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Mundo agrario

versión On-line ISSN 1515-5994

Mundo agr. vol.12 no.24 La Plata ene./jun. 2012

 

ARTÍCULOS

Migrações para assentamentos rurais: analisando as trajetórias de assentados no município de Padre Bernardo no Estado de Goiás Brasil

Migration to rural settlements: analyzing the trajectories of settlers in the municipality of Padre Bernardo in Goiás State Brazil

 

Marcelo Leles Romarco de Oliveira

Departamento de Economía Rural
Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil
mlromarco@yahoo.com.br

 


Resumo
Este trabalho é fruto de um estudo de caso que procura analisar as trajetórias de migrantes para assentamentos rurais, localizados no município de Padre Bernardo, região do entorno do Distrito Federal, estado de Goiás. Nesta região diversos assentamentos criados ao final dos anos 90, foram constituídos por trabalhadores de origem rural que migraram de várias regiões do Brasil para trabalhar, sobretudo, na prestação de serviços e na construção civil em Brasília, antes de chegarem aos assentamentos. Assim sendo, o texto tem por objetivo trazer algumas reflexões sobre a compreensão das dinâmicas de migração para assentamentos rurais no Brasil formados por pessoas com trajetórias campo-cidade-assentamentos. Como consideração percebeu-se que depois de muitos anos ou até décadas morando na cidade, esses migrantes resolvem ingressar na luta pela terra e partem para ocupação de terras na região. No assentamento, os assentados deparam-se com um novo desafio que passa a ser construído coletivamente e individualmente.

Palavras Chaves: Assentamentos rurais; Migração; Trajetórias; Entorno do Distrito Federal; Brasil.

Abstract
This work is the result of a case study that analyzes the trajectories of migrants to rural settlements located in the municipality of Padre Bernardo, the region surrounding the Federal District, Goiás State in this region several settlements created in the late 90's, were consisting of workers of rural origin who migrated from various regions of Brazil to work, especially in services and construction in Brasilia before reaching settlements. Thus, the text aims to give some reflections on understanding the dynamics of migration to rural settlements in Brazil trajectories with rural-city-settlements. As consideration, it was noticed that after many years or even decades living in the city, these migrants decide to join the struggle for land and depart for land occupation in the region. In the settlement, the settlers are facing a new challenge that will be built collectively and individually.

Keywords: Rural settlements; Migration; Trajectories; Around the Federal District, Brazil.


Introdução

Este estudo é fruto de uma pesquisa realizada entre os anos de 2001 a 2007 em assentamentos rurais no município de Padre Bernardo, localizado na região do entorno do Distrito Federal,(1) que por excelência é uma região constituída principalmente por migrantes vindos de diversas regiões do Brasil. Assim, durante o trabalho de campo, foi possível observar que a maioria dos assentados tinha uma trajetória de vida semelhante, ou seja, eles nasceram e viveram no campo, passaram alguns anos, migraram para cidade com sonhos de obter dinheiro, trabalho e condições de vida melhores que seus pais, e logo após alguns anos na cidade, migraram para os assentamentos rurais.

Nesta perspectiva, a trajetória desses atores foi ir para Brasília, capital do Brasil, em busca do chamado eldorado, mas os desencontros da vida os levaram a percorrer um caminho para áreas de conflitos, em busca de terra, passando a viver em barracos de lona preta, sem condições mínimas de sobrevivência. Apesar dessas dificuldades, tais pessoas se revelaram batalhadoras e persistentes em seus ideais, na busca de conseguir a sua chácara, (2) para cultivar e continuar levando suas vidas. É importante ressaltar que entendo aqui trajetória como um conceito que vai além de um deslocamento geográfico, pois é necessário entender as diversas mudanças sociais que esses migrantes passaram. Nesse sentido, procurou-se empregar uma definição semelhante à de Durhan (1978), para a autora a migração não pode ser entendida simplesmente como um deslocamento geográfico, necessitando considerá-la também como uma mobilidade no universo social.

Uma família que se muda não vai apenas morar em outro lugar - vai morar com outras pessoas, desse modo a movimentação é definida freqüentemente, antes pela alteração nas relações sociais que pela modificação do lugar geográfico de residência. (Durhan, 1978 p.137).

Assim, foi possível perceber que a decisão de migrar para um assentamento está relacionada com um gama de interesses como ter uma área de lazer, ou como um local para se recomeçar uma nova vida, e até mesmo, ter uma herança para deixar para os filhos. Entretanto, para outros, o assentamento é a possibilidade de mudança das condições de vida em que se encontravam em diferentes fases de suas vidas.

Esse constante deslocamento, ou seja, estar um dia em um determinado lugar e depois em outro, pode ser considerado como uma opção encontrada por esses migrantes para saírem da pobreza e para encontrarem melhores condições de vida. Para alguns, o assentamento rural surge como uma perspectiva nova. Nesse novo espaço, novas formas de socialização, novos saberes serão adquiridos, e muito dos saberes que foram se acumulando ao longo de suas trajetórias de vida poderão ser reproduzidos no assentamento. No cotidiano, esses migrantes vão construir no assentamento um conjunto de dinâmicas, que ora caminhará para o equilíbrio e ora caminhará para o conflito de interesses, sobretudo, porque esse espaço é constituído por pessoas com trajetórias e visões de mundo diferentes.

O que me leva a analisar o assentamento como um espaço constituído por um conjunto mais diverso e complexo de interesses e objetivos, do que um grupo homogêneo e coeso por sua condição de luta pela terra. Portanto, esse texto tem por objetivo trazer algumas reflexões sobre a compreensão das dinâmicas de migração para assentamentos rurais no Brasil formados por pessoas com trajetórias campo-cidade-assentamentos, na região do entorno do Distrito Federal.

2. Aspectos metodológicos e o trabalho de campo

Esta pesquisa é originária de um estudo de caso realizado na região conhecida como Pé de Serra localizada no município de Padre Bernardo, entorno do Distrito Federal (DF), conforme pode ser observado na figura 1 abaixo.

No município existem oito assentamentos com cerca 600 famílias assentadas, tabela 1 abaixo. Entretanto, serão analisados apenas dados dos assentamentos na região Pé de Serra, priorizando os dados dos assentamentos Vereda I e Vereda II.

Figura 1. Município de Padre Bernardo com destaque para Brasília.

a07i01

Fonte: Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento (SEPLAN)-GO

Tabela 1. Número de famílias e áreas dos assentamentos em Padre Bernardo

Assentamentos

Número aproximado de Famílias

Área (ha)

Tamanho médio de cada chácara em há

Data da desapropriação

Água Quente (1)

66

2.829,3041

28

17/12/1998

Boa Vista (1)

145

4.380,0339

15-17

17/12/1998

Vereda I (1)

70

2.063,7800

20

21/12/1999

Vereda II (1)

163

3.760,7900

12-15

23/08/2000

Colônia I

24

598,46

Sem informação

15/09/1995

Colônia II

23

590,00

Sem informação

20/06/1997

Jacinto Durães

60

1.623,82

Sem informação

23/08/2000

Santa Helena

50

1.245,50

Sem informação

25/11/2005

Total

601

17.091,69

Fonte: Pesquisa de campo 2007 e INCRA (SR-28) 2007.
(1) assentamentos relacionados neste texto na região conhecida como Pé de Serra.

É importante destacar que a opção pela escolha da região se deve principalmente pela minha inserção e a boa relação construída com assentamentos do município, principalmente nos assentamentos Vereda I e Vereda II, onde participei da elaboração dos Planos de Desenvolvimento de Assentamentos (PDA'S).(3) E, por ser uma região que concentra grande número de famílias migrantes vindas de várias regiões do país, que viveram um período médio de 10 anos, antes de migrarem para o assentamento. Nesse sentido, tomo como exemplo, os dados coletados na pesquisa do assentamento Vereda I, onde apesar de 82,86% dos assentados terem uma origem rural, 81,43% moraram mais de dez anos na cidade.

Gráfico 1. Origem dos entrevistados do assentamento Vereda I

 

Fonte: Pesquisa de campo. Relativo a 70 famílias assentadas no assentamento Vereda I

Assim sendo, esta pesquisa surge da experiência vivenciada em campo, com esse público. Assim, durante a pesquisa, tive a oportunidade de conviver com os assentados, visitando suas casas e participando do maior número de eventos sociais possíveis no assentamento, o que permitiu acumular um grande número de informações com diferentes informantes.

Nesse sentido, Elias e Scotson (2000) abordam que um dos benefícios de uma investigação intensiva numa comunidade seria entender melhor a natureza dos fenômenos pesquisados.

Para isso, foi utilizado, além da observação participante, o recurso das entrevistas, por ser um instrumento que possui uma maior flexibilidade no ato da coleta de dados coletando assim, os relatos orais que permitiram interpretar as experiências vividas pelos atores sociais envolvidos na pesquisa. Desta maneira, esses instrumentos possibilitaram entender esse fenômeno migratório encontrado no campo brasileiro.

Considerando as posições sociais ocupadas por eles ao longo do tempo passando de camponeses a trabalhadores assalariados na cidade, até chegarem ao assentamento, percorrendo uma longa trajetória até se tornarem assentados. Desta forma, o estudo da migração nessa pesquisa considerou o movimento dos entrevistados, de acordo com o lugar de nascimento, morada anterior aos assentamentos e o deslocamento para os assentamentos.

