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Mundo agrario

versión On-line ISSN 1515-5994

Mundo agrar. vol.15 no.30 La Plata dic. 2014

 

ARTÍCULO

Memória e resistência na migração para a Amazônia: o caso de Nova Londrina em Ji-Paraná, estado de Rondônia, Brasil

Memory and endurance in the migration to the Amazon: the case of Nova Londrina in Ji-Parana, state of Rondonia, Brazil

 

Lediane Fani Felzke, Dalva Felipe de Oliveira, Jania Maria de Paula, Felipe Rocha de Carvalho

Instituto Federal de Rondônia (IFRO)
Campus Ji-Paraná. Brasil
lediane.fani@ifro.edu.br
Centro Universitário Luterano de Ji (CEULJI) - Paraná. Brasil 
du_tesouro@yahoo.com.br
Instituto Federal de Rondônia (IFRO)
Campus Ji-Paraná. Brasil
jania@ifro.edu.br
Aluno do Instituto Federal de Rondônia (IFRO)
Campus Ji-Paraná. Brasil


Resumo

A ocupação de Rondônia, a partir da década de 1970, ocorreu de forma desordenada, pois atraiu uma quantidade de camponeses maior do que os projetos de colonização tinham condições de comportar. O objetivo dessa pesquisa foi analisar as condições sob as quais o distrito de Nova Londrina foi colonizado, utilizando-se para tanto de levantamento bibliográfico e da metodologia da História Oral. A chegada a Nova Londrina, Ji-Paraná, foi marcada por conflitos entre camponeses, posseiros e a empresa colonizadora Calama S/A. Apesar da violência da empresa, os camponeses resistiram até que houvesse a intervenção do INCRA, por meio de um programa de regularização fundiária. Neste contexto foi implantado o Núcleo Urbano de Apoio Rural (NUAR) com o objetivo de dar suporte aos camponeses.

Palavras-chave: Distrito de Nova Londrina; Colonização; Migração.

Abstract

The occupation of Rondônia, from the 1970s, occurred in a disorganized way, since it attracted an amount of migrants which was much bigger than the settling projects could sustain. The aim of this research was to analyze the circumstances in which the district of Nova Londrina was settled, utilizing for this reason a bibliographic survey, as well as the Oral History method. The arrival in Nova Londrina, Ji-Paraná, was highlighted by conflicts between the settlers and the settling company Calama S/A. In spite of the company’s violence, the colonists resisted until there was an intervention from INCRA, through a land regularization program. In this context, the Urban Center for Rural Support (NUAR) was implanted, intending to support the agricultural workers.

Keywords: District of Nova Londrina; Settling; Migration.


 

1- Introdução

O estado de Rondônia, no sul da Amazônia brasileira, foi ocupado essencialmente por migrantes oriundos de diversas regiões do país. A partir dos anos 1970, os camponeses expulsos pela modernização do campo e concomitantemente pela concentração fundiária, viram no então Território de Rondônia, a oportunidade de encontrar o "Novo Eldorado", conforme apregoava a publicidade do Governo Federal. O objetivo desta pesquisa foi analisar as condições sócio-históricas da colonização de Nova Londrina, atual município de Ji-Paraná. Como método optou-se pela História Oral, por ser uma metodologia capaz de analisar a práxis social na produção do espaço (Santos, 2002:37).
Em Ji-Paraná, a Empresa de Colonização Particular Calama S/A foi a responsável pelo processo de colonização. Esta empresa era de propriedade dos empresários paranaenses que detinham uma gleba de 1.084.627 hectares de terras, em linhas gerais pode-se dizer que a terra "tinha dono". Sendo assim, a chegada dos camponeses no atual distrito de Nova Londrina - município de Ji-Paraná -, foi marcada por conflitos entre os camponeses e a Calama S/A que estava reservando a área da Gleba G para especulação imobiliária o que contrariava os objetivos do Estatuto da Terra (Lei Nº 4.504 de 30 de novembro de 1964) e mais especificamente o Art. 62 "Os interessados em projetos de colonização destinados à ocupação e valorização econômica da terra, em que predominem o trabalho assalariado ou contrato de arrendamento e parceria, não gozarão dos benefícios previstos nesta lei".
A empresa utilizou-se de ameaças e violência para gerar medo entre os camponeses e fazê-los desistir dos lotes que ocuparam. No entanto, os mesmos resistiram e se organizaram, através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, para legitimar a ocupação da terra.
A resistência e a organização dos camponeses pressionaram o governo do então Território de Rondônia (em transição para Estado) que, através da intervenção do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), regulamentou a posse da terra por meio de um programa de regularização fundiária. Neste contexto foi implantado, em 1982, o Núcleo Urbano de Apoio Rural (NUAR), cujo objetivo consistia em proporcionar assistência aos camponeses.

2- Migrações no Brasil

Para Marx (1988), Engels (1981) e Kautsky (1986) o capital ao penetrar no campo ou provoca a expulsão do camponês ou os conduz para a proletarização. Lênin (1985), por sua vez, ressalta que as contradições existentes dentro desta categoria levariam a sua desintegração, ou seja, a sua ‘descamponização’. Segundo ele, os próprios camponeses fornecem base para essa denominação que literalmente elimina os resquícios do antigo campesinato patriarcal e fomenta condições para a criação de novos tipos de população rural.
Os modelos de desenvolvimento implantados na Amazônia pareciam prever não só a extinção do camponês como também de todas as comunidades tradicionais, incluindo os povos indígenas. Para compreender esse processo, torna-se necessário analisar a importância da ocupação da Amazônia, via abertura das fronteiras agrícolas. Esta abertura representou a concretude da reprodução do capital em escala ampliada, uma vez que este capital já havia alcançado as suas metas nas regiões Sul e Sudeste o que ocasionou a expulsão dos camponeses do campo.
Na década de 30, a crise mundial que sacudiu as estruturas das economias refletiu diretamente na produção agrícola brasileira e concomitantemente "[...] abalou a hegemonia rural tradicional e impulsionou a industrialização incipiente via substituição de importações" (Martine, 1987:60). A quebra da economia agrícola dispersou os camponeses por todo o Brasil. Uma parcela significativa destes buscou reproduzir seu modo de vida em terras virgens pelo interior do país, outros seguiram para os centros urbanos.
Em 1940, o governo brasileiro adotou uma política de redirecionamento para a migração rural-rural que teria como escopo expandir as fronteiras agrícolas. Destarte, deve-se acrescentar a vigência do Decreto-lei Nº 7.967, de 18 de setembro de 1945 que referendou esses deslocamentos fomentando condições técnicas para a fixação do homem a terra. Neste período, ocorreram três movimentos fronteiriços: o primeiro no Paraná que foi impulsionado pela transferência da fronteira cafeeira de São Paulo para este Estado (Martine, 1987). Sua colonização foi empreendida por empresas de colonização particular o que contribuiu para a proliferação das pequenas e médias propriedades. O segundo surto ocorreu nas áreas do Centro-Oeste e no Maranhão e que coincidiu com a criação da Lei Nº 2.163, de 5 de janeiro de 1954, quando o então Presidente Getúlio Vargas cria o Instituto Nacional de Imigração e Colonização 1. Neste período inicia-se a preocupação quanto ao aproveitamento das áreas amazônicas pelo excedente de mão-de-obra. O último surto migratório ocorreu na década de 70, mais diretamente para a região Norte e o Estado do Mato Grosso. A particularidade deste movimento fronteiriço foi a atuação do Estado em organizar o processo de ocupação. Segundo Martine (1987:71) tal processo ocorreu da seguinte forma:

Inicialmente, pretendia-se assentar um grande número de pequenos produtores através de um vasto programa de colonização dirigida, mas essa proposta foi logo abandonada e a fronteira amazônica foi aberta à penetração de grandes companhias nacionais e multinacionais. Apesar da existência de grandes extensões de terra em desuso, a disponibilidade de lotes para pequenos produtores nos estados do Pará e Amazonas tem sido reduzida. Nesse contexto é que a ocupação do território de Rondônia e do Mato Grosso assumiu proporções significativas a partir de 1974. Em Rondônia, a população aumentou 400% em oito anos devidos basicamente ao influxo de colonos em busca de terra.

