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Trabajo y sociedad

versión On-line ISSN 1514-6871

Trab. soc. vol.22 no.37 Santiago del Estero jun. 2021  Epub 01-Jul-2021

 

INDAGACIONES ANALÍTICAS Y ENCUADRES TEÓRICOS

A autogestão pela perspectiva marxista. Desafios e possibilidades da resistência do trabalho associado na vigência do capital

Autogestión desde la perspectiva marxista. Retos y posibilidades de la resistencia del trabajo asociado bajo el capital

Self‐management from the marxist perspective. Challenges and possibilities of the resistance of associated labor in capital validity

Tiago de Garcia Nunes1 

1 Trabalhador na Cooperativa Terra Livre - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST/Brasil. Educador na Casa da Árvore, espaço autogestionado localizado na cidade de Pelotas/RS/Brasil. Docente no Programa de Pós-graduação em Política Social e Direitos Humanos e integrante do Núcleo de Economia Solidária e Incubação de Cooperativas - NESIC - da Universidade Católica de Pelotas/Brasil. Doutor em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal Fluminense. nunestg@gmail.com.

RESUMO

O artigo pretende situar a autogestão como estratégia-movimento e ideal-teoria social, para verificar a essência histórica desta e avaliar as possibilidades do Trabalho Associado na vigência do capital sob o prisma autogestionário, em que pese todas as rupturas e continuidades com a lógica da heterogestão do trabalho e da organização societal. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica orientada teoricamente pelo marxismo autogestionário, a partir de subsídios teórico-metodológicos em autores filiados ao materialismo histórico e que se propuseram a pensar a imbricação entre a autogestão e o Trabalho Associado e, em certa medida, a relação dialética de ambas com os movimentos populares. Dentre os autores destacam-se as abordagens de István Mészáros - pensador húngaro que vem se destacando na promoção da renovação do marxismo pós-stalinismo - e de Cláudio Nascimento - pensador brasileiro autodidata, que a partir do marxismo autogestionário tem realizado um minucioso exame das grandes lutas autônomas e autogestionárias da historiografia da luta de classes.

Palavras-chave: Autogestão; Organizações de Trabalho Associado; Marxismo autogestionário

RESUMEN

El artículo pretende situar la autogestión como movimiento-estrategia y teoría-ideal social, para verificar su esencia histórica y evaluar las posibilidades del Trabajo Asociado bajo el capital bajo un prisma autogestionado, a pesar de todas las rupturas y continuidades con la lógica de trabajo heterogéneo y organización social. Se trata de una investigación bibliográfica orientada teóricamente por el marxismo autogestionario, basada en subsidios teóricos y metodológicos en autores afines al materialismo histórico y que proponían pensar en la superposición entre la autogestión y el Trabajo Asociado y, en cierta medida, la relación dialéctica. ambos con movimientos populares. Entre los autores, destacamos los planteamientos de István Mészáros - pensador húngaro que se ha destacado en promover la renovación del marxismo posstalinista - y Cláudio Nascimento - pensador brasileño autodidacta, que desde el marxismo autogestionado ha realizado un profundo examen de los grandes luchas autónomas y autogestionadas de la historiografía de la lucha de clases.

Palabras clave: Autogestión; Organizaciones de trabajo asociadas; El marxismo autogestionario

ABSTRACT

The article intends to situate self-management as a strategy-movement and social ideal-theory, in order to verify its historical essence and to evaluate the possibilities of Associated Work under capital under a self-managed prism, despite all ruptures and continuities with the logic of heterogeneous work and societal organization. This is a bibliographical research theoretically oriented by self-managing Marxism, based on theoretical and methodological subsidies in authors affiliated with historical materialism and who proposed to think about the overlap between self-management and Associated Work and, to a certain extent, the dialectical relationship. both with popular movements. Among the authors, we highlight the approaches of István Mészáros - Hungarian thinker who has been standing out in promoting the renewal of post-Stalinism Marxism - and Cláudio Nascimento - self-taught Brazilian thinker, who from the self-managed Marxism has carried out a thorough examination of the great autonomous and self-managed struggles of the class struggle historiography.

Keywords: Self-management; Associated Work Organizations; Self-managing Marxism

SUMARIO

Introdução; 1. A autogestão como estratégia/movimento e ideal/teoria social no pensamento marxista; 2. O trabalho associado na vigência do capital.; 2.1 A autogestão interna - a questão do poder; 3. A autogestão societal ampliada e os ataques duplos - a dialética da resistência da produção à contestação do capital.

*****

Inevitável vontade de mudar o jogo, inusitado desejo de desobediência. Urgência em plantar indignação, ensaiar as consciências. Examinar as verdades Celebrar as vidas! Traçaremos justos os caminhos de outra estação. Diva Lopes

Introdução

É enorme a dificuldade que recai nos ombros de qualquer pesquisador ou militante que se desafie a definir, compreender ou descrever a autogestão. As análises existentes oscilam entre o registro historiográfico das várias experiências que incorporaram em maior ou menor intensidade a auto-organização plena da vida; a exposição dos fundamentos epistemológicos das matrizes teóricas dos principais autores que trataram da temática; ou ainda, dos elementos centrais da própria práxis autogestionária.

Cláudio Nascimento aponta uma saída ao dilema, quando despretensiosamente registra que a “autogestão é uma estratégia-movimento social e um ideal-teoria social” (NASCIMENTO, s/d, p.25). Entendemos que a autogestão antes de tudo é referenciada em eventos e processos históricos mais ou menos duradouros e capilarizados, nas quais os trabalhadores tentaram o assalto ao céu. Por isso, importa indagar: afinal, existiu um sistema com autogestão social plena? A pergunta gera interminável polêmica. O termo autogestão surge na Iugoslávia, referenciado naquela experiência social.

Marx, em diversas passagens, falou em modo de produção de produtores associadose se declarou favorável às cooperativas de produção, desde que organizadas em escala nacional (MARX, 1998). No entanto, não se debruçou sobre a discussão da organização autogestionária ou do socialismo em bases autogestionárias de forma direta, pois talvez não tenha tido tempo para tal empreitada.

A autogestão pode ser apresentada como teste de ferro a qualquer processo, evento ou experiência que se autoproclama socialista ou pós-capital. Nesse sentido, parece apropriada a ideia de experimentação social proposta por Pierre Naville na obra Le temps, La technique, l’autogestion (NAVILLE apud NASCIMENTO, s/d, p.13) quando define que o experimental é o que não é natural, não é espontâneo. Ou seja, é lutando que se aprende a lutar. Nas palavras de Rosa Luxemburgo1, “é só exercendo o poder que a massa aprende a exercer o poder. Não há outra maneira de ensinar-lhe [...] Sua educação se faz quando eles passam à ação”. 2

Para muitos autores a autogestão aparece como sinônimo de forma ideal de organização dos trabalhadores em situação pós-revolucionária, pós-capitalista ou ainda pós-Estado, com ou sem a tomada do poder político. Para outro grupo de teóricos, a autogestão é concebida como forma social possível dentro do próprio capitalismo, entendendo que os trabalhadores podem conquistar autonomia política e econômica, sem a necessidade de conquista do poder político e econômico e que este é o caminho para a sociedade dos produtores livremente associados. O principal paradoxo da autogestão foi assinalado por Daniel Mothé, na obra Autogestão gota a gota (MOTHÉ, 1980). O autor problematizou o principal do socialismo autogestionário, quer seja: como articular a autogestão como ideologia com as experiências práticas? Só pode existir autogestão com a Revolução (dilúvio), ou, esta também pode existir com experiências pontuais (gota a gota)? Como conciliar a audácia do projeto autogestionário com a limitação das tentativas de gestão das unidades produtivas? O imaginário com a realidade concreta? Buscando dar respostas a estas indagações, Mothé formulou a ideia da autogestão gota a gota, dentro de uma visão ampla de experimentação, baseada também na perspectiva de Rosa Luxemburgo. Sob tal paradoxo, Mothé defendeu a participação dos trabalhadores em experiências de funcionamento coletivo nas empresas de autogestão, mesmo que limitadas quando inseridas na lógica do capital.

