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Espacios en blanco. Serie indagaciones

versão impressa ISSN 1515-9485versão On-line ISSN 2313-9927

Espac. blanco, Ser. indagaciones vol.33 no.2 Tandil  2023

http://dx.doi.org/https://doi.org/10.37177/unicen/eb33-376 

Dossier

Homens na educação infantil no Brasil: ascensão à direção escolar e distanciamentos necessários

Men in early childhood education: rise to school management and necessary distances

Mariana Kubilius Monteiro1  marikubilius@gmail.com

Helena Altmann2  altmann@unicamp.br

1Universidade Tecnológica Federal do Paraná

2Universidade Estadual de Campinas

Resumo

A presença masculina na educação infantil, área ainda considerada feminina e centrada no cuidar e educar de crianças, tem sido problematizada pela produção científica. Este artigo analisa as diferenças de gênero na carreira docente, especificamente relativas às trajetórias e experiências de homens que atuam na função de direção escolar na educação infantil em município do interior de São Paulo, Brasil. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com diretores e diretoras que atuavam em centros de educação infantil municipais e utilizados dados quantitativos fornecidos pela secretaria municipal de educação. Foram encontradas diferenças entre trajetórias de homens e mulheres, com eles chegando a cargos diretivos mais jovens e após menor tempo de manejo de sala de aula. As experiências também receberam influência do gênero, sendo que homens, mesmo em cargos diretivos, são levados a adotar uma postura mais distante no cotidiano escolar, seja das crianças, famílias ou mesmo dos(das) profissionais.

Palavras-chave educação infantil; gênero; diretor(a) escolar; masculinidade

Abstract

The male presence in early childhood education, an area still considered feminine and centered on caring for and educating children, has been problematized by scientific production. This article analyzes gender differences in the teaching career, specifically concerning the trajectories and experiences of men who work as school principals in early childhood education in a city in the interior of São Paulo, Brazil. Semi-structured interviews were carried out with directors who worked in municipal early childhood education centers, and quantitative data provided by the municipal education department were used. Differences were found between the trajectories of men and women, with them reaching managerial positions younger and after less time managing the classroom. The experiences were also influenced by gender, and men, even in managerial positions, are led to adopt a more distant posture in the school routine, whether to children, families, or even professionals.

Keywords early childhood education; gender; school principal; masculinity

Introdução

A presença minoritária de homens na educação infantil é observada tanto no Brasil, país em que 94,46% das docentes da educação pré-escolar são mulheres, quanto na América Latina, região em que elas representam 95,36% das docentes nessa etapa da educação. Esse percentual se repete ao considerar-se os dados mundiais da UNESCO, que totalizam percentual de 94,26% (Unesco Institute for Statistics [UIS], 2023)1.

As questões decorrentes da presença de homens na docência nessa etapa da educação tão feminizada vêm sendo problematizadas pela produção acadêmica brasileira há um certo tempo. Podemos citar as pesquisas de Campos, Grosbaum, Pahim & Rosemberg (1991), Sayão (2005), Ramos (2011) e Monteiro & Altmann (2014) como exemplos de estudos que contribuíram com análises acerca dos desafios e, por vezes, privilégios encarados pelos homens que adentram nessa área feminizada. Nos últimos anos, observa-se a ampliação da produção acadêmica abordando a temática, levando à proposição de dossiês temáticos e novos grupos de pesquisa (Santos & Ramos, 2020; Gonçalves, 2022).

No Brasil, aqueles que adentram na docência na etapa da educação que apresenta o menor percentual de profissionais do sexo masculino enfrentam desafios adicionais relacionados ao gênero e a uma noção de masculinidade que questiona uma atuação relacionada ao cuidado e à educação de crianças bem pequenas, que ocorre de maneira indissociada na educação infantil (Campos, Grosbaum, Pahim & Rosemberg, 1991; Sayão, 2005; Ramos, 2011; Monteiro & Altmann, 2014). Tal situação não se circunscreve apenas ao contexto brasileiro, mas também foi observada em comparação Brasil/Colômbia (Ramos, Gomes & Silva, 2020), em estudo realizado na Argentina (Brailovsky, 2013, 2020) e no México (Figueroa & Hernández, 2019)2.

A presença de profissionais homens na educação infantil guarda um elemento de inesperado, e a percepção social sobre ela varia de acordo com o espaço ocupado, como pode ser observado no excerto abaixo, retirado de pesquisa realizada anteriormente:

Eu lembro até hoje, meu primeiro dia de aula: foi atribuído, e as crianças [estavam] com as flores, todas indo para entregar para a nova professora. [...] Então quando eu cheguei à sala de aula, cheguei naquela fila, parei ali, eu lembro até hoje da mãe que falou: “pai, não pode ficar aqui. Aí são só os professores”. Uma mãe veio correndo, porque as mães estavam [ali esperando]. Eu falei: “então, eu não sou pai”. “Ah, então, mas você é monitor?” “Então, eu não sou monitor”. “Ah, então você é diretor novo? Tem um diretor novo na escola?” Falei: “Não, diretora é a [...], eu não sou diretor, eu sou professor”. O semblante da mãe mudou, ela ficou branca. Falou: “mas, pode, professor na Educação Infantil?” Eu falei: “pode!” (entrevista com professor de educação infantil. Monteiro, 2014, p. 85).

No relato, o cargo de professor é o mais inusitado nas expectativas da mãe, que considera antes as hipóteses da paternidade, da monitoria e da direção. Em outras palavras, há uma expectativa social maior de homens como diretores do que como professores na educação infantil, sendo diante dessa constatação que o presente artigo é construído. As análises aqui desenvolvidas buscam compreender a trajetória e a experiência de diretores de educação infantil, a partir de pesquisa que entrevistou tanto homens quanto mulheres que ocupam tal posição em uma rede municipal, observando as diferenças existentes3.

Buscamos, portanto, compreender a atuação de homens em cargos de liderança dentro de uma área ainda ocupada majoritariamente por mulheres. Pesquisas com perspectivas feministas (Matos, 2008) têm problematizado questões relativas aos espaços que as mulheres podem ocupar e às barreiras por elas enfrentadas, visando problematizar os percalços que uma cultura machista vem impondo para que mulheres construam suas carreiras, conquistem novos espaços e, em especial, que alcancem posições de mando e influência. De modo distinto e considerando gênero de maneira relacional (Scott,1995), nesse artigo, analisamos como se constroem as carreiras de homens que ingressam em uma área considerada feminina, sendo também o caso de outras profissões, como enfermagem e serviço social. Quais dificuldades e quais privilégios podem ser observados em tal inserção?

