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La trama de la comunicación

versión impresa ISSN 1668-5628

Trama comun. vol.23 no.1 Rosario jun. 2019

 

ARTÍCULOS

Pronunciamentos de Dilma Rousseff no CNRT e na Folha de S. Paulo

 

Por Paulo Roberto Figueira Leal - Luiz Ademir de Oliveira - Carla Montuori Fernandes - Thamiris Franco Martins

pabeto.figueira@uol.com.br / Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil

luizoli@ufsj.edu.br / Universidade Federal de Juiz de Fora y de São João del-Rei, Brasil

carla_montuori@ig.com.br / Universidade Paulista, Brasil

thamiris_franco@hotmail.com / Universidade Paulista, Brasil

Paulo Roberto Figueira Leal
Brasileiro
Doutor em Ciências Políticas pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Graduado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Docente na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Afiliação Institucional: Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora.
Área de Especialidade: Política e Mídia
E-mail: pabeto.figueira@uol.com.br

Luiz Ademir de Oliveira
Brasileiro
Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestre e Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora e do Curso de Comunicação Social da Universidade Federal de São João del-Rei.
Afiliação Institucional: Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora e Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal de São João del-Rei.
Área de Especialidade: Comunicação e Política.
E-mail: luizoli@ufsj.edu.br

Carla Montuori Fernandes
Brasileira
Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade da Cidade de São Paulo. Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade Paulista. Professora do Centro Universitário Assunção. Área de Especialidade Comunicação e Política.
Afiliação Institucional: Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista.
E-mail: carla_montuori@ig.com.br

Thamiris Franco Martins
Brasileira
Doutoranda em Comunicação pela Universidade Paulista. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Docente substituta da Universidade Federal de São João del-Rei.
Afiliação Institucional: Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista.
Área de especialidade: Comunicação e Política.
E-mail: thamiris_franco@hotmail.com


Sumario:

O artigo efetua análise de conteúdo dos pronunciamentos da presidente Dilma Rousseff em Cadeia Nacional de Rádio e Televisão (CNRT) nos anos inicial (2011) e final (2014) do primeiro governo, cotejando-os aos enquadramentos noticiosos dedicados a eles pelo jornal Folha de S. Paulo. Tem por objetivo verificar como a ex-presidente acionou as estratégias de Campanha Permanente nos pronunciamentos e quais enfoques a Folha mobilizou ao tratar desses discursos. Testa-se (e, parcialmente, confirma-se) a hipótese de que, se os pronunciamentos de Dilma buscavam melhor situá-la na disputa pela reeleição, os enquadramentos da Folha construíram narrativas majoritariamente desqualificadoras do governo.

Descriptores: Pronunciamentos; Campanha permanente; Enquadramento; Mídia; Política

Summary:

The article analyzes the content of President Dilma Rousseff's pronouncements in the National Radio and Television Network (CNRT) in the initial (2011) and final (2014) years of the first government, comparing them to the news frames dedicated to them by the newspaper Folha de S. Paulo. It aims to verify how the former president triggered the Permanent Campaign strategies in the pronouncements and what approaches Folha mobilized in addressing these speeches. The hypothesis is tested that if Dilma's pronouncements sought to better place her in the race for re-election, Folha's frameworks constructed narratives that were largely disqualifying the government.