Sob esse horizonte, este artigo pretende situar a autogestão como estratégia-movimento e ideal-teoria social, para verificar a essência histórica desta e avaliar as possibilidades do Trabalho Associado na vigência do capital sob o prisma autogestionário, em que pese todas as rupturas e continuidades com a lógica da heterogestão do trabalho e da organização societal.

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica orientada teoricamente pelo marxismo autogestionário, a partir de subsídios teórico-metodológicos em autores filiados ao materialismo histórico e que se propuseram a pensar a imbricação entre a autogestão e o Trabalho Associado e, em certa medida, a relação dialética de ambas com os movimentos populares3. Dentre os autores destacam-se as abordagens de István Mészáros - pensador húngaro que vem se destacando na promoção da renovação do marxismo pós-stalinismo - e de Cláudio Nascimento - pensador brasileiro autodidata, que a partir do marxismo autogestionário tem realizado um minucioso exame das grandes lutas autônomas e autogestionárias da historiografia da luta de classes.

1. A autogestão como estratégia - movimento e ideal - teoria social

Em sua consagrada obra Autogestão: uma mudança radical, Guillerm e Bourdet (1976) destacaram que a palavra autogestão é relativamente recente e só aparece na língua francesa no início dos anos 1960, como tradução literal da expressão servo-croata samoupravlje (samo sendo equivalente eslavo do prefixo grego auto, e upravlje significando aproximadamente gestão). A palavra foi introduzida na França para designar a experiência política, econômica e social da Iugoslávia4 de Tito nos anos 1950, em sua ruptura com o stalinismo, mas segundo os autores, na própria Iugoslávia, o “sistema de autogestão não era tido como uma inovação; ao contrário, como um retorno ao marxismo autêntico, pervertido pelo stalinismo” (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 11).

Para os autores, o uso generalizado do termo - que passou a ser utilizado como palavra de ordem, tema de pesquisas e de notícias na grande imprensa - criou uma espécie de saco de gatos. Para elucidar o problema, mencionam o episódio de uma publicação feita na época que aplicara o termo autogestão paracaracterizar o direito à autogestão dos detidos numa célula presidiária, por estes se encarregarem, diariamente e por rodízio, da missão de despejar o urinol (1976, p. 9). Ainda nos dias de hoje, a banalidade é tanta que muitos militantes que desejam um sistema baseado na autogestão societal plena, por motivos estratégicos, recusam-se a utilizar o termo.

Lia Tiriba e Maria Clara Bueno Fisher discorrem sobre o duplo horizonte de sentido que pode ser atribuído ao termo autogestão, especialmente com os acontecimentos do maio de 68 na França, quando o termo passou a ser utilizado para qualificar práticas sociais alternativas ao capitalismo e tornou-se palavra de ordem nas lutas reivindicatórias no âmbito de todas as esferas da vida social (TIRIBA; FISCHER, 2012). O poder estudantil no controledas escolas e das universidadesentrou na pauta do dia como prática autogestionária. Contudo, as autoras destacam a importância da categoria autogestão a partir da sua imbricação com a produção associada dos trabalhadores, no sentido da construção de um modo de produção de produtores associados. Assim referem que,

[...] no sentido restrito, autogestão é uma prática social que se circunscreve a uma ou mais unidades econômico-sociais, educativas ou culturais, nas quais, em vez de se deixar a organização do processo de trabalho aos capitalistas e a seus representantes e/ou delegá-la a uma gerência científica, trabalhadores e trabalhadoras tomam para si, em diferentes níveis, o controle dos meios de produção, do processo de trabalho e do produto do trabalho. No sentido político, econômico e filosófico, as práticas sociais autogestionárias carregam consigo o ideário da superação das relações sociais capitalistas e a constituição do socialismo, concebido como uma sociedade autogestionária (TIRIBA; FISCHER, 2012, p. 614).

No mesmo sentido, Guillerm e Bourdet ao concluírem sua obra reafirmam a validade da categoria autogestão, atestando que esta não pode ser entendida como vaga ideia, pois tem fontes profundas na história da humanidade, na ação e no pensamento revolucionário; como palavra de ordem sintetiza os conceitos essenciais da luta do proletariado moderno, que segundo os autores podem ser reduzidos em quatro conceitos:

[...] - o socialismo não se limita à nacionalização dos meios de produção [...]; é o autogoverno dos produtores associados; - A U.R.S.S. e as democracias populares não são socialistas, mas capitalistas-burocráticas. Essa burocracia não é, a bem dizer, uma nova classe; é uma transformação do capitalismo; - a crise atual da sociedade não resulta essencialmente da exploração, mas da alienação e, mais precisamente, da coisificação da qual o proletariado, tendendo a se constituir em classe, é a negação permanente; - essa negação da alienação - a autogestão - não consiste no aperfeiçoamento das condições de trabalho, e sim na invenção de um novo tipo de atividades livremente construídas que revolucionam o trabalho, as ferramentas e os produtos (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 210-211).

Num sentido mais amplo a autogestão assume contornos políticos mais radicais, contemplando práticas sociais mais intensas que carregam, de diferentes maneiras, e ancoradas em distintos referenciais teóricos, a superação das relações capitalistas e a constituição de uma sociedade pós-capital, na qual todos os domínios da vida - educação, cultura, saúde, lazer - devem estar sob controle direto do povo. Apesar de a denominação ser recente, a questão é tão antiga que remonta a própria constituição do capitalismo como modelo hegemônico e a existência do movimento operário na sua trajetória pela construção de novas formas de produzir e de resistir. A autogestão pode ser entendida como a própria estrutura da sociedade socialista, na economia, na política e na cultura.

Nesta perspectiva, a convenção internacional pelo socialismo autogestionário definiu a autogestão como:

[...] a construção permanente de um modelo de socialismo, em que diversas alavancas de poder, os centros de decisão, de gestão e controle, e os mecanismos produtivos sociais, políticos e ideológicos, se encontram nas mãos dos produtores-cidadãos, organizados livres e democraticamente, em formas associativas criadas pelos próprios produtores-cidadãos, com base no princípio de que toda organização deve ser estruturada da base para a cúpula e da periferia para o centro, nas quais se implante a vivência da democracia direta, a livre eleição e revogação, em qualquer momento das decisões, dos cargos e dos acordos.5

Considerando todas essas definições, para Nascimento (2014), é preciso compreender a autogestão sob dois ângulos articulados e interdependentes: (1) como conteúdo real do socialismo, um regime que sucede ao capitalismo através da revolução social, portanto, um modelo de reorganização da sociedade; (2) como linha de mobilização dos trabalhadores e cidadãos em busca desta vitória, é uma estratégia revolucionária.

Assim, a autogestão ganha materialidade histórica a partir do resgate de diversas experiências, eventos ou processos pretéritos, dotados de distintos sentidos, formas, contextos e condições subjetivas/objetivas (pois nem sempre se constituem em períodos revolucionários nos quais está em jogo a conquista do Estado ou a ruptura com o sistema capitalista), apresentando diferentes graus de controle dos meios de produção e sustentabilidade no tempo.

