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Mundo agrario

versión On-line ISSN 1515-5994

Mundo agr. v.9 n.17 La Plata jun./dic. 2008

 

José Antônio Pádua. 2002. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista, 1786-1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 318 p.

Daniel Vieira Nunes

Universidade Federal Fluminense

   São muitos os estudos contemporâneos das mais diversas áreas de conhecimento cujo objeto é a questão ambiental. A motivação de muitos desses estudos está sem dúvida ligada ao momento em que a humanidade vive de encarar algumas das conseqüências de uma histórica destruição ambiental e uma tendência ao recrudescimento dela. Um Sopro de Destruição , obra do historiador José Augusto Pádua, busca mostrar que já no século XVIII e XIX estavam presentes no Brasil pensamentos críticos quanto forma predatória como a sociedade se relacionava com a natureza.
   Pádua privilegiou em sua pesquisa pensadores que relacionaram o problema da conservação ambiental com as questões mais ampla da construção, sobrevivência e destino da sociedade brasileira. Sua análise começa no período colonial em que se faz presente, como o próprio autor propõe, uma ligação do pensamento iluminista luso-brasileiro com a crítica ambiental da época. José Gregório de Moraes Navarro, intelectual que estudou direito em Coimbra entre 1778 e 1782 e serviu como juiz de fora em Paracatu do Príncipe, nos sertões ocidentais da capitania, em 1798, é o primeiro a ser analisado por Pádua.
   Navarro considerava a intervenção humana frente à natureza de maneira ativa. No caso brasileiro uma atividade majoritariamente maléfica, pois em sua obra, descreve um quadro de crise ambiental no Brasil no século XVIII. Contudo, apostava na transformação, através do conhecimento próprio e natural de cada terreno, para uma postura ativamente benéfica.
   No primeiro Capítulo, intitulado: "Aniquilar as naturais produções: Cultura Iluminista, crise colonial e as origens da crítica ambiental do Brasil", o autor analisa as reflexões de pensadores como Navarro e Baltasar da Silva Lisboa e observa ligações entre estes e as concepções de Vandelli e Souza Coutinho. Vê neles delineamentos de um projeto alternativo de Brasil em que os temas ambientais tiveram destaque. Era o entendimento da questão ambiental dentro de dinâmica econômica e social. Propostas comuns surgiram entre eles para os problemas da época, como a "necessidade de estudar as produções da natureza, de aclimatar espécies exóticas, de poupar florestas, de reformar as e de introduzir o arado"
   Pádua passa então à análise do desenvolvimento da crítica ambiental nas últimas décadas do Brasil Colônia. Paralelamente demonstra que o nascimento do Brasil como entidade política foi marcada por uma vontade de exploração da terra da maneira mais agressiva possível. Em diálogo com Sérgio Buarque de Holanda, analista da formação social brasileira, identifica quatro variáveis no caráter devastador da ocupação colonial no território brasileiro: a terra com uma fartura sem limites; a utilização de técnicas rudimentares; o trabalho escravo; e "a mentalidade de que a terra era para gastar e arruinar, não para proteger ciosamente". Trabalha com a idéia de que em uma colônia de exploração há sempre um empreendimento brutal e imediatista. O sentido aventureiro superior a ao de planejar.
   A condenação desse modelo predatório e superação do imediatismo e a inconseqüência, através do trabalho, da racionalidade e do cuidado ambiental, são exatamente as propostas dos críticos ambientais.
   O capítulo 3 é dedicado a José Bonifácio, considerado um dos "patriarcas da independência". O autor sintetiza a obra de Bonifácio como surpreendente na radicalidade de algumas de suas propostas frente às posições hegemônicas e nos numerosos apontamentos das conseqüências sociais negativas com a degradação ambiental.
Bonifácio possuía uma orientação pautada no desenvolvimento econômico, mas com um deslocamento de ênfase em favor dos aspectos sociais e políticos da construção civilizatória. Sua visão ambiental tinha um caráter essencialmente político. Para exemplificar: no que se refere à questão da intervenção artificial em rios, como em escritos sobre a devastação das margens do rio Tietê e Tamanduataí, ele não protestou contra a intervenção propriamente dita, mas à maneira mal feita e destruidora que detectava.
   É constante nos relatos de Bonifácio uma estreita conexão das observações ambientais e críticas de natureza social. Foi o caso do choque que Bonifácio teve ao se deparar com o tratamento dado aos índios e escravos africanos.