Describers: Pronouncements; Permanent campaign; Framework; Media; Policy


1. Considerações Iniciais

O artigo tem por objetivo realizar análise de conteúdo dos pronunciamentos da então presidente Dilma Rousseff (PT) em Cadeia Nacional de Rádio e Televisão (CNRT) em dois momentos emblemáticos de seu primeiro mandato – os três pronunciamentos no ano inicial (2011) e os dois no ano final (2014) que foram repercutidos pela Folha de S. Paulo – e verificar de que modo esses discursos foram enquadrados por este jornal, escolhido por ser o veículo impresso diário, dentre os quality papers, com maior tiragem do país.
Considera-se também que a Folha vocaliza posições representativas do olhar crítico da grande imprensa brasileira sobre os governos petistas – admitindo-se, contudo, que essa ampliação de escopo analítico demandará trabalhos futuros com aumento do corpus para outros veículos. Foram selecionadas todas as notícias publicadas pelo jornal sobre os discursos da presidente em CNRT nos anos de 2011 e de 2014, a fim de identificar de que forma o veículo noticioso enquadrou a imagem tanto da petista quanto a de seu governo – para tanto, mobiliza-se metodologicamente o conceito de valência.
A discussão do artigo estrutura-se a partir da contextualização do ambiente político contemporâneo, no qual as relações entre os campos da Política e da Comunicação são indissociáveis.  Em função do alcance dos meios tradicionais e da popularização dos novos dispositivos tecnológicos, é necessário reconhecer que vivemos em um bios midiático (Sodre, 2002). Os atores políticos utilizam o poder do campo midiático para enfatizar seus discursos (Rodrigues, 1990; Rubim, 2001), mas, além desse uso instrumental, incorporam as lógicas e gramáticas comunicacionais ao próprio funcionamento da política (Gomes, 2004).
Dedica-se foco especial, na primeira subseção do artigo, ao conceito de Campanha Permanente, que pressupõe que, nas disputas políticas, os discursos já começam a ser construídos e desconstruídos antes do período eleitoral, em um processo contínuo (Heclo, 2000; Lilleker 2007; Noguera, 2001), de modo que são flexibilizadas as fronteiras que supostamente separariam as dimensões da Comunicação Governamental e da Comunicação Eleitoral.
Contudo, as ações comunicacionais diretas produzidas pelos atores políticos (como os pronunciamentos em CNRT) não podem ser consideradas isoladamente, e sim incluídas num grande ecossistema midiático no qual as narrativas construídas sobre o mundo da política pelos veículos de comunicação são variáveis essenciais para a compreensão do processo. Deste modo, retoma-se no artigo o conceito de enquadramentos noticiosos – compreendidos como “padrões persistentes de cognição, interpretação e apresentação, de seleção, ênfase e exclusão, através dos quais os detentores de símbolos organizam de forma rotineira o discurso, seja verbal ou visual”. (Gitlin, 1980:  6-7).
Por fim, efetiva-se, na segunda subseção do artigo, a explicitação dos procedimentos metodológicos e a análise dos pronunciamentos da presidente e dos enquadramentos das matérias publicadas pela Folha de S. Paulo sobre esses discursos. Busca-se testar a hipótese de que as ênfases – de Dilma, nos pronunciamentos; e da Folha, na cobertura sobre eles – são antagônicas, porque respondem a lógicas e a projetos políticos distintos.

2. A relação simbiótica entre Comunicação e Política: a ênfase na Campanha Permanente e a relevância dos enquadramentos noticiosos da imprensa