A história conheceu vários experimentos autogestionários. A experiência fundante do poder operário foi a Comuna de Paris (1871), quando por pouco mais de dois meses as fábricas passaram a ser geridas pelos próprios trabalhadores e o povo de Paris forjou uma proposta de gestão do conjunto da cidade. É possível afirmar que a Comuna influenciou todas as lutas revolucionárias que a sucederam, como o Soviet de Petrogrado (1905) e a Revolução de 1917. Mas além desses exemplos outras tentativas autogestionárias também foram importantes como a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), a República dos Conselhos Operários da Hungria (19181919), os Conselhos Operários na Itália (1919-1921), na Iugoslávia (1950), na Hungria (1956) e na Polônia (1956, 1970 e 1980), a experiência da Argélia (1962) e da Checoslováquia (1968) e a Revolução dos Cravos em Portugal (1974), a Comuna da Shangai (1966), a Comuna de Gdanks (1980). No âmbito latino-americano, destacamos o processo revolucionário de Cuba (a partir de 1959), os cordões industriais no Chile (1972) e Nicarágua (1979), além de curtas experiências vividas na Bolívia e no Peru, e a dos Zapatistas em Chiapas, México (desde 1994). Destaca-se também a experiência das Empresas Recuperadas por Trabalhadores (ERT) sob autogestão na Argentina, onde foram recuperadas em torno de 400 empresas a partir de 2001 (PORTENIO; RUGGERI, 2014); processo desenvolvido como resposta da classe trabalhadora ao desemprego ocasionado pela crise argentina e que instigou o surgimento de diversas cooperativas populares além de cursos populares preparatórios e empreendimentos econômicos solidários. No Brasil, especialmente no campo, vale lembrar as experiências da República de Canudos (1896), do Quilombo dos Palmares (na segunda metade do século XVII), do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (1920) e das Ligas Camponesas (1950), destacando-se pela criação da Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP) em 1954.

É notável que as experiências mencionadas ocorreram em estruturas e contextos históricos bem distintos. Assef Bayat (2004, p. 4-5) sistematizou as experiências históricas da autogestão utilizando quatro categorias:

  1. Autogestão sob contexto de dualidade de poder, em conjunturas revolucionárias - da Rússia (1917), da Argélia (1962), do Chile, (1972), de Portugal (1974) e do Irã (1979);

  2. Autogestão nos países ditos socialistas do Terceiro Mundo - como no caso da China, Cuba, Moçambique e Nicarágua;

  3. Autogestão em governos populistas do Terceiro Mundo - Tanzânia, Peru, Egito e Turquia;

  4. Possibilidades de autogestão em condições normais na periferia do capitalismo.

A quarta e última categoria não se refere a exemplos históricos, mas às possibilidades. Bayat afirma que o Terceiro Mundo é o principal portador das possibilidades de autogestão, no contexto do capital globalizado.

É na mesma perspectiva que Henri Lefebvre define a autogestão como”a abertura ao possível” (2004, p. 2). Lefebvre tentou sistematizar os problemas teóricos da autogestão. Suas ideias são estimulantes e importantes na perspectiva de tentar situar em um quadro teórico as experiências históricas. Para o autor, a experiência social mostra que as associações de autogestão surgem nos pontos frágeis da sociedade existente. Toda sociedade tem seus pontos fortes que, no conjunto, formam a armadura, a estrutura da sociedade.

O Estado repousa sobre estes pontos fortes. A política estatal tem por tarefa soldar as possíveis fissuras. Em volta destes espaços reforçados nada acontece. Todavia, entre estes pontos fortes, consolidados pelo Estado, encontram-se as áreas frágeis e as lacunas. É nestas fragilidades que ocorrem fatos novos. As forças sociais intervêm nestas lacunas, as ocupam, as transformam em pontos fortes, ou, ao contrário, em outra coisa.

Os pontos frágeis, os vazios, só se revelam na prática ou às iniciativas de organizações capazes de agir. Os pontos frágeis podem resultar de um abalo ou de uma desestruturação do conjunto.

A história das lutas pela emancipação humana demonstra que toda vez que a classe trabalhadora atinge momentos de alta mobilização revolucionária, ela se orienta no sentido de sua auto-organização e daquilo que Cláudio Nascimento define de Princípio de Poder PopularComunal como sendo o conteúdo que pode ser manifestar sob diversas formas: seja como conselho operário, camponês, de bairro; ou como práxis revolucionária de muitos e plurais sujeitos históricos como operários e camponeses, homens e mulheres, jovens e adultos, estudantes, soldados, índios e quilombolas. As diversas tentativas dos trabalhadores de assalto ao céu significam ensaios de construção dos órgãos de poder popular-comunal; que é Potência que traz em si a Utopia Concreta, o Inédito Viável e o ainda-não-ser; muitas vezes antagônico ao núcleo fundamental do sociometabolismo do capital: capital, trabalho assalariado e Estado. Seu campo prático é o do mundo do trabalho e se por um lado, essa longa história de experiências vem marcada por derrotas, por outro lado, essa utopia concreta não se extingue. A velha toupeira entra em ciclos de hibernação e desperta em outros espaços geográficos, convicta de que apesar de derrotas pontuais, sua luta é legítima, viável e possível.

Outra importante contribuição é a construção dos ciclos ascensionais de lutas autônomas publicados por João Bernardo, na obra Economia dos Conflitos Sociais (BERNARDO, 2009). Bernardo articula complexos elementos como a evolução do Estado, as classes gestoras, capitalista e trabalhadora e o papel das lutas autogestionárias no enfrentamento das contradições capital-trabalho, na Europa, ao longo dos séculos XIX e XX. Frente à impossibilidade de estabelecer datas exatas para o limite temporal de cada ciclo ascensional de lutas autônomas, resta a possibilidade de estabelecer períodos mais ou menos referenciados, conforme sistematiza o autor:

- 1° ciclo: Abertura: possivelmente 1830 Fase de assimilação: 1848 até 1860 - 2°ciclo: Abertura: 1870 Fase de assimilação: 1875 até 1916-1917 - 3°ciclo: Abertura: 1917 Fase de Assimilação: 1930 até 1960 - 4° ciclo: Abertura: 1960 até 1980 Fase de assimilação: 1982 até [...]. (BERNARDO, 2009)

Importa destacar alguns elementos da obra que se relacionam a importantes componentes dos registros históricos, assim resumidos:

(1) Bernardo emprega a ideia dos ciclos longos da mais-valia relativa em contraposição aos ciclos curtos de mais-valia relativa. Os ciclos curtos se definem pela cotidiana assimilação das reivindicações e pressões dos trabalhadores, e, a tendência de degeneração das formas de organização da luta autônoma. Já os ciclos longos se caracterizam pela ascensão de formas autônomas e autogestionárias de luta dos trabalhadores. Assim, o autor propõe uma diferente dinâmica de cada ciclo, analisando suas várias fases. Assim explica:

[...] Na sequência de Schumpeter, inúmeros economistas têm dividido o ciclo nas fases de prosperidade, recessão, depressão e recuperação. Mudando o eixo da problemática para os conflitos sociais, a divisão deve ser outra. A fase de ascensão de formas autônomas de luta marca o início de um ciclo longo de mais-valia relativa. Os repetidos colapsos constituem, por si mesmos, o quadro em que essas formas degeneram-se e são assimiladas pelo capitalismo,criando-se progressivamente mecanismos que permitem a assimilação cada vez mais fácil e rápida das lutas do mesmo tipo que venham a desencadear-se. É esta a segunda fase. Quanto mais solidamente a fase de assimilação parece estar implantada, mais começam, porém, a difundir-se novos tipos de luta autônoma, cuja recuperação é inviável no interior dos mecanismos já constituídos. A generalização destes novos tipos de luta marca o início da primeira fase do ciclo seguinte6.