No auge da ditadura militar, o Estado toma para si a tarefa de fazer a política agrária que lhe convinha. Despreza os anseios dos movimentos sociais e adota o caráter intervencionista, ou de forma prussiana como diria Lênin (1980), haja vista que a essência dessa política era o deslocamento das forças sociais em conflitos, principalmente nas regiões Sul e Nordeste. Essas regiões tinham características bem distintas: enquanto Rondônia foi marcada inicialmente pela pequena propriedade e mais tarde pela modernização, o que engendrou o latifúndio; o Mato Grosso foi calcado pelo latifúndio e pelo clientelismo político.
As políticas de colonização surgem como uma resposta a necessidade do capital em minimizar as desigualdades e, portanto, os conflitos sociais engendrados pelo capitalismo e ao mesmo tempo esses trabalhadores implementariam "[...] os planos da ‘Operação Amazônia’, pois de nada adiantariam grandes projetos agrominerais e agropecuários em uma região onde faltava força de trabalho" (Oliveira, 1988:74) sendo assim, a ocupação da região estava calcada nos interesses geopolíticos (Martins, 2009).
Os projetos de colonização dirigida implantados pelo Governo Federal, apenas beneficiaram os grandes grupos empresariais que, com a concessão de incentivos fiscais, passam a ver a terra como uma fonte de extração de renda. Por este ângulo, pode-se afirmar que o Governo, através de sua política agrária, em nada contribuiu para conter o processo de exclusão da terra a que eram submetidos os posseiros, camponeses e pequenos proprietários, mas pelo contrário aguçou as contradições (Martins, 1986). Como estratégia para continuar garantindo a reprodução social da sua unidade familiar, aqueles passaram a romper novas fronteiras principalmente a amazônica.
A busca do camponês por novas terras de trabalho demonstra sua recusa de se subsumir ao processo de proletarização, que naquele momento parecia caminho sem retorno. Neste sentido, a busca pela terra constituiu a solução encontrada para garantir a sobrevivência e a reprodução do modo de vida camponês. Dessa forma,

[...] a demanda pela terra, no presente [possui] um perfil ímpar, aglutinando trabalhadores rurais e urbanos. Suas ligações com problemas de desemprego, de habitação, de revigoramento de estratégias patronais, de fortalecimento de organizações empresariais, dão-lhe a configuração de uma alternativa buscada para suprimento das necessidades de reprodução social (Ferrante, 1994, p.129).

Diante deste cenário, percebe-se que a migração é um fenômeno constante na realidade brasileira uma vez que a concentração fundiária é a marca histórica do processo de colonização do Brasil que ainda persiste em todas as regiões. Em outros termos, é um "[...] fenômeno [...] [que] não acontece apenas de uma região para outra, mas dentro de cada região a população se desloca com frequência surpreendente" (Menezes & Gonçalves,1986:27); desenraizando homens e mulheres, fragilizando vínculos e construindo outros. Estes indivíduos sociais "[...] [perambulam] de cá para lá e de lá para cá, catando aqui e ali as migalhas de uma sobrevivência cada vez mais dura e sofrida. Povo sem terra vai se tornando, progressivamente, povo empobrecido e marginalizado" (ibid.,1986:17) ou como diz Marx (2004) "sem lar e sem pão".

2.1 Ocupações da Amazônia
O processo de intervenção sobre a região amazônica se constitui em uma prática antiga que remonta ao século XVI, quando a região foi alvo de ações externas principalmente pelos portugueses e espanhóis que buscavam, nas terras além-mar, riquezas para abastecer o mercado europeu.
Durante os séc. XVII e XVIII a economia amazônica gravitava em torno do extrativismo, reproduzindo na região a exploração predatória característica da formação social portuguesa. No século XIX, o apogeu do ciclo da borracha atraiu para a região, migrantes, principalmente nordestinos que, em função da seca (1877) e da concentração fundiária na região Nordeste, viam nestas áreas a possibilidade de possuírem terras. Por outro lado atraiu também grupos estrangeiros que controlavam a comercialização de produtos extrativistas, principalmente da borracha. No entanto, tal ciclo econômico teve uma vida curta, pois os ingleses levaram sementes de seringueiras (Hevea brasiliensis) para as suas colônias no sudeste asiático.
Para Celso Furtado (1987), essa migração mostra claramente que o Brasil já se constituía em um exército de reserva de mão-de-obra ou superpopulação relativa como definia Marx (1988). Em 1960 para atrair o capital para a região amazônica, o Governo Federal criou um programa de construção das grandes rodovias nas áreas de fronteiras agrícolas. A inauguração da Rodovia Cuiabá - Porto Velho pelo Presidente Juscelino Kubitschek, em 1961, pode ser apontado como o marco inicial desse processo. A Amazônia, que até então tinha sido esquecida pelo Estado, começou a ser vista como uma região que precisava ser integrada ao grande capital.
Na década de 1970, com a criação do Programa de Integração Nacional – PIN – a colonização oficial da Amazônia toma novo impulso que objetivava "minimizar as tensões sociais no campo" (Decreto-Lei Nº1.106) . Para isso o Governo, através de sua política de colonização, estabeleceu a concessão de lotes de 100 hectares. Para atrair essa população excedente no campo o projeto contaria com duas rodovias de acesso: a transamazônica, que ligaria Recife à fronteira com o Peru e a Cuiabá-Santarém. No entanto, o projeto não teve o resultado esperado face aos seguintes problemas: o alto custo para a implantação das rodovias, a falta de infraestrutura e a migração espontânea para as áreas beneficiadas pelo Projeto.
Para atrair e beneficiar os grandes projetos, geralmente capitaneados por pessoas jurídicas estrangeiras, foram criadas várias instituições como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), O Banco da Amazônia S.A. (BASA) e o Fundo para Investimentos Privados no Desenvolvimento da Amazônia (FINDAM). Estas instituições visavam, sobretudo, modificar o sistema de produção do extrativismo tradicional, ou seja, transformar essa atividade em uma atividade lucrativa, empresarial. Nesse período, ocorreu a mudança da base produtiva que antes era baseada no extrativismo tradicional, passando assim para um sistema de produção agropecuário, uma fase que foi denominada pelo governo de "desenvolvimentista". Nesse processo, o desmatamento acelerou-se com a derrubada de grandes quantidades de seringueiras, castanheiras e outras espécies de árvores com potencial extrativista.
Tais projetos desenvolvimentistas criados para a região não contemplavam as atividades extrativistas, pelo contrário, provocaram o seu desestimulo. Em contrapartida, as atividades agropecuárias, minerais e madeireiras desenvolveram-se com mais celeridade devido à necessidade de substituição de importações de bens manufaturados e da implantação de um parque industrial. Dessa forma, as relações de produção e as forças produtivas se redefiniram em função da crise da borracha e outras formas de organização social começam a aparecer.