A instância comunicativa e o campo político possuem especificidades e características peculiares de funcionamento. Se, por um lado, há relações de embate entre esses dois campos, por outro, verifica-se também que a política contemporânea se estabeleceu em uma estreita relação com a comunicação de massa e a comunicação digital. A mídia funciona como o palco onde o campo da política busca obter visibilidade e legitimidade (Rodrigues, 1990; Lima, 2006).
Ao fazer uma análise dos meios de comunicação e a dinâmica dos campos sociais, Thompson (1998) afirma que cresceu o poder simbólico ou cultural propiciado pela mídia. Nesse sentido, indica o autor, existe grande preocupação dos líderes políticos em contratar especialistas em comunicação e marketing para monitorar suas ações. No contexto em que os atores políticos atuam para ampliar a visibilidade pública, Gomes (2004) elucida que grande parte da política é realizada na lógica da encenação, com linguagens, processos e ações voltadas para o consumo midiático.
Para Manin (1995), na democracia contemporânea, os partidos perderam a importância em detrimento do crescimento da mídia como canal de informação política e como instância de disputas discursivas. Trata-se da emergência da democracia de público, centrada no papel da mídia como mediadora da política e nos líderes personalistas que agregam identidades coletivas. (Manin, 1995). Em função da complexidade do ambiente contemporâneo, a relação entre o campo político e a instância comunicativa midiática ocorre de forma ininterrupta.
Entende-se que há uma confluência entre campanha eleitoral e exercício de governo. A campanha é constante, já que os consultores políticos põem tal fenômeno em prática também entre as eleições. A definição remete aos argumentos de Lilleker (2007), que se refere à campanha permanente como o uso dos recursos disponíveis por indivíduos e organizações eleitas (governos, partidos do governo, membros do parlamento, congressistas), a fim de construir e manter o apoio popular.
De acordo com Ornstein e Mann (2000), a campanha permanente tornou-se uma característica fundamental da política americana desde a publicação do livro The Permanent Campaign, de Sidney Blumenthal, publicado em 1982. Nesse sentido, os autores ressaltam que os atores políticos estão em campanha permanente, porque há estratégias de campanhas, táticas e recursos em todos os aspectos da vida pública, de maneira que a linha demarcatória entre campanha eleitoral e campanha de governo praticamente desapareceu.
Noguera (2001) afirma que o marketing político é utilizado em pelo menos três situações diferentes: em primeiro lugar se tem o marketing de campanha, aquele que é praticado quando se está buscando o poder. Alcançada a vitória eleitoral, tem-se o marketing de governo, em que a comunicação acompanha uma fase arquitetônica do exercício de poder e a implementação de uma agenda. Por fim, o autor ressalta o marketing de oposição, facilmente reconhecível quando a campanha atinge sua etapa final, mas que o autor ressalta ser importante desde o começo de uma gestão.  Apesar de tal diferenciação, Noguera (2001) ressalta que, na era da comunicação, as diferentes formas de marketing político tendem a convergir e a se desenvolverem de forma simultânea.
Heclo (2000) descreve a campanha permanente como uma combinação de imagem e cálculo estratégico, que transforma o governo em ator de uma perpétua campanha, usado como instrumento para sustentar a popularidade oficial de um eleito. Segundo o autor, o fenômeno reúne uma complexa mistura de pessoas politicamente sofisticadas, técnicas de comunicação e organizações – lucrativas e não lucrativas. O que une todas essas peças é a busca contínua e voraz por aprovação pública. As eleições seriam apenas parte de todo esse quadro, em que o foco é tipicamente centrado em personalidades e no público de massa, conforme já apontado por Manin (1995) sobre a ênfase personalista na política.
Alex Marland, Anna Esselment e Thierry Giasson (2017) ao citarem Blumenthal (1980) explicam que o conceito de campanha permanente originou-se na década de 70 nos Estados Unidos. O consultor político Patrick Caddell acreditava que seria um erro separar a política do governo, uma vez que aqueles que estão no poder tendem a esquecer os motivos pelos quais foram eleitos. Aqueles que não estão no poder, muitas vezes podem abordar temáticas que irritam os governantes que estão no poder e dificultam a reeleição. Logo, Caddell insistiu que governar com aprovação pública requer uma campanha política contínua (campanha permanente).
Alex Marland, Anna Esselment e Thierry Giasson (2017) observam que a campanha permanente (constante, contínua, ininterrupta, perpétua e interminável) requer uma mentalidade de que os esforços para vencer a próxima eleição comecem imediatamente após o dia da eleição. Isso ocorre pelo desejo de obter uma cobertura favorável da mídia e manter o apoio. Pesquisas de opinião pública e conquistas de votos são fatores que devem ser pensados como se o resultado da próxima eleição estivesse em jogo. De forma mais profunda, campanha permanente pode ser entendida como o uso de todos os recursos disponíveis pelos governantes com o propósito de alcançar apoio popular. Estratégias e técnicas usadas no contexto de campanha são aplicadas durante o governo. O pensamento é que, para implementar uma agenda política e ser reeleito, o partido do governo deve ser evidenciado com mais frequência. Nesse contexto, o uso de recursos públicos para publicidade governamental, marcas, contato direto com eleitores, mídia social e pesquisa de opinião pública merecem ser analisados minuciosamente.
É nesse sentido que Galicia (2010) complementa que a comunicação política abarca o conceito de campanha permanente para referir-se à utilização dos recursos do marketing político por parte dos eleitos, tanto em poder legislativo quanto executivo, seja em âmbito nacional ou local, para construir e manter uma ampla base de apoio popular. Para tanto, deve-se valer dos novos instrumentos da comunicação política – como, por exemplo, a espetacularização e a personalização dos candidatos, que podem ser trabalhadas tanto no período eleitoral quanto na gestão governamental. Assim, a campanha permanente converteu-se em um espetáculo gerenciado por equipes e profissionais detentores da técnica de persuasão.