(2)Outro elemento importante é a atenção permanente para o relacionamento entre as classes sociais - capitalistas e a classe trabalhadora. Como as classes não existem senão em luta, o autor conclui que classes opostas evoluem com a evolução das lutas, transformando-se organicamente mediante a assimilação ou a repressão dos conflitos sociais. Para elucidar este processo, o autor distingue entre dois inseparáveis aspectos: o das reivindicações e consequentes pressões e o da forma de organização adotada. A cotidiana assimilação das reivindicações e pressões do ritmo às flutuações econômicas a que o autor denomina de ciclos curtos da maisvalia relativa.

(3) Nota importante se refere ao processo de assimilação das lutas. Além da reorganização ampliada dos processos de trabalho, o colapso das novas relações sociais não suscita apenas a integração na classe gestorial de antigos delegados dos trabalhadores degenerados em dirigentes. Não se trata somente da absorção pelo capitalismo de pessoas ou de funções decorrentes do declínio das formas organizativas autônomas. São também as próprias instituições da luta autônoma a serem assimiladas, levando os trabalhadores a desacreditarem da possibilidade de combaterem radicalmente o capital. Ao se afastarem da participação ativa nos órgãos de deliberação e de decisão, estes não desaparecem, sendo mantidos pelos antigos delegados convertidos em novos gestores. Não são as instituições de participação coletiva e ativa que se mantêm, mas apenas a sua sombra, mas sem as relações sociais de tipo novo que lhes haviam conferido a absoluta originalidade revolucionária inicial. Servem agora de quadro para a cooptação dos novos dirigentes e é com esta bagagem institucional que eles vão se inserir no capitalismo. Os critérios capitalistas de produtividade liquidam o caráter coletivista e igualitário das formas de luta autônoma. O seu colapso implica, em suma, a recuperação das suas instituições, quando já degeneradas.

(4) Contrariamente às teorias econômicas legitimadoras do capitalismo que pregam o conceito de equilíbrio econômico,Bernardo (2009) identifica como o modelo de mais-valia emerge da luta de classes baseado na força de trabalho capaz de ação na luta de classes como forma de ação contraditória. Nesse processo de luta, o Capital pode ceder limitadamente às reivindicações como forma de antecipar futuros conflitos ou empregar a repressão.

(5) Outra questão importante é a diferenciação apresentada entre Estado Amplo (Estado A) e Estado Restrito (Estado R) (2009). O Estado (A) é constituído por aqueles processos que asseguram aos capitalistas a reprodução da exploração, incluindo, portanto, todos aqueles que, no mundo da produção e da fábrica, garantem a subordinação hierárquica e estrutural do trabalho ao capital. Por sua vez, o Estado (R) é aquele que expressa o sistema de poderes do Estado Liberal clássico (polícia, exército, poder judiciário). É pela limitação do Estado (R) que o autor recorre a uma noção ampliada de Estado para apontar as engrenagens da dominação. Considerando que na sociedade atual o Estado (A) se sobrepõe ao Estado (R) este abarca também o poder nas empresas, os capitalistas que se convertem em “Governante, legislador, polícia, juiz e carrasco”, nas palavras de Bernardo (2009, p. 177).

(6) Em relação às classes dominantes, o autor opera uma bifurcação entre a classe burguesa e classe dos gestores. A classe burguesa é definida a partir de um enfoque descentralizado, isto é, em função de cada unidade econômica em seu microcosmo. A classe dos gestores, ao contrário, tem uma alçada mais universalizante e é definida em função das unidades econômicas em relação ao processo global. Ambas se apropriam da mais-valia, ambas controlam e organizam os processos de trabalho, ambas garantem o sistema de exploração e têm uma posição antagônica em relação à classe trabalhadora. De acordo com Bernardo estasse diferenciam em vários aspectos: “(a) pelas funções que desempenham no modo de produção; (b) pelas superestruturas jurídicas e ideológicas que lhes correspondem; (c) pelas suas diferentes origens históricas; (d) pelos seus diferentes desenvolvimentos históricos” (2019, p. 218). Enquanto a classe burguesa organiza processos particularizados visando sua reprodução no plano mais micro, a classe dos gestores organiza estes processos particularizados articulando-os com o funcionamento econômico global e transnacional. A classe dos gestores pode pretender assumir a forma de uma classe aparentemente não-capitalista, mas isso se dá apenas em sua aparência. O Estado (A) ao ampliar a consistência interna e unificar seu funcionamento, foi-se transferindo progressivamente para o seu âmbito a centralização política e a coordenação da economia. A classe dos gestores, ao mesmo tempo que se torna hegemônica no interior de cada uma das unidades constitutivas do Estado (A) e neste aparelho de poder globalmente considerado, reforça também a sua ascendência sobre o que de significativo possa restar do Estado (R). Assiste-se cotidianamente, nos países industrializados, à maciça transferência para o Estado (A) da propriedade de grandes empresas que, até então, haviam sido formalmente detidas pelo Estado (R), especialmente no que se relaciona aos setores mais estratégicos. Nas fases iniciais do capitalismo, a classe dos gestores encontrava-se fragmentada por campos vários e, no interior de cada um, por instituições e unidades econômicas distintas, sem que os grupos assim formados se relacionassem reciprocamente. Tratava-se de uma classe que não se comportava, porém, como tal na prática das contradições sociais. De acordo com Bernardo, foram os mecanismos da mais-valia relativa, acarretando a integração econômica, que progressivamente uniram as múltiplas frações em instituições de classe comuns, de onde resultou um número reduzido de linhas de ação coletiva. Substituídos pelos gestores enquanto representantes do capitalismo associado, os burgueses converteram-se em rentistas, em especuladores.

(7) Em relação à burguesia, ela pode tanto recorrer à mais-valia absoluta e ser autoritária, prender trabalhadores, fechar os sindicatos para impedir o surgimento de quadros políticos. como pode recorrer a mecanismos participativos, ceder em parte às reivindicações operárias para antecipar-se a elas mediante o aumento da exploração do trabalho pela mais-valia relativa. Destarte, modos distintos de exploração são assimilados/reprimidos/incorporados pelo capital de modo também diferenciado, aumentando ou diminuindo a duração dos ciclos e do próprio sistema capitalista.

Em suma, a obra de Bernardo trata-se de uma ímpar contribuição para compreender os altos e baixos dos processos revolucionários ao longo da história, especialmente em termos econômicos. A partir dos elementos articulados por Bernardo em cada ciclo, percebe-se que a constituição da classe trabalhadora, como sujeito coletivo organizado num processo de luta (sabotagens, resistências, boicotes, greves) se dá com a sua autogestão através de estruturas horizontais e com novas relações que rompem com o verticalismo dominante nas unidades produtivas capitalistas. A quase integralidade das lutas ocorreu em regimes capitalistas que apresentaram fendas ou rachaduras. O que coloca na ordem de dia a discussão sobre a validade política e econômica do Trabalho Associado na Vigência do Capital.

2. O trabalho associado na vigência do capital

As Organizações de Trabalho Associado (OTAs) são modalidades específicas de associativismo surgidas no calor dos movimentos de resistência dos trabalhadores ao longo da história, em várias partes do globo. No princípio, apareceram em forma de cooperativas, mas com o passar dos tempos, e especialmente se pensadas de forma atrelada às lutas autogestionárias, surgiram sob outras configurações que buscam, dentre outras coisas, alterar as relações de produção a partir do interior das unidades produtivas. Na literatura mais atual, trabalho associado aparece mais frequentemente como uma expressão equivalente a cooperativas populares, empreendimentos solidários, empresas recuperadas, fábricas ocupadas. E de fato, na vigência do capitalismo e em razão do marco jurídico existente no país, a maioria das OTAs está sob o formato jurídico de cooperativa.

