizavam pausa de uma hora, sendo utilizada para descanso ou almo9o. Os trabalhadores que desempenhavam seis horas diárias faziam pausa de 15 minutos.

3.1 O trabalho: suas historias e os fazeres na limpeza hospitalar.

As trajetórias de trabalho mostram que em empregos anteriores, a maioria esteve em atividades com baixa remunerado e exigencia de pouca escolaridade. Este achado é comum entre os homens e as mulheres pesquisadas.

Joao e Antonio trabalharam como pedreiros na construqao civil antes de entrarem no hospital. José foi faxineiro. Pedro foi jardineiro em um parque ecológico no municipio onde foi realizada a pesquisa. Paolo atuou como auxiliar de serviqos de obra, ajudante de produqao e trabalhador rural (manipulaqao de produtos orgánicos, plantaqao e colheita de algodao). Joaquim exerceu a atividade de ajudante geral em uma transportadora por dois anos e meio. Durante 26 anos trabalhou na lavoura em plantajes e colheita. Adilson foi auxiliar em clínica veterinária e atuou na limpeza e conservaqao em empresa privada.

As mulheres tiveram as suas trajetórias inseridas em diversas áreas. De maneira geral, em postos de trabalho nos quais as exigencias sao de baixa escolaridade, como dito anteriormente, e nos chamados empregos “femininos”. O trabalho doméstico foi citado por 36 trabalhadoras; atuaqao em serviqo de limpeza em empresa privada por 25; fábricas (área de produqao) por 19, dentre outros. O trabalho rural foi o percurso de 11 mulheres. Ressaltamos que muitas trabalhadoras nao preencheram no questionário o item sobre os empregos anteriores, o que significa que esses números podem ser maiores que o encontrado.

O trabalho doméstico foi apontado por grande parte das trabalhadoras que antes de entrarem no hospital desenvolviam o cuidado em casas de familia. O trabalho doméstico é predominantemente feminino, como pontua Ávila (2016). Com base nos dados do Dieese, no ano de 2011, havia 6,6 milhoes de trabalhadores domésticas, deste total 92,6% eram mulheres, com o aumento do número de negras. A noqao de servidao é tomada pela autora para entender que o processo de escravidao e as condiqoes históricas em que as mulheres, sobretudo as negras estiveram e ainda permanecem no mercado de trabalho. Neste contexto, as discriminares e a desvalorizaqao estao circunscritas: “[...] essa relaqao de trabalho foi tecida pelos fios da dominaqao e da exploraqao patriarcal e racista que estao incontornavelmente atados á formaqao do sistema capitalista no país” (Ávila, 2016: 138).

Entretanto, as conquistas deste grupo profissional estao expressas na PEC (Proposta de Emenda á Constituiqao) das domésticas, em 2013. Há a garantia dos direitos no trabalho, como a carteira de trabalho assinada, por exemplo (Bernardino-Costa, 2015). No entanto, no Brasil, ainda há mulheres que estao em condiqoes precárias no trabalho doméstico, sem vínculos trabalhistas. Sao mulheres que buscam a garantia de seus direitos (creches, escolas, exercicio da maternidade ou nao), além de situaqoes de trabalho que proporcionem o direito á saúde (Andrade, 2016).

Chamamos á atenqao para o trabalho precoce exercido pelas trabalhadoras pesquisadas. Eloísa desde os sete anos trabalhou como doméstica. Ágata desde os nove anos na lavoura; Meire dos sete anos aos doze, na lavoura e dos doze aos dezoito, trabalhou como babá. Maria com doze anos iniciou o trabalho como doméstica em casa de família. Frida e Judith ressaltam:

“de oito anos de idade até os 17 anos fui lavradora e nunca com carteira assinada.

Dos primeiros anos até os 32 anos fui dona de casa e trabalhei de doméstica. E dos

32 anos até hoje sou funcionária do serviqo de higiene e limpeza [...]”. Frida “Meu primeiro emprego comecei trabalhando na roqa aos dez anos, e depois mais dez anos em casa de família, sem ser registrada”. Judith

O trabalho infantil traz influencias na saúde e no desenvolvimento infantil, mas também na violado dos direitos humanos, sendo comumente encontrado em países em desenvolvimento. Miquilin et al (2015: 1867) ao se basearam nas análises dos dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios) de 2008, mostram que crianqas e adolescentes que estavam trabalhando ou que procuravam emprego tiveram menor frequencia escolar, pior situaqao de saúde e condiqoes sociais e económicas, comparadas com as que nao trabalhavam.