Formou-se uma sociedade de sitiantes, com suas roças, criações e atividades extrativas para o autoconsumo. Em especial, a experiência do extrativismo (coleta, caça e pesca), aliada a alguma criação e roça, permitiu que se formassem núcleos de sitiantes e pequenos fazendeiros esparsos [...]. Constitui-se um setor camponês razoavelmente significativo, mas disperso no espaço ecológico (Ianni, 1978:64).

As atividades agrícolas na região estavam diretamente ligadas à colonização que se efetuara na época da extração da borracha. Em muitos casos os terrenos eram improdutivos para a atividade agrícola levando os camponeses ao fracasso. Outros fatores determinantes para o insucesso dessas primeiras tentativas de implantação da agricultura foi a inexistência de um mercado consumidor para os produtos e a falta de infraestrutura, principalmente de estradas. Tal realidade reforçava o isolamento Amazônia. Este último fator só seria quebrado com a construção da BR 364 que, inevitavelmente contribuiu para a especulação de terras. Nesse sentido, as terras do Território de Rondônia passaram a ser objeto de cobiça por

[...] grupos interessados - oriundos da região Centro-Sul, sobretudo de São Paulo - que passaram a transacionar terras visando principalmente à especulação, outros a ampliação das atividades extrativas tradicionais da borracha e da castanha ou a implantação de projetos agropecuários apoiados nos Incentivos Fiscais (IBGE, 1977:227-228, In: Diagnóstico e Perspectivas para o território Federal de Rondônia - setor Demografia apud Pinto, 1981:22).

Para implementar grandes projetos na região era necessário atrair força de trabalho. O Estado recorreu a mecanismos ideológicos para disseminar junto aos camponeses que a região amazônica era um lugar na qual os mesmos poderiam adquirir a tão sonhada terra. Para um contingente de indivíduos sociais "sem terra" a existência de "terra sem homens" era oportuna. O governo militar desconsiderou a existência de inúmeras nações indígenas na região. Ao mesmo tempo, a migração "aliviava" as tensões no campo em outras regiões do país, sobretudo no Sul, Sudeste e Nordeste. A lógica estatal outorgava que, se os camponeses quisessem terra, ela seria "concedida", não onde estes desejavam, mas onde o governo havia determinado. Essa estratégia faz lembrar a tese de Marx (1986) que afirma que "os homens não fazem a sua história como querem, mas fazem sob determinadas circunstâncias". Para Ianni (1978:106)

[...] a maior parte da população migrante vinha tangida pelas dificuldades econômicas encontradas em seus sítios [...] e cidades de origem. [...] Eram principalmente lavradores sem terra, ou camponeses, que buscavam uma posse, melhores condições de trabalho, outro lugar. O que predominava era a busca de alguma terra para formar roça e criação: e morar com a família.

A busca pela terra representava para o camponês, a libertação de um regime de sujeição a que eram submetidos nas regiões de origem, quais sejam, relações de arrendamento e proletarização. Este foi o caso dos camponeses que colonizaram a Gleba G em Ji-Paraná. Oriundos de diversos estado do país buscaram aqui a reprodução do modo de vida camponês que estavam impossibilitados de manter nas regiões originárias.

2.1.1. Colonização de Rondônia
No século XVII, o bandeirante Raposo Tavares percorreu os vales dos rios Madeira, Guaporé e Mamoré. A conquista desses vales pelos portugueses e a descoberta de ouro atraiu um expressivo continente populacional para a região. Tal fato levou a Coroa Portuguesa a criar em 1748 a Capitania do Mato Grosso que envolvia a maior parte das terras do atual Estado de Rondônia.
Podem-se distinguir três grandes fases de ocupação mais intensa do atual Estado de Rondônia: a primeira fase ocorreu durante o I Ciclo da Borracha entre o final do século XIX e início do século XX; a segunda concretizou-se em meados do século XX, durante o II Ciclo da Borracha; e a terceira e mais impactante teve lugar a partir da década de 1960.
Na segunda metade do século XIX, houve uma expressiva ocupação do Alto Rio Madeira por migrantes nordestinos para a exploração do látex. Este período é chamado de I Ciclo da Borracha. A economia extrativista levou à construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em fins do século XIX e inicio do século XX (Silva, 1991).
A criação do Território Federal de Rondônia em 1943 ocorreu na conjuntura do II Ciclo da Borracha. Um conjunto de ações governamentais objetivava viabilizar o fornecimento de borracha aos países aliados durante a II Guerra Mundial (Santos, 2007). Com a promessa de que retornariam à terra de origem, muitos nordestinos, especialmente cearenses, alistaram-se como "soldados da borracha" e foram transportados para a Amazônia, onde se inclui Rondônia. Terminada a II Guerra Mundial, a promessa do Governo Federal nunca foi cumprida e o que deveria ser um trabalho temporário transformou-se residência permanente.
A terceira e maior ocupação de Rondônia começa a configurar-se com a abertura da BR-364 que cortava o então Território Federal em toda a sua extensão. Iniciada em Cuiabá, esta rodovia visava a facilitar a maior rota migratória já registrada no país. Estes fenômenos favoreceram a ocupação rápida e desordenada do Estado (Paula, 2008). Essa ocupação deve-se ao fracasso dos projetos de ocupação da Amazônia Oriental. Desta forma, a região de Rondônia converte-se em um ambiente próspero para a ocupação dirigida a ser gerenciada pelos governos militares (Dal Maso, 1990), ou seja, a oportunidade ideal para assentar os camponeses sem terra do nordeste, sul e sudeste do Brasil. Desde essa época, milhares de migrantes originários do Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, estados do Nordeste e alguns poucos de outros estados transferiram-se com suas famílias para Rondônia na esperança de conseguirem um pedaço de chão, como prometia o programa oficial do governo de ocupação das fronteiras agrícolas.
O período de maior incidência migratória para o estado de Rondônia se deu nas décadas de 1970 e 1980 em função do "[...] reflexo da conjuntura socioeconômica e política da época. Neste processo, a migração se deu especificamente devido à propaganda massiva desencadeada pelo governo, com o objetivo de aliviar as tensões sociais do Sul e Sudeste [...]" (CEPAMI, 1998).
O então Território foi considerado durante muito tempo a nova fronteira agrícola do país o que não impediu a presença de latifúndios. Bassegio &Perdigão (1992:165) afirmam que "[...] poucos detêm a propriedade de extensas áreas de terra e muitos ficam apenas com lotes, que mal dão para o sustento da família". A colonização de Rondônia não se processou com o mesmo formato em toda sua extensão. Por parte do Estado, implantaram-se inicialmente os PICs (Projeto Integrado de Colonização) a partir de 1970 e, na medida em que estes projetos não davam conta da população chegante (Martins, 2009), iniciaram-se os PADs (Projeto de Assentamento Dirigido) para assentar os camponeses que atraídos pela intensa propaganda oficial, acabaram por se instalar em terras não programadas. Para além dos projetos oficiais, colonizadoras privadas atuavam em Rondônia desde a década de 1960. Este é o caso da Colonizadora Calama S/A, responsável pela colonização da Vila de Rondônia, atual município de Ji-Paraná.
3- Métodos e técnicas de coleta de dados