3. Um breve debate sobre as causas da migração rural/urbana no Brasil

Antes de discutir o fenômeno migratório para o Distrito Federal e para assentamentos rurais nessa região. É importante abordar que os atores sociais estudados nessa pesquisa são frutos de um processo de migração rural, para grandes centros, como Brasília, iniciado a partir do final da década de 1950. Portanto, o processo de migração temporal vivido pelos entrevistados antes de chegarem aos assentamentos, compreende o período entre o final da década de 1950, a década de 1980, do século passado.

O processo de reorganização populacional brasileira começou a acelerar com a urbanização, iniciada no final da década de 30, e ganhou amplitude a partir das décadas de 1940 e 1950 com o desenvolvimento da malha rodoviária, dos meios de comunicação e com o aumento da industrialização, principalmente, nos estados de São Paulo, onde o capital financeiro estava sediado, e Rio de Janeiro, por este ser o centro de concentração política e administrativa brasileira, até a fundação de Brasília em 1960. Bem como a estagnação de grandes áreas brasileiras, sobretudo, o Nordeste e Norte do país.

Nesse sentido, Patarra (2003) aponta que esse período pode ser caracterizado como um dos "mais dinâmicos e intensos no que se refere às transformações sociais, dinâmica econômica e questões populacionais" (p. 21). Um período marcado pela nova industrialização articulado com o latifúndio tradicional, que vão dar sentido aos movimentos migratórios. Assim, esse movimento migratório ocorrido nas décadas de 60 e 70 estava associado, a fatores como: desenvolvimento urbano industrial concentrado, principalmente, no sudeste brasileiro; modernização do campo; e da expansão das fronteiras agrícolas, trazendo poucas mudanças no padrão de distribuição da posse da terra.

No caso do processo de modernização da agricultura brasileira, ela se constituiu de forma excludente contribuindo para que muitos trabalhadores rurais saíssem do campo para as cidades. Nessa perspectiva Silva (2001), traz na sua pesquisa resultados com trabalhadores do corte da cana no estado de São Paulo que aponta que o processo de mecanização do corte da cana de açúcar foi responsável por milhares de demissões nessa atividade, provocando um grande impacto junto aos cortadores de cana. Atividade esta composta por uma mão de obra desqualificada e na maioria dos casos formada por trabalhadores migrantes, vindas do Vale Jequitinhonha (estado de Minas Gerais) e de estados do Nordeste brasileiro.

Na literatura especializada é possível apontar que a intensificação capitalista no campo e a concentração fundiária são fatores importantes que favorecem a migração rural/urbana, pois em regiões como o Nordeste que tem uma alta concentração de terras, somada às relações de poder exercidas pelos latifundiários e uma mão de obra com baixa qualificação fazem com que a migração para as cidades seja uma alternativa à exploração da mão de obra e à dominação que os trabalhadores rurais enfrentam.

Destarte, pode-se observar esse contexto no relato do assentado Sr. A  que era migrante nordestino que saiu do interior do estado do Ceará em 1957, para trabalhar na construção de Brasília. Segundo Sr. A, a ida para Brasília estava associada a oportunidade de conseguir trabalho e melhorar sua vida, pois na sua cidade de origem, a terra do seu pai era pequena para dividir com muitos irmãos e não tinha trabalho, no entanto, para trabalhar em troca de comida para os grandes fazendeiros da região, que detinha a posse da maioria das terras Sr. A, optou por migrar para trabalhar na construção civil. Evitando, assim, a sina de muitos parentes que ficaram em sua cidade. Portanto, para ele a forma de sair dessas condições era migrar para um grande centro urbano.

A realidade do Sr. A, se repetiu em outras entrevistas realizadas nessa pesquisa, na qual os entrevistados apontaram a concentração de terra e a falta de condições financeiras  para viver em seus locais de origem, como um estimulador para que eles migrassem do campo para os grandes centros urbano.

Durhan (1978) aponta que um dos motivos que levam o trabalhador rural a migrar não está relacionado com uma situação ocasionado por calamidades naturais, ao contrário, este migra quando suas condições de existência mínimas não permitem que ele melhore de vida. Porém, isto não quer dizer que as calamidades naturais não sejam motivos que o levem a migrar.

Embora o campo brasileiro tenha passado por um processo modernizador, a manutenção da concentração fundiária se manteve, contribuindo para que aproximadamente 14 milhões de trabalhadores na década de 1960, e 15 milhões na década de 1970, migrassem do campo para grandes cidades. Esse movimento contribuiu para que a população do campo brasileiro passasse nos anos de 1940 de 68,7%, para 15,6% em 2010, ou seja, houve uma reviravolta na organização espacial e na dinâmica populacional ocorrida num período de 70 anos.

Portanto, podemos associar essa mudança do panorama populacional campo/cidade, sobretudo, a dois fatores: de um lado à sedução das cidades, que no período de crescimento econômico acelerado atraía a população rural, oferecendo empregos, elevação de renda e acessos a serviços de saúde e educação. E, ao mesmo tempo os empregos mais solicitados pelo governo demandavam trabalhadores de pouca qualificação, que ingressavam no mercado de trabalho pelo setor de construção civil ou serviços domésticos.

No caso da atração para a região do entorno do Distrito Federal ela estava associada, principalmente, pelas oportunidades oferecidas na construção da nova capital -Brasília -, pois, a construção desta fez com que desencadeasse um conjunto de outras obras que estariam diretamente relacionadas à Brasília, por exemplo, a construção de rodovias que dariam acesso à nova sede do governo, como: Belém-Brasília (2.000 km); Acre-Brasília (2.500 km); Fortaleza-Brasília (1.500 km); Belo Horizonte-Brasília (700 km) e a Goiânia-Brasília (200 km), dentre outras obras viárias. Essas obras absolveram um volume muito elevado de trabalhadores. Sobre essa questão vejamos a explicação de um entrevistado, que saiu do estado do Piauí em busca de trabalho na construção civil em Brasília.

Eu saí do Piauí em 1960 vim trabalhar como servente de pedreiro em obras em Brasília, naquela época os caminhões de pau de arara [apelido dado aos transportes de nordestinos que saiam do nordeste para o centro sul do país] chegavam com nordestino de todo lugar para trabalhar nas obras aqui da capital, não faltava emprego, você chegava e rapidinho já estava trabalhando em uma obra aqui. (Sr. D, Assentamento Vereda I, 2006)

Por outro lado, além da oferta de trabalho nas cidades a população saía expulsa do campo, em alguns lugares pela modernização agrícola que era poupadora de mão de obra, em outras pelas mudanças das atividades agrícolas, por exemplo, em áreas em que a lavoura é substituída pelos pastos, além da própria concentração fundiária que favoreceu o deslocamento desses trabalhadores, para as cidades, conforme foi abordado anteriormente.

Essas transformações ocorridas no campo ajudam a compreender o acirramento dos conflitos de terras que vão eclodir a partir do final da década de 1980 e início da década de 1990 do século passado e o clamor por reforma agrária no Brasil. Assim, na próxima seção serão discutidos alguns apontamentos sobre a reforma agrária no Brasil.

4. Alguns apontamentos sobre a reforma agrária no Brasil

A estrutura agrária brasileira, marcada essencialmente pela acentuada concentração fundiária, ou seja, aglomeração de terras nas mãos de poucos, tem provocado, historicamente, a exclusão de muitos trabalhadores ao acesso a terra. Essa configuração agrária brasileira é fruto, principalmente, da Lei de Terras de 1850, que limitou o acesso a terra, apenas através da posse de título. A partir desse momento o Estado perde o direito de julgar sobre o uso da terra. Sobre esta questão, Martins (2000a) fez a seguinte observação:

A Lei de Terras de 1850, transferiu o domínio do território aos proprietários privados, e com isso o Estado perdeu o direito de julgar se o uso do território está sendo feito corretamente ou não. Eu não me refiro apenas à agricultura ou agropecuária, mas à questão ambiental e a questão social. E refiro-me à questão de segurança nacional. (p.12).

Nessa interpretação da concentração das terras brasileiras Linhares e Teixeira (1999) assinalam que a maior parte dessas áreas de latifúndio encontra-se improdutivas, com pastos naturais, além de servirem para especulação imobiliária. Para os mesmos autores, nas pequenas propriedades concentram a grande parte dos trabalhadores no campo, e ainda respondem pela maior parte da produção agrícola, principalmente, pela produção de alimento, enquanto o latifúndio pouco representa economicamente para o país.

Deste modo, Pedroso (2006) ressalta que a produção de vários alimentos que são colocados na mesa do brasileiro, é proveniente da produção dessas pequenas unidades agrícolas, assim sendo, a produção oriunda da agricultura familiar é responsável por: 67% da produção de feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca, 31% do arroz, 49% do milho, 52% do leite, 59% de suínos, 40% de aves e ovos, 25% do café, e 32% da soja; e ocupa 30,5% da área total dos estabelecimentos rurais, produzindo 38% do Valor Bruto da Produção (VBP) nacional.

Esses dados, também, apareceram no último Censo Agropecuário Brasileiro divulgado em 2006, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no qual chegou a conclusão que a agricultura familiar oferecem emprego para cerca de 12,3 milhões de trabalhadores, isso significa que cerca de 75% da mão de obra no campo estão em estabelecimentos voltados para agricultura familiar. Isso significa dizer que para cada 10 trabalhadores no campo, sete estão trabalhando em unidades de produção familiar.