Outra questao a ser pontuada é sobre a ausencia de vínculos trabalhistas em empregos anteriores, como relatada por Frida e Judith. De acordo com os dados da Organizaqao Internacional do Trabalho (OIT), em 1990, 73% da forqa de trabalho feminina nao possuía nenhuma proteqao social trabalhista (Abramo, 2007). A autora por meio da divisao sexual do trabalho mostra que ás mulheres cabem á funqao de cuidar da vida na esfera da reproduqao e, portanto com menor valor económico e social.

O trabalho de cuidado é difícil, pois há demanda de uma carga física com fadiga, nem sempre estimada. As cuidadoras lidam com excrementos humanos e as condiqoes de trabalho sao por vezes caracterizadas pela falta de tempo, poucas profissionais para um contingente de pessoas a serem cuidadas (Wlosko y Ros, 2015). Estas dimensoes sao postas por Mariana, Jussara e Fátima ao dizerem sobre o trabalho que desempenham no cotidiano, inclusive ao vivenciarem a morte de pessoas internadas no hospital:

“cuido da limpeza, mantenho o ambiente limpo dando toda atenqao ao meu trabalho com muita higiene”. Mariana “Eu fiz muitas coisas. Terminal dos quartos, limpei sangue de Aedis, limpei muito coco, trabalhei na psiquiatria, trabalhei bastante, limpo chao e paredes”. Jussara “As vezes fazemos limpeza terminal, que ocorre quando o paciente vai alta ou acontece alguma mudanqa de leito, e também quando ocorre óbitos”. Fátima

Dos sete homens pesquisados, apenas José realizava o trabalho de limpeza na época da coleta de dados. A maioria estava concentrada no trabalho de organizaqao dos vestiários do hospital, como guardar sacolas, entregar chaves de armários aos funcionários, recolhimento de objetos perdidos, vigilancia de armários para nao serem roubados etc. Este achado é explicado pelo fato dos homens, na sua maioria (cinco), possuírem laudo médico restritivo para o trabalho de limpeza.

Há diversos tipos de limpeza no ambiente hospitalar - a concorrente, que é realizada diariamente, com reposiqao de materiais; terminal, que envolve a limpeza de chao, paredes, janelas, portas etc; a limpeza de centros cirúrgicos com a descontaminaqao de secreqoes humanas, além da limpeza de corredores e outros locais do hospital (Sznelwar et al., 2004). Todas elas foram relatadas pelas trabalhadoras:

“Passo pano no chao, limpeza de paredes, tiro lixo, descontaminaqao de salas de cirurgia”. Gizele “Faqo limpeza geral, limpeza terminal concorrente, limpo vidros, recolhemos os lixos dos postos e quartos, lavamos a saboneteira, trocamos caixa de cortantes, lavamos [ilegível] de álcool e colocamos o álcool, colocamos papel toalhas nos postos e muitas outras coisas que no momento nao recordo”. Lourdes

Durante um dos períodos de observaqao do local de estudo, em uma enfermaria verificamos que uma trabalhadora mais jovem ofereceu o seu trabalho a uma outra trabalhadora de mais idade, que tinha problemas musculoesqueléticos, e o serviqo que estava realizando requería esforqo físico e muscular, além de mobilidade. A ajuda entre elas também é referida por Inés:

“Limpeza de salas, vestiários, sala de recepqao, faqo terminais a cada quinze dias: terminais contaminados de salas, terminais de rotina, [...], terminais de salas de equipamentos cirúrgicos, paro nos corredores todos os dias, postinhos e expurgos, e outros que aparece, por exemplo, sair do meu setor para ajudar outra pessoa.” Inés

A cooperaqao entre os trabalhadores é construida na vivencia da classe trabalhadora na relaqao com as atividades prescritas ou nao, pois é por meio dela que os trabalhadores se unem no intuito de preservar a saúde, seja na dimensao física, como no caso exposto, seja na dimensao psicológica e social da saúde. A colaboraqao com o outro é vista como uma maneira de amenizar a relaqao de sofrimento com o trabalho e as precárias condiqoes de trabalho. A cooperaqao é desenvolvida por meio da necessidade do coletivo de trabalho permeado pela confianqa: “a confianqa está assentada na visibilidade dos ajustes singulares para fazer frente ás insuficiencias e ás contradices da organizaqao prescrita do trabalho”(Dejours, 2004: 132).