   Nesse sentido é interessante como o autor intercala as avaliações dos escritos de Bonifácio com sua atuação no momento em que o Brasil vivia, de ruptura com a antiga metrópole, em que pretendia passar da teoria para a prática o processo de formação de construção do novo país. Bonifácio pretendia dar coerência a um projeto nacional. Nesse projeto, Pádua assinala duas diretrizes básicas: dar um sentido de unidade básica a toda heterogeneidade, fragmentação e dispersão da população, com políticas graduais de emancipação e incorporação dos escravos, assimilação dos índios, promoção da imigração e da educação; e proteger o que considerava ser o grande trunfo do progresso nacional, que são os seus recursos naturais.
   Diante da oligarquia conservadora, os projetos de Bonifácio foram abortados. A elite não o acompanhava em seus propósitos de extinguir a escravidão e a prática destrutiva da monocultura exportadora. A da queda de Bonifácio, o autor enfatiza a como pode ter sido um momento extraordinário do ponto de vista subjetivo para Bonifácio diante da possibilidade de pôr em prática seus projetos de reforma.
   Sobre esse homem, o autor termina relembrando a maneira como posteriormente foi Bonifácio mitificado pela elite dominante como um grande herói, contudo deixando de lado suas idéias de reformas de reformas sociais. Não obstante, suas idéias seguiram adiante, influenciando o debate sobre os problemas ambientais e sociais no Brasil.
   Mas na sociedade brasileira também havia aqueles que se colocavam na prática como críticos ambientais, sem, contudo, serem contrários à ordem social e econômica do império. Esse viés é o analisado no capítulo 4 e nele se enquadra o poeta e pintor Manoel Araújo Porto-Alegre que publicou em 1845 um longo poema chamado "A destruição da Floresta". Nele fica clara, não uma visão romantizada da natureza, mas uma visão mais pragmática de utilização dela atender às necessidades humanas, revoltando-se com o desperdício, a ineficácia e a falta de sentido econômico da maior parte daquela destruição.
   Essa vertente é delimitada por Pádua como aquela que culpava a mentalidade de imprevidência, descaso e o domínio de tecnologias atrasadas pela destruição ambiental ocorrida no país. Acreditavam que essa prática predatória era um dos maiores entraves ao desenvolvimento do Brasil, mas poderia ser superada sem a necessidade de reformas sociais mais profundas, como o fim do escravismo. Entre esses estão intelectuais que em maioria eram membros da elite imperial.
   Pádua atenta que esses tiveram maior oportunidade de atuar não apenas individualmente, mas também em organismos da sociedade ou ainda do estado como o Instituto Histórico Brasileiro, IHGB, e a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, SIAN. Vale destacar o fecho desse capítulo, sobre a vertente não-abolicionista, em que o autor dedica-se à realização mais impressionante e bem-sucedida: a restauração da floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro.
   O abastecimento de água para capital era de fato o objetivo mais pragmático na decisão desse reflorestamento, porém Pádua vai além e coloca que a constatação dessa necessidade prática não é condição suficiente para o entendimento da decisão de reflorestar. "O entendimento histórico do projeto (...) passa por uma interação entre a necessidade concreta da cidade e a motivação político-intelectual dos seus idealizadores. (...) O grande legado de todo esse esforço ironicamente, não foi a resolução do problema da água, mas sim a garantia de permanência da notável massa verde que ainda hoje caracteriza a paisagem do Rio de Janeiro" (p.225).
   Contudo, a vertente abolicionista da crítica ambiental após a morte de José Bonifácio não desapareceu. 1831 é o ano da criação da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, cuja reflexão sobre o escravismo era fator estrutural para a formação do Brasil, obviamente como um fator negativo, e sua ligação com a questão ambiental apareceu em diversos momentos. Seus diagnósticos sobre a realidade brasileira se aprofundavam a ponto de Frederico Bulamarque, membro dessa Sociedade, defender a tese de que o fim do escravismo pura e simplesmente não era capaz de mudar radicalmente a situação da nação, pois havia "males permanentes", que apesar de oriundos do escravismo não necessariamente se esgotariam com o fim dele.