Para Pereira (2000), a questão agrária brasileira iniciou a partir do processo de desenvolvimento capitalista no campo, em que se passou a exigir padrões qualitativos e quantitativos de abastecimento interno, assumindo a predominância dos complexos agroindustriais.

Nessa mesma direção, Gonçalo (2001) coloca que o desenvolvimento capitalista no campo resolveu muitos problemas no que diz respeito à questão de produção propriamente dita, porém, por outro lado, esse desenvolvimento contribui para agravar a questão agrária, ou seja, aumentar o nível de miséria da população rural.

O desenvolvimento capitalista no campo, segundo Linhares e Teixeira (1999), colocou um novo padrão na questão agrária e na reforma agrária no Brasil. De acordo com esses autores, a questão agrária brasileira pode ser resumida em três fases, a saber:

1) Surgimento da questão agrária, 1930-1945, imposto pelas transformações internacionais do capitalismo, marcado pelos projetos de colonização; 2) A fase da questão agrária como óbice ao desenvolvimento, 1945-1964/1965, marcada pela chamada 'substituição de importações', que criou ilhas de desenvolvimento; 3) A modernização autoritária, 1966-1990, marcada pela despolitização do campo, que introduziu padrões técnicos de produção e produtividade (p.146-148).

Essa realidade fez com que muitos trabalhadores sem terra ou sem condição de produzir, migrassem para os centros urbanos, a fim de conquistar emprego e moradia. Durante a década de 1980 trabalhadores sem terra passaram a reivindicar terras, com a ajuda dos movimentos sociais, especificamente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aglutinando forças a favor da reforma agrária (Pereira, 2000).

Já para Martins (2000b), a reivindicação pela reforma agrária nasceu nos anos 50, do recente século passado, por setores interessados mais em motivações humanitárias do que no sentido de mudanças. "Mais por um impulso ideológico e por motivação humanitária voltada para a solução das injustiças sociais do que, propriamente, por expressão de uma inadiável necessidade de mudança" (p. 94).

Assim sendo, a reforma agrária, ao longo da história brasileira, tem sido tratada por diversos autores e movimentos sociais como forma distributiva e equitativa da terra. De acordo com Gonçalo (2001), a forma mais usual para definir a reforma agrária é a intervenção do Estado nas bases do setor agrícola, promovendo uma distribuição equitativa da terra e da renda.

Autores como Palmeira e Leite (1998), analisam a reforma agrária dentro de um contexto de transformações do campo, buscando no padrão tecnológico a justificativa econômica para a reforma agrária.

Uma estrutura fundiária menos centrada abre um campo maior para o desenvolvimento de modernas técnicas agrícolas de alto rendimento que melhoram e conservam a longo prazo o ecossistema agrícola. Diante deste quadro analítico podemos afirmar que no Brasil é perfeitamente possível pensar em reforma agrária como um instrumento efetivo de política econômica, que vise dar maior eficácia e racionalidade ao sistema produtivo agrícola (...).  (Palmeira; Leite, 1998, p.101).

Para Martins (2000b), a reforma agrária é muito mais um problema social e histórico, do que econômico, que pode amenizar as consequências negativas de um modelo econômico excludente. Portanto, sendo necessário que as condições de vida dos trabalhadores em geral e dos pequenos agricultores melhorem, para que eles ampliem suas entradas no mercado de produtos ou até mesmo no mercado de trabalho.

Já a reforma agrária defendida pelo MST consiste em mudanças nas bases da estrutura fundiária, geração de emprego e renda, desenvolvimento de tecnologias adequadas à realidade dos produtores, garantia de acesso à educação e lazer, dentre outras, pretendendo, desta forma, eliminar a pobreza e as desigualdades sociais.

Segundo Marques (2000) para o Estado a reforma agrária é uma maneira de inserção de famílias sem terra numa economia capitalista, a partir de distribuição de terras feita, sobretudo, na forma de unidades familiares. Assim, a reforma agrária promovida pelo Estado através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), tem como objetivo principal a distribuição de terras através da modificação do regime de posse e uso, para a incorporação de famílias de agricultores sem terra ao sistema econômico-social, em condições de produtividade e bem-estar satisfatórios, mediante a exploração racional de unidades agrícolas.  Sendo que os principais mecanismos legais que o INCRA se baseia para a política de reforma agrária são o Estatuto da Terra (Lei n0 4.504 de novembro de 1964), o Decreto relativo à Colonização e outras formas de acesso à propriedade como o Decreto n0 59.428 de outubro de 1966.

Para Medeiros e Dias (2011), na constituição de 1988 a legislação agrária trouxe alguns parâmetros importantes para a discussão sobre reforma agrária, tais como: imóvel rural e áreas passíveis de desapropriação. Essa discussão foi regulamentada através da lei n0 8629/93, ou seja, lei agrária que definiu o imóvel rural como instalação rústica de área contínua destinada à exploração agropecuária. Nesta mesma lei, ainda foram definidos os imóveis suscetíveis à desapropriação, bem como o estabelecimento de definições para propriedades produtivas e improdutivas e as condições necessárias para possíveis desapropriações.

Uma forma concreta de realizar a reforma agrária é a constituição dos assentamentos rurais. Que é um termo utilizado a partir dos anos de 1960, principalmente, como referência aos relatórios oficiais para designar a transferência e alocação de grupos de famílias para um imóvel rural considerado improdutivo.

Leite et al. (2004) apontam os assentamentos como unidades territoriais e administrativas, sendo marcos essenciais para políticas públicas, resultando numa ampliação das demandas de infraestrutura nos locais onde são instalados. Além disso, os diferentes tipos de intervenções a que se denomina o termo assentamento implicam, por consequência, em diferentes beneficiários tais como: posseiros, filhos de produtores pauperizados, produtores autônomos, assalariados rurais, atingidos por barragens, seringueiros, trabalhadores da periferia urbana com remota origem rural, aposentados, dentre outros.

(...) ao mesmo tempo em que podem ser visto como "ponto de chegada" de um processo de luta pela terra, os assentamentos tornam-se "ponto de partida" para uma nova condição de vida, onde muitas vezes tudo está por fazer, desde a organização do lote e construção do local de moradia até toda infra-estrutura coletiva e de serviços necessária à viabilização econômica e social das novas unidades de produção familiar criadas. (Leite et al., 2004, p.260).

Para Stédile e Görgen (1993), os assentamentos rurais são um conjunto de famílias que passam a trabalhar numa área de terra, normalmente, é um latifúndio que foi desapropriado e comprado pelo governo, destinando a agricultores sem terra, que a utilizam para a produção agropecuária. Os autores ressaltam que na maioria dos casos esses assentamentos foram ocupados, como forma de "pressionar" o governo a desapropriar a área e criar o assentamento.

Carvalho (1999) define o trabalhador sem terra como um "nômade geográfico e social" pela sua mobilidade social e espacial. De acordo com o mesmo autor, as pessoas que migram para áreas de ocupações de terras saem de seu local de origem em grupos ou em famílias, e o fazem, frequentemente, com algum respaldo ou apoio logístico de amigos, vizinhos ou parentes que continuaram em seus locais de origem.

Leite et al. (2004) pontua que os  assentamentos são importantes para a geração de renda e emprego,  além de ser um fator dinamizador no comércio local dos municípios onde estão inseridos tais assentamentos. Assim, pode-se dizer que os assentamentos trazem benefícios tanto para os assentados, quanto para os municípios onde estão inseridos. Consequências não somente para as vidas dos assentados, mas para a região onde estão inseridos.

Já para Da Ros (2003), diversos trabalhos têm buscado entender a constituição dos assentamentos como um espaço de construção de relações sociais e políticas que podem ser redigidas por afinidades e conflitos, entre os assentados e os diferentes mediadores envolvidos, sendo necessário entender as múltiplas determinações que estão abarcadas na constituição dos assentamentos.

De acordo com Carvalho (1999), existe uma grande heterogeneidade de pessoas vivendo nos assentamentos, sendo: crianças, jovens, velhos, homens, mulheres, brancos, negros, mulatos e mestiços, católicos, protestantes, espíritas, umbandistas e outros cultos, há pessoas originárias das mais variadas regiões do país, que vieram da zona rural e urbana, de diversas escolaridades, profissões e distintos valores morais, políticos e culturais, e variadas habilidades com uma complexidade de contexto social em que milhares de indivíduos estão vivenciando novas formas de interação social.

Podemos perceber que esses atores sociais vivendo no assentamento, não representam um grupo homogêneo, pois, a própria trajetória vivida por cada um deles leva a um universo de habilidades, que vão além da produção de alimentos e no cultivo da terra, tais como carpintaria, mecânica e artesanato com palha. Essas habilidades são formadas ao longo de suas experiências de vida, ou seja, estão ligadas as formações do habitus de cada sujeito que vive no assentamento.

Para Bourdieu (1989), habitus seria como o esquema de percepção e ação de cada indivíduo, adquirido e formado pela história social de cada um deles e resultante de um longo processo de aprendizagem formal e informal. Os habitus, adquiridos, funcionariam no estado prático da vida social, permitindo aos seus portadores operar um senso prático da vida, como esquema de percepção, de apreciação e de ação que é acionado em determinadas situações de suas vidas.

