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Mundo agrario

versão On-line ISSN 1515-5994

Mundo agrar. vol.23 no.53 La Plata nov. 2022

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.24215/15155994e191 

Artículos

Análise histórica da aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil: contribuição aos Estudos Agrários Críticos

Historical analysis of the acquisition of rural properties by foreigners in Brazil: contribution to Critical Agrarian Studies

1Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP, campus de Franca/SP

2Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Franca

Resumo

Este artigo busca investigar, a partir de uma abordagem histórica, como o regime jurídico de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros evoluiu no ordenamento jurídico brasileiro e como ele é regulado atualmente pela legislação brasileira. Objetiva estabelecer bases para o desenvolvimento de futuros estudos que relacionem aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil a temas críticos ao direito agrário, como land grabbing, agrarian extractivism, food sovereignty e climate changes. Trata-se, portanto, de pesquisa de caráter descritivo. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica e documental não sistematizada. Ao final da pesquisa identificou-se que no Brasil o regime de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros evoluiu de um paradigma de estímulo à imigração e facilitação à aquisição de propriedade para um regime de restrição.

Palavras-chave Aquisição; Imóveis Rurais; Estrangeiro; Brasil; História Agrária

Abstract

This article seeks to investigate, from a historical approach, how the legal regime for the acquisition of rural properties by foreigners evolved in the Brazilian legal system and how it is currently regulated by Brazilian legislation. It aims to establish bases for the development of future studies that relate the acquisition of rural properties by foreigners in Brazil to critical issues of agrarian law, such as land grabbing, agrarian extractivism, food sovereignty and climate changes. It is, therefore, a descriptive research. The methodology used was a non-systematized bibliographic and documentary review. At the end of the research, it was identified that the regime for the acquisition of rural properties by foreigners evolved from a paradigm of encouraging immigration and facilitating the acquisition of property by foreigners in Brazil to a regime of restriction on the acquisition of rural properties by foreigners.

Keywords Acquisition; Rural Land; Foreign; Brazil; Agrarian History

Introdução

O território é um dos elementos que formam um Estado soberano. Este elemento constitui a base geográfica onde se exerce o poder estatal sobre o povo. Reconhecendo a importância do território para a proteção dos interesses nacionais, diversos países adotam regimes restritivos à aquisição de imóveis por estrangeiros, em especial dos imóveis rurais.

Muitos são os motivos apresentados para estas políticas restritivas: proteção à segurança nacional, prevenção à dominação de infraestrutura, prevenção ou restrição à especulação estrangeira, controle do fluxo de investimentos diretos estrangeiros, controle da produção de alimentos, nacionalismo, xenofobia, segurança alimentar etc. (Hodgson, Cullinan & Campbell, 1999).

No Brasil, por exemplo, a Advocacia-Geral da União (AGU) reconheceu expressamente que a crise alimentar e o potencial estratégico do setor de biocombustíveis possuem relação com o regime especial de restrição à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, uma vez que tais fatores foram utilizados como fundamentos para que aquele órgão alterasse seu entendimento sobre a recepção do §1º do art. 1º da Lei nº 5709/71 pela Constituição Federal de 1988 (AGU, 2010). De fato, em 2010 a AGU revisou os pareceres AGU/CGU GQ nº 22/1994 e GQ nº 181/1998 e passou a entender que o §1º do art. 1º da Lei nº 5709/71 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

O presente artigo busca entender como a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros foi sendo tratada ao longo da história pela legislação brasileira até chegar nos dias atuais. Para tanto, divide-se o trabalho em duas seções: a primeira está destinada a compreender a evolução histórica da ocupação de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil e a segunda está destinada a analisar o atual regime jurídico brasileiro sobre aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros.

Na primeira seção, portanto, analisa-se como a propriedade fundiária foi se formando no direito brasileiro e de que forma a ocupação estrangeira participou desta construção. A Lei de Terras ganha especial destaque nesta seção pois ela visava estabelecer um estatuto jurídico da propriedade privada no Brasil, e, ao mesmo tempo, estimular a imigração de estrangeiros, facilitando, inclusive, a obtenção de nacionalidade brasileira àqueles estrangeiros que aqui tivessem adquirido terras.

Na segunda seção aborda-se o regime jurídico atualmente vigente no Brasil quanto à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. Serão analisadas, em especial, as disposições da Lei nº 5709/71, que é o principal instrumento normativo que regula tal regime, e outras disposições legais e normativas que tratam do tema.

História da ocupação de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil e seus impactos na formação da propriedade fundiária

Ao longo de sua história o Brasil adotou diversos regimes de regulação da ocupação do imóvel rural por estrangeiros. Passou-se de uma política de estímulo à imigração estrangeira (para fins de colonização do território nacional) para um regime de restrição à propriedade e ao arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros.

Scoton e Trentini (2011) enfocam o regime especial de restrição à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros como resultado de pressões institucionais exercidas por diversos grupos de interesse. Tais grupos buscam exercer influência política na determinação da estrutura e do conteúdo do direito de propriedade agrária para enrijecer ou flexibilizar a apropriação de imóveis rurais por não nacionais.

O regime especial de ocupação de imóveis rurais por estrangeiros caminha, inicialmente, em paralelo às quatro fases identificadas pela doutrina como sendo as que compõem a história da formação da propriedade rural no Brasil. Estas fases são assim identificadas: a de sesmarias, a de posses, a que se inicia com a Lei de Terras e a que se inicia com a República (Baracho & Muniz, 2015). Entretanto, em 1969, com o ato complementar nº 45, esse regime começa a distanciar-se do comum para ganhar um tratamento específico e mais restritivo.

No período colonial, a partir de 1534, passou a vigorar no Brasil um regime de ocupação de terras pelo qual a coroa, em virtude do direito de conquista, reservava para si o direito de propriedade, e cedia, por datas de concessão, o direito de explorar o solo brasileiro àqueles que desejassem ocupá-lo. Era o regime de sesmarias, que já vinha sendo adotado em Portugal desde 1375, pelo qual “os donatários tinham para si um privilégio pessoal e não hereditário, já que o dominium directum era reservado à coroa portuguesa” (Fonseca, 2005).

Neste período havia um forte interesse da coroa em estimular a imigração de seus nacionais para o território recém-descoberto a fim de promover a ocupação do solo brasileiro por portugueses. Para tanto, o território foi dividido em capitanias hereditárias e as concessões de sesmarias foram utilizadas como instrumento de colonização do Brasil. O estímulo à imigração e à ocupação territorial da colônia tinha por finalidade reafirmar a soberania da coroa portuguesa sobre as terras descobertas, evitando e repelindo invasões de outras nações.

Este regime de ocupação vigorou até pouco antes da independência do Brasil. Com a Resolução 76, de 17 de julho de 1822, restaram proibidas novas concessões de terras em regime sesmarial, dando-se início a uma fase de ocupação das terras brasileiras denominada “fase das posses”, que vigoraria até 18/09/1850.