Galicia (2010) destaca algumas características da campanha permanente: (1) os políticos que desejam manter e aumentar a imagem pública recorrem aos consultores políticos; (2) a sistematização da informação tornou-se um recurso para medir o nível de aceitação ou rejeição da opinião pública; (3) tornou-se uma prática recorrente na nova era, devido às limitações das legislações eleitorais; (4) governar torna-se uma campanha permanente, como um instrumento poderoso para sustentar a popularidade.
O autor também alerta sobre o poder da mídia no processo de campanha permanente. Faz-se necessário manter a presença na mídia, especialmente antes das eleições, o que pode favorecer a imagem e gerar uma vitória futura possível. No entanto, conforme aponta Thompson (1998), a visibilidade na mídia pode ter dificuldades de administração ou pode estar submetida a riscos, como os escândalos políticos, as gafes, o vazamento de informações.
 Heclo (2000) sugere seis tendências do ciclo campanha-governo e governo-campanha: (1) a mudança dos papéis dos partidos políticos – são mais fracos em sua organização, recrutamento dos candidatos e na mobilização e são mais fortes em ideologias, peculiaridades sociais e ataques políticos; (2) a expansão de um sistema aberto e extenso de grupos de interesses políticos; (3) a presença das novas tecnologias da comunicação na política moderna; (4) as novas tecnologias políticas, especialmente as relações públicas; (5) a crescente necessidade de financiar a política; (6) o aumento das expectativas para todos os atores quanto ao ativismo do governo.
Para compreender a relação entre comunicação governamental e estratégia de campanha eleitoral, Noguera (2001) aponta quatro questões fundamentais para observar tais diferenças: objetivos; mensagem; organização e ciclo eleitoral – enquanto a campanha eleitoral orienta-se pelo calendário eleitoral, determinado pela legislação, a campanha de governo é pautada pela política diária, tendo em vista também os ataques que partem dos oposicionistas.
Tendo em vista que, na análise de estratégias de campanha permanente, a cobertura da mídia é fator fundamental, seja para ratificar a imagem construída pelos governos ou para desconstruir tais mensagens, é importante tecer considerações acerca da imprensa, tomando como base as teorias mais contemporâneas sobre o fazer jornalístico.
Uma das abordagens mais utilizadas hoje nas pesquisas sobre o fazer jornalístico é o conceito de enquadramento noticioso. O estudo do frame permite compreender o motivo pelo qual o jornalista, ao cobrir um acontecimento, observa alguns aspectos e exclui outros. Assim, a partir da teoria do enquadramento, pode-se afirmar que o frame é o produto da interação do jornalista com a cultura profissional, a sociedade e seus valores individuais. Nessa perspectiva, os meios de comunicação, ao enquadrarem o fato, fazem com que as pessoas conheçam a realidade e entendam o mundo a partir de certa moldura. Hackett (1993), por sua vez, aponta que o conteúdo da mídia pode desempenhar um papel político e ideológico, especialmente quando o conteúdo é produzido a partir de uma matriz ideológica limitada.
Goffman (2012) explica que enquadramentos são princípios de organização que governam os eventos sociais e nosso envolvimento neles: tendemos a perceber os acontecimentos à nossa volta de acordo com os enquadramentos que nos permitem responder à pergunta: "O que está ocorrendo aqui"? Dessa forma, o conceito pode ser entendido como marco interpretativo mais geral construído socialmente, permitindo que as pessoas atribuam sentido aos eventos e às situações sociais.
A experiência social que cada indivíduo possui resulta, para Goffman (2012), da forma como ele enquadra a realidade ao seu redor. O autor explica que a mídia pode ser considerada um bom exemplo para compreender o processo de enquadramento da realidade, por meio de sua tarefa de produção e veiculação de notícias cotidianas. É nessas narrativas obtidas pelos frames que se fortalecem as crenças sobre o funcionamento do mundo.
Segundo o autor, os esquemas primários podem ser transformados por meio do recebimento de novas laminações, que podem variar conforme duas lógicas: a tonalização e a maquinação. A primeira (a tonalização) refere-se à adição de uma nova camada de significados sobre uma atividade preconcebida, ou seja, trata-se de reposicionar um acontecimento por intermédio de um outro ângulo possível de percepção. A segunda lógica é chamada de maquinação. Refere-se ao esforço intencional de um ou mais indivíduos de manobrar uma determinada atividade de modo que as pessoas em contato com estes quadros sejam induzidas a ter uma falsa percepção a respeito do que está ocorrendo. "Trata-se de um plano perverso, de uma trama ou projeto traiçoeiro que – quando concretizados – levam à falsificação de alguma parte do mundo" (Goffman, 2012: 118).
Pensando especificamente no jornalismo, Motta (2007) argumenta que o enquadramento predominante tem sido o frame dramático (ou narrativo). Segundo ele, esses enquadramentos são utilizados pelos jornalistas para organizar a “complexa realidade política”. O autor afirma que o jornalismo político tende a utilizar os enquadramentos lúdicos, como os jogos (guerra, batalha, duelo, luta de boxe, jogos de tabuleiro, ciclo de herói, entre outros), porque esses frames culturais enquadram de maneira acessível os enfrentamentos políticos e facilitam a compreensão dos complexos conflitos da política.
Segundo Motta, o frame não se refere ao ato de enquadrar a realidade por parte de um dos interlocutores apenas. Os frames são princípios organizativos compartilhados, fundamentados na cultura, a partir de expectativas recíprocas e comuns. O conceito de enquadramento jornalístico tem sido incorporado às recentes teorias sobre os efeitos políticos da mídia e do estabelecimento da agenda pública, como lembra Motta. Partindo dessa perspectiva teórica, a mídia não apenas agenda nossas preocupações, mas também influencia sobre como pensamos acerca dos temas políticos. Daí a importância de se trabalhar o conceito de enquadramento noticioso.
O enquadramento dramático predominante na mídia seria mais mobilizado, para Motta, porque já enraizado na sociedade e na cultura, sendo ordenador, prático e principalmente compreensível. Por isso, segundo o autor, os jornalistas recorrem às metáforas dos jogos para relatar a complexidade da política. Ao enquadrar de forma dramática e lúdica, o jornalismo utiliza-se de uma representação pretensamente objetiva do real, porém esse enquadramento nunca será o real, estando sujeito a contaminações do imaginário.