No período da memória curta, o trabalho associado reemergiu com grande força na década de 1990 em praticamente toda a América Latina - seja no Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai, Venezuela, Equador. Seja pelo protagonismo dos trabalhadores na luta pela sobrevivência ou mesmo pelo viés institucional, como política pública ou privada; o trabalho associado está ainda inserido num sistema de cooperação com o capital. Assim, o trabalho associado emerge quando essa mesma cooperação com o capital é empregada no intuito de forjar um sistema de “cooperação autônomo ou para si (DAL RI; VIEITEZ, 2010, p. 75). E esse é o sentido do Trabalho Associado considerado pela perspectiva da autogestão. Mas não pela perspectiva da autogestão banalizada, como significante vazio; mas a autogestão como categoria ancorada na luta de resistência e orientada para a emancipação humana.

De acordo com Neusa Dal Ri e Candido Vieitez (2011) o trabalho associado configurase quando um coletivo detém posse ou a propriedade de uma unidade econômica passando a controlar a sua gestão. Este possui algumas características que o diferencia das empresas capitalistas, como: “supressão do trabalho assalariado; retiradas (salários) iguais ou equitativas; substituições das hierarquias burocráticas por coordenações; deliberações em Assembleias gerais; nova perspectiva educacional para os trabalhadores, entre outras” (2011, p. 292). Os mesmos autores ainda empregam a expressão OTAs mais-democráticas (p. 292)para designar empreendimentos com algumas características mais propensas ao engajamento em processos de mudança social.

Sob tal prisma, as OTAs são o gênero em que estão compreendidas algumas espécies de cooperativas populares, empreendimentos econômicos solidários, empresas recuperadas, fábricas ocupadas e outras definições. Todas essas designações podem conter elementos ou tendências institucionais favoráveis a emancipação dos trabalhadores. No entanto tais elementos não estão sempre presentes nos empreendimentos, que ainda apresentam rupturas e continuidades em relação aos aspectos da exploração e da subordinação ao capital. Os resultados do trabalho de campo bem apontaram neste sentido.

Para Tiriba e Fisher (2012, p. 615) as categorias produção associada e autogestão “podem ser apreendidas e problematizadas se consideradas as condições objetivas/subjetivas em que, nos diversos espaços/tempos históricos, as classes trabalhadoras tomam para si os meios de produção”. E acrescentam que no embate contra a exploração e degradação do trabalho, não é suficiente aos trabalhadores se apropriarem dos meios de produção.

Relevante destacar que, na perspectiva de Marx e Engels e do materialismo histórico, a produção é concebida numa dimensão de totalidade dos processos de criação e recriação da realidade humano-social mediados pelo trabalho, pelos quais o ser humano confere humanidade às coisas da natureza e humaniza-se com as criações e representações que produz sobre o mundo. Eles utilizaram os termos trabalho associado, produção coletiva, sociedades cooperativas e associação cooperativa para definir uma célula no interior do modo de produção fundada na negação do trabalho assalariado, na propriedade e gestão coletiva dos meios de produção e na distribuição igualitária dos frutos do trabalho dentro do contexto da sociedade capitalista.

Ao se conferir desproporcional atenção ao tema das decisões democráticas realizadas dentro dos muros de cooperativas populares, associações de trabalhadores e fábricas recuperadas em detrimento de uma crítica profunda dos mecanismos de mercado, acaba-se por negligenciar o tema da alienação e da desalienação dos trabalhadores e a sua potencialidade enquanto horizonte de transformação social. A plasticidade do termo autogestão comporta designações analíticas que vão desde aquelas que incitam o controle das empresas pelos trabalhadores competindo no mercado; as que defendem o socialismo de mercado; até as que postulam a necessidade de se combinar ataques duplos, ou seja: mudanças na divisão do trabalho nas fábricas e associações até o planejamento global da produção e distribuição. Nesses termos Tiriba destaca que prefere

[...] não adjetivar um empreendimento de autogestionário. Talvez fosse um pouco mais humilde de nossa parte dizer que nestes processos produtivos os trabalhadores se inspiram nos princípios da autogestão para poder repensar a organização do trabalho. Penso que chamar, de antemão, esses processos de autogestionários é reduzir o significado da autogestão a um processo que é vivido apenas entre as quatro paredes de um estabelecimento. Como vimos em outras mesas deste seminário, a autogestão diz respeito aos processos mais amplos da vida [...] A produção associada como uma forma de organização dos trabalhadores [...] não diz respeito a vinte trabalhadores que olham para sim mesmos, para seu próprio umbigo, mas têm a sociedade dos produtores livres como horizonte (TIRIBA, 2002).

Não surpreende que a retomada do trabalho associado enquanto prática popular tenha revigorado o debate histórico acerca dos seus limites e potencialidades, tanto no campo acadêmico como na esfera política.

Nestes termos, os clássicos debates entre o socialismo utópico e científico7 e sobre a natureza degenerativa das cooperativas8 vêm incorporando novos elementos, como o aspecto da consciência dos trabalhadores das OTAs e a crítica da alienação como possibilidade de questionamento das (des)continuidades da perda do controle do produto do trabalho numa sociedade regida pelo capital, mesmo em associações de trabalhadores, onde aparentemente a questão da transferência da propriedade dos meios de produção já se encontra realizada. Importante que seja retomada a discussão sobre a relação das partes com o todo, sem menosprezar as vitórias obtidas pela autogestão dos trabalhadores nas unidades produtivas; mas sem perder de vista a necessidade da transformação social ampliada.

3. A autogestão societal ampliada e os ataques duplos - a dialética da resistência da produção à contestação do capital

A partir dos apontamentos realizados sobre os processos autogestionários que ratificam a autogestão como estratégia-movimento ideal/teoria social, desnecessário seria falar no caráter ampliado desta, pois que deveria ser um componente indissociável. A autogestão não pode desenvolver-se de forma atomizada, a não ser como embrião, como projeto. Mas considerando o esvaziamento da expressão, torna-se necessário reafirmar a sua possibilidade como crítica concreta ao sociometabolismo do capital, em todas as suas dimensões. Neste sentido, foram buscadas algumas pistas para a discussão sobre as possibilidades de construção de uma autogestão societal ampliada.

A primeira pista para a discussão foi encontrada numa passagem da obra de Mészáros quando o autor, imbuído da tarefa de uma teoria da transição, propõe-se a responder o complexo questionamento: “como solapar o processo produtivo capitalista constantemente renovado pela homogeneização orientada para a quantidade e o valor de troca e substituí-lo pelo processo qualitativo orientado para a necessidade e o valor de uso?”9 Parte da resposta do autor foi que:

[...] não há possibilidade de reforma que leve a transformações estruturais do modo de produção capitalista; isso também explica por que todas as tentativas desse tipo, nos seus quase cem anos de história - do Socialismo Evolucionário de Bernstein às suas imitações do pós-guerra -, fracassaram em abrir qualquer fenda na ordem estabelecida. Falharam apesar de todas as promessas acerca da reconstrução gradual, apesar de completa, da ordem estabelecida no espírito do socialismo. A possibilidade de uma modificação sustentável inclusive das menores partes do sistema do capital implica a necessidade de ataques duplos, constantemente renovados, tanto às células constitutivas ou microcosmos (isto é, o modo pelo qual as jornadas de trabalho singulares são organizadas dentro das empresas produtivas particulares) como aos macrocosmos autorregulantes e aos limites estruturais autorrenovantes do capital em sua inteireza (grifo nosso)(MÉSZÁROS, 2011, p. 629).