Entretanto, é importante ressaltar que outro aspecto marcante e de grande relevância nesse processo são os valores culturais diferenciados dos assentados, no que se referem, sobretudo, em sua relação com a terra. Se, por um lado, existem assentados tipicamente camponeses, por outro, encontra-se também, no mesmo assentamento, ex-assalariados rurais forjados no seio das monoculturas modernas, além das famílias que já vivenciaram uma significativa experiência urbana. Esses valores culturais diversos dessas famílias vão marcar também diferentes formas de intervenção nos ecossistemas, formas de cultivar a terra, aproximação das pessoas em grupos de interesses comuns e diferentes formas de criação de pequenos espaços coletivos de vivência de novas práticas sociais.

É possível observar que o tema reforma agrária no Brasil é motivo de muitas polêmicas, principalmente pela falta de conhecimento da realidade do campo, sobretudo por parte do Estado.

Segundo Pereira (2000), essa falta de informação por parte do Estado levou o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA e o INCRA, em convênio firmado com o Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras - CRUB, a realizar o primeiro Censo e Pesquisa Amostral sobre reforma agrária no Brasil, no final do século XX. Os dados permitiram observar uma configuração geral dos assentamentos e sua importância na reforma agrária, apresentando as diferenças sociais e econômicas entre estados e regiões. Entretanto, segundo o mesmo autor, ainda no Brasil a reforma agrária não foi abordada do ponto de vista sociocultural.

5. Ocupação territorial na região do entorno do Distrito Federal e a decisão de partir para assentamentos rurais

De acordo com Leite et al. (2004), um dos principais elementos para a dinâmica da ocupação da região conhecida hoje como o entorno do Distrito Federal, foi a instalação de grandes fazendas de gados a partir do século XVII. A região de cerrado era propicia para o desenvolvimento da pecuária extensiva. Além das fazendas de gado, em princípios do século XX, houve um pequeno ciclo da borracha a partir de espécies nativas do cerrado, o que favoreceu o processo de ocupação da região.

Em meados do século XX, com a construção de Brasília e da hidrelétrica de Três Marias, houve um acelerado crescimento nessa região, contribuindo para uma nova etapa na reorganização do espaço territorial, e se formou por excelência um novo pólo de atração de migrantes para a região Centro Oeste brasileiro.

Segundo Oliveira (2002), em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek encaminhou para o Congresso Nacional a proposta de criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (NOVACAP) e o nome para a nova capital do país, sendo batizada de Brasília. Assim, em março de 1957 um júri internacional escolheu o projeto do urbanista Lúcio Costa, que concorreu com outros 26 projetos nacionais.

Brasília foi inaugurada em abril de 1960 e foi projetada para chegar o ano de 2000, com uma população de 500 mil habitantes, no entanto, ultrapassou essa marca já nos primeiros dez anos após sua inauguração. (Oliveira et al. 2011)

 Os dados do último Censo Demográfico brasileiro, realizado em 2010, mostraram que a capital federal já tinha uma população de cerca de dois milhões e meio de habitantes, e que ainda continua sendo um importante pólo atrativo de mão de obra, conforme pode ser observado na tabela 2 logo abaixo.

Tabela 2. Evolução do número de habitantes em Brasília

Ano

Homens

Mulheres

População Total

1960

87.202

52.963

140.165

1970

270.389

267.103

537.492

1980

573.724

603.211

1.176.935

1991

768.550

832.544

1.601.094

1996

873.914

948.032

1.821.946

2000

977.781

1.065.388

2.043.169

2010

1.225.237

1.337.726

2.562.963

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010).

A construção de Brasília fazia parte das estratégias desenvolvimentistas defendidas pelo presidente Juscelino Kubitschek que eram de fortalecer a criação de centros industriais urbanos e de transferir a capital para o interior do país.

Para Gouvêa (1998), Brasília foi idealizada de maneira a ordenar o espaço urbano como forma de combater a desordem da cidade tradicional e a dificuldade do controle social que existiam, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro antiga capital do Brasil. Assim, criou-se, nesse processo, nas palavras do autor todo um racionalismo messiânico que escamoteava suas verdadeiras intenções, que era de instrumentalizar o espaço e colocá-lo a serviço do capital.

Destarte, a região da nova capital federal se consolidou como região de grande atração de mão de obra, em especial de trabalhadores vindos do nordeste brasileiro. De acordo com Gouvêa (1998), a migração para Brasília estava diretamente relacionada com a situação difícil que o migrante encontrava em seu local de origem. Além de buscar melhores condições de vida, como assistência médica e educação, que, na maioria das vezes, apesar das deficiências dos serviços prestados, ainda era muito superior aos prestados na maioria das regiões do país.

Dessa forma, entre as décadas de 80 e 90, a região se consolidou como grande atração de mão de obra, em especial de nordestinos, que vem em busca de emprego e de acesso a serviços públicos. Nesse sentido, dentre os assentados entrevistados foi possível distinguir dois grupos de imigrantes que vieram para Brasília:

O primeiro grupo é formado por aqueles migrantes que vieram de caminhão pau de arara (transporte rústico que saía do sertão brasileiro para as regiões centro-sul do país) antes dos anos 1970, para trabalhar na construção civil. Nesse período, esses imigrantes não tiveram dificuldades para encontrar empregos.

Cheguei para trabalhar na construção de Brasília de motorista ou o que aparecesse. Eu cheguei a trabalhar quatro dias de servente. Mas foi aquela coisa ruim, as camas cheia de percevejo. Eu não conhecia aquilo, mas os outros que já conhecia falava: isso ai é percevejo nas camas. E aonde tem percevejo, tem barbeiro (...), Aí, eu com quatro dias trabalhando de servente, eu cheguei e pedi contas, porque qualquer lugar que você chegasse você conseguia emprego e trabalhava era muita oferta de emprego, ai fui trabalhar em outro lugar. (Sr. A, Assentamento Vereda I, 2001).

Esse primeiro grupo faz parte de um movimento migratório, iniciado no final da década de 1950, no Brasil. Assim sendo, para falar de migração em assentamentos rurais na região do entorno do Distrito Federal, é preciso compreender que historicamente essa área foi um atrativo de correntes migratórias deflagradas com a construção de Brasília e que se estendeu por todo século XX.

Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN) (1999), no período mais intenso da construção de Brasília, as correntes migratórias constituíam o principal fator formador da população do Distrito Federal, com 358.014 e 488.546 migrantes nas décadas de 1960/70 e 70/80, respectivamente. No período de 1980 a 1991, o número de migrantes diminuiu significativamente, apresentando média anual de 8.966 pessoas, voltando a crescer entre 1991/96, atingindo média anual de 19.229 migrantes.

Esses migrantes chegavam cheios de sonhos de encontrar na cidade, o paraíso idealizado por muitos, através de relatos contados por amigos ou parentes que regressavam aos seus locais de origem e contavam histórias da vida na cidade, ou até mesmo, através dos discursos dos políticos da época que enaltecia o feito da construção da nova capital.

Com essa onda de migração para a nova capital, surgiram as chamadas cidades satélites ou regiões administrativas: como o Núcleo Bandeirante, em 1956; Paranoá, em 1957; Taguatinga, em 1959; em seguida, a cidade do Gama e do Sobradinho em 1960, entre outras. Essas regiões ou cidades satélites vão compor o Distrito Federal brasileiro.

No segundo grupo de atores entrevistados estão aqueles que vieram depois dos anos de 1970 e foram trabalhar, principalmente, na prestação de serviços como, por exemplo, em oficinas mecânicas,  borracheiros, caseiros e empregadas domésticas.

Segundo Oliveira et al. (2011) muitos desses migrantes foram para Brasília porque acreditavam que seriam amparados por parentes e amigos que já tinham migrado para esse destino, e por isso a decisão sobre o destino do migrante. Na maioria das vezes, isso aconteceu, devido à construção das relações de solidariedade que tinham estabelecidos com parentes ou conhecidos que migraram primeiro.

Assim, uma das principais características desse grupo está relacionado à conquista do emprego, graças aos parentes destes migrantes, que chegaram antes.

(...) eu fui trabalhar na retífica com o meu irmão, que tinha conseguido o emprego com o patrão dele. Na primeira semana eu não sabia de nada, mas foram ensinando como era as coisas. Trabalhei com jato de areia. É uma máquina de jatear peça. Serve para limpar as peças, tirar o óleo das peças. Você deixa a peça bem limpinha. Depois fui pegando as manhas de retifica. (Sr. F, Assentamento Vereda I, 2001).

Em Brasília para muitos o sonho de um emprego não foi possível de se concretizar, sobretudo, pelas mudanças que ocorreram no mercado de trabalho nas últimas décadas, em relação, à especialização e a exigência de um trabalhador qualificado.

Enquanto eu estava empregado pagava a prestação da casa, pagava a água, a luz, dava para se manter, mas depois que eu fiquei desempregado, aí não dava mais pra gente se manter. O que a mulher ganha é mixaria pra gente se manter, custear as despesas tudo. Quando eu chegava para procurar emprego, ia logo me pedindo os documentos, via a minha idade [62 anos] e logo falava que não tinha vaga não. Rodei por todo canto e a única coisa foi isso aqui [assentamento]. Vim parar nos sem terras. (Sr D, Assentamento Vereda I, 2001).

Isso fez com que esses migrantes pesquisados buscassem nos assentamentos um local para viver, trabalhar e ter uma moradia. Sobre o desemprego é importante destacar que o Distrito Federal, no final do século XX, teve altas taxas de desemprego fazendo com que milhares de trabalhadores buscassem alternativas para geração de renda.