3. Pronunciamentos de Dilma e enquadramentos da Folha

3.1 Metodologia de Análise

O conceito de enquadramento apresenta um avanço significativo nas tradicionais análises de conteúdo das mensagens da mídia, de tal modo que, segundo Porto (2004), tem sido definido tanto como alternativa a paradigmas em declínio, como também um complemento importante para cobrir lacunas de teorias existentes. Para correta aplicação da metodologia, Porto (2004) sustenta a necessidade de identificar as principais controvérsias e enquadramentos presentes nas notícias, com o intuito de averiguar quais atores sociais distintos possuem capacidade para influenciar o processo, além dos grupos dominantes e influentes. Para o autor (2004: 94), é imprescindível “incluir as interpretações promovidas por movimentos sociais ou de oposição, inclusive aquelas que são excluídas pela mídia”, explicitando, quando possível, “as razões que levam ao predomínio de certos enquadramentos, em detrimento de outros”.
Vale ressaltar que a definição de uma análise sistemática de conteúdo aparece como item fundamental para identificar as práticas de enquadramento. Independentemente do método adotado, Porto (2004) alerta para a importância de eleger um enfoque integrado que inclua uma análise de conteúdo quantitativa e uma análise textual de teor qualitativo. Para compreender o conteúdo veiculado pela narrativa jornalística, recorreremos à análise de conteúdo de Bardin (2011) e às três etapas que compõem essa metodologia: a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final.
Na primeira etapa foram selecionadas as reportagens com cobertura relacionada aos pronunciamentos de Dilma Rousseff em CRNT no jornal Folha de S. Paulo. Trabalha-se aqui para testar a hipótese de que as estratégias de campanha permanente nos pronunciamentos de CRNT da ex-presidente privilegiavam as ações e sucessos do governo petista, enquanto os enquadramentos da Folha tenderam a uma abordagem crítica da presidente e do governo (mesmo nos momentos de boa avaliação), desqualificando-se ou silenciando-se total ou parcialmente quanto aos supostos sucessos do governo apresentados nos discursos de Dilma.
Para a formulação de indicadores, recuperamos os inúmeros estudos de enquadramento (Jamieson, 1992; Patterson, 1993; Porto, 2001; Aalberg, et al., 2012), em que se verificam três ocorrências principais de práticas de enquadramento: seleção, ênfase e exclusão temática dos discursos. Porto (2004) aponta que a seleção envolve dados que são priorizados na cobertura jornalística, a ênfase diz respeito a elementos que estão situados em destaque na matéria e a exclusão refere-se às informações que não foram mencionadas no texto, mas que seriam relevantes para ampliar o entendimento do conteúdo.
Além disso, a pesquisa adotará como operacionalizador de análise o conceito de valência, tal como desenvolvido pelo Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Opinião Pública – Doxa, do antigo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro). O conceito de valência ancora-se numa metodologia que tem por finalidade verificar o enfoque dado às reportagens jornalísticas, buscando esclarecer se elas prejudicam ou beneficiam a imagem de um candidato, governo, ações e estratégias governamentais.
A visibilidade de cada ator político aparece em uma metodologia que atribui valência positiva às matérias que reproduzem as promessas dos candidatos e governantes, às declarações ou ataques aos adversários e aos textos que destacam resultados favoráveis sobre suas metas e programas de governo. A valência negativa indica reportagens que reproduzem críticas às ações governamentais e aos ataques da oposição ou de terceiros ao governo. Já a valência neutra relaciona-se às matérias que apenas relatam ou citam a atuação do governo, sem expressar qualquer avaliação moral, política ou pessoal. Os critérios atribuídos pelo Doxa para análise de cobertura jornalística buscam classificar a valência em função do viés adotado. O critério de valência será definido em função do conteúdo presente em título, subtítulo, lead e sublead das reportagens da Folha.
               
3.2 Pronunciamentos e cobertura da Folha de S.Paulo em 2011

Em 2011, a presidente Dilma realizou, em CNRT, cinco pronunciamentos, listados no Quadro 1. Sobre as falas da presidente relativas a 2011, o jornal Folha de S. Paulo realizou cobertura dos três primeiros pronunciamentos. É importante destacar que as notícias foram veiculadas no dia posterior à sua emissão em CNRT. A Folha não divulgou notícias sobre os pronunciamentos do dia 08 de novembro e 23 de dezembro de 2011.