Tendo em vista a extensão e a complexidade do processo de ocupação moderna da Amazônia, este artigo se desenvolve em um recorte espaço-temporal bem específico, qual seja, a ocupação da Gleba G do município de Ji-Paraná durante as décadas de 1970 e 1980. Apesar de várias técnicas de coleta de dados terem sido utilizadas, tais como levantamento bibliográfico sobre o processo colonizatório na Amazônia e em Rondônia em especial, pesquisa documental junto ao INCRA, à Pastoral do Migrante e à Prefeitura Municipal de Ji-Paraná; a metodologia de pesquisa centrou-se na história oral.
Para conhecer o processo do ponto de vista dos sujeitos, ou seja, dos próprios camponeses, foi utilizada a história oral como metodologia, pois, de acordo com Meihy (2005), este é um método que privilegia a coletividade e seus componentes como sujeitos da própria história e, portanto, colaboradores na construção do conhecimento. Esta diversidade de métodos foi necessária para articular a memória dos protagonistas da colonização aos dados documentais levantados e assim superar uma visão unilateral do processo histórico.
Para a seleção dos colaboradores utilizou-se três critérios. Como primeiro critério tornou-se imprescindível que o colaborador tivesse migrado para a Gleba G e ocupado seu lote entre 1971 e 1976, anos iniciais da terceira fase do processo colonizatório. Como segundo critério constituía-se fundamental que o colaborador estivesse residindo em Nova Londrina (nome atual do distrito que se formou a partir da Gleba G) atualmente, pois assim poderia dar conta do processo histórico desde a chegada ao local até hoje. Finalmente, o terceiro critério diz respeito à facilidade de acesso e a possibilidade de concessão de entrevista. Neste trabalho quatro colaboradores estão identificados com referência aos seus estados de origem. As duas mulheres são chamadas de Paranaense e Baiana e os dois homens de Paulista e Mineiro. A centralidade da análise levará em conta as histórias dos colaboradores e os demais dados coletados serão utilizados para esclarecer e corroborar alguns pontos das falas.


Localização da área de estudo

4- Uma história de travessias
4.1 A chegada dos migrantes à gleba G da Vila de Rondônia
O deslocamento de grandes levas de camponeses do sul, sudeste e nordeste do país para o Território de Rondônia a partir de 1970 deve-se, em grande parte, à impossibilidade de manutenção de inúmeras famílias no campo nas suas regiões de origem. Dentre os camponeses que fizeram parte dos projetos de assentamento de Rondônia, uma parcela considerável já havia passado por outros processos migratórios, ou seja, estes sujeitos históricos realizaram inúmeras travessias pelo país:

Eu praticamente sou nascido em São Paulo e fui para Mato Grosso do Sul, na região de Dourados, casei e tentei a vida por lá um pouquinho, mas por causa das dificuldades a gente tentou deslocar pra outra região, vim conhecer Rondônia. No final do ano de 1976, dia 8 de dezembro eu saí de lá pra vir pra cá. Vim bem no período chuvoso pra ver mesmo como é que era a dificuldade. (Paulista)

Eu vim do estado do Paraná, sou paranaense, né? Nascida em Porecatu, mas eu me criei mais na região do Norte. Porecatu é no Norte. Quando eu vim para Rondônia, eu vim de uma cidadezinha bem pequena, por nome de Cafezal. (Paranaense)

Eu nasci no estado de Minas Gerais e com cinco ou seis anos minha família foi para São Paulo. Com treze ou catorze anos nós viemos de São Paulo para Mato Grosso. Aí vim com vinte e um anos para cá, para Rondônia. Na primeira vez eu vim sozinho. Eu ia vim só para passear e fui ficando e comprando terras e marcações. (Mineiro)

Meus filhos todos foram criados aqui em Rondônia, eu só trouxe dois de fora, aí eu cheguei em Espigão d’ Oeste, era só mata e índios, aí ficamos lá. Eram três ou quatro famílias como a nossa que chegou de Mato Grosso, essa época nós saímos de Mato Grosso e viemos para cá, nós saímos da Bahia. (Baiana)

Observa-se através desses relatos que a primeira parada era a região do Mato Grosso, no entanto a terra neste estado já tinha passado pelos processos de colonização tanto de cunho oficial como de iniciativa particular (Oliveira, 1988). Assim sendo, os migrantes deslocam-se mais a oeste para conseguir a terra própria.
A colonização da região central do então Território de Rondônia foi administrada a partir de 1964 pela empresa privada Calama S/A. Esta empresa recebeu do Governo Imperial (fins do século XIX), a concessão de seringais no médio e baixo vale do Rio Machado e dos seringais Campinas e Boa Esperança no rio Madeira, totalizando quase dois milhões de hectares. No processo da Calama S/A arquivado junto ao INCRA de Ji-Paraná, consta um documento, datado de 14 de agosto de 1915, que concede o título definitivo de domínio sobre as terras do vale do Rio Machado. Em 13 de janeiro de 1916 essas terras foram registradas em nome da Calama S/A em Manaus. Esta empresa administrava as terras localizadas na área que corresponde atualmente ao município de Ji-Paraná. A área foi dividida em sete lotes denominados pelas primeiras letras do alfabeto, desde a Gleba A até a Gleba G. As demais glebas foram comercializadas ainda na década de 60, permanecendo a Gleba G sem ser loteada. Os camponeses atribuem esse fato à especulação imobiliária.

Eles [Calama] batiam de frente porque era deles, a gente sabia que era deles, mas o plano deles era vender bem caro mais tarde. (Paranaense)

Porque a colonizadora disse que tinha demarcado isso aqui antes, que tinha documentos e eles tinham documentos que provavam que eram donos. Eles tinham essa área pra lotear, pra vender pras pessoas que viessem depois, do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, São Paulo, Espírito Santo, Minas. Então eles seguraram pra poder vender, do rio pra lá eles venderam muita área ainda, mas isso foi antes, lá por volta de 1965. Muitos compraram, tem muita gente que comprou dessa colonizadora. (Paulista)

Chegando à região denominada Gleba G, os camponeses que tinham algum capital compraram as "marcações" dos "picadeiros" que fizeram a divisão dos lotes, normalmente antigos seringueiros. Estas "marcações" possuíam 500m de frente por 2000m de comprimento totalizando 42 hectares.