A produção de conhecimento vem mostrando a existência de barreiras para mulheres e privilégios para homens no mercado de trabalho. Para mulheres, temos o chamado “teto de vidro” (glass ceiling), conceito cunhado por Williams (1992), o qual se refere a barreiras invisíveis com as quais mulheres se deparam e que dificultam a sua ascensão na carreira, enquanto homens em profissões consideradas femininas contam com uma espécie de “escada rolante” (glass escalator), com incentivos que os levam a acender a partir de um esforço menor do que o investido por mulheres em situação semelhante. Tais diferenças são interseccionadas por questões de raça e classe social, não sendo tais privilégios desfrutados de maneira semelhante por todos os homens (Williams, 2013, 2015). Outra analogia que tem sido utilizada para compreender as dificuldades enfrentadas por mulheres para ocupar cargos de liderança é a de labirinto. Enquanto a metáfora do teto de vidro destaca a existência de barreiras em um nível alto da carreira, a noção de labirinto revela que as desigualdades já estão colocadas no acesso e nas posições intermediárias, indicando desafios diversos e complexos a serem enfrentados por mulheres (Eagly & Carli, 2007).

Estudos na área da sociologia do trabalho (Hirata & Kergoat, 2007) mostraram a existência de uma hierarquia entre as profissões, constituindo-se um “sistema de gênero”, sendo aquelas relacionadas a esferas da reprodução humana e ao âmbito feminino menos valorizadas, seja simbolicamente, seja economicamente. Nesse sentido, atuam DOIs princípios: o da separação e o da hierarquização. No primeiro, segmenta-se o mercado de trabalho entre profissões masculinas e femininas e, no segundo, hierarquiza-se as ocupações, sendo as primeiras mais valorizadas que as segundas. Em tal hierarquia, que produz desigualdades, percebe-se também a intersecção de outras variáveis, como raça e classe social.

Essa hierarquização que ocorre nas profissões pode ser observada também no interior da área da educação. Nesse campo profissional, há segmentos mais associados ao cuidar, nos quais predomina a atuação de mulheres, como a educação infantil, e outros nos quais a quantidade de homens e mulheres é mais equilibrada, como o ensino médio e superior (INEP, 2018, 2019). A valorização da carreira docente difere nos vários segmentos educacionais, seguindo a mesma lógica observada no mercado de trabalho em geral: as etapas mais feminizadas são dotadas de menor prestígio, com remuneração mais baixa, estando a educação infantil nela situada. Ocupada predominantemente por mulheres, é uma área profissional que historicamente conta com baixos salários e, situando-a na área da educação em geral, é aquela que se encontra nesse local de “menor valor”.

Além dessas diferenças observadas na área da educação, ao analisarmos especificamente a educação infantil, também observamos desigualdades e privilégios relacionados ao gênero nas trajetórias profissionais. Estudos anteriores apontaram que homens que adentram como professores na educação infantil contam com preconceitos e desafios extras para que permaneçam na área (Campos et al.,1991; Sayão, 2005; Ramos, 2011; Monteiro & Altmann, 2014; Pruit, 2015). Por outro lado, a eles é atribuído certo privilégio, ora sendo deslocados para cargos na gestão escolar (Monteiro & Altmann, 2014), configurando o fenômeno da escada rolante (Williams, 1992, 2013, 2015), ora sendo isentados de parte das tarefas comuns ao cargo, relacionadas a cuidados corporais, levando a uma intensificação do trabalho de suas colegas, as quais contariam com “paredes de vidro” em seu cotidiano (Santos & Venco, 2022).

A noção de masculinidade hegemônica (Connell, 2005; Connell & Messerschmidt, 2013) é outro conceito importante para pensarmos a presença masculina na educação infantil, suas implicações e os desafios existentes. Nessa perspectiva, a noção de masculinidade hegemônica em determinada sociedade subordina feminilidades e outras possibilidades de masculinidades. Em uma revisão mais recente do conceito, destacou-se a existência de uma “geografia das masculinidades”, considerando a interseccionalidade nos níveis local, regional e global (Connell & Messerschmidt, 2013).

De forma diferente do que ocorre com relação à docência, que vem sendo estudada a partir da perspectiva de gênero (Arce, 2001; Faria Filho et al., 2005; Louro, 2010; Vianna, 2001/02; 2013; Vasconcelos, Cavalcanti, Nascimento, & Souza, 2022), a ocupação de cargos na gestão escolar tem sido pouco abordada pela produção científica brasileira. Os estudos de Souza (2006a, 2006b) e Corrêa (2010, 2011) abordam as diferenças de gênero na carreira docente em época recente e as pesquisas de Werle (2005) e Demartini e Antunes (1993) se dedicam às primeiras décadas do século XX. Enfocando especificamente a educação infantil, além de nossa pesquisa (Monteiro & Altmann, 2021), temos a publicação recente de Martins, Souza e Mello (2020), autores que realizaram pesquisa com professores de educação física que se tornaram diretores de educação infantil. Enfocando tal temática temos também a pesquisa de Eckman (2004), realizada nos Estados Unidos e a de Collard (2001), abordando aspectos da gestão escolar na Austrália4.

Neste artigo, apresentamos e analisamos dados decorrentes de tese de doutorado (Monteiro, 2019) que pesquisou as desigualdades de gênero na carreira docente e as diferenças nas trajetórias e experiências de diretores e diretoras, com enfoque no caso dos diretores. O material empírico é proveniente de levantamento quantitativo acerca da carreira docente em uma rede municipal de educação do interior do estado de São Paulo (Brasil)5 e de entrevistas semiestruturadas realizadas com 8 (oito) diretores e 7 (sete) diretoras que atuavam especificamente na educação infantil. A pesquisa passou por apreciação ética e os nomes de entrevistados(as) foram omitidos, com o uso de pseudônimos nas publicações.

A partir da noção de trajetória, problematizada por Bourdieu (1996), considerada como “uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo), em um espaço ele próprio em devir e submetido a transformações incessantes” (Bourdieu, 1996, p. 81, grifos do autor), considera-se a relação entre as histórias narradas e o contexto social em que se inserem. Para a análise de trajetórias relacionadas à carreira docente, Vidal e Vianna (2010) consideram importante a análise da “trajetória escolar” dos sujeitos, a qual compõe a “experiência coletiva docente” (Vidal & Vianna, 2010). Nessa perspectiva, a experiência no decorrer de toda a escolarização se torna relevante para compreender a constituição profissional do(a) professor(a) e, no caso desta pesquisa, do(a) diretor(a).

No que concerne ao conceito de experiência, Thompson (1981, p. 189) analisa que os sujeitos vivenciam suas experiências como “sentimento”, não sendo algo do campo das ideias, mas sim do campo da cultura, formando uma “consciência afetiva e moral”. Trata-se de um processo de produção de identidades (Vidal & Vianna, 2010), conceito que foi problematizado por Scott (1999) de forma genealógica. A autora defende a importância de se estudar o processo histórico que produz os sujeitos de forma relacional, que os posiciona discursivamente de maneiras diferentes e produz sua experiência. Nessa perspectiva, “não são os indivíduos que têm experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência” (Scott, 1999, p. 27).