Tabela 1: Resumo dos pronunciamentos de 2011

Pronunciamento

Data/ocasião

Temática
Principal

Temática
Secundária

1

10/2 – Volta às aulas

Educação

Investimento tecnológico; combate à miséria

2

29/4 – Dia do Trabalho

Economia

Educação; políticas sociais; combate à miséria

3

6/9 – Independência

Economia

Políticas sociais, educação, saúde, segurança

4

8/11 – Programas SOS Emergências e Melhor em Casa

Saúde

Não teve temática secundária

5

23/12 – Final de Ano

Economia

Obras, educação, saúde e segurança


Fonte: Elaboração própria (2016)

Pronunciamento (CNRT) do dia 10 de fevereiro de 2011 – Volta às aulas

O primeiro pronunciamento teve como principal temática a educação.  A presidente enfatizou a necessidade de criar mais escolas técnicas, ampliar os cursos profissionalizantes, melhorar o ensino médio, as universidades e aprimorar os centros científicos de nível superior, além de promover a inclusão digital. Também destacou o lançamento do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), que tinha o intuito de levar o ensino técnico à população brasileira, e reafirmou o compromisso com o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Outro destaque foi o combate à miséria, que, segundo a presidente, ocorre, principalmente, com uma educação de qualidade, com o fortalecimento da economia, ampliação do emprego e aperfeiçoamento das políticas sociais. Ela ainda anunciou o lema do seu governo: “País rico é país sem pobreza”.
Esse pronunciamento da presidente Dilma Rousseff constitui sólida evidência do conceito de campanha permanente. Ao convocar pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, a petista reafirmou o discurso feito na campanha tanto em relação ao combate à miséria como nos investimentos na educação. O discurso apresentava objetivo estratégico, tendo em vista que foi no início de seu governo, quando o slogan da gestão foi definido – indicação de que o discurso da campanha eleitoral de 2010 amalgamava-se à política de comunicação do governo (e projetava posicionamento para as eleições futuras). Outra questão importante é a ênfase personalista, a partir do momento em que o marketing governamental, apesar de falar de políticas públicas, o faz com foco na presidente, conforme sugeria Manin (1995), ao mesmo tempo em que se utilizam recursos dramatúrgicos e espetaculares, criando a ideia de fatos novos (Gomes, 2004).
 A Folha de S. Paulo realizou a cobertura do pronunciamento a partir da notícia “Dilma anuncia programa para ampliar vagas de ensino técnico”, divulgada no caderno Cotidiano, no dia 11 de fevereiro. O título, como pode ser observado, teve uma valência positiva. O subtítulo da matéria trouxe um tom otimista dizendo que a ideia do programa era oferecer aulas a alunos do ensino médio da rede pública. O lead da matéria teve um enfoque também positivo, já que mostrou que a presidente abordou a criação do Pronatec, uma espécie de Programa Universidade para Todos (PROUNI) de Ensino Técnico. No sublead foi explicado que, por meio do Prouni, o governo deu isenção fiscal a instituições de educação superior que abrissem 50% ou 100% de vagas gratuitas a alunos carentes.
No entanto, no decorrer da matéria, houve informações negativas. A notícia comparou o funcionamento do Prouni e do Pronatec. Segundo a matéria, o Pronatec é um programa que ainda estaria sendo estruturado e seria oferecido pelo Sistema S – conjunto de entidades mantidas com contribuições cobradas sobre a folha de pagamento das empresas, como Serviço Social do Comércio (SESC) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). No entanto, segundo a matéria, para oferecer as aulas existiria um obstáculo: o financiamento. A notícia destacou duas formas possíveis de realizá-lo: uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no valor de R$ 40 milhões, e uma segunda fonte que viria da cobrança pelo governo de uma suposta dívida de R$ 3 bilhões do Sistema S, mas que, segundo o jornal, a Confederação Nacional de Indústria (CNI) não reconhecia.
Portanto, segundo a matéria, não haveria uma previsão no Ministério de Educação sobre o início de funcionamento do programa. A matéria ainda enfatizava que a discussão com o Sistema S não era a primeira no governo petista. Fica evidente que, mesmo que ainda fosse uma cobertura positiva, a Folha optou por fazer um enquadramento limitado, reduzindo o discurso da presidente a um foco específico e abandonando uma perspectiva que abarcasse uma proposta mais holística (que articulava educação com o combate à pobreza e à estabilidade econômica). Ressaltaram-se as dificuldades de se implementar o programa e de que não seria uma ação exclusiva do governo federal, mas que contaria com investimentos da iniciativa privada. Não foram mencionadas outras questões abordadas pela presidente, o que poderia fazer com que o leitor do jornal que não assistiu ao pronunciamento entendesse que, ao tratar da educação no país, a presidente focou apenas no lançamento e execução de um programa.