Encontrei um senhor, roupa suja, chapéu amassado, com uma espingarda e um porco nas costas, me apresentei, me identifiquei, de onde eu tinha vindo. Aí ele já conhecia a região lá também. Aí pronto, ele já entendeu que eu tava vindo de uma região, à procura de uma terra. Aí ele já falou ‘tem lugar aí sim, tô com uma marcação e tem mais duas, se você se agradar a gente pode se ajeitar, foi marcada a poucos dias, a gente marcou com cipó’. Se você olhar a linha vai ver: ela é toda cheia de curvas, eles [os picadeiros] pegavam o rumo da outra linha, soltavam a baliza, pegavam o cipó e iam medindo, a cada 500m descascavam uma árvore, era uma marca, a divisa. Mediam de cipó em cipó e calculavam, pegavam um cipó de 10m e saiam, cinquenta medidas dava uma marcação. Um ia à frente fazendo os piques e outros dois atrás ou então pegavam uma baliza e outro já vinha lavrando as árvores fazendo a demarcação, 500m de um lado e 500m do outro. Aí as pessoas que iam aparecendo iam se colocando, se ajeitando. (Paulista)

Este era o padrão dos lotes adotados pelo Estado na implantação dos Projetos Integrados de Colonização (PIC). Os "picadeiros" continuaram as linhas que já haviam sido demarcadas pelo INCRA no Setor Leitão, atual município de Presidente Médici, chamado, na década de 70, de "Trinta e três", pois se situava a 33km de Vila de Rondônia, atual Ji-Paraná.
O Setor Leitão constituía-se em uma extensão do PIC Ouro Preto e foi criado para normatizar a situação de colonos que já ocupavam a terra bem como possibilitar o assentamento daqueles que desejassem obter um lote na região.

Aqui dentro era mata fechada, então o pessoal abriu as picadas, fizeram as marcações. Foi onde eu peguei uma das picadas e subi, conhecendo a segunda linha aí, devido a linha, a ponta lá era a segunda, então, deu continuidade na segunda, assim como aqui também deu continuidade na terceira, e assim foi com as outras linhas que vieram, foram cortadas lá do projeto, primeiro o projeto foi feito, chamava Setor Leitão. Inclusive até hoje é conhecido como Setor Leitão. Chegando lá encontrei um pessoal da marcação que tinham lavouras já madurando, que era o arroz no caso, milho, muita fartura, muita caça. Já fui entrando e fui também conhecendo a mata. (Paulista)

Eu cheguei em dezembro de 71 em Presidente Médici, nem Presidente Médici tinha na época, eu cheguei no Trinta e Três, chamava Trinta e Três. Parei ali, né. Tinha uns conhecidos muito amigos meus. Em 73 meus irmãos e eu compramos essa marcação aqui do seringueiro, se dizia Soldado da Borracha. Ele tinha essa posse aqui e ofereceu pra mim ai fui e comprei. Naquele tempo não tinha estrada, não tinha nada, só tinha picada mesmo. (Mineiro)

Eu vim aos meus 19 anos, já era casada na época e já tinha uma filha. Em 75 eu cheguei em Vila de Rondônia, quase não tinha nada e no final de 75 eu entrei pela primeira vez aqui onde hoje é Nova Londrina. Nem picada não tinha, os homens iam na frente roçando, cortando o caminho e nós mulheres íamos atrás. (Paranaense)

Os camponeses que chegavam à Gleba G atraídos pelas promessas de fartura depararam-se com toda sorte de dificuldades, os conflitos com a Calama S/A, a falta de infraestrutura de transporte e assentamento e ainda parte dos obstáculos diziam respeito à questão ambiental. Oriundos de regiões com configurações ambientais muito diversas daquelas encontradas na Amazônia, os camponeses aplicaram aqui a forma de manejo da terra aprendida em seus locais de origem. Neste sentido, a derrubada e a queima da floresta apareciam como a possibilidade mais viável de subsistência, pois dariam lugar às roças de mandioca, milho, feijão e arroz. Mas enquanto as roças não produziam os recursos da floresta que não dependiam de estradas para serem transportadas, tais como caucho2 (Castilloa ulei, seringa e caça, eram utilizados como uma espécie de economia de transição.

Eram aquelas picadinhas, eles tinham só uns três alqueires derrubados, de 42 alqueires de terra só tinham dois ou três alqueires derrubados. Aí ele derrubou o resto, e o menino dele comprou o sítio e deu para ele tomar conta, aí eu vim com ele e acabou de abrir, depois quando tirou o papel do INCRA, ele partiu o lote mais os meninos, ele ficou com a parte deles 21 alqueires e nós com 21 alqueires. (Baiana)

Tenho a minha história, eu sei fazer tudo na roça. Tudo que você procurar na roça eu sei fazer, até mexer com motosserra, derrubar, fazer o que quiser, eu sei fazer, eu fiz o esforço de aprender. Eu risco seringa, eu cato a seringa, eu sei defumar a seringa, eu sei fazer os tijolos sem defumar, que tem a diferença uma da outra, eu sei fazer todas as duas. O caucho, que é um outro tipo de borracha mais fraca que a seringa, eu sei como eu tirar ela, como colher, como tratar. (Paranaense)

Naquela época não tinha ajuda de nada, o que me ajudou aqui foi o caucho, mas era uma judiação, porque o seringueiro tirava o látex e deixava a árvore em pé, já o caucheiroderrubava a árvore pra conseguir sobreviver, que era nosso caso. Aí cada fim de semana eu ia lá e derrubava 4 ou 5 árvores. No outro fim de semana ia recolher aquilo. Ia caçar e já coletava aquele caucho pra levar pra comprar sal, café, açúcar, querosene, óleo de comida. Um quilo daquilo valia dois quilos de açúcar ou um litro de óleo. (Paulista)

Não havia estrutura básica para atender aos camponeses, pois como eles eram considerados posseiros, não havia interesse, nem por parte da colonizadora, nem por parte do Estado em implantar uma infraestrutura mínima. Nos projetos oficiais de colonização a infraestrutura era precária, não se esperava, portanto que houvesse algum investimento em uma área litigiosa. Neste sentido, os próprios camponeses providenciaram o barco para cruzar o rio Machado e iniciaram a abertura das picadas e dos carreadores.

Não tinha estrada, eu carreguei a minha filha mais velha nas costas e o bebê no colo de lá da BR 364. Nós passava era por ali. Nós vinha de ônibus, tinha um ônibus às cinco horas da manhã que era pinga-pinga, como eles falam. Aí a gente vinha até o KM 20. Ali a gente descia. Eram 12 Km pra chegar no Rio Machado e 10 Km pra chegar aqui. Aí era na ‘canela 3 ’. Depois que descia do ônibus era só na canela, no ‘expresso canelão’ mesmo. Atravessava o rio num bote bem maravilhoso, eram dois remando e dois ou três tirando água pra não afundar. Eu me mudei desse jeito, só com os cacaios 4  com a roupa, panela e a comida, é só, não tinha nada, cadeira, mesa, cama. (Paranaense)

Aqui não tinha estrada, eu descia numa toyotinha velha. Eu vinha até o quilômetro 20, ai eu atravessava o rio de bote, tinha um gaúcho que tinha um bote que cobrava passagem para atravessar. Aí nós atravessava, jogava o cacaio nas costas como diziam os amazonenses, né. Aí descia a picada a pé e saia dentro de Nova Londrina. Aí em 74, falei: rapaz vamos fazer um carreador. Eu, o William e a turma fizemos um carreado até lá no professor Paulo. (Mineiro)