1. Diferenças de gênero na carreira docente

Na história da educação brasileira, observamos que, gradualmente, as mulheres foram adentrando na docência, chegando a se tornar maioria nessa área profissional (Arce, 2001; Faria Filho et al., 2005; Louro, 2010; Vianna, 2001/02, 2013). Ao considerar especificamente a educação infantil, a característica é de uma origem já feminina (Souza, 2010) e um ingresso mais recente de um pequeno percentual de homens na docência, presença que veio desencadeando pesquisas acerca das questões dela decorrentes (Sayão, 2005; Ramos, 2011; Monteiro & Altmann, 2014, 2021).

Com relação à carreira docente, pesquisas dedicadas a diferentes épocas da história da educação brasileira demonstraram a existência de questionamentos à ascensão de mulheres, por exemplo, no início do século XX (Demartini & Antunes, 1993; Werle, 2005) e de privilégios na ascensão de homens a cargos na gestão na atualidade (Monteiro & Altmann, 2021; Souza, 2006a, 2006b; Corrêa, 2010, 2011).

Nesse contexto, apresentamos dados a respeito da ocupação dos diferentes cargos na área da educação na rede municipal pesquisada, a partir da variável sexo6, visando evidenciar a diferença na presença de homens e mulheres nos diversos cargos. De maneira distinta do que ocorre na maior parte das redes públicas brasileiras (Souza, 2006a, 2006b; Drabach & Adrião, 2017), na rede pesquisada, não apenas a docência, mas também os cargos na gestão escolar são ocupados por meio de concurso público. Dessa forma, em artigo anterior (Monteiro & Altmann, 2021) defendemos que essa forma de provimento de cargos na gestão poderia estar associada à maior igualdade de gênero nos cargos mais altos.

No Brasil, ao considerarmos os cargos na docência, a presença de homens diminui à medida que diminui a faixa etária atendida. Por exemplo, enquanto na docência no ensino médio a presença masculina representa 40,9%, na educação infantil – creche e pré-escola – eles representam apenas 2,5% e 5,2% do professorado, respectivamente (INEP, 2019), conforme podemos observar na Tabela 1. Nessa mesma lógica, ao considerarmos o ensino superior brasileiro, área que proporciona as melhores remunerações e prestígio, temos 54,2% de docentes do sexo masculino (INEP, 2018)7.

Tabela 1 Comparativo de docentes na educação básica em 2018 por sexo e etapa da educação em Campinas, estado de São Paulo e Brasil (em %) 

Elaboração própria (INEP, 2019).

A desigualdade de gênero na docência nas diferentes etapas da educação brasileira tem sido problematizada pela produção acadêmica da área (Saparolli, 1998; Vianna, 2001/02) e contribuímos com tal discussão evidenciando também as desigualdades entre os cargos de especialistas em educação – diretor(a) educacional, vice-diretor(a), orientador(a) pedagógico(a) –, constatando que a falta de interesse de homens por atuar na docência em determinadas etapas não reflete, necessariamente, a mesma situação ao considerarmos a ocupação de cargos na gestão escolar no mesmo segmento de ensino.

A partir da análise dos dados fornecidos pela secretaria municipal de educação (tabela 2), observamos que os cargos que contam com maior participação masculina são os de supervisor(a) e diretor(a) educacional, com um percentual de 28,0% e 17,8% de homens atuando, respectivamente. Trata-se dos cargos relacionados a amplo exercício de poder e influência, o primeiro no âmbito municipal e o segundo no âmbito escolar.

Tabela 2 Quantidade de especialistas na rede municipal de Campinas em 2017 por cargo e sexo (em % e em números absolutos) 

Elaboração própria (PMC, 2017).

A análise dos dados referentes a cargos dedicados à gestão escolar mostra, portanto, uma presença mais significativa de homens nos cargos associados à face administrativa da gestão, com um percentual bem menor de homens naqueles associados mais diretamente a aspectos pedagógicos. Entre os cargos cuja atuação ocorre no âmbito escolar, homens estão mais presentes no de direção escolar, onde representam 17,8%, seguido pelo cargo de vice-direção (15,1%). Já no cargo de orientação pedagógica essa presença é bem menor (7,4%) (Prefeitura Municipal de Campinas [PMC], 2017).

Situação semelhante ocorre ao compararmos a ocupação de cargos cuja atuação ocorre no âmbito municipal, na secretaria municipal de educação. Verifica-se que há percentualmente mais homens no cargo de supervisão educacional (28,0%) do que no de coordenação pedagógica (7,7%), por exemplo.

Considerando a ocupação de cargos cuja atuação se dá no âmbito escolar, podemos perceber a acentuação de tais diferenças a depender da etapa da educação que se considera na análise, conforme podemos observar na Tabela 3. Na educação infantil, verifica-se que o interesse pela atuação no cargo de orientação pedagógica é bem mais baixo (3,8%) do que nos de direção (18,5%) e vice-direção (11,8%). Por outro lado, em escolas de ensino fundamental há um percentual maior de homens no cargo de orientação pedagógica (21,7%) do que nos demais – direção educacional conta com 10,5% e vice-direção com 6,3%, respectivamente.

Tabela 3 Etapa da educação em que atuam especialistas, por cargo e sexo, na rede municipal de Campinas em 2017 (em % e em números absolutos) 

Elaboração própria (PMC, 2017).

Dessa forma, verifica-se a existência de diferenças entre homens e mulheres na ocupação dos cargos que compõem a carreira docente na rede municipal pesquisada, relacionadas à etapa da educação que se considera na análise. Ao observarmos especificamente o caso da educação infantil, os dados apresentados revelam que a desigualdade de gênero é mais acentuada nessa área, haja visto que é aquela que conta com menor percentual de homens na docência (2,7% na creche e 2,3% na pré-escola) e maior percentual deles na direção educacional (18,5%), comparativamente às demais etapas da educação básica no município estudado.

2. Trajetórias de diretores e diretoras de educação infantil

Sendo a experiência docente um pré-requisito para ingresso em cargos na gestão escolar por concurso público e havendo um percentual tão pequeno de docentes do sexo masculino na educação infantil, supõe-se que tal experiência tenha ocorrido em outras etapas da educação e os dados organizados no Quadro 1, obtidos nas entrevistas com diretores e diretoras de educação infantil, confirmam tal hipótese.

Quadro 1 Diferenças na trajetória de diretores e diretoras de educação infantil 

Elaboração própria, a partir de entrevistas.

O quadro acima evidencia que homens possuem menor tempo do que as mulheres de manejo de sala de aula até ascender a um cargo na gestão escolar; é mais frequente entre eles a ausência de experiência anterior como docente especificamente na educação infantil e a escolha em atuar nessa etapa da educação está, frequentemente, atrelada a motivações extrínsecas à educação infantil - esse último aspecto, independentemente do sexo.

A média de tempo de atuação como docente antes da primeira experiência na gestão escolar foi de 9,7 anos para homens e 15 anos para mulheres, evidenciando uma ascensão na carreira docente mais rápida para eles. A maioria dos diretores entrevistados vivenciou experiências anteriores na gestão escolar, especialmente na rede estadual paulista, na qual essa ocupação ocorre por eleição.

