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versión impresa ISSN 1666-485Xversión On-line ISSN 1668-723X

Tópicos  no.34 Santa Fe dic. 2017

 

RESEÑAS

Resenha: Franco Lo Piparo, Il professore Gramsci e Wittgenstein. Il linguaggio e il potere, Roma, Donzelli editore, 2014.

 

Diego Lanciote (Universidade Estadual de Campinas)

 

A anedota de que um gesto napolitano, iniciada por Norman Malcon e discutida posteriormente por Georg Henrik von Wright, pôs abaixo o Tractatus Logico-Philosophicus (1921) fez de Piero Sraffa o personagem enigmático, podemos dizer até mesmo mítico, da radical diferença que marca esta primeira obra de Wittgenstein com relação às Philosophische Untersuchungen (1953). A Kehre wittgensteiniana, concebida por Lo Piparo como "sócio-antropológica" (1934-1936), perpassa o nome de Antonio Gramsci através do economista. A hipótese de que Gramsci teria influenciado, de modo substancial, o pensamento de Wittgenstein através de Sraffa já havia sido conjecturada por Amartya Sen, ensejando apenas a suposição mais imediata da relação entre Gramsci e Sraffa no período referente ao jornal socialista L'Ordine Nuovo, em Turim, e a posterior relação do economista com Wittgenstein em Cambridge. Somente a partir dos conteúdos dos Quaderni, i.e., após 1926 (data da prisão de Gramsci), e, particularmente o Quaderno 29 – Nota per una introduzione allo studio della grammatica (1935) –, que a afinidade conceitual é passível de análise mais decisiva. A relação mais flagrante, na investigação de Lo Piparo, dá-se entre o caderno mencionado e a primeira redação manuscrita das Untersuchungen, datada de 1936. Sua tese principal seria a de que a relação entre Sraffa e Wittgenstein não se restringiu à influência da relação entre Sraffa e Gramsci no período de L'Ordine Nuovo, mas que, sobretudo, se seguiu quase até a morte de Gramsci, num intercâmbio constante entre ambos. Para solidificar sua demonstração, Lo Piparo estrutura a exposição de seu livro em três momentos e três procedimentos teóricos. A construção dos dados necessários para solidificar a hipótese da influência de Gramsci passa por um percurso biográfico cruzado que observa minuciosamente os caminhos de intersecção baseados nas documentações disponíveis entre Sraffa-Wittgenstein e Sraffa-Gramsci. Lo Piparo sobejamente mostra-nos que Sraffa estava profundamente familiarizado com os conteúdos dos Quaderni diretamente, através de diálogos em suas visitas a Gramsci, e indiretamente, através das correspondências com Tania. Sobretudo, Lo Piparo dá específica atenção à visita de um dia inteiro em 10 de abril de 1935 e justamente pela proximidade com a redação do Quaderno 29, o qual, segundo especialistas, fora escrito em pouquíssimos dias. Somando-se o fato de que Sraffa entrevê periódicos encontros com Wittgenstein– praticamente toda semana – a partir de 1930, numa relação marcada por certa dissimetria, em que Wittgenstein, como bem documenta Lo Piparo, sente-se sempre em posição de aprendizado com relação à Sraffa. A relevância deste dado qualitativo permite solidificar a série de influência que vai de Gramsci, passando por Sraffa e chegando por fim a Wittgenstein, ou seja, de que mais Sraffa influencia Wittgenstein que o oposto, bem como o entusiasmo marcado nas cartas de Sraffa a Tania com respeito aos trabalhos de Gramsci implica a admiração do economista por ele.