Cruzei o Rio Machado num barco, saí de Médici no Rio Machado num barquinho, peguei uma trilha, que na época não tinha estrada, era picada. Naquela trilha eu vinha observando as lavouras, os tipos das casas, as pessoas, os igarapés que eu conhecia por ‘córgo’5, riacho lá, aqui o negócio é igarapé, a linguagem também das pessoas, a locomoção na picada, as pessoas transitando, indo à procura de mercadoria, então, já fui vendo todo o movimento e entrando. O pessoal vinha de ônibus lá do quilômetro 20, chegava a pé no rio [Rio Machado] e pegava o balseiro. Se ele tivesse saindo já embarcava, se num tivesse dava um grito, ou soltava um foguete, o cara via lá e vinha buscar o pessoal com as compras. Aí vinha entrando pra dentro. O cara vinha de ônibus, dali ele pegava o cacaio, vinha até o rio, cruzava de barco, jogava nas costas e vinha a pé na picada. Alguém que tinha um animal, às vezes, facilitava pra conduzir, mas alguém que não tinha um animal, o único meio era jogar o cacaio nas costas mesmo, com trinta, quarenta quilos de peso. (Paulista)

4.2 Medo e violência na luta pela terra

Segundo Lima (s/d) a empresa Calama S/A possuía a concessão de seringais na região do rio Machado desde o II Império e, a partir de 1877, estabeleceu sua sede no município de mesmo nome, no Amazonas. Seu domínio sobre a planície do Rio Machado, portanto, é antigo. Questiona-se, neste sentido, o contexto em que estas terras foram repassadas à empresa e, portanto, a legitimidade de tal posse. Tal questionamento justifica-se pelo fato de neste período era comum a "grilagem"6 de terras onde documentos de propriedade eram falsificados por latifundiários para ampliar seus domínios.
Ao apropriar-se da terra, a empresa colonizadora viu nestes espaços um filão a ser comercializado, reafirmando uma espécie de reserva de valor. Após a implantação de infraestrutura financiada pelo governo, o empresário extrairia uma renda consideravelmente maior. Aos camponeses restava ou a venda da sua força de trabalho ou explorar os pequenos lotes com recursos mínimos. Daí afirmar que o capital não é determinante para a sobrevivência desta classe, mas limita as oportunidades de sobrevivência levando-os a subordinação/sujeição.
A despeito dessas questões, a Calama S/A considerava-se a verdadeira dona dessas terras e, para defender seu patrimônio, passou a utilizar-se de expedientes violentos para tentar coibir a ocupação da região pelos camponeses que chegavam às centenas à Gleba G. As ações dos jagunços da empresa despertavam medo nos migrantes que procuraram formas de resistir e se proteger dos ataques.

Essa história da Calama eu sei que é difícil de contar. Um dia fui eu mais ele pra segunda linha em Ji-Paraná, eu, ele e os meninos, farofa, água e tudo ele carregava para os meninos. Aí quando nós chegamos lá, nós falamos: ‘vamos comer’, aí eu falei: ‘baiano só viaja com farofa, quando ele vira a esquina ele já está almoçando’, aí nós pegamos a dar risada e sentamos no ‘corguinho’, almoçamos, e tocamos pra lá. Quando nós chegamos ali perto da escola Polo, tinha uma mulher chorando. Perguntei ‘o que aconteceu dona?’, ela falou: ‘dona do céu, chegaram dois bandidos aqui e diz que era para matar todo mundo que tiver lá na Calama’, aqui tudo era Calama, aqui tudo era deles, aí deu medo, aí voltamos e falamos ‘dona, eles vão voltar’. Nós fomos pra lá, quando nós voltamos sabemos da notícia que o povo já tinha matado os dois, aí foi a história. (Baiana)

Quando a gente veio aqui, a gente era perseguido pela Calama. Eles não queriam que invadissem essas terras aqui, então, por exemplo, nós entramos na época em 8 ou 9 famílias, quase todo mundo sendo meio parente, os que invadiram foram passando pro outro, por 100 cruzeiros, 50 cruzeiros, 60 cruzeiros, que era o dinheiro. E aí a gente entrou, porque a gente veio do Paraná com a intenção de ser alguma coisa, deixar alguma coisa pros filhos. Aí a gente entrou, só que eles colocaram jagunço aqui, muitas pessoas boas na época perderam suas vidas, sumiram que até hoje ninguém sabe pra onde foram, que destino tomaram. (Paranaense)

Então, a gente trabalhou aqui e tal, mas mesmo antes do carreador a gente sabia das dificuldades, a gente ouvia as notícias das proximidades aqui, que jagunço tava invadindo, matando colono, incendiando barracos, roubando pilhas de arroz, matando criação, mas assim, notícias que estavam surgindo mais nas proximidades do Rio Machado e do Rio Urupá, não cheguei a ver, mas a gente ouvia os companheiros contando. Devido a gente estar mais afastado eu me sentia mais seguro e eu fiz meu barraco na beira da picada, mas aí a questão dos jagunços, criança a gente não deixava sozinha. (Paulista)

Um dia eu tava sozinho na roça, eu tinha levado minha esposa pra ficar uns dias em Médici, aí chegou um rapaz meio novo, com dois revólveres na cinta, mas a gente num tinha assim, uma coisa assim, porque era mata né, era normal ter arma. Aí eu convidei ele pra tomar café, ele perguntou se tinha muita família aqui na região e eu disse que sim. Aí ele foi pedindo informação, se eu conhecia muita gente e tal. Aqui tinha uma ‘tropeira’7 que eles puxavam borracha, eles trabalhavam pra Calama também. Na minha marcação mesmo tinha extração de seringa, aí esse cara veio por dentro da mata, não vi de onde ele veio, ele procurou só informação da tropeira. (Paulista)

Os conflitos pela posse da terra foram intensos de tal forma a ocasionar assassinatos de sindicalistas, trabalhadores rurais e até mesmo agentes pastorais (Menezes & Gonçalves, 1986). As famílias lutavam por suas terras, pois, caso contrário, não teriam lugar para viver. Segundo Igliori (2006:31), "[...] áreas de fronteira como a Amazônia têm, ao mesmo tempo, o potencial de promover o bem estar de suas populações como de ser o palco de conflitos sobre direitos de propriedade".
A terra para os camponeses configura-se como espaço para reprodução da unidade social e não objeto de especulação como é o caso dos grandes empresários. Essa necessidade de terras representa a liberdade do regime de sujeição a que eram submetidos na relação de arrendamento ou até mesmo nas relações de trabalho no meio urbano. Por isso, o fortalecimento dos laços de solidariedade era necessário para defender a posse da terra e a vida. Os camponeses organizavam estratégias, uma delas se constituía em andar sempre em grupos pelas picadas e não deixar mulheres e crianças totalmente sozinhas nos barracos.