A fase das posses é um período caracterizado pela ausência de regulamentação jurídica específica sobre a ocupação e propriedade de terras no Brasil. Isto estimulou a ocupação informal do território brasileiro através de simples atos possessórios, como o cultivo da terra e a moradia habitual (Di Pietro, 2010, p. 716) – a despeito de a Constituição Imperial de 1824 já garantir o direito de propriedade no art. 179, XXII –. Nesta fase não existia um regime jurídico específico para a ocupação de imóveis rurais por estrangeiros.

Em 1850, dando-se início a uma nova fase, foi promulgada a Lei de Terras, sob nº 601/1850, que estabeleceu o regime jurídico para a aquisição de terras bem como para a regularização da propriedade imobiliária no Brasil. Tal lei também procurou estimular a imigração de estrangeiros para o território nacional, inclusive com financiamentos governamentais. Pouco tempo depois foi editado o Decreto nº 1.318, de 1854, que regulamentou os dispositivos da Lei de Terras.

Dois eram os principais problemas que a Lei de Terras buscava resolver: a ausência de um sistema jurídico que regulasse a propriedade imobiliária e a carência de mão de obra escrava causada pela promulgação (em razão dos embargos britânicos ao comércio transatlântico de escravos) da Lei Eusébio de Queiroz, nº 581/1850, promulgada duas semanas antes da Lei de Terras (Mendes, 2009).

Para tentar enfrentar o primeiro problema a Lei de Terras criou um sistema de regularização fundiária das áreas que estavam sob a posse de particulares – posse a título de sesmaria legítima, de sesmaria ilegítima (caídas em pena de comisso, mas passível de revalidação nos termos da lei), ou, até mesmo, de posse não titulada –, a fim de lhes atribuir título formal apto a inserir o imóvel como bem jurídico passível de circulação econômica. Criou-se, também, um sistema de discriminação das terras devolutas – aquelas “devolvidas” à coroa portuguesa porque caídas em pena de comisso ao descumprirem as condições (medição, confirmação e cultura) impostas na carta de concessão da sesmaria e que não fossem passíveis de regularização (Bittar Filho, 2000).

Os instrumentos criados pela Lei de Terras para regularização fundiária foram, naquela época, a validação das sesmarias legítimas (que cumpriram as condições impostas nas cartas de concessões), a revalidação das sesmarias ilegítimas (aquelas áreas que se encontravam com princípio de cultura e moradia habitual), e a legitimação da posse que tivesse princípio de cultura e moradia habitual (arts. 3º, 4º e 5º da Lei de Terras).

Para fins de discriminação e segregação de terras públicas das terras particulares criou-se um sistema de “registro” de terras, que foi atribuído às paróquias, e que tinha finalidade declaratória e recenseadora, o qual ficou conhecido como “Registro do Vigário” (art. 13 da Lei de Terras e art. 97 do Decreto 1.318/1854). Tal registro não tinha por finalidade atribuir direito de propriedade aos posseiros que o promovessem, mas tão somente discriminar as terras públicas das particulares (art. 94, in fine, do Decreto 1.318/1854).

Tais instrumentos de regularização fundiária tinham por finalidade superar a ocupação informal vigente na fase das posses e inserir a propriedade da terra numa economia de mercado. Nesse sentido, a Lei de Terras transformou as terras devolutas em mercadoria comercializável pelo Estado, porque “a obtenção de lotes agrícolas passava a se dar exclusivamente por meio de compra e venda, não mais por cessão gratuita em nome do sesmeiro ou do posseiro, como ocorria desde o tempo colonial” (Mendes, 2009, p. 178).

No que diz respeito ao segundo problema (declínio da mão de obra escrava), a Lei de Terras buscou estabelecer uma política de incentivo à imigração estrangeira. Analisando o trabalho rural sob a ótica do direito agrário, Maniglia (2000, p. 115) afirma que desde a proibição do trabalho escravo e do tráfico negreiro recorreu-se à força de trabalho estrangeira, adotando-se um sistema imigratório. Em seus artigos 17 a 20 criaram-se mecanismos de fomento à imigração de estrangeiros para o Brasil, tais como: facilitação à naturalização (art. 17), financiamento público às viagens de imigrantes (art. 18) e aplicação dos recursos públicos decorrentes da alienação das terras devolutas na “importação de colonos livres” (arts. 19 e 20).

Embora o art. 17 da Lei de Terras facilitasse a naturalização dos imigrantes que aqui adquirissem propriedade de terras, fato é que referida legislação buscou restringir, ainda que dissimuladamente, a aquisição de terras por colonos estrangeiros para forçar os que aqui desembarcassem a trabalhar nas lavouras de café (Mendes, 2009). E restringia tal acesso à terra porque, em deferimento às teorias propostas pelo economista britânico Edward Gibbon Wakefield, impunha em seu art. 1º a compra e venda como único meio de aquisição das terras devolutas,1 segregando aqueles imigrantes que, em sua maioria, desembarcavam no Brasil sem possuir condição econômica de pagar o preço de aquisição da terra.2

Ruy Moreira (1990, p. 37) afirma que “a lei de terras veio com a finalidade de excluir o acesso à terra da quase totalidade da população colonial, à qual só resta oferecer-se em trabalho aos proprietários fundiários”. Maniglia (2009, p. 48), por sua vez, afirma que, se por um lado a lei de terras criou e protegeu a propriedade rural, por outro ela impediu o acesso à terra aos negros e pobres quando obrigou que todas as terras públicas fossem transferidas, doravante, somente por venda e compra.

Assim, embora a Lei 601/1850 permitisse a venda de terras públicas a estrangeiros e facilitasse a naturalização daqueles que adquirissem propriedade imóvel no Brasil, havia uma restrição dissimulada, inerente ao próprio sistema de transmissão de terras devolutas a particulares, que autorizava apenas a transmissão por venda e compra, uma vez que “as terras eram vendidas por um preço relativamente alto, dificultando a aquisição por parte dos colonos” (Cavalcante, 2005, n. p), que aqui chegavam endividados pelos altos custos das viagens.

Afirma-se, pois, que a criação daqueles mecanismos de fomento à imigração previstos na Lei de Terras tinha por finalidade principal suprir a carência de mão de obra escrava, a qual, em processo de abolição, começava a surtir efeitos negativos nas lavouras de café. Tais mecanismos não visavam, ao menos essencialmente, a colonização do território brasileiro por estrangeiros, mas a importação de mão de obra livre. Daí porque se afirma ser possível encontrar na Lei de Terras, de 1850, o começo de uma política de restrição (ainda que dissimulada) à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.