O período de virada wittgensteiniano (1934-1936) coincide, então, com uma intensa relação triangulada entre Sraffa-Gramsci e Sraffa-Wittgenstein pela qual, com precisão histórica e biográfica, Lo Piparo constrói a relação entre Gramsci-Wittgenstein mediada por Sraffa. Peculiarmente interessante é o paradoxo engendrado pela nota de Sraffa datada de 1932 com sentido muito semelhante às teses do Quaderno 29, de 1935. Trata-se de um documento que poderia enfraquecer a relação Gramsci-Wittgenstein por aparentemente sugerir que Sraffa, e não Gramsci, teria sido a matriz de influência da problemática comum entre ambos. Somando-se que os prelúdios da Kehre em Blue Book (1933-1934) e sua elaboração mais consistente em Brown Book (1934-1935) contrastam, em anterioridade, com a datação do Quaderno 29 de 1935. Todavia, bem nota Lo Piparo que o problema fundamental que anima o Quaderno 29 jáé matéria de reflexão do Quaderno 1 (1929-1930) – Neo-grammatici e neo-linguistici ("questa tavola rotonda è quadrata").
A fórmula crociana – questa tavola rotonda è quadrata – será o objeto privilegiado de Gramsci no que concerne à questão do "sentido" na estruturação da noção gramática imanente no Quaderno 29. Em esquema comparativo, o problema do sentido/não-sentido, intransponível no Tractatus,é assimilado à primeva crítica de Gramsci ao esperanto, a língua ideal, denotando sua radicalidade bem antes da intersecção com Wittgenstein e conferindo a anterioridade teórica necessária a fim de permitir observar o impacto de Gramsci na Kehre. A relação, mediada por Sraffa, entre Wittgenstein e Gramsci permite Lo Piparo avançar no exame comparativo-filológico entre as problemáticas e conceitos de Wittgenstein (antes e após a Kehre) e de
Gramsci (no exame da questão da linguagem ao longo de sua produção teórica), observando o quantum das teses gramscianas sobre a linguagem propulsionaram a virada de problemática de Wittgenstein. Assim, facilmente se assimila a equivalência entre ambos no tocante à gramática e à gramaticalidade, as quais não são referidas às regras morfológico-sintáticas ou semânticas de uma língua, mas sim aos comportamentos individuais e coletivos de falantes que, ao uso das palavras, constituem uma visão de mundo desenvolvendo atividades não-linguísticas. E, neste escopo, a gramática define, não uma língua, mas uma cultura e uma praxis. Sobretudo, confluem numa concepção das gramáticas não-subjetivista e não-individualista, interseccionando a dimensão individual e coletiva. Se, para Gramsci, a praxis é o resultado do intrincamento de práticas heterogêneas e inseparáveis, para Wittgenstein, as práticas, verbais e nãoverbais, formam o tecido co-articulado e unitário que recebe o nome de forma de vida (Lebensform). Mesmo no caso do sentido, uma proposição ou uma palavra guardam seus sentidos com relação ao conjunto composto de atividades linguísticas e não-linguísticas, ou seja, em seu emprego e sua função no que Wittgenstein conceitualizou como um jogo linguístico (Sprachspiel) em plena correlação e identidade com as reflexões de Gramsci através da fórmula crociana questa tavola rotonda è quadrata e a noção de gramática imanente, a partir da qual desenvolve a posição de sua justificação, ou sentido, na diversidade de pontos de vista (estético, político, etc) que, em última análise, está implicada numa atividade, uma praxis individual-social. A problemática comum entre ambos – a relação entre regra gramatical, uso e significado – também possui comunidade em sua resolução: é o uso que determina a regra e não a regra determina o uso. Tema até o fim da vida de Wittgenstein e fundamental indagação de Gramsci, a questão de "como se forma o consenso" implica a crença/fé na legitimidade das regras, o que remete, tanto para um quanto para outro, à questão de "como estas se produzem". Os homens agem – verbal e não-verbalmente – e toda ação, para que se faça, é antecedida da certeza do agir. A crença na forma de vida, para Wittgenstein, é implicada na construção da"certeza", ou seja, na eliminação da dúvida como necessária para que falantes- agentes entrem no jogo, assim como para Gramsci esta matriz de questionamento se faz pela noção de "senso comum", concebido na observação de que o elemento mais fundamental não é racional, mas sim de fé. Ambos partem do que há, da facticidade de que há ação para remontar ao pressuposto da "certeza" ou do "senso comum". Esta correlação, faz Lo Piparo, de modo bastante ousado, operar a equivalência entre a noção wittgensteiniana de "ausência de dúvidas" com a figura gramsciana do"Príncipe", uma cultura con-dividida feita fé e senso comum de certa formação social, de sorte que se pode ler a "vontade coletiva" de Gramsci em plena equivalência com a "forma de vida" de Wittgenstein: o "mito-príncipe" coincide com o conjunto de "proposições ausentes de dúvidas".