Nesse parágrafo o autor faz menção à importância da dialética entre as partes e o todo, mas seu contexto de fundo é a crítica que Rosa Luxemburgo (1999) faz a Bernstein, endossada por Mészáros. Para Luxemburgo o problema das cooperativas não está na falta de disciplina dos trabalhadores, como afirmado por Bernstein. A principal contradição das cooperativas é que elas têm que governar a si mesmas jogadas no sistema do capital. Neste sistema os trabalhadores são obrigados a assumir o papel de donos contra si próprios - uma contradição que responde pelas dificuldades e pelo fracasso das cooperativas de produção, que ou degeneram ou tornam-se puras empresas capitalistas. E Rosa também demonstrou ser adepta da ideia dos ataques duplos.

Mais adiante Mészáros se justifica anotando que sua crítica ao gradualismo (localizada no mesmo parágrafo) não pode ser confundida com uma crítica às mediações materiais e institucionais necessárias para a estratégia revolucionária, e afirma que “o que decide a questão é o modo pelo qual os passos parciais são integrados numa estratégia coerente global, cujo alvo não é apenas a melhoria do padrão de vida dos trabalhadores (que são estritamente conjunturais e, em todo caso, reversíveis), mas a reestruturação radical da divisão de trabalho estabelecida” (MÉSZÁROS, 2011, p. 630). Assim, Mészáros sugere que mediações tópicas, desde que pensadas como passos táticos na sua relação com o todo estratégico que vise à emancipação integral, podem e precisam ser implantadas.

Em outra passagem quando Mészáros discute as continuidades da divisão social e hierárquica do trabalho na burocracia pós-revolucionária, o autor faz uma crítica a uma anotação de Lukács em História e Consciência de Classe, que atribui o impacto negativo da divisão social do trabalho à racionalização, abstração e à especialização capitalista quando diz que: “a especialização das qualificações leva à destruição de toda e qualquer imagem da totalidade (MÉSZÁROS, 2011, p. 861). Para Mészáros a passagem trata-se de uma mistura infeliz de elementos desiguais que revela a permanência da influência weberiana em Lukács, pois:

[...] um grau muito alto de especialização é perfeitamente compatível com uma imagem adequada do todo, desde que o praticante das habilidades em questão não seja violentamente separado do poder de tomada de decisão, sem o qual é inconcebível a participação significativa dos indivíduos sociais na constituição da totalidade. O que transforma o trabalho vivo em trabalho abstrato, sob o capitalismo, não é a especialização em si, mas a rigidez e o desumanizante confinamento das funções dos especialistas em tarefas de execução inquestionáveis (2011, p. 862).

Assim, sem negligenciar que o objetivo da emancipação socialista é a radical transcendência da divisão social hierárquica do trabalho, Mészáros enfatiza o peso da separação entre concepção e a execução, entre capital e o trabalho não superado nos regimes póscapitalistas, pois a divisão social do trabalho não é abolida por decreto. O que permite inferir que a autogestão ampliada além de ser uma estratégia, é possibilidade tática, pois além de almejar uma sociedade autogovernada, os efeitos colaterais desse processo podem paulatinamente melhorar as condições de inserção dos trabalhadores na luta de classes, a partir do seu local de trabalho.

Mészáros aponta ainda que “a radical eliminação do capital pelos indivíduos autoemancipados de sua presente dominação do metabolismo social é o exato conteúdo do projeto socialista” (MÉSZÁROS, 2004, p. 538), e complementa que:

[...] o programa marxiano de transferência do controle do metabolismo social para os produtores associados não perdeu nada de sua validade desde a época de sua formulação. Ao contrário, surgiu de novo, mais forte que nunca, na agenda histórica de nossos dias, visto que somente os produtores associados podem elaborar, por si próprios, as modalidades práticas com as quais pode ser resolvida a dupla crise, hoje onipresente, de autoridade e do desenvolvimento (MÉSZÁROS, 2004, p. 516).

Em suma, o argumento fundamental do autor é o controle “global do processo de trabalho pelos produtores associados”, e não simplesmente a questão de como subverter os direitos de propriedade estabelecidos; “precisamente por isso é que devemos constantemente ter em mente que a expropriação dos expropriadores é apenas o pré-requisito necessário para as mudanças necessárias” (MÉSZÁROS, 2011, p. 828).

A expressão pós-capitalismo é frequentemente utilizada pelo autor em referência à experiência soviética que extinguiu a propriedade privada dos meios de produção, mas deu origem ao planejamento burocrático na determinação de mercadorias. A caracterização marxiana da troca comunal pressupõe seu envolvimento não com “uma troca de valores de troca, mas de atividades determinadas pelas necessidades e pelos propósitos comunais, apontando para uma reorientação fundamental do processo de reprodução social estabelecido há muito tempo” (2011, p. 883). Ao mesmo tempo sinaliza para a emancipação progressiva dos indivíduos sociais dos constrangimentos estruturalmente impostos da divisão do trabalho e de sua lei do valor quantitativamente autoimposta, sem que isso possa ser considerado gradualismo. A necessidade e a dificuldade histórica da reorientação radical da relação de troca é algo imperioso para o empreendimento emancipatório na futura sociedade comunal:

[...] a urgência da reestruturação comunal das práticas produtivas estabelecidas emerge de uma circunstância séria, sem a qual o empreendimento socialista não pode sequer começar a realizar seus objetivos fundamentais. Tal circunstância exige que se realize, ao mesmo tempo e com sucesso, a conversão da troca de produtos, burocraticamente comandada de cima, em troca de atividades produtivas genuinamente planejadas e autoadministradas. Isso significa que é preciso mudar completamente a forma de reprodução social orientada para, e estritamente subordinada a realização de objetivos materiais preestabelecidos, tal como praticada por séculos e profundamente enraizadas nas estruturas produtivas e nos complexos instrumentais que a sociedade pós-capitalista herdou do passado (2011, p. 883).

Assim, fica evidente a preocupação de Mészáros em romper o círculo vicioso de autoreprodução do capital, constantemente renovado pela homogeneização orientada para a quantidade e o valor de troca. Parte da resposta apontada pelo autor é justamente o controle global da produção pelos produtores livremente associados.

No entanto, para além da questão teórico-analítica, qual a validade dos ataques duplos em termos políticos?

Uma das prováveis respostas para a questão pode ser encontrada ao final de Para além do capital (2011), quando o autor discute os contornos de uma Política radical e a transição para o socialismo. É quando o autorafirma que dentro da ordem do capital não há medida econômica que resolva os dilemas da crise, portanto a “tarefa de reestruturar a economia tornase primariamente político-social enão econômica”. Diante disso, apesar das manifestações imediatas da crise estrutural serem econômicas - inflação, desemprego, guerra comercial, colapso de sistemas financeiros -, só existe um caminho para a ofensiva socialista:

O único caminho, entretanto, no qual o momento histórico da política radical pode ser prolongado e estendido - sem, eis o ponto, recorrer a soluções ditatoriais, contra as intenções originais - é fundir o poder da tomada de decisão política com a base social da qual ele foi alienado durante muito tempo, criando por este meio, um novo modo de ação política e uma nova estrutura - determinada genuinamente pela massa como sua necessária precondição (2011, p. 1078).

Para o marxismo autogestionário, o cooperativismo questiona apenas parcialmente a propriedade dos meios de produção, pois na ausência de uma revolução que questione a propriedade dos meios de produção como um todo, a propriedade cooperativista não passa de uma célula marginal neste organismo dominado por grandes corporações.