Com a Proclamação da República inicia-se uma nova fase na história da propriedade agrária brasileira. Isto porque a propriedade das terras devolutas, que antes pertencia apenas ao governo central, é transferida aos Estados-membros, reservando-se à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais (art. 64 da Constituição Federal de 1891)3. Nesta fase não houve um tratamento específico à aquisição de terras por estrangeiros. Continuaria a vigorar as regras previstas na Lei de Terras de 1850: aquisição das terras devolutas apenas por título de compra ou através dos instrumentos de regularização fundiária.

Na Constituição Federal de 1934 estabeleceu-se que na faixa de cem quilômetros ao longo das fronteiras brasileiras qualquer concessão de terras dependeria de anuência do Conselho de Segurança Nacional e que nestas áreas deveria predominar a presença de capitais e trabalhadoresnacionais, nos termos de seu artigo 166. Esta disposição foi repetida na Constituição Federal de 1937, ampliando-se a faixa de fronteira para cento e cinquenta quilômetros e prevendo que seria possível a instalação, nestas áreas, de indústrias que interessassem à segurança nacional, o que dependeria de anuência do Conselho Superior de Segurança Nacional, conforme art. 165.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabeleceu que os governos estrangeiros, bem como suas organizações de qualquer natureza, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação (art. 11, §3º do decreto-lei nº 4.657, de 04/09/1942).

A Constituição Federal de 1946, além de repetir, em seu art. 180, §1º, as mesmas disposições da Constituição de 1937, previu, no art. 156, que a lei facilitaria a fixação do homem no campo, estabelecendo planos de colonização e de aproveitamento das terras públicas, preferindo-se para esse fim os nacionais. A Constituição de 1967, por sua vez, repetiu, no art. 91, parágrafo único, que a concessão de terras nas áreas indispensáveis à segurança nacional garantiria a predominância de capitais e trabalhadores brasileiros.

Já em plena ditadura militar, e diante do escândalo noticiado pela mídia quanto à existência de grandes propriedades situadas na Amazônia legal sob o domínio de estrangeiros e do recrudescimento do interesse na aquisição de grandes imóveis rurais no Brasil por grupos estrangeiros, começa-se a pensar, na segunda metade do século XX, em um regime especial mais restritivo à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.

Em 15 de agosto de 1967 é publicado no Diário do Congresso Nacional o discurso do deputado Márcio Moreira Alves em que ele expressa sua “apreensão sobre o futuro da segurança nacional e (...) sobre a própria existência do Brasil como nação” (Câmara dos Deputados, 1967, p. 4465), fazendo diversas considerações a respeito do descontrole na aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.

Cria-se, pela Resolução nº 31/1967 (Câmara dos Deputados, 1967, p. 5390), a Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar a venda de terras brasileiras a pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. Três anos mais tarde, suas conclusões foram aprovadas pela Resolução nº 94/1970 (Câmara dos Deputados, 1970, pp. 01-68), tendo sido constatada a existência de extensas áreas rurais nas mãos de cidadãos estrangeiros. Além disto, identificou-se a utilização de diversas fraudes na conclusão destas aquisições (como uso de pessoas interpostas ou de documentos falsificados), bem como que grandes áreas de terras devolutas (públicas) também foram objeto de apropriação por estrangeiros através de expedientes próprios ligados à grilagem de terras públicas.4

Diante das constatações da Comissão Parlamentar de Inquérito, uma nova fase na regulamentação da aquisição de imóveis rurais por estrangeiros seria iniciada, e, mais adiante, ampliada para incorporar, além das hipóteses de aquisição, também os casos de arrendamento de imóveis rurais.

Foi neste contexto que se editou o Ato Complementar nº 45, de 30/01/1969, posteriormente regulamentado pelo Decreto-Lei nº 494, de 10/03/1969, para dispor e regulamentar a aquisição de propriedade rural por estrangeiro no território nacional. Editou-se, também, o Decreto-Lei nº 924, de 10/10/1969, para excepcionar das restrições impostas pelo Decreto-Lei nº 494/1969 as aquisições de áreas rurais necessárias a empreendimentos industriais considerados de interesse para a economia nacional e que fossem aprovados pelo órgão competente.

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 01, de 17/10/1969 (que alterou profundamente o regime constitucional estabelecido pela Constituição de 1967), incorporou ao texto constitucional o art. 153, § 34, possibilitando o estabelecimento de condições, restrições, limitações e outras exigências à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros para a defesa da integridade do território, da segurança do Estado e da justa distribuição da propriedade.

Em 07 de outubro de 1971 foi sancionada a Lei nº 5.709, a qual, em conjunto com seu regulamento estabelecido pelo Decreto nº 74.965, de 26/11/1974, estabelece o regime especial de aquisição de imóveis rurais por estrangeiro, seja ele pessoa física residente ou pessoa jurídica autorizada a funcionar no Brasil. Revogaram-se os Decretos-Lei nº 494/1969 e 924/1969, preservando-se as autorizações especiais concedidas em sua vigência.

Na Constituição Federal de 1988 o art. 190 ampliou as hipóteses de incidência do regime especial para abranger, além dos casos de aquisição, também os casos de arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros. Previu-se, também, a possibilidade de o Congresso Nacional conceder autorização especial em determinados casos.

A Lei nº 8.629, de 25/02/1993, que regulamentou os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, em seu art. 23 mandou aplicar, às hipóteses de arrendamento rural, todos os limites, restrições e condições previstos na Lei nº 5.709/71. Estabeleceu, igualmente, a competência do Congresso Nacional para conceder autorização especial além dos limites de área e percentual fixados na legislação referente ao tema, tanto para os casos de aquisição quanto para os de arrendamento rural.

Em 1994 a Advocacia-Geral da União edita o Parecer AGU/CGU GQ nº 22, onde, embora tal parecer não tenha sido publicado, consignou-se que as restrições impostas pelo art. 1º, §1º, da Lei nº 5.709/71 (que equipara à pessoa estrangeira a pessoa jurídica brasileira com capital majoritariamente estrangeiro) foram revogadas pelo art. 171 da Constituição Federal de 1988. Em seguida, diante da revogação do art. 171 da CF88 pela Emenda Constitucional nº 6/1995, foi editado novo parecer AGU/CGU GQ nº 181, de 1998, em que se entendeu que a revogação do art. 171 da CF88 não teria o condão de repristinar aquela norma anteriormente revogada (AGU, 1994, 1998).

Por fim, edita-se o Parecer AGU/CGU RVJ nº 01/2008, que foi ratificado e aprovado pelo Advogado-Geral da União através do Parecer AGU/CGU LA nº 01/2010. Tais pareceres, embora não integrem as espécies legislativas ordinárias, compõem o sistema jurídico que rege o tema em estudo, pois foram aprovados pelo presidente da República nos termos dos artigos 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, que conferem eficácia vinculante aos pareceres do advogado-geral da União quando aprovados pelo presidente da República e publicados no diário oficial, vinculando todos os órgãos da administração pública federal (AGU, 2010).