Neste sentido, a psicodinamica do trabalho referencia a importancia das análises da autonomia e também da inteligencia e, portanto da subjetividade (Molinier, 2008) daqueles que diante das condiqoes de trabalho encontram maneiras de minimizar os efeitos das precárias condiqoes de trabalho. Ajudar a outra colega na atividade de limpeza é uma das maneiras que encontraram para preservar a saúde daquelas em que os corpos já nao respondem á prescriqao do trabalho - limpar, esfregar, subir em escadas, carregar pesos de mobiliários etc.

Os ambientes de trabalho nos quais realizavam as atividades eram as enfermarias, centro cirúrgico, vestiários e dormitórios que nao tinham ventilaqao adequada, e a iluminaqao era artificial. As salas de encontro dos trabalhadores, utilizadas para refeiqao e horário de café, eram pequenas e nao tinham janelas ou pias. Em pesquisa com trabalhadores de limpeza de uma universidade pública encontrou o ressentimento entre as trabalhadoras, pois se sentiam desvalorizadas quer sejam pelas condiqoes de trabalho precárias (ausencia de refeitórios, local para descanso), quer seja pelos baixos salários (Gemma et al., 2017). As condiqoes de trabalho desfavoráveis no trabalho de limpeza hospitalar também foram encontradas na pesquisa de Petean et al (2014).

3.2 Saúde e trabalho: “a minha saúde eu perdi aqui”.

Se as histórias de trabalho perpassam os trabalhos precários, a ausencia de vínculos trabalhistas, os baixos salários, status e escolaridade é preciso pensar nas condiqoes de saúde, pois no hospital tinham como característica de trabalho a predominancia de demanda física e desenvolviam atividades durante muito tempo na mesma funqao, o que pode ter influenciado na saúde, pois realizavam tarefas repetitivas, movimentos bruscos e com forqa, agachamento para torcer e dobrar e posturas inadequadas. Além da questao ergonomica, há de considerar o risco á saúde no ambiente hospitalar relacionado á contaminaqao biológica (hepatites A, B e C, tuberculose) e uso de produtos químicos para a limpeza e higiene.

Com relaqao aos riscos ocupacionais foi relatado pela supervisao que os trabalhadores utilizavam máscaras para diluiqao de produtos químicos; e usavam botas, aventais, equipamentos de proteqao individual para as medidas de precauqao universal para a realizaqao do trabalho. O setor de higiene e limpeza do hospital desenvolvia um programa de educaqao continuada, realizado pelas enfermeiras e supervisoras, e também pelo Serviqo de Seguranqa do Trabalho, no qual eram discutidos assuntos como o uso de Equipamentos de Proteqao Individual - EPIs). Os produtos que os trabalhadores manipulavam eram hipoclorito de sódio puro; soluqao de hipoclorito de sódio, glutaraldeído, álcool a 70% e glicerinado e soluqao de fenol sintético.

A capacidade para o trabalho foi pontuada da seguinte forma: 31,9% (n=22) tiveram a capacidade na categoria moderada, 31,9% (n=22) na boa, 21,7% (n=15) ótima e 14,5% (n=10) na baixa. Quanto ao genero e a capacidade para o trabalho, ressaltamos que em decorrencia do pouco número de homens (n=7) nao foi possível dizer que houve diferenqa significativa de acordo com os testes estatísticos. No entanto, verificamos que as mulheres tiveram, em média, a capacidade considerada boa, enquanto os homens, moderada. Como dissemos anteriormente, cinco homens possuem laudo médico restritivo para o trabalho de limpeza, o que explica este achado.

Diante desse contexto, os resultados apontam que a saúde estava prejudicada, pois 47,8% dos trabalhadores apresentaram lesao por acidentes, 40,6% doenqa cardiovascular, 34,8% doenqas musculoesqueléticas e 21,7% digestivas, com diagnóstico médico.

Em pesquisa com trabalhadores de limpeza hospitalar foi verificado que “[...] havia muito esforqo físico a ser realizado, em parte relacionado com problemas de arquitetura do hospital, os tipos de mobiliário existentes (deslocamentos de camas, armários, entre outros), com a inadequaqao das ferramentas e o descontrole com relaqao ao ritmo e ás demandas de produqao” (Sznelwar et al., 2004: 50).