No entanto é possível entender, a partir de Mészáros, que as OTAs podem ser experiências práticas de auto-organização dos trabalhadores desde que com mediações que a permitam incidir de maneira favorável numa correlação de forças que provoque transformações sociais. No entanto, se estas permanecerem isoladas de outras formas de luta social, elas tendem a ingressar na lógica corporativa ou a desaparecer.

Assim, os ataques duplos são as mediações dialéticas que permitem este salto de qualidade em relação à totalidade social. Da resistência no interior da unidade produtiva à contestação social ampliada.

Assim, a segunda pista foi encontrada em Cláudio Nascimento, autor brasileiro e autodidata que a partir do marxismo autogestionário, faz um minucioso exame de boa parte das grandes lutas autônomas e autogestionárias que se tem registro público. Nascimento define o Princípio de Poder Popular-Comunal (NASCIMENTO, s/d) como sendo o conteúdo que pode se manifestar sob a forma de conselhos operários, camponeses, de bairro; ou como práxis revolucionária de muitos sujeitos históricos: como operários e camponeses, homens e mulheres, jovens e adultos, estudantes, soldados, índios e quilombolas. As diversas tentativas dos trabalhadores de Assalto ao Céu significam ensaios de construção dos órgãos de poder popularcomunal; que é Potência que traz em si a Utopia Concreta, o Inédito Viável e o ainda-não-ser (NASCIMENTO; PALUDO, 2014).

Na sua trajetória de militância política e de educador popular Nascimento pode valer-se do exílio na França para avaliar os meandros de uma série de eventos da memória curta e da memória longa da autogestão. Sua longa e densa análise histórica vai desde o movimento semterra dos Diggers na Inglaterra entre 1649-50; passando pela Comuna de Paris em 1871 (a forma enfim encontrada, segundo Marx10); pelo Soviet de Petrogrado, em 1905, e pela Revolução de outubro de 1917; pela Unidade Popular e os cordões industriais do Chile de Allende da década de 1970; por diversas revoltas, rebeliões e revoluções ocorridas na região das sociedades pós-capitalistas do Leste Europeu, especialmente quando na Polônia surgiu a rede autogestionária que controlava 3000 empresas e que fundou A Republica Autogestionária da Polônia; chegando ao continente latino-americano, quando em 1994 o Exército Zapatista de Libertação Nacional retomando os ideais do Zapatismo da Revolução Mexicana de 1910-11, instalou um território indígena autônomo na região de Chiapas.

O longo percorrido histórico de Nascimento lhe permite apontar que as grandes ondas, os Tsunamis da História (NASCIMENTO; PALUDO, 2014) - rebeliões, revoltas e revoluções - não chegam de surpresa, o poder popular é, e sempre será fruto de processos de longa duração. A velhatoupeira se move no meio dos setores populares, entre os mais oprimidos da sociedade, para construir alternativas; sua práxis é germinal e prefigurativa.

Nascimento mobiliza diversos autores, que vão desde os clássicos marxistas aos desconhecidos, para ressignificar a questão do poder popular-comunal a partir das experiências das últimas décadas, inclusive no continente latino-americano. De modo mais especifico, pensar o Poder Popular desde a práxis das organizações populares. O autor questiona as visões estratégicas centradas unicamente na questão da tomada do poder do Estado. Apesar de ser um Estado de classe, não pode ser tido como um simples objeto ou instrumento-máquina, manipulado pela burguesia como uma máquina monolítica sem fissuras, sem contradições. O Estado é uma síntese de conflitos sociais e para o autor, uma concepção estratégica e ressignificada do Poder Popular-Comunal precisa percebê-lo a partir de 3 pontos centrais: (a) o Estado do Capital é um Estado de classe, portanto, sua lógica é a de garantir a produção e reprodução das relações capitalistas de produção; (b) o Estado é também um aparato administrativo, burocrático, político e legal. Essa superestrutura tem por base um conjunto de relações de força entre as classes fundamentais, seus aliados e seus representantes políticos; em um determinado momento pode formar-se um bloco histórico e esse processo de reprodução do capital requer um aparato de força militar e policial; (c) no campo das representações simbólicas, da ideologia, o Estado aparece como um cenário neutro, que oculta sua essência classista. (NASCIMENTO, 1999)

A partir desta chave de leitura, Nascimento ressignifica o Poder Popular clássico, redefinindo-o como “processo através do qual os locais de vida (trabalho, estudo, lazer, moradia etc.) das classes populares se transformem em órgãos coletivos constituintes de um poder social alternativo e emancipatório, que permita avançar na construção e consolidação de um campo contra-hegemônico”(1999).

A ideia de Poder Popular-Comunal trata-se, portanto, de uma construção territorial de espaços de antecipação e prefiguração de outra ordem social, política e econômica que pode ou não conseguir impor-se frente à lógica do Capital. Pois, não é só nas grandes batalhas que este se constrói; ele é forjado nas relações que se dão no micro, no meso e no macro; é uma construção ao mesmo tempo subjetiva-objetiva-subjetiva, que se expressa nas relações do dia a dia. Tal construção não prescinde da participação de partidos políticos e sindicatos. Estes são mais essenciais que nunca, mas precisam retomar suas raízes históricas de organização de base, atuando como caixa de ressonância do poder popular.

Para Nascimento, o poder popular precisa estar engravidado do elemento cultural e ético; supõe um processo de educação, formação de base, oficinas, cirandas, encontros, linguagens diversas e também uma mística que alimente esta construção. Não se trata de tomar o poder, somente por cima, mas de transformá-lo as relações sociais, por baixo e desde baixo para cima.

O poder não está concentrado em determinado espaço da sociedade, mas se dissemina de forma desigual, mas combinada no conjunto da formação social. Noutra passagem, e que mais interessa à tese da autogestão societal ampliada, Nascimento define alguns espaços concretos de poder popular que devem ser priorizados (1999):

(1) Autogestão do processo de trabalho-produção: é a partir da vida cotidiana e dos locais de trabalho e de moradia que deve começar a desarticulação e a ruptura com os mecanismos de exploração e dominação. Esta superação implica a planificação coletiva da produção e a supressão da divisão econômico-social entre dirigentes e dirigidos. Os trabalhadores convertem-se em produtores ativos e conscientes, livremente associados; (2) Auto-organização política: a autogestão da atividade produtiva é apenas um aspecto do projeto político. Esta necessita abranger o conjunto da sociedade e sua organização; questionar radicalmente a dominação política e o poder do Estado enquanto superestrutura alienante. A lógica do lucro deve ser abolida no conjunto da sociedade: fábricas, escolas, bairros, família, sindicatos, partidos, igrejas, etc. Trata-se de, sobre a base da realidade popular, respeitada em sua heterogeneidade, ir construindo um novo metabolismo social e forjando uma vontade coletiva nacional-popular em que diversos coletivos sociais possam convergir e reconhecer-se dentro de um mesmo projeto comum; (c) Autocriação cultural: as transformações econômicas, e mesmo as modificações sociopolíticas, não são suficientes para definir o projeto de transformação social numa linha de emancipação socialista. Para esta ser radical e integral deve questionar, criticar e transformar o núcleo primário dos valores e significados que habitam o mais profundo dos costumes, hábitos e modos de viver e pensar incutidos na e pela sociedade capitalista. O socialismo deve apontar a socialização não apenas do ter e do poder, mas, igualmente, a socialização do criar, no sentido de possibilitar condições objetivas que possibilite a realização integral e múltipla das potencialidades criadoras do ser humano. Criar a possibilidade de uma vida feliz, que só pode ser alcançada mediante uma liberdade criadora e lúdica e um re-encantamento da vida.