Por outro lado, a experiência prévia na educação infantil era praticamente inexistente e a maior parte dos homens entrevistados teve sua primeira experiência nesse nível de ensino já como diretores. Apenas um deles relatou ter atuado como professor de música na educação infantil na rede privada de ensino. Tais dados coincidem com os encontrados por Lopes (2014) em pesquisa que constatou a inexistência de experiência prévia como docente de educação infantil por parte de diretores homens. Já na pesquisa de Martins, Souza e Mello (2020), que enfocou diretores que anteriormente atuaram por anos na educação infantil como professores de educação física, essa experiência prévia ocorreu dentro dessa especialidade. Por outro lado, no caso das mulheres entrevistadas em nossa pesquisa, o perfil inclui, na maior parte, a experiência prévia na docência na educação infantil como professoras regentes de turma.

A maior parte das entrevistas revelou que tanto diretores quanto diretoras adentraram nessa etapa da educação por motivações extrínsecas à área, como localização da escola ou rejeição ao ensino fundamental por medo e cansaço, sendo que apenas um dos entrevistados e uma entrevistada relataram ter escolhido atuar como diretor(a) na educação infantil especificamente. O relato de Benjamim exemplifica o cansaço com o trabalho no ensino fundamental, relacionado à indisciplina, demandas administrativas e à rotatividade de professores.

Agora, por que eu escolhi escola infantil? Porque realmente eu cansei de ficar no ensino fundamental. É muito trabalhoso. A demanda de serviço é muito grande, tanto administrativa como também de problemas para resolver. Muito grande. A indisciplina do ensino fundamental, principalmente. [...] E você tem que trabalhar todo ano com uma demanda de professor diferente, por causa da remoção, muitos professores estão vindo agora – não sei se antes era assim, só sei que muitos professores não sabem trabalhar essa questão da disciplina na sala de aula. Não sei se era diferente antes, ou se os alunos mudaram também. Eu acredito que tem tudo a ver, o perfil dos alunos mudou, nessa nova sociedade, essa cultura que vivemos, como também os professores (informação verbal, Benjamim, 2016).

Considerando que o concurso público para diretor envolve todos os níveis de ensino, aos aprovados é facultada certa escolha, de acordo com a disponibilidade de vagas. Observa-se que, ao invés de uma escolha a partir de uma vontade própria ou de um posicionamento de luta política pela educação infantil, essa decisão decorre de “escolhas dentro da não-escolha”, conceito elaborado por Nascimento et al. (2005) para denominar as justificativas não-intencionais, atreladas ao acaso ou a motivações externas, por exemplo conciliar trabalho e estudos. No caso de nossa pesquisa, apareceram também como justificativas para a escolha pela direção na educação infantil a localização da escola, a falta de opção e a conciliação entre trabalho e vida pessoal. Ao mesmo tempo, podemos inferir que as narrativas revelam a hierarquização dentro da área da educação já abordada no início do artigo a partir de Hirata e Kergoat (2007): escolher atuar em uma etapa menos valorizada pode necessitar explicações extras, por exemplo justificar o porquê de não escolher a gestão na etapa do ensino fundamental, ou mesmo encontrar outras justificativas não relacionadas ao contexto da educação infantil8.

Outro aspecto nas trajetórias que distingue homens e mulheres se refere à forma de ingresso no mercado de trabalho, sendo que boa parte dos homens entrevistados ingressou antes da maioridade, em funções com pouca especialização. Por outro lado, a maior parte das mulheres entrevistadas ingressou no mercado de trabalho diretamente na carreira docente e a partir dos 18 anos de idade.

A maioria dos(as) participantes da pesquisa faz parte da primeira geração de suas famílias a ingressar e concluir o ensino superior, com três exceções. A valorização da escola pelas famílias de origem, embora estas apresentassem pouca escolarização, foi significativa para a sua formação. A classe social exerceu influência na escolha profissional, com a docência aparecendo como uma possibilidade de ascensão social. Para eles, essa carreira foi uma alternativa de ingresso em ocupação menos desgastante fisicamente, para elas, uma escolha profissional possível em suas trajetórias.

A maioria dos(as) entrevistados(as) se autodeclarou como branco(a), DOIs se autodeclararam como pardos(as). A questão racial não apareceu explicitamente em suas narrativas, sendo elemento questionado em momento posterior da pesquisa.

3. Experiências de diretores e diretoras de educação infantil

3.1 Lembranças da infância e constituir-se diretor(a)

Ao indagarmos a respeito das referências de diretor(a) que os(as) entrevistados(as) traziam de sua infância, a imagem que surgiu foi de rigidez e distância, conforme podemos observar nos excertos que seguem:

[Ítalo:] Nossa, lembro! Bem rígido, [...] o primeiro diretor era o Severino, senhor Severino [risos]. Depois, era diretora. Ainda recordo dela também. Ambos eram bem bravos, bem enérgicos, e a gente não tinha muito contato com eles. Tinha uma sala, eu lembro que ficava bem na entrada da escola, que tinha uma escadaria para entrar. Depois, tinha o corredor que tinha acesso a algumas salas. [...] Então, a gente via poucas vezes a direção, eu lembro poucas vezes a pessoa da direção, não era tão frequente. Não tinha aquele contato muito grande com os alunos, tinha mais os inspetores de alunos. E a direção, tinha mais contato quando, realmente, fazia alguma coisa errada: você vai para a sala da diretoria! (diretor Ítalo, informação verbal, 2017).

[Beatriz:] Tenho a [lembrança da] diretora lendo jornal, com a bandeira do Brasil, do estado de São Paulo e da cidade [...] atrás das costas dela, toda linda, uma sala linda, e ela lendo jornal. Eu tenho essa memória. E a gente passava por baixo, de medo dela, por baixo do vidro. Achava lindo (diretora Beatriz, informação verbal, 2016).

As narrativas de Ítalo e Beatriz, se referindo a uma imagem de autoridade e medo, se repete com os(as) demais entrevistados(as). Por outro lado, ao narrarem a construção de suas identidades enquanto diretores(as) de educação infantil, a maioria relatou o desejo de adotar uma postura de maior proximidade da comunidade do que a revelada pela figura guardada em suas memórias infantis, como podemos observar nos relatos de Érica e Eduardo.

O que eu vejo de bastante positivo, muito em função daquilo que eu acredito e das experiências que eu tive ao longo da minha vida, é essa aproximação com as pessoas com as quais eu trabalho. Não ter barreiras, não construir obstáculos, não hierarquizar em função do cargo que a gente ocupa. Então penso que essa aproximação é uma coisa bastante bacana, que eu consegui estabelecer aqui. Acho que, de certa forma, é uma marca da minha gestão aqui na escola, até porque eles vieram de uma gestão anterior muito marcada exatamente por essa hierarquização (diretora Érica, informação verbal, 2017).

