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Mundo agrario

versión On-line ISSN 1515-5994

Mundo agrar. vol.18 no.39 La Plata dic. 2017

 

RESEÑA

Marques, Flávia Charão; Conterato, Marcelo Antônio; Schneider, Sergio (Orgs). Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016, 416 p.

Diego Neves de Sousa

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
diego.sousa@embrapa.br

Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural (2016), livro organizado por Flávia Charão Marques, Marcelo Antônio Conterato e Sergio Schneider, todos professores/pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tem a proposta de analisar os mercados como espaços de interação social que envolvem diversos atores individuais e institucionais, visíveis e identificáveis. A reflexão foi direcionada para um debate teórico-prático baseado em pesquisas empíricas que se relacionam diretamente com os profissionais das ciências sociais, especialmente os sociólogos e economistas, no campo dos estudos rurais e agroalimentares.

Esta publicação é uma coletânea de quinze artigos que apresenta resultados de estudos realizados por diversos pesquisadores oriundos do Brasil (15), China (3), França (2), Holanda (1), Itália (4) e Reino Unido (3), e está dividida em quatro partes. A primeira, composta por quatro capítulos, busca entender o papel dos mercados, suas definições e sua imbricação com a emergente questão agroalimentar. Os três artigos da segunda parte se relacionam com o tema do sistema agroalimentar e a discussão antagônica entre mercados globais elocais, e convencionais ealternativos. A terceira parte tem quatro artigos que tratam das transformações nas normatizações institucionais e da influência dos consumidores na redefinição dos novos mercados. Finalmente, a quarta parte é composta por artigos que ressaltam a importância do Estado na construção de mercados com o apoio de políticas públicas.

Mas, afinal, quais imagens poderiam retratar os mercados socialmente construídos da agricultura familiar? Um dos primeiros aspectos que chama a atenção do leitor diz respeito à capa do livro, na qual estão representados, por meio de ilustrações, os possíveis mercados da agricultura familiar, que foram acessados através de fotos tiradas em participações em feiras de produtos orgânicos, comércio justo e solidário, dentre outros. São circuitos curtos de comercialização organizados em sua maioria por empreendimentos coletivos da agricultura familiar, que tem o objetivo de inserir a produção desse público em mercados alternativos e promover sua inclusão produtiva, além de conquistar outros nichos de mercado consumidor. Embora haja inúmeras transformações na dinâmica do sistema agroalimentar, sendo uma delas a emergência dos mercados alternativos, as ilustrações do livro não esgotam as representações e significados retratados, pois são diversos os mercados que podem ser acessados pelos agricultores familiares. Em outras palavras, as imagens retratam o quão alternativos podem ser os mercados e suas diversas possibilidades de conotações, o que nos leva a retomar o título do livro ao abordar os desafios na construção de mercados pelos agricultores familiares.

De fato, a mudança analítica nos estudos rurais passou por uma importante transformação nos últimos anos. A necessidade de superação do modelo hegemônico produtivista da agricultura perpassou por uma transição no modelo de desenvolvimento rural que tem sido demonstrada a partir da construção social de novos mercados para os agricultores familiares. Nesse contexto, o debate sobre mercados não é recente, mas por ora atravessa por uma contraposição entre os convencionais e os alternativos, resultado dos diversos enfoques característicos de cada um.

Os organizadores Marques, Conterato e Schneider (2016) sinalizam que os estudos relatados nesta obra têm uma perspectiva não convencional, uma vez que subscrevem a ideia de que os mercados são espaços de interação social que envolvem distintos atores, com foco principal nos agricultores familiares e nas suas organizações sociais, além dos demais agentes públicos e privados: "O reconhecimento da dinâmica diferenciada destes novos mercados tem aguçado debates e discussões recorrentes tanto no âmbito acadêmico, como político-institucional sobre suas potencialidades" (p.13). Por isso, os estudos a partir das transformações supracitadas permitiram maior ênfase de reflexão e análise diante da possibilidade de reconexão dos agricultores familiares enraizados localmente junto aos consumidores e a outros atores envolvidos nos processos de mudança social, permitindo a construção de mercados aninhados – também conhecidos como nested markets –, integrados a um conjunto específico de transações e de benefícios. Este e outros temas inovadores em voga tornam-se importantes elementos de análise, sobretudo, da sociologia rural e da alimentação que tão bem são retratados na obra.

É neste contexto de mercados aninhados recém-criados que Jan Douwe van der Ploeg abre a primeira parte dos artigos da presente obra. O autor salienta que estes estão imersos no interior de mercados mais amplos, mas que diferem no que concerne às suas dinâmicas, suas inter-relações, formas de governança, diferenciais de preços, mecanismos de distribuição e impacto geral. Ainda sobre mercados, Jonh Wilkinson realiza uma revisão da literatura sobre a importância da sociologia econômica no estudo dos mercados, ao contribuir na reintrodução da noção de valor no centro dos debates acerca da formação do mercado. Também apresentou que os estudos rurais sobre o sistema agroalimentar, com poucas exceções, têm sido marcados por uma representativa polarização entre os mercados convencionais (definidos de várias formas) e os mercados alternativos (definidos pela estreita relação social). Já Gilles Allaire analisa a questão da reemergência dos produtos alimentares a partir da crítica social dos mercados. Considera que, no contexto político global, os produtos alimentares locais envolvem múltiplas questões que se generalizam rapidamente. Com a proposta de refletir os diferentes tipos de mercados com os quais os agricultores familiares se relacionam, Sergio Schneider elaborou uma tipologia – com base em Karl Polanyi – reunindo a heterogeneidade da realidade das múltiplas agriculturas familiares em quatro tipos genéricos: mercados de proximidade, mercados locais e territoriais, mercados convencionais e, o último, mercados públicos e institucionais. O referido autor afirma que, a partir desse exercício teórico, todos os mercados são socialmente construídos e estão enraizados em relações sociais e econômicas.