Estes pareceres foram publicados no Diário Oficial da União de 23.8.2010. Assim, possuem caráter vinculante para toda a Administração Pública Federal, inclusive para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, um dos órgãos executores da política de restrição à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.5

Regime jurídico das aquisições de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil

A aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil é regulamentada pelo art. 190 da Constituição Federal, pela Lei nº 5.709/1971 e seu decreto regulamentar (Decreto nº 74.965/1974), pelo art. 23 da Lei nº 8.629/1993, pelo art. 11, §§2º e 3º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, e pelos Pareceres da Advocacia Geral da União nº 01/2008-RVJ e nº 01/2010-LA.

No âmbito administrativo o tema é regulado pela Instrução Normativa nº 88, de 13/12/2017, do INCRA, bem como pelo Provimento nº 43, de 17/04/2015, da Corregedoria Nacional de Justiça. Além disso existem diversos provimentos editados pelas corregedorias gerais de justiça dos tribunais de justiça estaduais, que regulamentam a atuação dos notários e registradores de imóveis no controle dos limites quantitativos e na fiscalização da aplicação das regras desse regime especial de propriedade agrária.

Sendo o direito de propriedade um direito fundamental tutelado em diversos dispositivos da Constituição Federal (em especial pelo art. 5º, caput, XXII, XXIII, XXIV, XXV, XXVI, art. 170, II e III, art. 182, §2º, art. 185 e art. 186, dentre outros), é necessário que o estabelecimento de regras restritivas a tal direito deva partir de um fundamento constitucional.

Assim, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 190 que “a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional”.

A Advocacia-Geral da União, através do Parecer GQ nº 22/1994, concluiu, num primeiro momento, que o §1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, entendimento este que foi confirmado pelo Parecer GQ nº 181/1998. Este último parecer entendeu que a revogação do art. 171 da Constituição Federal (que estabelecia o conceito de empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional) pela Emenda Constitucional nº 6/95 não repristinou o §1º do art. 1º da Lei nº 5.709/71 (AGU, 1994, 1998).

Posteriormente, com o Parecer nº 01/2010-LA, a Advocacia-Geral da União passou a entender que a Constituição Federal de 1988 não havia revogado o §1º da Lei nº 5.709/71 e que tal dispositivo tinha sido recepcionado por nosso ordenamento, de forma que permaneciam vigentes as restrições à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros aplicáveis às empresas brasileiras de capital estrangeiro (AGU, 2010, n. p). Este é o entendimento que atualmente vigora perante a administração pública federal.

Para além do âmbito administrativo, a recepção do mencionado dispositivo tem sido questionada também no âmbito judicial. Por exemplo: na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 342, bem como na Ação Cível Originária nº 2463, ambas pendentes de julgamento, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a resolver tal controvérsia jurídica. Em São Paulo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça, no Mandado de Segurança n° 0058947-33.2012.8.26.00007, havia entendido que o art. 1º, §1º, da Lei nº 5.709/71 não fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988 (São Paulo, 2012). Este entendimento foi replicado pela Corregedoria Geral de Justiça do mencionado tribunal quando da edição do Parecer nº 461/2012-E,8 que possuía caráter normativo e vinculante perante as serventias extrajudiciais do tribunal paulista (São Paulo, 2012). No entanto, os efeitos deste parecer foram suspensos por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Cível Originária nº 2463.

Já no plano infraconstitucional, as limitações à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros são disciplinadas por diversas normas. A Lei nº 5.709/1971 e seu decreto regulamentador, assim como a LINDB e a Lei da Reforma Agrária, estabelecem diversas restrições de ordem material ou formal à aquisição ou arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros.

As regras especiais de aquisição de imóveis por estrangeiros aplicam-se exclusivamente aos imóveis rurais. Os imóveis urbanos estão, portanto, excluídos do âmbito de incidência da Lei nº 5.709/71. Mas o que é imóvel rural para fins de incidência dessa legislação especial?

É razoável adotar o critério da destinação para definir o que é “imóvel rural” neste tema. Por este critério imóvel rural é o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, nos termos do art. 4º, I, do Estatuto da Terra e do art. 4º, I, da Lei nº 8.629/93. Não se aplica ao caso o critério da localização para definição do imóvel rural, conforme definido no art. 29, do CTN e art. 1º, §2º, da Lei 9.393/96, porque tal critério não se coaduna com os escopos da legislação especial que restringe a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. Isto porque o critério de localização tem por finalidade permitir uma classificação do imóvel para fins tributários e não para fins agrários.

O conceito de imóvel rural utilizado pela Lei nº 5.709/71 tem por escopo a proteção de interesses ligados a fatores estranhos ao direito tributário. Este regime especial de aquisição de imóveis rurais busca tutelar o território brasileiro a fim de favorecer o uso da terra para a produção de alimentos, para a ocupação controlada do território ou para a proteção de áreas sensíveis do território e de áreas de interesse nacional (tais como áreas situadas em faixa de fronteira). Para estes fins, sobretudo o de produção de alimentos, o conceito de imóvel rural trazido pela legislação agrária melhor se adéqua às finalidades da Lei nº 5.709/71.

Sendo assim, aplicam-se as restrições previstas na Lei nº 5.709/71 ao imóvel que, embora localizado na zona urbana do município, tenha por destinação ou possa se destinar à exploração de atividade agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. Esta proposição, inclusive, alinha-se ao quanto decidido pelo STJ no REsp 1.112.646-SP,9 que, valendo-se do critério da destinação, entendeu incidir ITR sobre imóvel destinado a fins rurais localizado em zona urbana, nos termos do art. 15 do Decreto-Lei nº 57/1966 (STJ, 2009).

Outro ponto a se destacar é que as restrições impostas pela lei em análise aplicam-se tanto à aquisição quanto ao arrendamento de imóveis rurais. Originariamente a Lei nº 5.709/71 previu a aplicação de seu regime apenas para os casos de aquisiçãode propriedade rural. Posteriormente, com a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.629/93, o âmbito de incidência destas restrições foi ampliado para alcançar as hipóteses de arrendamento rural. Seria possível supor, então, que tais restrições não se aplicariam à constituição de direito real de usufruto ou de direito real de superfície em benefício de estrangeiros?

Embora o INCRA reconheça que não há exigência legal que imponha a necessidade de autorização para a constituição de superfície em benefício de estrangeiro, assim como para a constituição de direito real de usufruto, ele recomenda a formalização de processo administrativo específico para aferimento do preenchimento dos requisitos essenciais quanto à residência ou a autorização de funcionamento no país, bem como quanto ao cálculo do atingimento ou não da limitação de área arrendada ou adquirida por estrangeiros a fim de se permitir o registro de tais dados para futura análise (INCRA, 2018, p. 13-15).