Dessa escola, da escola de zero a três e de três a seis, a diferença é incrível. Aqui, a gente consegue trabalhar com mais proximidade, porque eu tenho uma equipe reduzida. Então é um professor para 25 crianças, que é o que cabe na minha sala. Então a minha equipe aqui da escola são quatro professores, enquanto em uma escola [que atende de zero a seis] eu trabalhava com um universo de 30, 40 pessoas, entre professores e monitores. E você ainda tem equipe de limpeza, cozinha, que você tem que estar trabalhando de acordo também. Quando você pensa nesse universo, você já entende que trabalhar com menos pessoas é estar mais próximo, é poder ouvir cada um na sua individualidade e a partir daí conversar de maneira mais próxima, realmente tendo interesse pela vida da pessoa. [...] Eu consigo falar com essa pessoa como um ser humano. E ela [...] também sabe dos meus problemas, os meus defeitos, as minhas qualidades, e aí a gente vai construindo uma relação de proximidade e de respeito, onde eu sei que um dia, se o professor chega e não está muito bem, eu sei que ele tem motivo para não estar muito bem, e que o motivo não é a escola. Pode até ser, mas conhecendo a pessoa eu sei que não é, então o respeito é outro, a proximidade é outra. A pessoa se sente acolhida também, aquilo se equaliza. Tem que ter esse calor embaixo. Em uma escola de zero a seis com tantos funcionários você não tem essa proximidade (diretor Eduardo, informação verbal, 2017).

Tanto a narrativa de Érica como a de Eduardo revelaram que ser diretor(a) de educação infantil na atualidade não se relaciona, necessariamente, com ser severo, austero e distante. Podemos analisar que existe uma proximidade utópica no trabalho do(a) diretor(a), vislumbrada e alcançada por alguns, mas a qual sofre influência de aspectos do cotidiano e das demandas da gestão escolar. A relação estabelecida entre as faces burocrática e pedagógica da gestão e a noção de masculinidade que mantém homens em suspeição permanente são duas particularidades que compõem distâncias na experiência na direção na educação infantil, aspectos que são abordados a seguir.

3.2 Distanciamentos relacionados ao binômio pedagógico/ burocrático

Ao investigarmos a experiência de diretores e diretoras de educação infantil, é possível observar que, embora a maior parte deles(as) deseje adotar uma postura de proximidade da comunidade escolar e da face pedagógica da gestão, em seu cotidiano muitos(as) acabam por não conseguir fazê-lo devido às demandas administrativas e financeiras.

Embora a produção de conhecimento defenda que as faces pedagógica e administrativa da gestão escolar sejam indissociadas, com necessidade de uma atuação política do(a) diretor(a) na construção do projeto político pedagógico da escola (Palmen, 2014), verifica-se no cotidiano uma separação entre tais esferas. Atribuições como compra de materiais, elaboração de folha de pagamento de funcionários(as), dentre outras responsabilidades que foram incorporadas ao trabalho de direção pelo processo de descentralização da gestão – aspectos que exercem impacto nas condições de trabalho de diretores e diretoras, intensificando-as – impedem, em certa medida, que tais sujeitos estabeleçam e mantenham uma proximidade do cotidiano escolar, seja na relação com docentes, seja na relação com crianças e famílias9.

A própria forma de organização dos cargos na carreira municipal pesquisada indica a existência de uma “especialização” na carreira, que segmenta as faces burocrática e pedagógica da gestão escolar. De acordo com Palmen (2014), trata-se de um mecanismo que “separou o que é indissociável” e que fragiliza a construção do trabalho coletivo e dos projetos político pedagógicos nas instituições de educação infantil. Nessa especialização, os cargos de direção e vice-direção estariam mais próximos da face administrativa, enquanto o cargo de orientação pedagógica se dedicaria especificamente à face pedagógica da gestão escolar.

Visando contrapor essa tendência e o estabelecimento de uma proximidade maior, é necessário um trabalho intencional do(a) diretor(a) fomentando tal característica em seu trabalho, como podemos observar a partir do relato da diretora Denise.

Quando chega, você [se] assusta, mas eu tenho que mostrar: eu estou aqui. Porque eu sou acessível, não é aquele diretor que está lá, distante, lá na sua salinha, no seu gabinete: você vem aqui falar comigo. Muitas vezes, infelizmente, a gente acaba fazendo isso, porque a demanda burocrática é imensa, a demanda administrativa, de ficar na frente do computador, hoje em dia, enchendo o computador de dados – que eles querem que a gente fique fornecendo todos os dados –, isso é demais, e, para você dar conta, você acaba ficando fechado lá na sua sala. Mas eu sempre me policiei muito para ficar no meio dos professores, no meio da turma, no meio dos pais, na entrada e na saída. Entrada da manhã: estar na porta, dando bom dia aos pais – eu sempre tomei esse cuidado (diretora Denise, informação verbal, 2017).

Dentre os(as) diretores(as) entrevistados(as), predominam práticas semelhantes à relatada por Denise, em uma busca – mesmo que por vezes não efetivada – de estar mais próximo(a) da face pedagógica da gestão e do cotidiano escolar. Percebe-se que tal postura é mais evidente entre aqueles(as) cuja formação inicial ocorreu no curso de pedagogia, sendo que posicionamentos divergentes – minoritários entre os(as) entrevistados(as) – coincidem com o perfil de formação inicial em outros cursos de licenciatura, cuja diplomação na área pedagógica ocorre posteriormente, na forma de complementação10.

Um exemplo dessa outra perspectiva de trabalho é a adotada pelo diretor Alexandre, que relata que “o diretor, primeiro ele é o responsável por tudo aquilo que acontece dentro da escola, então o diretor tem que estar atento ao que acontece no pedagógico, isso não quer dizer que o diretor tenha que assumir a linha de frente do trabalho” (diretor Alexandre, informação verbal, 2016). Ele acrescenta que considera a face pedagógica importante, mas que “ocupa sua função de gerenciamento”, considerando este “um contexto que eu não devo comprar diretamente, e deixar com que outros executem” (diretor Alexandre, informação verbal, 2016).

Essa segmentação no trabalho do(a) diretor(a), decorrente da racionalização do trabalho pedagógico no âmbito escolar, acaba por transformar atividades-meio em atividades-fim, conforme analisa Fraiz (2013). Dessa forma, o(a) diretor(a) escolar assume o papel de “administrador” de forma dissociada do trabalho pedagógico, situação bem exemplificada pela perspectiva adotada pelo diretor Alexandre no excerto acima.

3.3 Distanciamentos: uma necessidade para homens na direção educacional

Ao realizar pesquisa com docentes do sexo masculino que atuam na educação infantil, são observados questionamentos acerca de sua presença em um espaço que é historicamente ocupado por mulheres e cujo trabalho pedagógico está associado ao cuidado e à educação de crianças pequenas (Campos et al., 1991; Sayão, 2005; Ramos, 2011; Monteiro & Altmann, 2014; Pruit, 2015). Além dessa indagação, ações são implementadas visando afastar homens e crianças no convívio diário, dentre elas alçar os docentes a posições na gestão escolar (Monteiro & Altmann, 2014).