Além das transformações ocorridas no mercado de trabalho, a violência na cidade, à esperança de conseguir terra fizeram com que muitos destes migrantes se integrassem em movimentos de luta pela terra, como o MST. É importante destacar que a concentração de terras e a proximidade com Brasília, também, contribuíram para que a disputa por terras e a ocupação destas acontecessem em municípios da região.

Na visão dos entrevistados os motivos que impulsionaram a deixar Brasília e ir para o acampamento (4) e posteriormente para os assentamentos, foi o somatório de três fatores, destaca-se que a ordem em que estão colocados esses fatores não se relaciona com a ordem de importância, pois a importância é o somatório dos três fatores.

O primeiro fator está relacionado com a falta de perspectiva em relação ao mercado de trabalho. Para os entrevistados, a pessoa com idade avançada e sem estudo não tem espaço no mercado de trabalho da cidade. Os entrevistados, na época da entrevista tinham, em média, 45 anos. Assim, podemos observar essa constatação na seguinte fala:

Teve uma vez que eu cheguei lá e fiz uma ficha num abatedor de frango, quando eles descobriram a minha idade, eles mandaram embora na mesma hora. Só porque eu tinha 55 anos na época. Por isso, acho que a vida lá [na cidade] é muito sofrida e não tem mais lugar para mim. (Sra. C. Assentada do Vereda I, 2004).

Já, o segundo fator,de acordo com os entrevistados está relacionado com a violência que vem crescendo nos grandes centros, sobretudo, com assaltos, assassinatos e tráfico de drogas na periferia de Brasília. "Eu nem quero mais saber de cidade. Hoje tem muita violência, droga e roubo lá em Brasília." (Sr. BC. Assentado do Vereda II, 2004).

Por fim, o terceiro fatorrefere-se à vontade de ter uma terra, desejo este presente desde que realizou a migração. É necessário ressaltar que muitos migraram para a cidade com objetivos de juntar dinheiro para conseguir comprar um 'pedaço de terra', em sua terra natal. Desta forma, o sonho de conseguir uma terra mobiliza esses trabalhadores a participarem das ocupações de terra na região. "Eu nasci na roça e sempre eu procurava voltar pra roça. Morava na cidade e tudo, mas o meu pensamento era sempre voltado pra roça, porque na cidade eu nunca consegui coisa de vantagem e na roça eu sei me virar melhor." (Sr. U. Assentado do Boa Vista, 2004).

Nessa perspectiva, esses fatores fizeram com que esses migrantes se aproximassem do MST, engrossando, assim, o movimento de luta pela terra na região. Sobre o movimento de luta pela terra, os entrevistados apontaram que conheciam o MST apenas pelas notícias passada pela imprensa televisiva, especialmente, sobre o acontecimento de Eldorado dos Carajás em 1996,(5) conforme pode ser observado na fala do entrevistado abaixo.

Rapaz, eu tinha um medo daquilo [das ocupações do MST]. Medo demais, porque a gente via as brigas, principalmente, naquele lugar que teve as mortes, no Pará, em Eldorado, onde matou um 'mucado' de gente lá. Então aquilo ali me deixou como medo (...), mas depois eu vi que não era bem assim e que vim para aqui [assentamento] poderia ser uma forma de conseguir alguma coisa. (Sr. B. Assentado do Vereda II, 2004).

Nesse sentido, Martins (2003) chama atenção de que a luta pela terra, significa lutar pelos direitos, como por exemplo, moradia, ou seja, uma possibilidade que se apresenta na reforma agrária, pois é "[...] na morada que se encontram os mecanismos de reprodução da família e sociabilidade familiar, que se renova na sacralidade dos laços de família e a mística da relação com a terra" (p. 21).

É importante destacar que a decisão de ir para o acampamento foi tomada depois de conversarem com os parentes. Mesmo sabendo que alguns seriam contrários a essa decisão, eles resolveram partir para essa luta, por acreditar 'no sonho da terra', emuitos foram acompanhados de vizinhos ou parentes que já estavam no movimento há mais tempo.

De acordo com os entrevistados, eles acreditavam que em pouco tempo ganhariam um 'pedaço de terra' e que não seria necessário pagá-la. Porém, a informação que se teve quando chegaram ao acampamento foi de que a terra seria paga, mas eles não importaram com a notícia, porque segundo eles, participar das ocupações poderia significar a possibilidade de conseguir uma parcela de terra, ou seja, realizar um dos seus sonhos, mesmo que fosse paga ao longo do tempo.

Fatores como os citados acima contribuíram para que a ocupação de terra na região do Distrito Federal se intensificasse, no final do século XX e esse contexto fez com que o Estado criasse na região uma superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), para diminuir as tensões e para tratar dos conflitos de terra e dos assentamentos rurais na região da capital Federal. Os argumentos para a criação desta superintendência estavam associados, sobretudo, pelo aumento dos conflitos agrários na região, o que vinha prejudicando o processo de reforma agrária na região do entorno do Distrito Federal.

Essa superintendência foi denominada como SR-28, responsável por atender os municípios do estado de Goiás, próximos a Brasília, e municípios do noroeste do estado de Minas Gerais. Nessa região, até dezembro de 2010 existiam 172 assentamentos, sendo 27 criados antes de 1997, ou seja, antes da criação da SR-28.

Segundo Oliveira et al. (2011), no Brasil até setembro de 2011 existiam 30 Superintendências Regionais, constituindo como órgãos descentralizados, responsáveis pela coordenação e execução das ações do INCRA nos estados. Assim, esses órgãos são responsáveis por gerenciar, executar e fiscalizar a política de reforma agrária, bem como as demandas necessárias relativas às questões fundiárias nas suas respectivas regiões. 

6. Ocupação de terras e a constituição dos assentamentos rurais em Padre Bernardo

No município de Padre Bernardo, o marco da luta pela terra foi o ano de 1998, quando, lideranças regionais do MST trabalhavam com a possibilidade da criação de assentamentos na região conhecida como Pé de Serra. Nesta área, existiam cinco fazendas (Boa Vista, Buriti da Espingarda, Capão do Chiqueiro, Vereda e Serra Feia) que poderiam ser ocupadas para serem transformadas em assentamentos rurais. As cinco fazendas deram origem aos quatro assentamentos na região, ou seja, Boa Vista, Água Quente, Vereda I e Vereda II. O período de acampamento na região durou cerca de três anos, e em julho de 2001, toda região ocupada já havia se transformado em assentamentos rurais. Na tabela 3 logo abaixo é possível observar a data de criação dos assentamentos e o número de famílias assentadas.

Tabela 3. Número de famílias e áreas dos assentamentos na região Pé de Serra

Assentamentos

Número aproximado de Famílias

Área (ha)

Tamanho médio de cada chácara em ha

Data da desapropriação

Água Quente

66

2.829

28

17/12/1998

Boa Vista

145

4.380

15-17

17/12/1998

Vereda I

70

2.063

20

21/12/1999

Vereda II

163

3.760

12-15

23/08/2000

Total

444

13.032

Fonte: Pesquisa de campo, 2006

Segundo Oliveira et al. (2011), a chegada desses trabalhadores no município de Padre Bernardo estava associada ao intenso trabalho de base feito por membros do MST, principalmente, nas periferias, das cidades satélites do Distrito Federal e através da divulgação em rádios e da presença de membros regionais do MST nas comunidades chamando as pessoas para participarem das ocupações.

Desta forma, a ação de ocupação na região foi coordenada, principalmente, por militantes do MST, que atuavam na região do entorno do Distrito Federal, e ainda, contou com a participação do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Padre Bernardo, que ficou responsável de organizar a ocupação da fazenda do Capão do Chiqueiro, atual assentamento Água Quente ou assentamento do Sindicato como também é conhecido.

O primeiro acampamento chegou a ter 800 barracos, destaca-se que esse acampamento durou cerca de seis meses, e posteriormente, os acampados tiveram que mudar ainda duas vezes, priorizando sempre locais próximos à água na própria região Pé de Serra. A mudança destes acampamentos estava associada, à necessidade de melhor adequar a ocupação na área, ou até mesmo, porque no local onde existia um acampamento, tinha se transformado em assentamento. Essa realidade mostra que o acampamento denota a falta de fixação e desenraizamento vivido pelos moradores de um acampamento de sem terra.

Sobre a configuração do acampamento, o mesmo era formado por barracas de lona preta coberta com palha ou telhas de amianto, e eram próximas umas das outras, formando pequenos núcleos. Cada barraca pertencia a uma família e na maioria dos casos outros membros da família ou vizinhos vindos de Brasília construíam os barracos próximos um dos outros. Na figura 2 é possível observar o último acampamento da região.

Figura 2. Foto do acampamento Vereda II

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Fonte: foto tirada pelo autor em 2001

Segundo relatos, essa tática de montar barracas próximas a parentes ou a vizinhos vindos da cidade se dava pela confiança que já existia antes da vinda para o acampamento. Ressalta-se também, que tinham barracas de trabalhadores solteiros que se instalaram nos acampamentos da região. Segundo os entrevistados o acampamento era muito movimentado.

Era gente de todo o lado que chegava todos os dias, vindo a pé, de cavalo e de carro. Tinha pessoas de todos os tipos: crentes, católicos, desempregados, empregados, fazedores de bico, gente de todo o tipo. Muitos conseguiram uma parcela. (Sra. Ar, Assentamento Vereda I, 2001).