   A análise de Pádua apresenta-se fortemente apurada quando analisa essa complexa ligação, que ocupava a mente e a militância de abolicionistas como Bulamarque, do escravismo como fator estruturante da realidade brasileira, principalmente quando enfatiza como a intelectualidade abolicionista já pensava o escravismo como elemento que determinava uma multiplicidade de elementos da sociedade brasileira e por eles também era influenciado.
   Nesse contexto o autor oferece mais elementos para a questão ambiental ser analisada. O escravismo representava e era fundamental para o atraso econômico do país. A agricultura, como principal elemento dessa economia sem sombra de dúvida, ganhou a maior importância na análise de intelectuais como Bulamarque. Marcou sua trajetória a crítica pesada à monocultura de exportação como destruidora da saúde da terra, em contraposição a uma diversificação produtiva, e provocadora de enormes desmatamentos. Contudo, a diversidade no pensamento abolicionista era grande. O próprio Bulamarque possuía um pensamento fortemente racista, diferentemente de antecessores como Bonifácio.
   Pádua salienta, contudo, que entre 1840 e 1860 nas análises a relação entre escravismo e destruição ambiental foi bastante escassa. O que não significa que a durante esse período que a maioria dos intelectuais, especialmente os que se dedicaram à crítica ambiental, era escravista.
   Os temas agrícolas e ambientais retornam com maior vigor depois de 1860. Esse é momento em que a crítica aos males causados pelo trabalho escravo ganha peso. Aparece correntemente em órgãos de imprensa, apesar de que os setores majoritários da elite econômica e política mantiveram a escravidão até onde puderam, fazendo concessões com grande dificuldade.
   A reflexão ambiental dos abolicionistas desse período, como André Rebouças e Joaquim Nabuco, manteve o mesmo enfoque progressista, político, cientificista e antropocêntrico que seus anteriores, porém com destaque para a questão do escravismo. Rebouças, por exemplo, acreditava que a conservação ambiental e a proposta de parques nacionais, ao invés de estabelecer barreiras para o progresso, seriam importantes para sua promoção.
   A procura de Pádua pela crítica ambiental em pessoas que não necessariamente são autores da "área ambiental" é marcante nessa obra. Assim como em Rebouças, também em Joaquim Nabuco , sempre associado ao campo do direito e da filosofia política, o autor buscou seu recorte ambiental. Com isso é importante perceber como Pádua busca questionar a dicotomia entre as áreas dos saberes e da atuação dos sujeitos na história, demonstrando a forte presença do mundo da natureza, inclusive em seu na evolução do pensamento político brasileiro.
   Tanto Nabuco como Rebouças saíram do cenário nacional após a Proclamação da República pelos militares. A mudança de regime não impediu o domínio dos grandes proprietários, tampouco a abolição da escravatura foi suficiente para por fim a prática destruidora do meio ambiente. Isso colocaria esses abolicionistas que acreditavam na diminuição da destruição ambiental no Brasil com o fim da escravidão em evidente equívoco.
   Contudo Pádua dedica parte significativa de suas "Considerações finais" à defesa de uma forma de visão de mundo presente na vertente abolicionista: a identificação de um padrão estrutural básico que pudesse explicar o ponto de vista social e ambiental. Para o autor, hoje, como naquela época, os problemas ambientais (cabe lembrar a grande crise ambiental contemporânea) não se devem a falhas ocasionais nos sistemas produtivos, mas "aos padrões insustentáveis de produção e consumo vigentes".
   Nesse sentido, a contribuição de José Augusto Pádua com essa obra é muito relevante. Mesmo se pensarmos que os diferentes atores históricos analisados pensavam a questão ambiental somente em fragmentos de obras maiores, a visão do autor é fortalecida justamente por demonstrar a importância de se refletir sobre os problemas ambientais (também no passado) inseridos no conjunto de estruturas que afetam a sociedade.
   Quanto à escolha do recorte da crítica ambiental para estabelecer o vínculo teórico na obra, o autor também se coloca: "Não pretendo afirmar, por certo, que esse é o único recorte possível... Mas estou convencido de que, entre os recortes possíveis, esse é um dos mais importantes e mais promissores, além de ser um dos menos explorados" (p. 281) .

Fecha de recibido: 7 de enero de 2009.
Fecha de publicado: 8 de enero de 2009.

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