Quando passamos a pensar especificamente na atuação de homens como diretores de educação infantil, questionamos se estes estariam isentos de tais questionamentos, haja visto que o seu âmbito de atuação não é diretamente relacionado às crianças em sala de aula, e o que encontramos foi a permanência de diferenças entre as experiências de homens e mulheres no cargo, demonstrando que noções associadas à docência, gestão e educação se mostram generificadas, consideradas por vezes femininas e por outras masculinas. Noções essencialistas do “ser homem” e do “ser mulher” estão presentes nesse cotidiano. Tais percepções constroem os sujeitos em suas profissões. Como propõe Louro (1997), as práticas educativas, assim como outras práticas sociais, engendram-se a partir das relações de gênero - e também de classe, raça, etnia etc.

O posicionamento de diretores e diretoras no cotidiano da escola apresenta uma diferença marcada pelo gênero, estando eles sujeitos ao policiamento de suas práticas, quando se aproximam das crianças, enquanto elas não vivenciam a mesma situação inquiridora. Os relatos dos diretores Benjamim e Carlos exemplificam esse receio e sua influência na construção de suas práticas.

[Pesquisadora:] E aqui, as crianças te veem, até uma vez que a gente estava passando pela escola, eles veem, conversam...

[Benjamim:] Abraçam...

[Pesquisadora:] Eles sabem quem é você?

[Benjamim:] Sabem. (...) Esses dias foi tão engraçado, eu estava conversando com uma mãe, aí chegou uma criança, falou assim: “ele dá bom dia”! Porque eu sempre, quando eu vou de manhã, eu passo em todas as salas dando bom dia, dou bom dia e falo: crianças lindas! E brinco com eles. Então ele fala: diretor dá bom dia!

[Pesquisador:] Te chamou de diretor...

[Benjamim:] É. Alguns chamam pelo nome: Benja! Benja! Tantos nomes que eles me chamam, e cumprimenta, aí bate a mão, e faz assim, é aquele negócio. Todos vêm, abraçam, então eles têm uma ligação, eu tenho uma ligação com eles muito forte. Muito forte, eles me conhecem.

[Pesquisadora:] Mesmo na hora do lanche, você vai...

[Benjamim:] Ah, na hora do lanche, eu tenho que bater na mão, eu tenho que tocar em todo mundo, eu tenho que... Mas até poderia dar um maior carinho para elas, mas a gente tem que ter muito cuidado hoje com a questão das pessoas, ou alguém de fora, fazer uma leitura de assédio, que está com intimidade com criança. Ou uma criança chega lá, fala assim: ah, o diretor me beijou, o diretor me pegou. Você entendeu? Então falam uma palavra fora do contexto – fora do contexto para a pessoa, porque a criança sabe o que aconteceu, mas ela fala, comenta uma coisa. Por exemplo: estava lá no banheiro e eu estava observando uma coisa errada no banheiro. Eu fui lá para ver o que estava acontecendo, aí ela pode dizer: o diretor foi no banheiro comigo. Entendeu? Olha que situação, pode comentar. Então, por causa dessas coisas, evito muita proximidade, muito envolvimento, porque pode surgir uma conversa, que pode desencadear uma coisa que não é. Então tem que ter muito cuidado com essas coisas também. Mas eu insisto em aproximar, em conversar, em brincar, em abraçar, tendo os devidos cuidados (diretor Benjamim, informação verbal, 2016).

No relato do diretor Benjamim, embora observemos a busca da construção de uma posição de proximidade em relação às crianças no cotidiano escolar, passando diariamente pelas salas de referência, cumprimentando crianças e profissionais, estando presente na hora de refeições que ocorrem no refeitório, por exemplo, tal presença é policiada pelo próprio sujeito devido ao receio de uma interpretação errônea de tal proximidade. No início de sua narrativa, Benjamim se refere à busca por estabelecer uma relação de proximidade com as crianças, mas no decorrer da entrevista demonstra também refletir a respeito da necessidade do estabelecimento de limites claros. Após relatar a cena em que se refere a contato físico com as crianças – “na hora do lanche, eu tenho que bater na mão, eu tenho que tocar em todo mundo, eu tenho que...” (diretor Benjamim, informação verbal, 2016) –, verifica-se uma interdição em sua narrativa e a necessidade de demonstrar os limites existentes – “até poderia dar um maior carinho para elas, mas a gente tem que ter muito cuidado hoje com a questão das pessoas, ou alguém de fora, fazer uma leitura de assédio, que está com intimidade com criança” (diretor Benjamim, informação verbal, 2016).

O mesmo receio pode ser observado no relato de Carlos, no entanto já aparece desde o início de sua narrativa, ao ser questionado a respeito de sua relação com as crianças da escola. Enquanto é no decorrer de seu relato que Benjamin se depara com a censura do que se pode revelar, no caso de Carlos ocorre desde o início de sua fala e impacta no encadeamento da entrevista.

[Pesquisadora:] E a sua relação com as crianças, elas te conhecem? Porque às vezes você circula aí na escola, como que elas te cumprimentam, como que é?

[Carlos:] Elas me conhecem, mas eu mantenho uma distância. Eu mantenho uma distância por diversos motivos: pelo problema social que nós passamos nesse país, que eu não posso abraçar uma criança, configura assédio. Então às vezes, eu estou andando, uma criança vem querer me abraçar, eu sou obrigado a fazer assim para ela, dar a mão, para ela entender que é só isso que eu posso fazer.

[Pesquisadora:] Mas já teve alguma situação de reclamação?

[Carlos:] De reclamação comigo não, mas eu já vi casos recentes de diretor tendo que responder processo por causa de contato com aluno. E o contato que eu estou te falando pode ser verbal. Imagina, eu tive um colega exonerado... Eu não gostaria de entrar nesse assunto... Mas é isso, eu mantenho distância, eu mantenho distância.

[Pesquisadora:] Por esse motivo...

[Carlos:] Por esse motivo...

[Pesquisadora:] Mas você acha que eles sabem quem você é, porque eles veem você aqui, pelo menos, eles sabem o seu nome?

[Carlos:] Sabem, sabem sim, as professoras, no começo do ano...

[Pesquisadora:] Mas você não chega a conversar com as crianças...

[Carlos:] Rapidamente e muito rapidamente. No começo do ano, as professoras passam para que eles visitem – os novos – para que eles visitem as salas, e uma delas é essa. Ela fala: o diretor da escola, o Carlos, esse é o zelador... Então existe esse contato, mas esse contato eu fiz com que ele fosse distante, por esse motivo.

[Pesquisadora:] Foi construído...

[Carlos:] Eu construí. Eu construí dessa forma, para não ter problemas (diretor Carlos, informação verbal, 2016).

O receio de aproximar-se das crianças no cotidiano se refere ao medo de ser acusado de assédio sexual, suspeição essa que não é baseada não apenas em hipóteses, mas em situações reais já ocorridas com outros diretores da mesma rede. “Imagina, eu tive um colega exonerado...” (diretor Carlos, informação verbal, 2016). Quando o tema é diretamente abordado na situação de entrevista, o diretor Carlos utiliza de seu direito de não responder às questões que não desejar e o silêncio é instaurado: “Eu não gostaria de entrar nesse assunto...” (diretor Carlos, informação verbal, 2016).