Lo Piparo num terceiro momento de seu livro, num movimento de subsunção das próprias teses e reflexões de Wittgenstein e Gramsci, empreende uma imersão de ambos em suas biografias de vida traçando pontos comuns nas conjunturas que viveram em sua contemporaneidade, ou seja, em sua identidade histórica de vida, como se a coetaneidade de ambos bastasse para conferi-los a filiação de seu tempo e reforçasse a construção da relação entre ambos. Sem dúvida, parte mais sensível dentre os argumentos de Lo Piparo, é prefigurado o debate que encerra Gramsci na polêmica que fez e fazépoca: de sua própria virada "liberal" no final de sua vida, para a qual Luigi Russo cunhou o oxímoro "comunismo liberal". Páginas belas animam tais momentos finais em que o diálogo dantesco Cavalcante e Farinata, objeto de ensaio literário (e autobiográfico de Gramsci, segundo a hipótese de Lo Piparo), é o paradigma de identificação criptografado de Gramsci com o"cárcere cego", com a impossibilidade dos heréticos intelectuais verem o presente, limitando-se a ver o passado e o futuro. Farinata – homem totuspoliticus – ensaia a biografia de um Gramsci militante e afincado na política em seu período que antecede a prisão, o que contrasta com Cavalvante – o entendimento da perda do filho – como o isolamento forçado, mas implicado na retomada da vida intelectual pretendida pelos auspícios do jovem Gramsci universitário. Neste contraste, Lo Piparo é levado à interpretação do sentido da famigerada carta de Gramsci a sua mulher, Giulia, em que afirma sua não-identificação com "as correntes sentimentais" de seu tempo, ou de seu extemporâneo cárcere, a saber, o comunismo, o liberalismo e o fascismo. Ponto mais dramático da narrativa biográfica de Lo Piparo, posiciona-o na afamada discussão do "liberalismo" tardio de Gramsci, discussão muito mal recebida e examinada na medida de sua polêmica.
Sem dúvida, Il professor Gramsci e Wittgenstein nos vem como leitura imprescindível tanto pelo rigoroso exercício de demonstração histórico-filológico de um capítulo da história intelectual do século XX que uniu por uma
mítica anedota duas estruturas de pensamento aparentemente imiscíveis quanto pela abertura que nos confere ao desenvolvimento de suas implicações conceituais. Lo Piparo, é certo, alcança muito bem seu objetivo ao solidificar a anedota do gesto napoletano em fato, todavia, não passa indelével ao leitor movimentos textuais de sobreposição unívoca entre os conceitos de Gramsci e Wittgenstein, carecendo de um exame analítico-conceitual mais acurado em cada singular estrutura de pensamento. No mais das vezes, conceitos de Wittgenstein esclarecem Gramsci e, mais raramente, vice-versa, ao passo que a construção da problemática gramsciana engloba a Kehre wittgensteiniana in toto, comprometendo a singularidade de sua estruturação. Certo é que o mesmo se diz de muitas maneiras, mas toda desconfiança repousa no mesmo, na identidade em plenitude, na ficção do igual. Prova da vertigem da inegável exitosa prova histórico-filológica em sua tendência de identificação e sobreposição é a construção de uma contemporaneidade absoluta que justifica a equivalência quase plena de ambas as estruturas de pensamento com o percurso de equiparação e nivelação das duas biografias.

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