Outro dado significativo na pesquisa foi relativo ás doenqas autorreferidas pelos trabalhadores, pois 23,2% relataram ter doenqas musculoesqueléticas; seguidas pelas doenqas cardiovasculares (15,9%), as respiratórias (15,9%) e distúrbios emocionais também com 15,9% dos trabalhadores. As doenqas osteomusculares também foram referidas na pesquisa de Sznelwar et al (2004) em decorrencia dos esforqos físicos repetitivos, da movimentaqao de imobiliários e equipamentos, e ausencia de aparelhos de limpeza. Em outra pesquisa com trabalhadores de limpeza em uma universidade pública, Gemma, Fuentes-Rojas e Soares (2017) encontraram o estresse como uma das doenqas desta categoria profissional. As doenqas respiratórias sao corroboradas pelo estudo de trabalhadores da limpeza terceirizados de um hospital universitário, pois apresentaram bronquite, rinite e sinusite, que podem estar relacionadas ao uso de produtos químicos no trabalho de higiene em hospitais (Chillida y Cocco, 2004).

Sobre os acidentes de trabalho ocorridos com as trabalhadoras, quatro foram acidentes com materiais perfurocortantes, como agulhas e bisturis, sendo que dois deles ocorreram porque as trabalhadoras ao torcerem os panos de chao havia material perfurocortante (agulhas e bisturis), lesionando os membros superiores. Houve uma contusao em membro superior, devido á manipulaqao inadequada de um suporte de saboneteira. Outra trabalhadora foi acometida por uma lesao em membro superior, pois a alavanca de seguranqa da janela da enfermaría soltou-se quando realizava a limpeza. Houve ainda um acidente com ingestao de produto químico (solvente oxigenado tensoativo nao iónico), pois esse estava em garrafa nao identificada com o produto, e a trabalhadora o ingeriu por engano. Durante o período de julho de 2000 a junho de 2001, foram notificadas 195 licenqas médicas e nove acidentes de trabalho, além de 35 demissoes e tres aposentadorias, sendo duas por invalidez. O estudo de Sznelwar et al (2004) corrobora o alto índice de absenteísmo, adoecimentos e de acidentes de trabalho entre os trabalhadores da limpeza aqui encontrados.

No hospital estudado, a marca da reestruturaqao produtiva estava expressa pelo processo de terceirizaqao, que tinha por finalidade amenizar a crise financeira da saúde, já que esse processo preve a diminuiqao de emprego estável, dando lugar aos contratos de trabalho temporários e flexíveis. Ressaltamos que grande parte dos trabalhadores estava preocupada com o processo de terceirizaqao, já que o percebiam pelo remanejamento para outros locais de trabalho. O medo estava expresso nao pelo fato de perder o emprego - eram trabalhadores permanentes, concursados - mas, pela inseguranqa do processo de terceirizaqao: novos locais de trabalho e incerteza quanto ás novas funqoes. A instabilidade que essa substituiqao trazia foi a expressao relatada, principalmente pelas supervisoras. Duas trabalhadoras do período noturno disseram que o sindicato nao estava apoiando os trabalhadores do serviqo de higiene e limpeza, diante das mudanqas que o processo de terceirizaqao trazia.

Com relaqao á saúde, uma relatou “a minha saúde eu perdi aqui” (auxiliar de limpeza hospitalar). Ao perguntar á supervisora sobre qual período de maior intensificaqao do trabalho “nao é fácil trabalhar aqui, em qualquer plantao” (supervisora). Algumas trabalhadoras disseram que a pesquisa era importante, já que assim, lembravam-se da necessidade de ter que ir ao médico, mas também para mostrar á direqao do serviqo no qual trabalhavam e as doenqas que elas possuíam. Após o preenchimento do questionário sobre saúde, uma trabalhadora do período noturno referiu, conversando sobre o seu trabalho: “o que eu vou levar daqui? Isso daqui: varizes...” (auxiliar de limpeza hospitalar).