A própria realização da pesquisa recebeu influência dessa suspeita presente no cotidiano da educação infantil direcionada aos homens ali presentes, pois em uma das escolas que inicialmente se constituiria nosso campo de pesquisa exatamente uma acusação de assédio sexual contra o vice-diretor no mesmo ano tornou inviável “falar-se sobre o tema” naquele momento, dada a gravidade da situação experimentada pelo coletivo da escola.

Inspiradas em Foucault (1975), podemos perceber a existência de um “jogo de olhar” ao qual os diretores do sexo masculino estão submetidos e que exerce influência em sua experiência na educação infantil. Esteja no cargo docente, esteja em algum cargo na gestão escolar, o fato de ser homem é suficiente para que se instaure tal olhar inquiridor.

A disciplina faz funcionar um poder relacional que se auto-sustenta por seus próprios mecanismos e substitui o brilho das manifestações pelo jogo ininterrupto dos olhares calculados. Graças às técnicas de vigilância, a física do poder, o domínio sobre o corpo se efetuam segundo as leis da ótica e da mecânica, segundo um jogo de espaços, de linhas de telas, de feixes, de graus, e sem recurso, pelo menos em princípio, ao excesso, à força, à violência. Poder que é em aparência ainda menos corporal por ser mais sabiamente físico (Foucault, 1975, pp. 158-159).

A vigilância hierarquizada estabelece quais os locais permitidos para homens e mulheres no cotidiano da instituição de educação infantil, sendo o local do masculino associado à distância, em especial à distância do corpo infantil. O receio de ser acusado de pedofilia, em uma noção de masculinidade associada à violência e a uma sexualidade ingovernável, leva diretores a renunciarem à proximidade das crianças no cotidiano.

A noção de virilidade proposta por Bourdieu (2009) também nos inspira a pensar que o local de privilégio associado à masculinidade por vezes constitui-se uma carga a se carregar.

O privilégio masculino é também uma cilada e encontra sua contrapartida na tensão e contensão permanentes, levadas por vezes ao absurdo, que impõe a todo homem o dever de afirmar, em toda e qualquer circunstância, a sua virilidade [...]. A virilidade, entendida como capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão para o combate e para o exercício da violência [...], é acima de tudo, uma carga. Em oposição à mulher, cuja honra, essencialmente negativa, só pode ser defendida ou perdida, sua virtude sendo sucessivamente a virgindade e a fidelidade, o homem verdadeiramente homem é aquele que se sente obrigado a estar à altura da possibilidade que lhe é oferecida de fazer crescer sua honra buscando a glória e a distinção na esfera pública (Bourdieu, 2009, p. 64, grifos do autor).

Uma posição de distanciamento foi observada também na relação com as famílias das crianças, como podemos observar no relato de Fábio, o qual revela que na entrevista inicial com as famílias no momento de cadastro para matrícula, situação de acolhimento que muitas vezes fica sob responsabilidade do(a) diretor(a), busca ser “bem pontual, bem prático”.

[Pesquisadora:] E as pessoas, em algum momento você foi questionado, por você estar na educação infantil?

[Fábio:] Olha, pode causar um estranhamento de início, mas as pessoas, quem trabalha aqui já me conhece faz tempo. Não, eu nunca tive problema não. Tem mãe, as mães que é a primeira vez que vêm aqui, talvez achem estranho, ter um diretor de escola, de creche. Mas nunca tive esse problema, de questionar o porquê eu estou aqui. Eu tomo, é lógico, eu tenho de ter cuidado, eu não sou também, eu venho aqui fazer o meu trabalho. Eu pergunto o que tem de se perguntar, nada além disso. Por exemplo, tem o cadastro: eu só pergunto aquilo que é específico do cadastro. Então eu sou bem pontual, bem prático. Mas eu não tenho nenhum questionamento, por que eu estou aqui, eu não tive esse problema não (diretor Fábio, informação verbal, 2017).

O momento inicial da família na escola, que poderia se constituir pelo acolhimento e estabelecimento de vínculo, acaba sendo substituído por uma tarefa fria a cumprir, devido ao receio de envolvimento e a consequente possibilidade de questionamentos. No entanto, é importante destacarmos que, assim como no binômio burocrático/pedagógico, também encontramos diferenças de gênero nos posicionamentos e no distanciamento em relação às crianças. Alexandre, por exemplo, demonstrou uma postura oposta à de Fábio, considerando-se acolhedor mas, ao mesmo tempo, relatando ter sido alvo de assédio devido a tal posicionamento.

[Alexandre:] O meu tratamento com todos é um tratamento igual, onde, sinceramente, não me importa se é homem ou se é mulher, mas é um bom tratamento, um tratamento acolhedor. Eu procuro me preocupar muito com a minha imagem no atendimento, o que as pessoas vão pensar a meu respeito, se elas vão gostar de ser atendidas por mim. Eu penso também que seja natural a gente ter uma proximidade maior com algumas pessoas, por se identificar, não tanto com outras, mas sempre que eu sou solicitado, até por alguém que a gente não tem muito contato, eu trato com o maior carinho do mundo, não desfaço de ninguém. Uma situação curiosa, que por duas vezes aconteceu, por conta desse meu estilo de acolher, de tratar bem, por duas vezes eu fui alvo de assédio. De mulheres que acabaram se encantando com o meu jeito de receber as pessoas, e confundiram um pouquinho as coisas (diretor Alexandre, informação verbal, 2016).

Uma diferença importante entre Alexandre e os demais diretores é o fato de este estar nos primeiros anos de experiência no cargo na rede municipal e especificamente na educação infantil, o que nos leva a analisar que existe um aprendizado da forma de se portar enquanto homem na educação infantil, visando resguardar-se de eventuais transtornos e questionamentos. Enquanto Alexandre ainda precisa explicitamente estabelecer alguns limites e distâncias, Carlos e Fábio já internalizaram essa postura ao longo dos vários anos de experiência no cargo.

No caso das mulheres entrevistadas, a relação com as crianças também não é de proximidade. Embora as diretoras cumprimentem turmas e famílias ao iniciar o dia, devido às demandas burocráticas de trabalho, por vezes permanecem em perspectiva distanciada. No entanto, diferente do observado na narrativa de vários diretores, no caso delas, está ausente o policiamento das práticas, o que revela que a presença da mulher nesse espaço é quase que naturalizada.

Consideramos, ainda, que a presença de homens na educação infantil, ainda que no cargo na gestão escolar, tem o potencial de reconfigurar o lugar do sujeito do sexo masculino, aproximando-o de um local de acolhimento e cuidado.