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento da Apelação nº 1.0000.20.076654-1/001,10 entendeu que mesmo na constituição de direito real de superfície não há como escapar dos requisitos próprios da aquisição de imóveis rurais por estrangeiros uma vez que tal direito real gera direito de preferência na aquisição em favor do nu-proprietário e do superficiário. Assim, a fim de evitar burla à mencionada legislação, é necessário observar os limites impostos pela legislação especial também para a constituição de direito de superfície em imóvel rural em favor de pessoa jurídica brasileira equiparada a estrangeira (Minas Gerais, 2021).

Importante consideramos, ainda, que nem sempre o estrangeiro estará sujeito às restrições impostas pela legislação brasileira. Foram expressamente previstas algumas hipóteses de aquisição ou arrendamento que estão excepcionadas do âmbito de incidência da legislação especial. Assim, ainda que o adquirente ou arrendatário seja estrangeiro, não se sujeitam ao regime especial as seguintes situações: sucessão legítima; constituição de garantia real e liquidação de transação financeira em favor de pessoa jurídica (art. 1º, §2º, da Lei nº 5.709/71).

Apenas a sucessão legítima, e não a testamentária, é hipótese de exceção à aplicação das restrições à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, sob pena de se possibilitar burla ao regime estabelecido pela lei caso fosse possível dispor livremente de imóvel rural a favor de estrangeiro em testamento.

De fato, em sua redação original a Lei nº 5709/71 previa como hipótese de exceção a sucessão causa mortis. Sua redação, entretanto, foi alterada para dispor que somente nos casos de sucessão legítima não se aplicaria o regime especial, salvo se a área adquirida pelo herdeiro estrangeiro estiver localizada em área de interesse para a segurança nacional, nos termos do art. 7º da lei. Em São Paulo, a Corregedoria-Geral de Justiça estendeu esta exceção para as doações que importem adiantamento de legítima, nos termos do item 68 do Capítulo XVI do Tomo II de suas normas de serviço (São Paulo, 2021).

Outras duas hipóteses de exceção dizem respeito à constituição de garantias reais ou liquidação de transações financeiras em favor de pessoas jurídicas através da entrega de imóveis rurais a estrangeiros como meio de pagamento e liquidação. O art. 51 da Lei nº 13.986/2020 (Lei do Agronegócio) alterou a redação do § 2º do art. 1º da Lei nº 5.709/1971 para incluir duas novas hipóteses de exceção às normas de restrição à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros. A primeira diz respeito aos contratos de constituição de garantia real em favor de pessoas estrangeiras; a segunda diz respeito aos casos de recebimento de imóvel por pessoa jurídica estrangeira em liquidação de transação financeira.

Além destas três hipóteses de exceção expressamente previstas na legislação, deve-se ressaltar que as restrições a seguir especificadas não se aplicam ao português beneficiário do estatuto de igualdade, nos termos do art. 12, §1º, da Constituição Federal e do Decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001, que promulga o tratado da Amizade e Aliança entre Brasil e Portugal, porquanto tal cidadão fica equiparado ao brasileiro naturalizado.

A primeira restrição trazida pela Lei nº 5.709/71, e complementada pela Lei nº 8.629/93, diz respeito à quantidade de área que pode ser adquirida por pessoa estrangeira. A pessoa física só pode adquirir imóvel rural com área de até 50 módulos de exploração indefinida (MEI) e a pessoa jurídica só pode adquirir imóvel rural com área de até 100 módulos de exploração indefinida. Todas as aquisições que superem estes limites dependem de autorização especial do Congresso Nacional (art. 23, § 2º, da Lei nº 8.629/93).

O módulo de exploração indefinida é uma unidade de medida, expressa em hectares, que pode variar entre o mínimo de 5 hectares e o máximo de 100 hectares, a depender da zona típica de módulo (ZTM), conforme cálculos efetuados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Ministério da Agricultura n. d.). Respeitadas as demais condições estabelecidas pela lei (v.g., limites percentuais), uma pessoa física estrangeira poderia, a depender do módulo calculado para a região, adquirir em cada município área rural que pode variar entre até 250 hectares e até 5.000 hectares, ao passo que uma pessoa jurídica poderia adquirir imóvel rural entre até 500 hectares e até 10.000 hectares. Com autorização do Congresso Nacional tais limites poderiam ser superados.

A segunda restrição diz respeito à colonização particular de áreas rurais. Estabelece o art. 4º da Lei nº 5.709/71 que nos loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização deve-se respeitar o mínimo de 30 % de aquisição e ocupação dos imóveis por brasileiros.

Uma terceira restrição, prevista no art. 12 da Lei nº 5.709/71, diz respeito ao percentual da área da superfície de um município que pode ser alienado a estrangeiros, abrangendo a soma das áreas pertencentes a pessoas físicas e jurídicas. É um teto legal que cria limites gerais de áreas rurais passíveis de aquisição ou arrendamento por estrangeiros.

Como teto geral global a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá ultrapassar um quarto da superfície dos municípios onde se situem, ou seja, até 25 % da área territorial de um município. Estabelece-se, ainda, um subteto por nacionalidade, de forma que cada nacionalidade só pode adquirir, no máximo, até 40 % da área que compõe o teto geral. Em outras palavras, até 10 % da superfície territorial de um município pode ser adquirida ou arrendada por estrangeiros da mesma nacionalidade.

Algumas situações são excepcionadas destes limites percentuais, tais como aquisições de um imóvel de até 3 módulos de exploração indefinida, ou alienações em cumprimento de contratos celebrados antes de 10 de março de 1969 ou, ainda, quando o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob o regime de comunhão de bens. No entanto, apenas estes limites percentuais (de um quarto e de dez por cento) são dispensados, sendo que todas as demais restrições impostas pela lei devem ser observadas, tais como os limites de 50 ou de 100 módulos de exploração indefinida.

Como já afirmado quando da análise das limitações quantitativas (expressas em módulos de exploração indefinida), também a superação desses limites percentuais depende de autorização especial do Congresso Nacional (art. 23, § 2º, da Lei nº 8.629/93).

Embora o §3º do art. 12 da Lei nº 5.709/71 estabeleça que o presidente da República pode conceder autorização para a aquisição além dos limites percentuais acima referidos quando se tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos de desenvolvimento do país, tal dispositivo não foi recepcionado pelo art. 190, in fine, da Constituição Federal (que outorga competência ao Congresso Nacional para concessão desta autorização).

Por sua vez, a Lei da Reforma Agrária é expressa no sentido de que compete ao Congresso Nacional autorizar tanto a aquisição quanto o arrendamento além dos limites de área e além dos limites percentuais fixados na Lei nº 5.709/1971, assim como a aquisição ou arrendamento, por pessoa jurídica estrangeira, de área superior a 100 módulos de exploração indefinida (artigo 23, §2º, da Lei nº 8.629/93).