Para Sigaud (2005), os acampamentos compreendem um conjunto de técnicas ritualizadas como organização espacial, um conjunto de relações construídas, em que existe toda uma etiqueta para entrar no acampamento e nele se instalar, regras de convivência, além do forte simbolismo - a bandeira e a lona preta - presente nesse espaço, representava a organização do seu território, o que a autora chama de "a forma de acampamento".

O cotidiano desses acampados que resolveram entrar numa ocupação de terras e fazer parte dele para lutar por um pedaço de terra foi modificado pela nova situação de vida. E, esta nova realidade social -  acampamento -, devido a suas regras,  dificuldades, e  necessidade de lutarem juntos por uma causa comum, fez com que alguns elementos fossem repensados. Para os acampados, a imagem que tinham de uma ocupação de terra era de briga, baderna, ou seja, confusão. Nas entrevistas, era recorrente lembrar-se da morte de Chico Mendes ou do massacre ocorrido em Eldorado dos Carajás.

Entretanto, com o surgimento dos acampamentos na região os migrantes viram na possibilidade de participar das ocupações uma alternativa de trabalho, que possibilitasse a manutenção da família e que a luta pela terra não era aquilo veiculado pela impressa, sobretudo televisiva, que procurava apontar os sem terra como maus feitores.

Eu pensava que era coisa ruim. Eu pensava que a reforma agrária, MST era só briga, porque eu via tantas imagens terríveis na televisão, como aquilo de Eldorado dos Carajás. Eu pensava que nunca ia entrar num negócio desse. Eu falava que jamais viria para um negócio desse. Só que quando você começa a entrar pra coisa, você começa a vim, dificilmente você sai, porque você vê que é uma alternativa para sua família. (Sra. B, Assentamento Vereda I, 2004).

Essa expectativa de que um futuro melhor poderia acontecer a partir da ocupação de terra é um elemento importante, como aponta Sigaud (2005), para entender porque trabalhadores decidem fazer parte de ocupações de terra.

Se considerarmos dois momentos na vida desses acampados, ou seja, local de nascimento e o anterior à ocupação, podemos observar que a grande maioria realizou uma migração longa, em busca dos seus sonhos. Para isso, tomo como exemplo dados dos chefes de família do último acampamento da região, na fazenda Vereda, atual assentamento Vereda II, em maio de 2001, onde existia nesse local 96 famílias acampadas, com origem em vários estados da federação, ver gráfico 2, com destaque para os estados da região nordeste do país, que compreende 48 famílias oriundas desses estados.

Gráfico 2. Regiões de origem das últimas famílias acampadas na região

a07i04
Fonte, pesquisa de campo

Destaca-se que essa realidade encontrada no assentamento Vereda II, pode ser ampliada para os demais assentamentos da região Pé de Serra, ou seja, os demais assentamentos têm uma composição de origem semelhante a essa. Outra característica comum desses assentados está relacionada com a residência anterior em cidades satélites do Distrito Federal, ou seja, antes de chegaram ao assentamento em algum momento eles moraram em cidades satélites do DF.

Durante as entrevistas foi possível perceber que um ponto crucial para que esses migrantes ficassem acampados foi à capacidade desses trabalhadores formarem redes de parentesco, amigos ou vizinhança, que serviram de estratégias para que esse trabalhador pudesse criar os mecanismos de reprodução necessários para a sua sobrevivência.

Segundo Leite et al. (2004), nestes espaços de luta pela terra, a vida desses trabalhadores sem terra assume uma nova dinâmica, surgem novos espaços como assembléias, reuniões e redes de sociabilidade. Nesse momento, múltiplas formas de organização passam a surgir, contribuindo para a construção e o fortalecimento de uma consciência de grupo.

Assim, se por um lado, esses atores sociais se igualam na luta pela terra e por melhores condições de vida, por outro, eles possuem características heterogêneas forjadas nas trajetórias de vida que cada um passou individualmente, desde o momento da desagregação em seus locais de origem até os acampamentos e, posteriormente nos assentamentos rurais.

É importante destacar que a presença dos movimentos sociais na região, principalmente do MST, foi fundamental para que esses acampados conseguissem se articular e conquistar a terra. No entanto, divergências e desconhecimento por parte dos acampados em relação ao que era reforma agrária e MST contribuíram para o rompimento com o movimento, depois de dois anos de acampamento.

Sobre o rompimento com o MST, não foi possível encontrar lideranças do movimento na região que pudesse esclarecer esse rompimento. Ficando, portanto, apenas o depoimento das famílias entrevistadas que relatam que o rompimento com o movimento foi necessário, pois as divergências entre o grupo e as lideranças do movimento provocaram um desgaste que tornou insustentável a relação.

6.1. Perfil dos atores sociais que participaram das ocupações

Procurando apontar algumas características dos atores sociais que participaram das ocupações no município de Padre Bernardo, será descrito algumas histórias dos entrevistados. De uma maneira geral a média de idade dos chefes das famílias assentadas no Vereda I e Vereda II, no início da pesquisa em 2001 tinham em média entre 44 e 43 anos respectivamente. Compondo uma população com uma idade relativamente avançada para um mercado de trabalho cada vez mais exigente. Além disso, esses assentados tinham baixa escolaridade, sendo na maioria dos casos possuindo apenas o ensino fundamental o que equivale apenas cinco anos de estudos.

Sobre as profissões declaradas pelos entrevistados antes de virem para o assentamento. Foi possível identificar profissões como trabalhador rural (posseiros, arrendatários), caseiros, trabalhadores da construção civil, ambulantes, pintores, empregadas domésticas, mecânicos, etc.. Basicamente profissões que exigiam baixa qualificação. Também, foi possível identificar a presença de trabalhadores aposentados. Nos gráfico 3 e gráfico 4 abaixo é possível ver a última profissão declarada por 85 entrevistados no assentamento Vereda II e 52 entrevistados no assentamento Vereda I.

Gráfico 3. Ocupação anterior do assentado antes de vir para o assentamento Vereda II

a07i05 

Fonte, pesquisa de campo, 2006

Gráfico 4. Ocupação anterior do assentado antes de vir para o assentamento Vereda I

a07i06 

Fonte, pesquisa de campo, 2006.

Podemos perceber que nos gráficos acima apontam que a maioria dos entrevistados em ambos os assentamentos se declaram estar trabalhando como trabalhadores rurais, antes de virem para o acampamento, em seguida vêm àqueles que se declararam trabalhadores da construção civil (pedreiros, serventes, marceneiros, entre outros). Ambas as profissões exigem pouca qualificação formal o que possibilitava a inserção desses migrantes no mercado de trabalho.

Nesse sentido, vejamos a explicação de um assentado que veio para o acampamento e posteriormente para o assentamento. O Sr. P. natural do estado Maranhão migrou da sua terra natal com 18 anos, chegou a Brasília em 1966 para trabalhar em obras nas cidades que cresciam em volta da nova capital. No trabalho em obras aprendeu a profissão de eletricista, atividade que desenvolve até a sua ida para o acampamento. Na explicação dele, nos últimos anos a oferta de trabalho foi diminuindo em consequência da reestruturação do mercado de trabalho e pela estagnação econômica que o país vivia.

Para o entrevistado um fator que dificultava o mesmo de conseguir trabalho estava associado a sua idade avançada e aos poucos anos de estudo (cinco anos) que o mesmo tinha, por isso no final do ano de 1998 Sr. P. resolveu participar da ocupação de fazendas na região de Pé de Serra. Veio para o acampamento sozinho, deixando a família na cidade satélite da Ceilândia. Posteriormente, trouxe suas duas filhas do segundo casamento (08 e 10 anos) e a esposa. Em 2001 Sr. P foi assentado no assentamento Vereda I. Outro assentado Sr. S. ajuda a entender a opção por esses migrantes de trabalharem na construção civil,

[...] eu cheguei em Brasília nos anos 70 a gente já chegava e ia trabalhar nas obras, porque era um serviço pesado e que não exigia estudo. Ai eu fui trabalhar em obra, consegui trabalhar nas obras até 10 anos atrás, mas depois as obras foram diminuindo e o pessoal não queria mais contratar velho, ai fiz de tudo antes de vim para o acampamento. (Sr. S Assentamento Vereda II, 2006).

O relato do Sr. S ajuda a perceber que para muitos a baixa qualificação e os anos avançados não permitiram que os mesmos se inserissem em outra atividade no mercado de trabalho da cidade.

Para o Sr. M. casado, pai de dois filhos (5 e 9 anos), nascido no estado do Maranhão, trabalhava como lavrador na sua cidade natal, antes de vir para Brasília na década de 1980 com 18 anos foi morar com um tio, para trabalhar como caseiro - trabalhador rural em chácara do entorno do DF - e por fim vinha trabalhando como servente de pedreiro na cidade satélite da Ceilândia. Ficou sabendo do acampamento através da divulgação feita pelos integrantes do MST. Na época que veio para o acampamento trouxe o irmão que trabalhava em horta no cinturão verde da capital. Nas palavras do Sr. M "[...] a gente que tem pouco estudo não tem chance na cidade, hoje fica muito difícil de conseguir emprego, eu mesmo só sei ler e escrever é por isso" (Sr. M, Assentamento Vereda I, 2001).

Essa realidade vivenciada por esse migrante fez com que muitos fossem parar no assentamento como uma alternativa para conseguir se manter na região. Pois nos relatos desses entrevistados a possibilidade do retorno para os locais de origem, é descartada. Como mostra um entrevistado: [...] voltar eu não volto porque naquela época [quando migrou para Brasília] eu era jovem, hoje com 50 anos eu tenho que arranjar é por aqui mesmo, porque se não fica feio voltar, sem nada né? (Sr. AD, Assentamento Vereda II, 2001).