4. Considerações finais

A produção de conhecimento na área da educação a partir da perspectiva de gênero possibilita que se evidencie que, assim como no mercado de trabalho em geral, ao considerarmos especificamente a área da educação, existem desigualdades de gênero, privilégios aos homens que nesta área adentram e reconfigurações e produção de identidades profissionais em áreas ligadas ao cuidado e à educação.

Buscando analisar como gênero perpassa e configura as trajetórias profissionais e experiências de diretores e diretoras que atuam especificamente na educação infantil, a partir de dados quantitativos e de entrevistas semi-estruturadas, foram percebidas diferenças entre homens e mulheres e a permanência de hierarquias nessa área predominantemente feminina. Os cargos mais associados ao poder e a aspectos administrativos da gestão educacional (direção e supervisão) contam com os maiores percentuais de homens atuando, em detrimento da docência e da orientação pedagógica, nos quais essa presença representa percentuais menores.

A pesquisa mostra diferenças percebidas entre eles e elas no tempo de carreira docente até a ascensão a um cargo na gestão escolar, a quase ausência de experiência prévia específica na educação infantil pelos homens e a atuação como diretor mais pela escolha do cargo do que pela educação infantil. Tais aspectos revelam um perfil que, de antemão, apresentava pouco comprometimento com as lutas históricas cravadas pela educação infantil e suas profissionais.

Também encontramos diferenças geracionais no exercício da profissão, pois, se nas memórias de infância dos diretores e diretoras entrevistados, aparecia a figura de distanciamento e autoridade associada ao cargo de direção, seus cotidianos atuais buscavam construir um posicionamento de maior proximidade em suas práticas. Essa proximidade, no entanto, quando não plenamente efetivada, é justificada por fatores distintos: para as diretoras, em decorrência do tempo exigido pelas tarefas burocráticas, para os diretores, isso se dá também pelo receio de tornar-se alvo de suspeição. Os diretores entrevistados mostraram preocupação em manter certo distanciamento físico de crianças, colegas de trabalho e familiares, de modo a não terem seus gestos e ações percebidos como assédio.

A escolha metodológica de entrevistar tanto homens quanto mulheres nesta pesquisa possibilitou evidenciar desigualdades e como tanto masculinidades quanto feminilidades são construídas. Problematizar a atuação em cargos que, em geral, são associados ao masculino, como a gestão, mesmo que em uma área feminina, possibilitou desconstruir a noção de neutralidade e objetividade, em geral, associada a tais cargos.

Destacamos que, além das desigualdades entre homens e mulheres, é relevante levar-se em consideração a interseccionalidade com classe social, raça e sexualidade. Embora não tenhamos focado tais questões no presente artigo, consideramos que essas outras dimensões também marcam trajetórias e experiências em cargos diretivos.

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Notas

1Os países cujos percentuais de mulheres na educação pré-escolar se mostravam mais baixos em 2020 eram Libéria (62,14%), Gambia (62,83%) e Malawi (66,90%) (UIS, 2023).

2Em busca realizada para contextualização de tal questão, foram encontradas poucas produções na América Latina acerca da temática, o que revela uma possibilidade de investigação aprofundada relacionada à produção de conhecimento na região. No contexto de países desenvolvidos, por outro lado, há uma diversidade de investigações e, em alguns países, iniciativas visando a ampliação do percentual de homens na docência na educação infantil, situação que foi abordada em Monteiro (2014).

3O artigo está baseado na tese de doutorado intitulada “Gênero e gestão da educação infantil: trajetórias e experiências de homens e mulheres que trabalham como diretores(as) educacionais”, financiada pela CAPES, Brasil (Monteiro, 2019).

4Na revisão bibliográfica realizada, não foram encontradas produções latino-americanas relacionando as temáticas gestão escolar e gênero, o que pode revelar uma dificuldade de acesso às bases de dados de tais países ou confirmar o aspecto identificado no Brasil. Enquanto a docência tem sido razoavelmente problematizada a partir da perspectiva de gênero pela produção acadêmica, seja com os estudos acerca da feminização do magistério, seja pelas pesquisas acerca da presença masculina na educação infantil, a gestão parece guardar um lugar de neutralidade, embora ilusório, sendo pouco abordadas as desigualdades de gênero produzidas nesse contexto.

5Os diversos cargos da carreira docente na rede pesquisada são providos por meio de concurso público de provas e de títulos. Dessa forma, para ingresso nos cargos docentes é exigida a formação no curso de graduação de pedagogia (para atuação na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental) ou outras licenciaturas (para atuação nas séries finais do ensino fundamental). Já para ingresso em cargos na gestão escolar, é exigida a graduação em pedagogia ou mestrado em educação ou doutorado em educação, somados a tempo de experiência na docência e/ou gestão, que varia a depender do cargo almejado (PMC, 2011; 2011b). Essa forma de provimento de cargos na gestão é minoritária, se considerarmos as diversas redes de ensino brasileiras (Drabach & Adrião, 2017).

6Esclarecemos que o uso do termo sexo para nos referirmos ao recorte da pesquisa a partir da base de dados utilizada não se relaciona ao seu uso enquanto conceito ou categoria. Adotamos perspectiva que considera gênero enquanto categoria de análise e campo de conhecimento, como propõem Scott (1995) e Matos (2008).

7De acordo com a legislação brasileira, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem atuar em regime de colaboração na organização dos sistemas de ensino, sendo a oferta da educação infantil incumbência dos municípios e o ensino fundamental considerado como prioridade pelos mesmos (Brasil, 1996).

8Embora na escolha por atuar especificamente na direção na educação infantil, a conciliação entre trabalho e vida pessoal tenha o mesmo peso nas narrativas de homens e mulheres, na análise de suas trajetórias foi constatado que o evento da maternidade exerceu impacto significativo na carreira de mulheres, enquanto a paternidade não foi citada pelos homens entrevistados como um evento significativo em seu ciclo de vida, especialmente em sua profissão, corroborando as percepções de Camarano, Kanso e Mello (2006) a respeito da influência do gênero nas marcações do ciclo de vida.

9No Brasil, assim como em outros países da América Latina, a década de 90 foi marcada por mudanças no Estado que impactaram diretamente as políticas educacionais. A descentralização do poder, que atribui às gestões locais (estados e municípios) e seus cidadãos responsabilidades, conta com viés democrático e de autonomia, no entanto transfere responsabilidades aos agentes locais, no caso da escola, gestores, docentes e comunidade escolar (Krawczyk, N., & Vieira, V. L., 2010).

10A característica de formação dos(as) participantes da pesquisa difere da seguinte forma: enquanto a maioria das mulheres realizou o curso de magistério (nível médio) seguido pelo curso de pedagogia (nível superior), a maioria dos homens iniciou a formação em cursos de licenciatura (nível superior). A maior titulação declarada foi especialização (seis mulheres e quatro homens) e mestrado (uma mulher e DOIs homens). De forma diferente do observado com relação à formação inicial, não foi observada relação entre a titulação e a concepção de gestão revelada pelos(as) participantes.

Recebido: 09 de Fevereiro de 2023; Aceito: 13 de Março de 2023

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