O reconhecimento de que a saúde estava relacionada ás condiqoes de trabalho permite refletir que essas trabalhadoras se veem como integrantes do contexto de trabalho. Percebemos que as representares que elas tem de saúde estao relacionadas ao trabalho, num sentido de dor e sofrimento. A expressao da inseguranqa e do medo de perder o posto de trabalho foi verificada pela fala de alguns trabalhadores e de algumas supervisoras dessa área diante do processo de terceirizaqao do setor de limpeza do hospital. No entanto, ao mesmo tempo em que o trabalho é portador de sofrimento, ele é fonte de prazer e sentido no trabalho, pois algumas trabalhadoras relataram que apesar do remanejamento, gostariam de continuar no serviqo de higiene e limpeza. É aqui que percebemos a centralidade do trabalho. Nestas condiqoes, as trabalhadoras constroem e reconstroem os seus trabalhos, ou seja, criam e recriam o trabalho prescrito, burlando leis e normas ou inventando novas maneiras de realizar a atividade. Portanto, o olhar sobre o trabalho humano requer analisá-lo na dimensao da contradiqao, ora prazer, ora sofrimento (Dejours, 1992). Em pesquisa com trabalhadores do serviqo de abastecimento de hortigranjeiros e de flores, verificou-se que embora o trabalho fosse pesado e estressante, havia satisfaqao pelas atividades desenvolvidas (Ferreira, Iguti y Monteiro, 2014).

Sobre a intensificaqao do trabalho é preciso dizer sobre o processo de trabalho para além da esfera produtiva. O trabalho doméstico realizado sobremaneira pelas mulheres (nesta pesquisa, 85,5% das trabalhadoras da limpeza disseram realizar tarefas domésticas) é passível de compreensao da sobrecarga de trabalho delas: “Aponta também a problemática do tempo extenso de trabalho e seus efeitos no quadro de saúde das mulheres pobres de países como o Brasil. Quando se trata de mulheres, o tempo de trabalho parece ser elemento importante para tornar visível a dinámica saúde-trabalho em transformaqao” (Brito, 2000: 203).

Assim, a realizado desta pesquisa possibilitou averiguar que esses trabalhadores embora concursados e permanentes, estavam “preocupados” com a reestruturaqao produtiva, pois se viam inseguros com o processo de terceirizaqao. Da mesma maneira, nas conversas informais, pode-se verificar que essas mudanqas trouxeram influencias na subjetividade desses trabalhadores. Os resultados instigam pensar na centralidade do trabalho, quer seja para a elaboraqao de programas que visem melhores condiqoes de trabalho, quer seja na construqao de políticas que visem o desenvolvimento discussoes sobre a saúde no trabalho.

Considerares fináis

Os dados obtidos sobre a saúde permitiram inferir que há componentes que podem interferir no processo de saúde. Ou seja, o fato de apresentarem doenqas osteoarticulares, respiratorias, emocionais leves e outras, nos faz refletir sobre as condiqoes de trabalho: esforqo físico intenso durante longos períodos, manipulaqao de produtos químicos utilizados na limpeza e riscos de contaminaqao biológica na área hospitalar. Se considerarmos que o trabalho de cuidar na limpeza hospitalar é predominantemente feminino, isso traz aspectos a serem considerados, como uma atividade de cuidado que nao se esgota no hospital. Elas também realizam tarefas domésticas em casa, sem remuneraqao e, muitas iniciaram precocemente as atividades em postos de baixos salários, escolaridade e status.

Portanto, é um trabalho que exige além da capacidade física adequada, acompanhamento de saúde que compreenda a especificidade desse trabalho. Deve ser ressaltado que esses trabalhadores estavam, em média, há 15 anos trabalhando na mesma funqao, pois eram funcionários públicos concursados. Assim, a rotatividade na funqao era baixa e somente no período da pesquisa é que alguns foram remanejados para outros locais, devido ao processo de terceirizaqao. Alguns trabalhadores já possuíam laudo médico com restriqoes para a atividade de auxiliares de limpeza hospitalar, como o caso da maioria dos homens.

Nesse sentido, a temática do trabalho e sua relaqao com a saúde se faz importante, já que as mudanqas no mundo do trabalho apontam para uma precarizaqao e intensificaqao do trabalho. As mudanqas ocorridas pela crise do capital, com alterares nas cadeias produtivas, sem dúvidas, trouxeram repercussoes á vida, á saúde e subjetividade da classe trabalhadora.

Se por um lado temos essas transformares, pensar na saúde dos (as) trabalhadores (as) requer o olhar ao cerne da questao, ou seja, o trabalho. O desafio posto diz respeito ao trabalho interdisciplinar na área da saúde para que a visibilidade desse processo se de entre os profissionais.

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Recibido: 12 de Abril de 2019; Revisado: 23 de Agosto de 2019; Aprobado: 29 de Septiembre de 2019

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