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro também estabelece restrições à aquisição de imóveis por estrangeiros. As restrições estabelecidas pela LINDB aplicam-se tanto a imóveis rurais quanto a imóveis urbanos. Por ela os governos estrangeiros e suas organizações não poderão adquirir no Brasil bens imóveis, salvo a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares (art. 11, §§2º e 3º do Decreto-Lei nº 4657/42).

Além de todas estas restrições, de caráter material, existem outras, de caráter formal, previstas na Lei nº 5.709/71. São, por exemplo, a necessidade de alvará para a aquisição ou arrendamento, a formalização por escritura pública em qualquer situação, os registros em livros especiais e as comunicações entre órgãos públicos.

A primeira restrição formal diz respeito à necessidade de autorização especial para a aquisição, que nem sempre será necessária. Será necessária autorização do INCRA para a aquisição de imóveis rurais por pessoa física estrangeira quando a área for superior a 3 módulos de exploração indefinida. Para as pessoas jurídicas, independentemente da área do imóvel adquirido, sempre se exigirá autorização especial, e se a área for superior a 20 módulos de exploração indefinida também se exigirá apresentação de projeto de exploração da área. Além disso, caso a área adquirida esteja situada em faixa de fronteira ou em área considerada indispensável à segurança nacional, será necessário o assentimento prévio da Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional.

A segunda restrição de caráter formal diz respeito à forma de corporificação do negócio jurídico de aquisição ou arrendamento. Na aquisição de imóveis rurais por estrangeiros é da substância do ato a formalização por escritura pública, sob pena de nulidade (arts. 8º, 9º e 15 da Lei nº 5.709/71). Desta forma, não se aplicam à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros as disposições do art. 108 do Código Civil (que possibilita a utilização do instrumento particular para alienação de bens imóveis com valor inferior a 30 salários-mínimos).

Porém, é de se destacar que, naquelas hipóteses previstas no art. 1º, §2º, da Lei nº 5.709/71 (transmissão de imóveis a estrangeiro através de sucessão legítima, constituição de garantia real ou liquidação de transação financeira em favor de pessoa jurídica) que excepcionam a aplicação de suas regras, não há necessidade de utilização da escritura pública como da substância do ato. Ressalte-se, porém, que para os casos de constituição de garantia real ou liquidação de transação financeira em favor de pessoa jurídica só não haverá necessidade de utilização do instrumento público se a legislação pertinente à respectiva entidade financeira ou à modalidade de garantia escolhida permitir a utilização do instrumento particular (como nos casos do art. 60, §5º, da Lei nº 4.380/64 e do art. 38 da Lei nº 9.514/1997, por exemplo). No caso de sucessão legítima, basta o título judicial (formal de partilha), ou, no caso de opção pela via extrajudicial (Lei nº 11.441/2007 e art. 610 do Código de Processo Civil), a escritura pública de inventário e partilha.

Por fim, como última hipótese de restrição formal, os registradores imobiliários devem manter um livro auxiliar de cadastramento de aquisições de imóveis rurais por pessoas estrangeiras, e, através deste, controlar os limites percentuais totais e por nacionalidade das áreas do município sob domínio de estrangeiros ou arrendadas por estrangeiros. Além disto, devem efetuar comunicações trimestrais ao INCRA e à Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça a que estiver vinculado a fim de que tais órgãos possam fiscalizar o cumprimento dos requisitos impostos na legislação (arts. 10 e 11 da Lei nº 5.709/71).

Considerações finais

O regime jurídico de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil passou por constante evolução histórica, variando paulatinamente de um regime de estímulo à imigração e aquisição para um regime de restrição à aquisição e arrendamento. Esta evolução acompanhou, inicialmente, as quatro fases de formação da propriedade imobiliária no Brasil, que são assim identificadas: a de sesmarias, a de posses, a que se inicia com a Lei de Terras, em 1850, e a que se inicia com a República, em 1891.

No entanto, a partir de 1969 a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros passou a contar com um regime especial, que foi reformulado em 1971 pela Lei nº 5.709, atual marco regulatório do tema. Com a Constituição Federal de 1988 e a Lei da Reforma Agrária este regime foi ampliado para também abranger o arrendamento rural.

Assim, o regime jurídico de aquisição de imóveis rurais por estrangeiros no Brasil é regulado, atualmente, pelo art. 190 da Constituição Federal, pela Lei nº 5.709/1971 e seu decreto regulamentar (Decreto nº 74.965/1974), pelo art. 23 da Lei 8.629/1993 e pelo art. 11, §§2º e 3º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Ao lado destas normas legais situam-se atos administrativos, como os Pareceres da Advocacia Geral da União nº 01/2008-RVJ e nº 01/2010-LA e o Provimento nº 43, de 17/04/2015, da Corregedoria Nacional de Justiça.

Os interesses que se buscam tutelar com este regime específico estão ligados a diversos fatores, como, por exemplo, soberania nacional, unidade territorial, segurança alimentar, proteção de setores econômicos estratégicos, proteção contra a biopirataria, dentre outros. No Brasil, por exemplo, a AGU reconheceu em 2010 que a crise alimentar e o potencial estratégico do setor de biocombustíveis eram fatores a se considerar na interpretação deste regime especial de aquisição de imóveis rurais.

Salvo algumas exceções, as restrições materiais impostas por este regime especial limitam a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros quantitativa e qualitativamente. Assim, a pessoa física, como regra, só pode adquirir imóvel rural com área de até 50 módulos de exploração indefinida e a pessoa jurídica só pode adquirir imóvel rural com área de até 100 módulos de exploração indefinida. O total de imóveis pertencentes a estrangeiro não pode exceder a 25 % da área territorial do município ou 10 % para os estrangeiros de mesma nacionalidade. Em loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização deve-se respeitar o mínimo de 30 % de ocupação por brasileiros. Além disso, para as áreas situadas em faixa de fronteira há necessidade de autorização da Secretaria Executiva do Conselho de Segurança Nacional.

Há também restrições formais impostas pela Lei nº 5.709/1971, que dizem respeito à necessidade de autorização especial para certas aquisições ou arrendamentos, a formalização por instrumento público, o registro especial e a comunicação a órgãos públicos. Tais restrições buscam permitir a fiscalização do cumprimento das normas e restrições impostas por esta legislação especial.

As causas para o fenômeno land grabbing são variadas. Entre elas se destacam: necessidade contínua de manutenção do fluxo de importação pelos países importadores de commodities agrícolas; aumento na demanda pela produção de biocombustíveis – que no Brasil gerou uma rápida expansão do setor bioenergético, com destaque para as usinas sucroalcooleiras –, e a preocupação com a segurança hídrica (sobretudo aquelas discussões envolvendo a “exportação” de água virtual e o aumento da pegada hídrica nos países exportadores).