Sobre os locais que residiam na cidade a grande maioria dos assentados explicou que antes de virem para o acampamento residiam nos municípios do entorno do Distrito Federal como Luziânia, Trajanópolis, Parque da Barragem, Taboquinha, Cristalina ou nas cidades satélites do DF. Viviam em áreas da periferia dessas cidades que são bastante violentas. Segundo Waiselfisz (2011) no ano de 2000 o Distrito Federal ocupava a sétima posição na questão de taxa de homicídio, no Brasil entre as 27 regiões metropolitanas pesquisadas. O aumento da violência desses lugares também foi um motivador para que esses migrantes se deslocassem para os assentamentos rurais.

Essa explicação pode ser vista no relato da Sra. M.natural de Itambacurí, no estado de Minas Gerais, veio para Brasília nos anos de 1980, trabalhou de empregada doméstica, caseira e ambulante, morava na cidade satélite de Brazlândia, mas por causa da violência que vinha aumentando na cidade resolveu partir para o acampamento.

Eu saí de Brazlândia [cidade satélite de Brasília] e vim para o acampamento porque cansei de ver coisas errada e gente morrendo lá na cidade, fui ficando com medo e também já tava querendo um lugar tranquilo para viver, e aqui no assentamento é mais tranquilo não tem esse negócio de roubo. (Sra. M, Assentamento Vereda II, 2006).

Na explicação da entrevistada, mesmo indo para uma área de ocupação de terras, ela vislumbra o campo como um lugar tranquilo, longe da violência e de crimes percepção compartilhado por outros entrevistados.

Ainda sobre moradia, os entrevistados explicavam que em muitos casos as habitações que eles residiam na cidade não pertenciam a eles, sendo comum o pagamento de aluguel ou moradia junto com parentes. E, a possibilidade de conseguir uma parcela de terra no assentamento, também, significava a possibilidade de conseguir acessar a recursos como crédito habitação que permitiria que eles construíssem uma casa nas chácaras que receberam.

Sabe aqui as coisas não estão como eu esperava, está sendo difícil adaptar na terra, mas eu agora posso falar que tenho a minha casa que foi construída com o dinheiro do crédito habitação, só por causa disso já valeu a pena tudo que passei. (Sra. M, Assentamento Vereda II, 2006).

É importante destacar, que os relatos apresentados pelos entrevistados demonstram que a experiência de vida deles levou a diversas situações de mobilidade buscando sempre oportunidades novas para suas vidas e condições de reprodução social de suas famílias.

Nesse sentido, nos relatos dos migrantes entrevistados percebe-se que participar de uma ocupação de terras surge na vida deles como um campo de possibilidade, uma estratégia que permite que eles possam reproduzir suas condições materiais, familiares, ter uma colocação ou até mesmo uma atividade. Entretanto, com o passar dos anos e a dificuldade encontrada em administrar suas chácaras ou até mesmo em se adaptar nesse novo espaço, favoreceu que estes migrantes abandonassem o assentamento e voltassem para as cidades satélites do DF. Essa questão será foco de análise da seção seguinte.

7. O assentamento enquanto espaço social em processo contínuo de construção de trabalhadores migrantes

Os assentamentos da região Pé de Serra em Padre Bernardo, podem ser considerados, de certa forma, espaços construídos de fora, ou seja, formados por vários grupos que chegaram e passaram a conviver e a se constituir a partir dos acampamentos e posteriormente nos assentamentos. Atores sociais com trajetórias distintas apesar de a grande maioria ser formada por migrantes e que nesse momento de suas vidas passam a viver num mesmo espaço, não só físico, mas também um espaço de relações sociais com características heterogêneas e individuais, que no assentamento vão aflorar e contribuir para construção de uma série de relações sociais.

Assim sendo, nos últimos anos, diversos trabalhos que tratam da formação dos assentamentos rurais têm buscado entender a constituição destes como um espaço de reconstrução de relações sociais, procurando compreender melhor esse fenômeno. Nesse sentido, Romano (1994) aponta para a importância de entender as relações étnicas, de parentesco, vizinhança, compadrio, conflito, valores, dentre outras. Pois, segundo o autor, o entendimento dessas questões funcionaria como princípios de orientação da conduta da visão de mundo dos atores, agregando interesses, demarcando e delimitando grupos sociais nos assentamentos.

Silva (2003) constrói sua discussão privilegiando a ideia do assentamento enquanto um espaço social em processo de construção, "[...] onde as distintas temporalidades - passado, presente e futuro - acham-se imbricadas e são resultantes das ações dos sujeitos em determinadas circunstâncias" (p.109). A autora procurou ainda analisar o assentamento como um "mosaico social" intrincado de arranjos organizados no espaço da produção e da reprodução.

Em pesquisa realizada em assentamentos rurais no Brasil por Leite et al. (2004), os autores apontaram que para muitos assentados o acesso a terra trouxe um nova condição na qual esses assentados passaram a se sentir liberto, ou seja,  saindo da condição de sujeição,(6) trazendo uma sensação nítida de melhora em relação ao passado.

Nesse sentido, o assentamento rural poderia ser considerado um espaço em que esses trabalhadores, migrantes ou não, possam conseguir uma autonomia relativa comparada com as várias fases de suas vidas. Esta autonomia está relacionada à ausência de um patrão e à administração de seu próprio tempo, fatores estes considerados importantes por eles. Além disso, nos assentamentos esses migrantes passaram a reproduzir parte de seus valores camponeses, principalmente aqueles referentes à família e às relações de vizinhança. Além disso, valores urbanos apreendidos em suas trajetórias influenciaram as formas de produção e de organização do próprio assentamento.

No entanto, dez anos após a formação dos assentamentos, esses migrantes tiveram dificuldades para exercer essa nova condição de produtores. Isso porque, apesar de terem vivido uma parte de suas vidas em contato com a terra, a maioria nunca tinha estado à frente de algum estabelecimento de produção. Os assentados expressaram que tinham uma experiência muito grande, mas com outras atividades como pedreiro, carpinteiro, motoristas, diaristas, empregadas domésticas, caseiros e etc., conforme foi apresentado anteriormente. A experiência com o campo estava limitada ao período que passaram morando com os pais na infância ou adolescência, sobretudo em regiões dos estados do Nordeste brasileiro. Que tem outro bioma diferente do cerrado onde se encontram os assentamentos. Essa situação fez com que a maioria tivesse problemas para administrar sua chácara, sobretudo, no que tange à aplicação dos recursos como os créditos do Programa Nacional da Agricultura Familiar (PRONAF/A) e até mesmo de lidar com as terras do cerrado.

Foi possível perceber que ao longo dos anos os assentados construíram uma contínua relação com outros espaços. Isso porque como a maioria dos assentados não é da região, já chegaram ali com relações sociais pré-constituídas e que mesmo estando em outros universos sociais - os assentamentos - essas relações ainda continuam existindo. Prova disso é a relação que buscam na cidade, através dos trabalhos temporários e em alguns casos até do trabalho permanente.

Hoje não da para tirar o sustento da minha família da chácara e por isso eu faço bico [trabalho temporário] em Brasília e deixo a minha família aqui no assentamento, porque aqui no assentamento, eu não preciso pagar aluguel já na cidade eu pagava aluguel. (Sr. B, Assentamento Vereda I, 2006).

Além disso, existem aqueles assentados que desistiram de suas chácaras por falta de infraestrutura, como falta d' água, de estradas, de condições de escoar a produção, ou até mesmo por falta de aptidão para lidar com a terra, atrelada a dificuldade de uma assistência técnica que orientasse os assentados contribuíram para que os mesmos se desestimulassem e vendessem as propriedades. Mesmo essa venda sendo proibida, isso porque o INCRA estabelece que os assentados que não possui o título da terra, como é o caso dos assentados pesquisados, não podem executar a comercialização das terras. No entanto, na região foi comum assentado vender sua chácara e migrar para outros locais. Todavia é importante ressaltar que mesmo com todos esses desafios e as pressões exercidas sobre eles, muitos assentados acreditaram e ficaram esperando construir ali um espaço que possam deixar para as suas gerações futuras.

8. Considerações finais: O assentamento rural é um ponto final relativo para migrantes?

A pergunta que leva nome a essa seção me faz refletir que o assentamento pode ser um ponto final relativo para essas famílias migrantes, ou seja, uma vez que os assentamentos possam garantir alguma permanência dessas famílias elas ficaram. Caso contrário essas assentados acabaram migrando novamente. É importante destacar que nesta pesquisa foi possível perceber que a decisão de migrar está relacionada com a possibilidade de mudanças quanto às condições de vida em diferentes fases vividas por estes migrantes.

Nesse contexto, pode-se considerar a reforma agrária como uma estratégia de mudança para esses migrantes, podendo representar uma saída não só para minimizar as penúrias do cotidiano, mas também para buscar um lugar social que se possa driblar a exclusão. Portanto, os assentamentos rurais pode se tornar o lugar, o território, o espaço onde poderão ancorar seus valores culturais e estabelecer sua reprodução social. Ademais, os assentamentos podem ser uma porta para alcançar outras possibilidades.