Os três espaços citados por Nascimento recolocam a importância das mediações dialéticas entre as partes e o todo como elemento privilegiado, destacando mais uma vez o papel da Produção Associada no complexo de mediações subjetivas e objetivas necessárias para a autogestão ampliada da vida. No plano de fundo, está colocada a complexa relação entre as forças produtivas, as relações de produção e a necessidade global de planejamento da produção no contexto de uma necessária transição para a sociedade pós-capital apontada por Mészáros.

Conclusão

Na sociedade sob o domínio do Capital, enquanto seu sociometabolismo alcançar todas as esferas da vida, não é possível contemplar uma nova forma de organização a não ser de forma embrionária.

As experimentações autogestionárias nas Organizações de Trabalho Associado podem, sob algumas condições, engendrar mediações propícias para o desenvolvimento de práticas democratizantes no processo de trabalho, com a eventual socialização dos avanços obtidos no interior das unidades produtivas. No entanto, as rupturas não eliminam as continuidades com a lógica heterogestionária: o horizonte da emancipação dos trabalhadores não está totalmente assegurado. Por outro lado, as continuidades não aniquilam as rupturas. Para tanto, as condições e mediações relacionadas às rupturas e continuidades precisam ser criticamente apuradas.

Entendemos que o distanciamento ocorrido nas últimas décadas entre os movimentos populares e o campo do trabalho associado no Brasil, ocasionou um afastamento das OTAs do campo do enfrentamento político mais severo, ocasionando a concentração das suas energias mais na sua sobrevivência econômica que na perspectiva da luta política. Isso não retira a importância e a riqueza destas experiências, apenas precisa servir como um sinal de alerta, num sentido autocrítico.

A retomada da relação do trabalho associado com outras forças populares, além de resgatar a imbricação pretérita com o movimento popular pode ressignificar o seu papel de resistência histórica na luta pela autogestão societal ampliada.

Necessário se faz o resgate da autogestão no sentido que Claudio Nascimento dá ao Princípio de Poder Popular-Comunal como “processo através do qual os locais de vida (trabalho, estudo, lazer, moradia etc.) das classes populares se transformem em órgãos coletivos constituintes de um poder social alternativo e emancipatório, que permita avançar na construção e consolidação de um campo contra-hegemônico” (1999).

Neste sentido, os ataques duplos propostos por Mészáros podem inspirar analítica e politicamente a retomada da relação do trabalho associativo com outras forças populares; iniciando pela resistência na produção até a contestação do sociometabolismo do capital.

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1Apesar de algumas correntes políticas definirem Rosa como espontaneísta, entende-se que a espontaneidade a qual ela se referia está relacionada espontaneidade necessária no partido de massas, pela relação entre massas-militantes-direção. Se fosse diferente ela não daria tanta importância ao partido e a militância política.

2Discurso proferido em dezembro de 1918, na conferência diante do congresso de fundação do Partido Comunista Alemão (Liga Espártaco).

3A reflexão apresentada é parte da nossa tese de doutorado intitulada: Autogestão em perspectiva comparada - quatro organizações de trabalho associado na resistência da produção à contestação do capital. Nesta realizamos uma investigação aprofundada com intuito comparativo que combinou a análise documental e audiovisual das organizações às técnicas de pesquisa de campo (observação participante e entrevista semiestruturada). O objetivo foi relacionar duas unidades dialeticamente relacionadas, a saber: (1) a organicidade do processo autogestionário em cada OTA e (2) o comportamento e a consciência individual e coletiva dos trabalhadores. Para a pesquisa foram selecionadas, intencionalmente, 4 OTAs com significativas diferenças, como: o ramo e a atividade fim; o envolvimento dos trabalhadores no seu surgimento; a organização territorial; a configuração institucional/formato jurídico; a forma de ingresso e associação de novos integrantes; a organicidade e a maior ou menor autonomia em relação a agentes externos. Tais diferenças refletem as distinções concretas entre os diversos tipos de OTAs na atualidade latino-americana. Veja-se a pesquisa completa em: <https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusa o.jsf?popup=true&id_trabalho=4955605>

4A República Socialista Federativa da Iugoslávia foi um Estado Federal com formato de uma comunidade estatal de nações unidas e suas 6 Repúblicas, mais as províncias socialistas de Kossovo e de Voivodina, que eram partes da República Socialista da Sérvia. A sua estrutura foi baseada no poder e na autogestão da classe trabalhadora sobre as empresas, as instituições de gestão social (ensino, saúde, cultura etc.) e a vida política como um todo. Tratou-se de uma complexa organização social, apesar de algumas contradições concretas e as assimetrias entre as regiões. O órgão político maior de cada República Iugoslava e das regiões autônomas era a Assembleia. A assembleia era formada por três conselhos: o Conselho de Trabalho Associado, eleito pelos conselhos de trabalhadores nas comunas; o Conselho das Comunas, eleito pelas assembleias comunais; e o Conselho Sociopolítico, eleito pelos conselhos do mesmo tipo nas comunas. A Assembleia das repúblicas federadas e das províncias autônomas elegia o Conselho Executivo, os órgãos administrativos e judiciários, além da presidência colegiada. Para uma análise mais pormenorizada da experiência recomenda-se a leitura de Queiroz (1980) e Nascimento (1986).

5PELO SOCIALISMO AUTOGESTIONÁRIO. Edições base. Lisboa. 1979. Documento da Conferência Nacional ”Pelo Socialismo Autogestionário”, Porto, 1978.

6BERNARDO, op. cit., 2009. p.371-372.

7A organização das unidades produtivas segundo princípios não-capitalistas - que, portanto, negam ou sinalizam a necessidade de superação da alienação do trabalhado e a extração da mais-valia - remete a um debate clássico entre o socialismo utópico e o socialismo científico. Esse debate acompanha o contexto da 1ª Revolução Industrial e, consequentemente, o surgimento do proletariado. Os socialistas utópicos foram muito importantes num determinado momento histórico do movimento operário e tiveram grande influência na formação do cooperativismo moderno. Mas do ponto de vista dos socialistas utópicos como Fourier, Owen e Proudhon, a organização dos trabalhadores em cooperativas ou em sociedades comunitárias, como reação às duras condições do trabalho industrial, seria suficiente para a constituição gradativa de uma autêntica sociedade socialista. Já para o socialismo científico, todos os esforços organizativos deveriam ser dirigidos à superação revolucionária do sistema: superação da sociedade de classes, superação do Estado capitalista e do trabalho alienado. Embora reconhecesse o valor educativo da cooperativa, para muitas correntes marxistas, tal organização era considerada um modelo adequado para o momento histórico posterior. Outra crítica feita ao socialismo utópico é que divulgava e incentivava um tipo de cooperativismo paternalista e sem luta de classes (MÉSZÁROS, 2011).

8No início do século XX, Rosa Luxemburgo publica a obra Reforma ou Revolução? O livro recoloca o debate sobre o cooperativismo quando o capitalismo já havia se tornado o modelo hegemônico. Em discordância com Bernstein, a autora assinala o caráter degenerativo das cooperativas por terem de adaptar seu sistema de produção às trocas capitalistas. Aponta, assim, a contradição entre a lógica de funcionamento interna e o imperativo externo (LUXEMBURGO, 1999).

9MÉSZÁROS, op. cit., 2011. p.629.

10A “forma política enfim descoberta para levar adiante dentro de si a emancipação econômica do trabalho” (MARX, 1977, p. 67).

Recebido: 14 de Fevereiro de 2021; Revisado: 03 de Maio de 2021; Aceito: 14 de Maio de 2021

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