Pronunciamento (CNRT) do dia 29 de abril de 2011 – Dia do Trabalho

Quanto ao segundo pronunciamento, em homenagem ao Dia do Trabalho, a temática principal foi a economia. Dilma anunciou que comemorava a ocasião com o crescimento do emprego e da renda e com uma economia sólida. “Isso porque, na medida em que o emprego e o salário aumentam, a desigualdade diminui e o país continua avançando sem retrocessos” (Rousseff, CNRT, 2011). Dilma argumentou que o Brasil seguia no rumo certo e continuaria melhorando. Segundo a presidente, o país se firmou não apenas como uma das principais economias do planeta, mas como um criador de modelos de políticas sociais modernas.  
A presidente ressaltou que o Brasil foi um dos países que melhor reagiu à crise financeira internacional e que estava preparado para enfrentar as pressões inflacionárias que rondavam a economia mundial. Destacou ainda que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida teriam continuidade, sem interrupções. Um dos desafios do Brasil, segundo a presidente, seria o fim da miséria e a erradicação da pobreza. Dilma garantiu manter a política de valorização do salário mínimo e as conquistas trabalhistas. Conforme aponta Lilleker (2007), na campanha permanente, o ator político precisa utilizar os recursos disponíveis para investir na construção da sua imagem pública e Dilma, neste caso, utilizou-se da CNRT para falar a um público que foi essencial para sua eleição.
A notícia sobre o pronunciamento foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 30 de abril de 2011 no caderno Poder. O título “Dilma vai à TV para reafirmar compromisso de combater a inflação” teve uma valência positiva. O lead da matéria, com o tom positivo, mostrou o lançamento do programa Brasil sem miséria, com o objetivo de combater a inflação e erradicar a miséria. Na matéria, uma fala de Dilma foi destacada: “o Brasil está preparado para enfrentar as pressões inflacionárias”. Novamente, constata-se que o jornal ao enquadrar o fato, neste caso o pronunciamento da presidente, selecionou um aspecto e deu a ele grande ênfase – nesse caso, um aspecto que lembrava um sucesso do governo anterior, do PSDB (o controle inflacionário). Conforme explica Goffman (2012), há uma série de acontecimentos, mas a narrativa tende a acentuar alguns fatos e excluir outros.

Pronunciamento (CNRT) do dia 6 de setembro de 2011 – Proclamação da Independência

O terceiro pronunciamento foi ao ar no dia 6 de setembro e teve como temática central a economia. Dilma destacou que o mundo enfrentava os desafios de uma grave crise econômica mais complexa que a enfrentada em 2008, da qual o Brasil se saiu muito bem, segundo a presidente. Ela destacou que os países ricos se preparavam para um longo período de estagnação e recessão, mas que a crise não ameaçava fortemente o Brasil, porque o país havia mudado para melhor. Prometeu reforçar o Prouni e enviar 75 mil estudantes brasileiros para estudar no exterior, e frisou o lançamento da Rede Cegonha, que iria garantir pré-natal e atenção no parto às gestantes e a ampliação do número de Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Conforme explica Noguera (2001), como é típico da comunicação governamental, no discurso, foram apontadas ações que englobavam várias áreas da gestão, como economia, educação, saúde, dando um panorama das políticas públicas do governo de uma forma geral.
A notícia da Folha de S. Paulo abordando esse pronunciamento foi publicada no dia 7 de setembro de 2011, no caderno Poder. A matéria recebeu uma chamada de capa que tinha como título “Dilma vê crise atual mais complexa que em 2008”, com valência negativa. Na chamada, era destacado que, segundo a presidente, apesar de a crise de 2011 ser mais complexa que a de 2008, ela não atingiria fortemente o Brasil, o que evidencia uma valência positiva do conteúdo. Portanto, mesmo com um título que trouxe um teor negativo, o jornal, no decorrer da narrativa, construiu-se uma versão favorável à presidente.
O título da matéria “Crise atual é mais complexa, diz Dilma” revelava um enquadramento negativo. No entanto, o subtítulo era positivo, mostrando que, no pronunciamento, a presidente afirmara que o país estava mais preparado para enfrentar a recessão do que em 2008. A jornalista destacou em negrito que o combate à corrupção no governo Dilma era uma ação permanente e que a presidente tratou de iniciativas para melhorar a saúde pública, indicando, no geral, um lead positivo.
No entanto, a matéria destacou que Dilma não mencionou que a crise econômica mundial levou o governo a reduzir as estimativas de crescimento econômico para 2011 e 2012, deixando também de citar que a inflação acumulada nos últimos doze meses era 7,23% maior em comparação com junho de 2005. Em relação à queda de ministros na época, a matéria destacava que a presidente havia feito apenas uma rápida menção, ou seja, apesar de a matéria apresentar elementos negativos, os pontos principais foram positivos, tornando a valência positiva.