Pra ir lá em Ji-Paraná fazer uma compra, levar a borracha e fazer compra, não um só e nem dois, tinha que ir três ou quatro, que se caso encontrasse um imprevisto na picada, sabia como se defender, podia um perder a vida, mas era impossível os quatro. Mulheres não ficavam sozinhas como hoje ficam, marido sai e fica sozinha, meu marido ia pra lá, ele tinha que arrumar um lugar pra eu ficar numa casa que ia ter homem pra ficar junto, era assim, se saía três, quatro homens, aquelas três, quatro mulheres que ficou com filhos ia pra casa daqueles que não tinha saído, a gente ia pra lá pra ter segurança. (Paranaense)

Quando eu vim pra cá, eu deixei minha esposa em Médici por um tempo, aí eu trazia as crianças já pra ir conhecendo o sofrimento de vir de lá pra cá à pé, aí um velho colega meu falou ‘vamos tomar cuidado, ficar ativo e combinar de, qualquer coisa, a gente dar um sinal um pro outro’, dar uma pancada numa catanga que é a parte da raiz da árvore, se você bater com um machado, dá pra ouvir a uns 5 Km na mata, então, era combinado isso. De repente podia o cara chegar, queimar o barraco e acabar com tudo. (Paulista)

Esta situação de instabilidade e insegurança persistiu até a intervenção do Governo do Território de Rondônia que, naquele momento encontrava-se em fase de transição para Estado, fato que se concretizou no final de 1981. O governador, juntamente com o INCRA, passou a mediar o conflito. Mas para que isso acontecesse foi crucial a criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ji-Paraná, onde participaram ativamente os moradores da Gleba G.

Daí já se unimos para formar o sindicato e começar a luta, eu fui delegado do sindicato, e por conhecimento que a gente já tinha assim e o pessoal via que a gente tinha vontade de ver isso aqui crescer, já me chamaram, já formou o sindicato e nós participávamos. Era o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Foi aí que nos fizemos a primeira orientação do advogado de Brasília, doutor João da Contag, muitas das noites nós fazia reunião, hoje não é mais, onde tinha a Barão Jóias em Ji-Paraná. Lá tinha um porão e só nós que se entendia porque se caso o pessoal da Calama soubesse era sujeito eles irem lá. O advogado marcava a data aí vinha, muitas vezes à noite, dava palestras, foi aonde que ele foi abrindo como que eram os nossos direitos, porque às vezes tinha aquela vontade, mas ficava com medo, vendia, muitos vendiam e foram embora. Foi aonde teve uma reunião com o governador, agente viu que ele tinha as informações lá fora que isso aqui não era coisa boa, aí ele viu, presenciou que era tudo pessoal ordeiro, família, tudo com vontade de subir na vida, de crescer, possuir um pedacinho de terra, não estava grilando. (Paulista)

O depoimento acima revela o apoio da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG - na orientação de como os camponeses da Gleba G deveriam proceder para regularizar os lotes. Neste contexto iniciou-se um processo de negociação com o objetivo de promover a regularização fundiária da região. Em dezembro de 1981, através da Lei Complementar nº 041 foi criado o Estado de Rondônia. Menos de quatro meses depois, no dia 06 de abril de 1982, foi publicado o Decreto Nº 87.085, assinado pelo então presidente João Figueiredo, que desapropriava a Gleba G para fins de regularização fundiária pelo INCRA.

4.3 O Núcleo Urbano de Apoio Rural (NUAR) Nova Londrina
Paralelamente à afluência de centenas de famílias e ao desenrolar do conflito com a Calama S/A surgiu, na intersecção da 3ª linha com o travessão da Gleba G, um núcleo urbano. Alguns comerciantes viram na intensa movimentação de camponeses a oportunidade de instalar bares e mercadinhos para atender a demanda local. Inicialmente chamada de "Patrimônio" e "Cibrazem" a localidade recebeu o nome de Nova Londrina por decisão dos moradores.

Eu vim pra cá, conheci a gleba, as pessoas, as maiores dificuldades mesmo eram de transporte, não tinha balsa, era bote pra atravessar o rio, aí nós entramos na picada e fomos abrindo aqui, aí nós começamos a ver que devido à produção, o patrimônio ia se desenvolvendo, mas nem nome tinha ainda, era uma vila lá. Aí levantaram pra ver que nome dariam, aí foi crescendo a comunidade, o pessoal foi se aglomerando ali dentro, assim que surgiu Nova Londrina, aí foi indo, cada um sugeriu um nome e acharam por bem Nova Londrina, mas eu acho que foi um grupo do Paraná que se juntou e teve essa idéia. (Paulista)

Isso aí não tinha nome não, chamava boteco do Saulo, pois só tinha o boteco do Saulo aí mesmo. Aí depois o outro boteco veio e começou a chegar botecos, começou a aumentar os botequinhos, a Cibrazém chegou logo chegou o progresso né. Jorge Teixeira fez essa estrada aqui, rasgou de Ji-Paraná até aí. Aí começou. (Mineiro)

Nós aqui de dentro fizemos uma reunião e decidimos tirar esse nome de Cibrazem, ‘vamos lá na Cibrazem’. Onde era a Igreja Católica hoje, era a Cibrazem, eles colocaram a Cibrazem ali pra colher os mantimentos, pra ficar ali até quando pudesse tirar pra Ji-Paraná. Vamos mudar esse negócio, Cibrazem vai ficar a vida inteira. Aí fizemos uma reunião e aí falaram, ‘vamos colocar Nova Londrina’, todo mundo é paranaense mesmo e ficou por Nova Londrina. (Paranaense)

A resolução do conflito instalado entre a Calama S/A e os camponeses da Gleba G iniciou-se a partir da fundação do sindicato e da intervenção direta do último governador do Território de Rondônia e primeiro governador do Estado de Rondônia, o coronel Jorge Teixeira. O Estado mediou o processo de regularização das terras através do INCRA e da fundação do Núcleo Urbano de Apoio Rural (NUAR) Nova Londrina. Segundo depoimentos a Calama S/A recebeu uma vultosa indenização pela área ocupada.
Neste processo, a figura do coronel Jorge Teixeira aparece no imaginário coletivo dos camponeses como o responsável direto pela solução do conflito. Esse imaginário foi reforçado pelas visitas e reuniões dirigidas pelo governador na Gleba G. O fato dele descer de helicóptero e vir conversar diretamente com os mesmos marcou de forma definitiva as pessoas do lugar. Sua atuação é mais valorizada, inclusive, do que a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ji-Paraná.

O seu Vidal da quarta linha, que é um senhor também antigo foi tirado daqui amarrado, o jagunço amarrou ele, levou ele pro outro lado do rio pra dar fim nele e o pessoal foi atrás, desamarrou ele e... ‘pau’ no jagunço pra ele ir embora. Aí foi onde o saudoso Jorge Teixeira falou ‘vou regularizar essas terras e vou entregar terra pra cada um’. Aí negociou com a Calama e regularizou, mas era feio. A única coisa que dava medo na gente não era a onça, era o ser humano, eles não tinham dó. (Paranaense)

Mais dia ou menos dia eles iam tirar a Calama, só que o Jorge Teixeira evitou muitos conflitos, né. Se não fosse o governador feito a negociação iria continuar essa bandidisse, continuar essa briga de gato e cachorro, quer dizer, que tirou ela de cena, já melhorou 99%, aí o INCRA cortou, foi 100%, foi muito bom, foi uma coisa muito boa, na verdade eu acho que a Calama devia ser despejada, mas como fez o acordo foi melhor, acho que foi pago 12 milhões parece, de cruzeiros na época do cruzeiro. (Mineiro)