Assim, seria possível questionar, por exemplo, de que forma o marco regulatório até aqui apresentado dialoga com a questão da segurança alimentar em seus variados aspectos, como disponibilidade, acessibilidade, sustentabilidade, sanidade e diversidade. Em outras palavras: é possível estabelecer alguma relação entre os fenômenos land grabbing, restrições à aquisição de imóveis rurais por estrangeirose as discussões sobre segurança alimentar?

No caso brasileiro parece certo afirmar a existência dessa relação. A própria Advocacia-Geral da União citou a crise alimentar mundial de 2008 como fundamento para alteração de suas normas e a adoção de um regime mais restritivo a este tipo de aquisição. No entanto, ela não deixou claro quais seriam as efetivas relações estabelecidas entre estes fenômenos.

Segundo Potapov (et al.) (2022), o avanço da agricultura nos últimos tempos é um fato. A análise de mapas globais pode demonstrar uma acelerada expansão das terras agrícolas entre 2003 e 2019, com um aumento de 9 % das áreas ocupadas por terras agrícolas e um aumento de 25 % da produção primária líquida anual.

O maior ganho relativo de terras agrícolas ocorreu na América do Sul (49 %), sendo que os maiores aumentos líquidos foram identificados no Brasil (com 77 % de aumento em relação à área de 2003). E enquanto os demais continentes caminhavam em sentido oposto, somente a América do Sul obteve aumento na área de terras agrícolas per capita.

Além disso, quase a metade dessa nova área cultivada (49 %) substituiu a vegetação natural, indicando um possível conflito do desenvolvimento do setor agrícola com as metas de sustentabilidade. E embora a área de terras agrícolas per capita tenha diminuído 10 % entre 2003 e 2019 (por conta do aumento populacional), ainda assim a produção líquida anual aumentou 3,5 % em virtude da intensificação do uso da terra (Potapov et al., 2022).

Esse avanço da agricultura, baseado no modelo de agronegócio, em grande parte estimulado pelo setor financeiro, não está lastreado na produção de alimentos que compõem a mesa da população. Pelo contrário: em um contexto de alta nos preços de commodities monoculturais, o interesse das empresas agroindustriais na aquisição de novas terras pode passar pela produção de culturas destinadas à exportação e não à produção de alimentos.

Isto achata ainda mais o espaço rural destinado à produção de alimentos e concorre diretamente pelos recursos necessários à reprodução da agricultura familiar. O direito à alimentação deixa, então, de ser o eixo central na produção agrícola, que passa a voltar seu interesse na exploração de culturas de exportação, com vultosos aportes do capital estrangeiro.

E o fenômeno land grabbing insere-se, hodiernamente, neste contexto de avanço da agricultura e achatamento do espaço rural destinado à produção de alimentos. Portanto, é razoável problematizar o quadro histórico aqui esboçado para se questionar se as discussões sobre flexibilização das restrições à aquisição de terras rurais por estrangeiros estariam sendo direcionadas à produção de alimentos consumidos pela população, ou, ao contrário, à produção de commodities agrícolas destinadas à exportação.

Davis, D’Odorico e Rulli (2014) argumentam que ao se considerar que as comunidades rurais dependem diretamente da agricultura para obtenção de renda, a perda de acesso à terra e aos recursos hídricos provocada pela land rush pode representar uma maior incapacidade de produzir renda familiar. Isto porque perder o acesso à terra pode trazer consigo uma variedade de consequências, sendo a perda de renda apenas uma maneira pela qual essas aquisições podem afetar negativamente as comunidades locais.

Os autores identificam que a vulnerabilidade de um país aos efeitos dessa corrida por terras está diretamente relacionada ao quanto da renda desse país vem da agricultura e a quantos de seus cidadãos estão empregados neste setor. Sendo assim, o fenômeno land rush poderia levar à marginalização repentina das comunidades rurais e deixá-las com opções limitadas de novas alternativas de renda familiar.

Concentrando seus esforços em explorar o impacto dessas aquisições na perda de renda da população rural, tais autores partem do pressuposto de que essas aquisições negam às comunidades locais o acesso à terra agricultável, impactando diretamente em seus rendimentos. Eles estimam que no Brasil 41.386 pessoas sejam afetadas e que haja uma perda de renda no montante de $454.969.840; na Argentina, 22.342 e $345.949.205; na Colômbia, 44.722 e $403.308.909; no Peru, 13.524 e $119.124.632; e no Uruguai, 8.483 e 115.090.195, dentre outros países pesquisados.

Ao final, após compilarem dados de mais de 28 países que são alvos dessa corrida por terras, concluem que mais de 12 milhões de pessoas serão potencialmente afetadas pelas consequências econômicas diretas dessas aquisições e que por conta disto haverá uma perda de receita global na ordem de $34 bilhões, o que demonstra o quão severos podem ser os impactos da land rush sobre a renda rural, já que os benefícios gerados pela produção agrícola deixam de ser usufruídos diretamente pela população local, levando à perda de renda e também dos meios de subsistência. Esta perda gera maior situação de vulnerabilidade, contribuindo para o aumento dos níveis de pobreza e insegurança alimentar como resultado direto dessa corrida por terras (Davis, D’odorico & Rulli, 2014).

Para além disso, o fenômeno land rush pode contribuir para uma maior polarização dos atores agrários. Esta tensão, entre os interesses alimentares de uma população e os reais interesses do capital estrangeiro na aquisição de terras rurais, intensifica os conflitos agrários. É paradigmático, no Brasil, a ocupação da Fazenda Tarumã por integrantes da Via Campesina.

Segundo Lerrer e Wilkinson (2016), no Estado do Rio Grande do Sul a monocultura florestal de eucalipto aumentou seu ritmo de crescimento desde meados de 2004 para suprir a demanda do crescente setor de papel e celulose. Esta rápida expansão do setor, apoiada pelo capital estrangeiro, fez com que aquele Estado fosse o palco ideal para o surgimento de lutas sociais contra a monocultura de eucalipto, inclusive com o surgimento de diversas organizações sociais.

Em 2006 a empresa estrangeira Stora Enso iniciou, por intermédio de uma subsidiária, a compra de diversos imóveis rurais próximos à fronteira brasileira. Considerando a irregularidade nestas aquisições, em março de 2008 a Fazenda Tarumã foi ocupada por integrantes da Via Campesina e de outros movimentos sociais, que protestavam contra a exploração por uma empresa estrangeira de aproximadamente 2.075 hectares perto da fronteira brasileira.

Para referidos autores esta mobilização social foi capaz de conferir visibilidade ao fato de que uma empresa estrangeira estava envolvida na compra irregular de terras próximas à fronteira, assim como que ela já detinha 46 mil hectares de terras naquele Estado. Na ocasião houve posicionamento contrário a estas aquisições pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que levou em consideração, além de outros fatores, as consequências decorrentes desse tipo de monocultura: êxodo rural, modificações na paisagem, esgotamento de nutrientes do solo e da água, concentração fundiária e aumento de cinturões de pobreza (Lerrer, Wilkinson, 2016).