Destarte, o assentamento torna-se para esses migrantes um espaço em que existe esperança de construir uma vida mais digna, torna-se uma "encruzilhada social" (Carvalho, 1999), devido à heterogeneidade de pessoas e valores que compartilham essa etapa de suas vidas. Novas formas de socialização serão incorporadas, novos saberes serão adquiridos, e, muito do saber que estes trabalhadores acumularam em suas trajetórias, será reproduzido neste ambiente.

Nesse sentido, o assentamento surge para esses atores como um campo de possibilidades, que garantirá trabalho, moradia e créditos. Os assentamentos também podem ser vistos como um ponto final relativo, pois, aquele espaço pode ser visto como um espaço que possibilitará um salto para outro degrau socioeconômico.

Diante dessa observação, Garcia Jr (1989) entende que migrar pode ser uma estratégia importante para a reprodução social de um determinado grupo. O autor, em seu estudo no Brejo e Agreste da Paraíba, conclui que a migração, no caso para as cidades industriais, significava uma forma de escapar da sujeição, o que passou a ser associado à noção de liberdade, porque com o dinheiro obtido no Centro-Sul, podia-se comprar terras para a família cultivar e eles sairiam da condição de sujeitos para condição de libertos.

Portanto, essa explicação seria contrária à ideia de algumas instituições e de até mesmo do INCRA ou da própria política de reforma agrária que concebem o assentado como um indivíduo que deve ser fixado ou assentado a terra, ao lote, à chácara sendo que sua saída seria considerada uma evasão, ou até mesmo vista como um indicador de insucesso ou fracasso da política de reforma agrária. Essa mentalidade precisa ser revista por esses gestores. Como já foram observadas em diversos estudos, as pessoas sempre buscarão espaços que garantam a sua reprodução e até mesmo sua permanência, são estratégias que esses atores encontram para garantir sua sobrevivência.

Por outro lado, é importante ressaltar que têm assentados que decidiram ficar nesses assentamentos da região e passaram a buscar uma identidade de agricultores familiares que estariam relacionadas a uma série de benefícios, reconhecimento e prestígios que, ser reconhecidos como sem terras, não teriam. Isso porque o termo sem terra na região é encarado de maneira geral como forma depreciativa e por isso os assentados rejeitam ser reconhecidos como tal.

Durante a minha pesquisa na região foi possível perceber que, mesmo com dificuldades de se adaptar e cultivar as terras do cerrado, a memória de um passado vivido no campo foi reativada para produzir e reproduzir aspectos culturais valorizados por eles, mesclados com os valores culturais adquiridos e acumulados em suas experiências ao longo de suas vidas.

O próprio nome que é dado à parcela que eles recebem sofre influência da cidade por causa desse misto que eles viveram. Normalmente, no seu local de origem, os entrevistados denominavam a terra em que moravam de sítio ou rancho. No assentamento, a parcela é denominada pela maioria de chácara, uma visão clara da influência de Brasília. Essa influência se deve ao fato de terem trabalhado, por algum tempo, como chacareiros ou tomadores de conta de pequenas porções de terras no entorno do Distrito Federal. Outrossim, a própria cidade exerce uma influência na vida deles, sobretudo no quis diz respeito à relação com os familiares e como um local que possibilita conseguir trabalho tanto para homens quanto para mulheres, um local que garantiria condições para que os assentados permaneçam vivendo nos assentamentos da região.

Assim, a família que está na cidade passa a desenvolver um papel importante, pois, as entrevistas com os assentados mostraram que como disseram, sem o aporte da família que está no Distrito Federal, à vida no assentamento seria quase impossível, pois é geralmente na casa desses parentes que os assentados tendem a ficar durante a semana. E, em muitos casos, são os parentes que estão na cidade que conseguem os chamados bicos ou trabalhos temporários, para os que partiram para os assentamentos.

Nesse sentido, Martins (2003) já chamava a atenção que a visão de família para o sujeito da reforma agrária é de uma família extensa muito mais além do núcleo familiar, sendo constituído por uma rede de parentesco e agregações. Portanto, um dos pontos cruciais é a capacidade desses atores de formar redes formais e informais de parentesco, amigos ou vizinhança, que servirão de estratégias para que esse migrante se integre no novo universo pretendido ou mesmo para que possam se manter nesses espaços.

A partir dessa ideia de um conjunto de relações que são construídas fora do assentamento, ou seja, é importante entender que os assentamentos da região não estão isolados, eles fazem parte de uma complexa rede de relações sociais que os liga a outras esferas das sociedades.

Além disso, foi possível perceber, também, que após a conquista da terra, os assentados deparam-se com um novo desafio que passa a ser construído coletivamente e também individualmente. Vai desde o fortalecimento da sua organização através de sua associação, do desafio de viverem num modelo de agrupamento diferente ao que estavam acostumados e de até mesmo da obtenção de infraestrutura necessária para a sobrevivência deles.

Nesse novo espaço diversos mecanismos são acionados. Vão desde o controle social através da fofoca ou da vergonha e passam pelas condições climáticas - como, por exemplo, o ano agrícola determinado principalmente pelo ciclo chuvoso, que se inicia no final de setembro com as chamadas chuvas do cajueiro, que determina o início do processo produtivo nos assentamentos.

Na pesquisa foi possível perceber que o baixo nível tecnológico que os assentamentos se encontram, com poucos recursos, ausência de assistência técnica e com grande parte de seus moradores endividados. As condições de produção ficam comprometidas, o que tem contribuído para a rotatividade na região.

Sobre essa questão autores como Leite et al. (2004), apontaram que a ausência de créditos, assistência técnica e infraestrutura têm contribuído de forma significativa para impossibilidade das condições produtivas dos assentamentos rurais no Brasil.

No entanto, com ações de parceria de mediadores, sobretudo das universidades, esses assentados têm buscado alternativas de sobrevivência através de ações coletivas e até mesmo individuais, o que tem contribuído para melhorar a vida dessas pessoas na região. Um exemplo disso foi o prêmio Comunidade Solidária recebido em 2004, patrocinado pelo Banco Real conquistado pelas famílias do assentamento Vereda I, com a contribuição do Grupo de Trabalho em Reforma Agrária (GT-RA) da Universidade de Brasília (UnB). Outra ação que tem contribuído para a organização dos assentados foi à discussão e instalação da Escola Família Agrícola, que vem com a proposta de organizar e contribuir para a capacitação dos assentados do município.

Já a ação dos agentes do Estado, como o INCRA e a prefeitura, tende a ser lenta e burocrática. O INCRA, por falta de pessoal e até mesmo de infraestrutura, alega não ter condições de acompanhar mais de perto a situação dos assentamentos da região. Isso tem provocado certo abandono, o que tem facilitado, por exemplo, o comércio de terras na região.

E, por fim, considero que este trabalho contribui para preencher lacunas nos estudos que tratam da questão da migração em assentamentos rurais, da convivência, cotidiano e as formas de sociabilidade desses atores em assentamentos principalmente, nessa região do entorno do Distrito Federal, que por excelência é uma região constituída principalmente por migrantes e, que ainda atrai muitas pessoas. No entanto, acredito serem necessários mais estudos etnográficos, buscando reunir outras experiências que auxiliam a compreender e a conhecer a realidade social nesses espaços.

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa de Doutorado e as famílias dos assentamentos Vereda I e Vereda II que sempre me acolheram para a realização da pesquisa.

Notas

(1) Me refiro ao entorno do Distrito Federal, como a região que compreende Brasília e as cidades satélites ou regiões administrativas que em 2011 somavam 30. Além de três municípios do Noroeste do estado de Minas Gerais e 19 municípios do estado de Goiás.

(2) Chácara é uma categoria nativa que para os assentados. Significa uma parcela de terra maior que um lote e menor que uma fazenda, onde cada família ocupa a extensão total de 20 hectares, incluindo a moradia e a área de terra que se dispõe para o plantio.

(3) O PDA realizado nesses assentamentos tinha por finalidade elaborar, com a participação efetiva dos assentados, um plano que definiria as diretrizes para os assentamentos no curto, médio e longo prazo. Traçando assim, um planejamento para os assentamentos da região.

(4) Acampamento, neste trabalho se refere a uma fase anterior aos assentamentos, que foram constituídos na região Pé de Serra, no município de Padre Bernardo.

(5) O evento de Eldorado do Carajás se refere à morte de 19 trabalhadores sem terra, pela polícia militar, no sul do estado do Pará em abril de 1996.

(6) A categoria sujeição foi é usada também por autores como Meyer (1979), Garcia Jr (1988), dentre outros. Segundo Meyer (1979), muitos trabalhadores moradores nos engenhos na Zona da Mata de Pernambuco vivem uma condição de "sujeição", ou seja, para a autora os trabalhadores que moram dentro da propriedade em uma casa do engenho, estão sujeitos às ordens dos patrões. "(...), a sujeição, incorporada à relação de morada, assume um conteúdo nitidamente negativo, passando a ser vista como um 'cativeiro'". (Meyer, 1979, p. 131). Já Garcia Jr (1988), ao analisar o camponês do Brejo e Agreste da Paraíba, no Nordeste, aponta que um dos meios para que o camponês se liberte é migrar para o "Sul" como uma alternativa deste buscar no mercado de trabalho do "Sul" condições de "melhora de vida", onde o autor conclui que o "Sul é o caminho do roçado", ou seja, a oportunidade de muitos deixarem a condição de "sujeitos" e passarem à condição de agricultores "libertos".

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Fecha de recibido:  5 de septiembre de 2011
Fecha de aceptado: 17 de noviembre de 2011
Fecha de publicado: 7 de julio de 2012

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