O governo veio fazer uma visita, viu que tinha bastante gente mesmo. Eu lembro da primeira reunião que teve aqui na quarta [linha], que veio um helicóptero com o governador Jorge Teixeira, veio o Canuto, que era o administrador de Vila de Rondônia, veio o Camata, da rádio de Vila de Rondônia, isso foi em 1978, 1979. Aí já falaram que ia dividir a área aqui, veio só o pessoal do banco, do governo e também o pessoal das notícias, do jornal. Eu sei que aí começou nessa reunião, quando eu voltei, quando eu vi o movimento, senti que aqui tava valorizando. Tinha gente que queria vir pra cá, mas tinha medo por causa das notícias. Depois que o governador veio melhorou. Quando ele veio, ele disse que ouvia falar que aqui tinha um exército do inferno, que os colonos aqui eram jagunços, que quem viesse aqui eles matavam. Aí ele viu que eram famílias carentes, pessoas que estavam com necessidade de adquirir terra mesmo. Eles podiam ser soldados, mas era pra defender a área deles. (Paulista)

Quando o Jorge Teixeira veio e negociou a terra, ele, um homem muito ordeiro, foi por aqui por baixo em uns pés de cacau até na quarta linha que tinha um lugar mais aberto. De lá ele veio na ‘canelinha’ também, ele, o Camata, o radialista, o radialista Silva Júnior, vieram juntos, fizeram uma gravação, eles devem der até hoje essa gravação, puseram em arquivo isso, eles vieram, onde o Jorge Teixeira ia, eles acompanhavam o Jorge. E ele encarou bem, até hoje eu admiro muito ele. Ele já se foi, mas foi um bom governador. Acredito, não menosprezando os que estão por aí, mas acho que igual ele nós não vamos ter nunca mais em Rondônia. Não tinha esse negócio de ter greve e falar ‘vai fulano no meu lugar’. Ele ia pra resolver junto com a pessoa, de cara. Ele não ia com moagem não. Ele ia na dele, normal, tranqüilo,sem medo, sem preocupação. Aí foi onde teve umas reuniões. (Paranaense)

A instalação do NUAR tinha como objetivo prover assistência e suporte aos camponeses que ali residiam. Em 1985 foi construído o Centro Técnico Administrativo para abrigar os órgãos que prestavam suporte aos agricultores, tais como, administração local, agência dos Correios, da EMATER, entre outros (Pessanha, 2010). Juntamente com o NUAR, o INCRA iniciou o processo de regularização fundiária que concedeu, definitivamente, os lotes.

O INCRA botou o pessoal para medir, aí ele veio e deu os papéis para nós, e foi tudo medido pelo INCRA, algumas vezes passou para a marcação do outro, de diferença nas medidas, mas pelo menos a nossa aqui da segunda [linha] não teve problema. [...] não teve briga, não teve nada Graças a Deus foi feliz, e aí o governo veio e deu os papéis para todo mundo. (Baiana)

Pra nós deu um benefício bom, porque daí já saiu a estrada melhor, né, já teve ônibus pra poder locomover a gente de um lado pro outro. [...] Aí foi quando veio o Jorge Teixeira pra resolver a desavença, né. Ele ajudou muito nessa parte, se não fosse ele, nem sei se a gente tava aqui hoje. O chefe do INCRA também, a gente agradece muito eles. Se vocês forem passar por lá e eu falo em nome de todos os que entraram na época, que muitos mudaram, outros passaram pra frente, mas eu agradeço e fico muito feliz pelo que eles fizeram. (Paranaense)

A Calama fechou o escritório e acabou, ninguém falou mais na Calama. Aí o governador Jorge Teixeira indenizou eles, deu um dinheirinho bom pra eles lá, aí tiraram eles, dai aí eles saíram de cena, aí o INCRA veio e cortou também, né, e acabou o problema de conflito com a Calama. Aí saiu o titulo definitivo da terra. (Mineiro)

Contudo essa fixação após a titulação foi relativa, pois à medida que o espaço foi "limpo" e as estradas abertas, a terra encareceu. Em virtude disso, parte dos colonos não se fixa, vendendo a terra para novos colonos mais capitalizados ou para os latifundiários da região. Com o dinheiro em mãos, os camponeses se deslocam para terras mais distantes ou se aventuraram mata adentro em busca de novas terras e o processo vai se reproduzindo.

5- Considerações finais

A migração para Rondônia se caracterizou por criar expectativas no sentido de obtenção de terras e de melhores condições de vida para os camponeses das regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país. Não obstante a propaganda oficial que incentivava o deslocamento para a região, não havia estrutura básica e nem projetos suficientes para acolher a demanda. Pode-se concluir, neste sentido, que o objetivo do Estado era muito mais aliviar as tensões do campo nas regiões de origem dos camponeses do que promover uma ocupação racional da fronteira amazônica.
O distrito de Nova Londrina, anteriormente chamado de Gleba G, foi colonizado por posseiros que ocuparam as terras da colonizadora Calama S/A. Em função dos problemas entre a colonizadora e os camponeses foi necessária a intervenção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ji-Paraná, do governo do recém criado Estado de Rondônia e do INCRA para proceder a um projeto de regularização fundiária e assim, resolver os conflitos na região. Paralelo a isso foi implantado o NUAR Nova Londrina que se constituiu em um núcleo urbano em que se concentraram os serviços básicos (Correios, EMATER, Cartório, administração do NUAR, entre outros) de suporte aos agricultores do distrito.
Pode-se dizer que a migração para o estado de Rondônia, em especial para o distrito de Nova Londrina, caracterizou-se pela violência e por criar expectativas no sentido de obtenção de terras, no entanto, a despeito dos conflitos, percebe-se que a resistência e a organização dos camponeses foi decisiva para pressionar o Estado brasileiro no sentido de tomar as medidas necessárias e regularizar a posse da terra na Gleba G. Vinte anos após o decreto de desapropriação das terras para fins de regularização fundiária, alguns moradores ainda não possuem a escritura pública de seus lotes. Esta situação demonstra que a questão agrária em Rondônia, mesmo nas áreas de ocupação mais antiga, ainda não está resolvida. A organização e articulação dos camponeses continuam sendo um importante instrumento de luta pela terra. Em Nova Londrina a comunidade continua organizada através da Associação de Moradores e muitos dos migrantes acabaram impelidos a desenvolver outras atividades em função das dificuldades em reproduzir o modo de vida camponês.

Notas

1 Em de 9 de Julho de 1970 através do Decreto-Lei n.º 1.110 foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), extinguindo o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o Grupo Executivo da Reforma Agrária .

2 Planta típica da região amazônica pertencente à Mata de Terra Firme. Produz uma goma elástica.

3 À pé.

4 Cesto utilizado para carregar bagagens nas costas.

5 Os camponeses vindos do centro sul do país se referem à igarapé como córrego e numa linguagem popular contraem a palavra para o termo ‘córgo’.

6 Apossamento de terras alheias mediante falsas escrituras.

7 Picada utilizada pelos seringueiros para transportar borracha e mercadorias no lombo de animais.

Fontes

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4. Brasil. Decreto-Lei Nº1.106, de 16 de junho de 1970. Cria o Programa de Integração Nacional, altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas na parte referente a incentivos fiscais, e dá outras providências.

5. Brasil. Decreto Nº 87.085, de 6 de Abril de 1982. Dispõe sobre a desapropriação, imóvel rural constituído de parte da "Gleba Pyrineos".

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Recibido: 18 de septiembre de 2014. 
Aceptado: 4 de diciembre de 2014. 
Publicado: 29 de diciembre de 2014.

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