Enfim, a problematização do tema é fértil, e é importante notar que o presente artigo busca trazer apenas uma contribuição inicial aos estudos agrários críticos. Acredita-se que a partir da compreensão das bases históricas da legislação brasileira que regulamenta a aquisição de terras por estrangeiros será possível problematizar o modelo atual desse regime legal. Isso permitirá avançar em outras discussões mais profundas. Portanto, a leitura aqui proposta, embora descritiva, busca servir de contribuição instrumental para o desenvolvimento de outros estudos agrários, como, por exemplo, a relação existente entre land grabbing e agrarian extractivism, food sovereignty e climate changes.

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Notas

1Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos da América, com a promulgação do Homestead Act, adotaria a doação de pequenas glebas de terras públicas ou sua venda a preços módicos como instrumento de fomento à imigração e à colonização do território norte-americano a fim de estimular a imigração de estrangeiros àquele território.

2É ilustrativo, a este respeito, o parecer do Conselho de Estado Imperial, de 1842: Um dos benefícios da providência que a Seção [do Império] tem a honra de propor a V. M. Imperial é tornar mais custosa a aquisição de terra (…) Como a profusão de datas de terras tem, mais que outras causas, contribuído para a dificuldade que hoje se sente de obter trabalhadores livres, é seu parecer que de ora em diante sejam as terras vendidas sem exceção alguma. Aumentando-se, assim, o valor das terras e dificultando-se, consequentemente, a sua aquisição, é de esperar que o imigrado pobre alugue o seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de obter meios de se fazer proprietário (Parecer [Conselho de Estado], 1842). (Mendes, 2009, p. 179)

3Esta distinção entre terras devolutas federais e terras devolutas estaduais permanece vigendo, inclusive, até os dias atuais, conforme separação dos bens públicos prevista na Constituição Federal de 1988.

4A grilagem de terras públicas tem origem na própria Lei de Terras, de 1850, cuja interpretação elástica do art. 5º (legitimação de posses) permitia a utilização de expedientes fraudulentos na ocupação e apropriação de áreas originariamente públicas a fim de incorporá-las ao patrimônio particular. Tais expedientes não escaparam à iniciativa estrangeira, que, assim como os nacionais, os utilizou como ferramentas úteis à apropriação de terras públicas.

5Destaca-se que se encontra em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2963/19, que regulamenta o art. 190 da Constituição Federal para dispor sobre a aquisição e o exercício de qualquer modalidade de posse, inclusive o arrendamento, de propriedades rurais por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras. No entanto tal projeto, aprovado pelo Senado Federal e pendente de deliberação na Câmara dos Deputados, não será objeto de análise neste artigo.

6Este dispositivo constitucional foi o fundamento para que a legislação anterior sobre o tema fosse recepcionada pelo atual ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, como vimos, a discussão sobre a recepção de alguns dispositivos da Lei nº 5.709/71, em especial do seu art. 1º, §1º, não é tranquila. Sucederam-se, inclusive, manifestações diametralmente opostas da própria Advocacia-Geral da União.

7No referido julgado ficou consignado a seguinte ementa: “I - Mandado de Segurança contra ato do Corregedor Geral de Justiça de São Paulo que negou provimento ao recurso administrativo interposto pela impetrante. II - Cabe direito líquido e certo da impetrante em face da decisão administrativa que, mudando interpretação jurídica, vedou averbação de ato de incorporação societária em Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Casa Branca. III - O art. 1º, § 1°, da Lei n° 5.709/71 não foi recepcionado pela Constituição de 1988, o que o torna não incidente a empresas brasileiras que tenham participação de capital estrangeiro. IV - Não é passível a repristinação do referido artigo, com a revogação integral do art. 171 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n° 06/95. V - A decisão coatora emanada após a realização concreta do negócio jurídico sucessivo da incorporação viola ato jurídico perfeito e direito adquirido, afrontando, também os princípios da isonomia e da segurança jurídica, sem dizer que fere de morte a interpretação sistemática e teleológica, bem como a moderna hermenêutica da ponderação dos interesses e da razoabilidade jurídica VI - Sucessão a título universal a título de subscrição de capital não identifica o negócio de compra e venda imobiliária. VII - Defere-se o writ, a fim de se ordenar averbação do ato de incorporação válido e eficaz, no álbum imobiliário de Casa Branca.

8IMÓVEL RURAL - Aquisição por pessoa jurídica brasileira cuja maioria do capital social pertence a estrangeiros residentes fora do Brasil ou a pessoas jurídicas com sede no exterior - Equiparação com a pessoa jurídica estrangeira para fins de sujeição ao regime estabelecido pela Lei n.º 5.709/1971 - § 1.º do artigo 1.º da Lei n.º 5.709/1971 - Não recepção pela Constituição Federal de 1988 - Alargamento subjetivo da limitação à apropriação privada de bem imóvel rural desautorizada pelo artigo 190 da CF/1988 - Redação original do artigo 171 da Constituição de 1988 reforça a revogação - A distinção, lá prevista de modo expresso, entre empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional foi instituída com vistas a benefícios e a tratamento diferenciado, mas não para restrições de direitos - O artigo 171, ao contemplar reserva legal qualificada, é incompatível com restrições genéricas - A reforma introduzida pela EC n.º 6/1995 confirma a não recepção - A limitação era consentânea com o § 34 do artigo 153 da CF/1967, com a redação dada pela EC n.º 1/1969, mais restritivo quanto ao tratamento dispensado ao tema ? Mudança da orientação normativa.

9TRIBUTÁRIO. IMÓVEL NA ÁREA URBANA. DESTINAÇÃO RURAL. IPTU. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 15 DO DL 57/1966. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. 1. Não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966). 2. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.

10SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE ARAGUARI. PEDIDO DE REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE CONCESSÃO E INSTITUIÇÃO DE DIREITO DE SUPERFÍCIE RURAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CAPITAL EXCLUSIVAMENTE ESTRANGEIRO OU EQUIPARADA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. EXTENSÃO DOS LIMITES E RESTRIÇÕES PRÓPRIOS DA AQUISIÇÃO DE IMÓVEL RURAL E/OU ARRENDAMENTO RURAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. PRESERVAÇÃO DA SOBERANIA NACIONAL E DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. Se de um lado, o direito de preferência, permite ao superficiário a aquisição futura do imóvel explorado e garante o seu uso econômico, mantendo-o na exploração da propriedade, de outro lado, determina que as restrições próprias do instituto da aquisição de imóvel rural por estrangeiros e equiparados se estendam ao contrato de concessão de direito de superfície, de modo a salvaguardar o interesse nacional e a função social da propriedade diante da exploração da propriedade sob a influência do capital estrangeiro. Diante disso, não há como escapar dos requisitos próprios da aquisição, de que tratam a lei 5.709/71.

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