Iniciando a segunda parte da coletânea, Gianluca Brunori e Vanessa Malandrin demonstram como a esfera do mercado e a esfera pública na Itália tem mudado como consequência do desenvolvimento de um novo consenso sobre o alimento, e como este tem redistribuído o poder do mundo industrial para aquele artesanal de produção de alimento. Ainda no contexto da valorização dos produtos locais, Marie France Garcia-Parpet analisa o caso de alimentos terroir (territoriais) na França e suas controvérsias. A autora infere que o modo de institucionalização do terroir adotado pelo Slow Food, que a princípio foi bastante contrário às denominações de origem, deve, no entanto, consideravelmente aos organismos de política regional. Já o artigo de Walter Belik discute os limites para a expansão dos mercados locais, abordando a experiência das políticas públicas de abastecimento do Brasil, no qual são elencados os problemas de logística e de burocracia enfrentados pelos agricultores familiares para o fornecimento de alimentos às compras governamentais.

Na terceira parte da coletânea, Paulo Furquim de Azevedo inicia a discussão analisando como emergem os mercados, quais são as políticas e limites para desenvolvê-los, e quais as alternativas para o caso de sua ausência. Nas análises, este reconhece que os mercados são instituições que compreendem um conjunto de regras formais, atores e suas respectivas crenças acerca do modo que as regras serão aplicadas. Os autores Pierluigi Milone e Flaminia Ventura analisam a metáfora da "mão invisível" para repensar os mercados aninhados. Apregoam que as formas híbridas de governança são, a um só tempo, efeito e causa do sucesso de estratégias adotadas por agricultores europeus para melhor se alinharem ao novo paradigma do desenvolvimento rural. No artigo de Fátima Portilho e Lívia Barbosa, elas percebem que os estudos rurais não estão preocupados com o consumo dos produtos agrícolas pelas populações urbanas porque recebem pouca atenção dos pesquisadores. Neste intento, estas autoras propõem analisar o tema dos mercados pela ótica dos consumidores, especialmente dos movimentos de consumo político e reivindicação de qualidades diferenciadas dos produtos. Quanto à discussão sobre produção ecológica de alimentos, reaparece no artigo de Paulo André Niederle e Flávia Charão Marques ao analisarem como os agricultores familiares ecológicos e suas organizações respondem aos desafios que se impõem à construção de novas estratégias de requalificação, relocalização e reconexão dos circuitos de produção e consumo alimentar por meio de dois estudos de caso.

A quarta e última parte do livro inicia com os autores Roberta Sonnino, Jessica Spayde e Leah Ashe analisando a construção de mercados através das compras públicas, especialmente tomando como exemplos as políticas de alimentação escolar em distintos níveis de governança (global, regional e municipal). Numa perspectiva de mercado de Pagamento por Serviços Ambientais - PSA, Shigeo Shiki, Elaine Aparecida Fernandes, Simone de Faria Narciso Shiki e Patrícia Alves Rosado Pereira descrevem como os mercados construídos a partir do desenho e implementação de projetos e programas de PSA se apresentam em diferentes formas e tipos, e são resultantes de trajetórias de desenvolvimento rural em que distintos processos sociais, ambientais, econômicos e outros coevoluem nos diversos territórios. Em relação aos autores Huifang Wu, Baoyin Ding e Jingzhong Ye, estes analisaram dois estudos de caso de desenvolvimento de novos mercados aninhados na China, um de agroturismo e outro de comercialização de macarrão celofane. Essas experiências refletem a multiplicidade de processos de desenvolvimento rural na China. Por fim, o artigo de Claudia Job Schmitt e Marcelo Kunrath da Silva debruça na análise das organizações de movimento social na implementação de políticas públicas, especialmente do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, evidenciando como se dá a constituição desses mercados e das redes sociais que lhes dão suporte.

Desse modo é que, ilustrando as diversas possibilidades de inserção dos agricultores familiares em mercados alternativos, a obra Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural inova pela variedade de objetos empíricos de estudos abordados, no âmbito nacional e internacional, mas, sobretudo, pelo olhar sociológico conferido a cada um deles. Isso, porque os artigos estão organizados com o objetivo de conectar os estudos rurais aos novos mercados agroalimentares que estão em construção, o que necessita de maior entendimento dos conceitos e temas emergentes como forma de apropriá-los em determinado debate acadêmico-político, como, por exemplo, entender como os mercados podem ser espaços para a reprodução e inclusão dos agricultores familiares.

Também, a partir dessas abordagens e questões problematizadoras, é possível inspirar ideias ao leitor, novas reflexões e ações na proposição de uma agenda de ensino, pesquisa e extensão, ou com o propósito de atualização sobre um tema tão em voga. Os autores querem chamar a atenção do leitor, que tem no seu perfil o interesse por atuar junto aos agricultores familiares, independente da formação e da instituição de origem, mas que tem motivações em adentrar no emergente debate em torno dos mercados da agricultura familiar como forma de promover o desenvolvimento rural. Assim, diversas instituições que atuam direta ou indiretamente com os agricultores familiares, seja acadêmica como as universidades, seja a de pesquisa como a EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, seja a de extensão como a EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, dentre outras, poderiam se beneficiar do conhecimento disponibilizado nesta obra.

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