3.3 Pronunciamentos da presidente e cobertura da Folha de S. Paulo em 2014

Em 2014, a então presidente Dilma Rousseff (PT) realizou, em CNRT, três pronunciamentos, indicados no Quadro 2. A Folha de S. Paulo deixou de publicar notícias referentes ao pronunciamento do Dia da Mulher (tema no qual o governo tinha credenciais em termos de políticas públicas e até mesmo em termos de personalização, pelo fato de Dilma ser a primeira mulher presidente) e, nos seguintes, o jornal noticiou as falas da presidente com um enquadramento negativo.

Quadro 2: Resumo dos pronunciamentos de 2014


Pronunciamento

Data/ocasião

Temática
Principal

Temática
Secundária

1

8/3 – Dia da Mulher

Políticas sociais para as mulheres

Economia; educação

2

30/4 – Dia do Trabalho

Economia

Educação; políticas sociais; combate à corrupção; reforma política; mobilidade urbana; saúde

3

10/06 – Copa do Mundo

Economia

Brasilidade; Copa do Mundo; políticas sociais, segurança; tecnologia; infraestrutura

Fonte: Elaboração própria (2016)

Pronunciamento (CNRT) do dia 30 de abril de 2014 – Dia do Trabalho

O segundo pronunciamento de Dilma (mas o primeiro com cobertura da Folha) aconteceu no dia 30 de abril, em comemoração ao Dia do Trabalho. Na ocasião, Dilma falou que, apesar das dificuldades, o Brasil estava vencendo a luta do emprego e do salário. A presidente ressaltou que o Brasil tinha força para lutar pelas reformas mais profundas de que a sociedade brasileira necessitava, como aperfeiçoar a política, combater a corrupção, aumentar a transparência e fortalecer a economia, a fim de melhorar a qualidade dos serviços públicos.
Dilma destacou a correção da tabela do imposto de renda, a fim de favorecer os assalariados. Ela também anunciou um decreto que atualizava em 10% os valores do Bolsa Família, que beneficiava, na época, 36 milhões de brasileiros, parte do programa Brasil Sem Miséria. Dilma também falou sobre a valorização do salário mínimo, além do combate à inflação. Destacou também a luta contra a corrupção, ao dizer que o governo tinha obrigação de apurar, denunciar e lutar para que todos os culpados fossem punidos com rigor. Acusou os opositores de realizarem uma campanha negativa para tirarem proveito político.
A Folha de S. Paulo, ao realizar a cobertura do pronunciamento, apresentou a seguinte chamada de capa, com destaque: “Dilma corrige tabela do Imposto de Renda (IR) e aumenta Bolsa Família”. O jornal mostrou indicou que, com a medida, os assessores esperavam que houvesse aumento na popularidade de Dilma, que havia despencado após as manifestações de junho de 2013, por causa da onda de notícias desfavoráveis em decorrência da crise na Petrobras e da alta da inflação. Foi destacado também que a oposição acusou Dilma de propaganda eleitoral antecipada.
A notícia foi publicada no caderno Poder e recebeu um título com valência negativa: “Para conter desgaste, Dilma ajusta Bolsa Família em 10%”. O subtítulo evidenciou que, após a queda nas pesquisas, a petista anunciou correção na tabela do IR. O jornal também a criticou por utilizar o pronunciamento para fazer ataques à oposição. Acusou-a, ainda, de usar no pronunciamento forte apelo eleitoral e destacou que duas das medidas anunciadas, como o aumento de 10% no valor do Bolsa Família e a correção na tabela do imposto de renda, não surtiriam efeito em 2014. Segundo a notícia, o Bolsa Família era a mais importante vitrine dos governos petistas e apontado como crucial na corrida à reeleição. A Folha de S. Paulo destacou também que as medidas anunciadas por Dilma foram uma vacina para amenizar as notícias negativas que ocorriam no final de seu mandato.
A notícia abordou, ainda, uma pesquisa do Datafolha que indicava que 72% dos eleitores queriam que as ações do próximo presidente fossem diferentes das efetuadas por Dilma. A reportagem destacou que, em vários momentos do discurso, Dilma utilizou as palavras mudar e mudança. O jornal ainda a acusou de utilizar técnicas de marketing para driblar a oposição. Na matéria, a Folha de S. Paulo deu destaque a uma fala de Aécio Neves afirmando que o discurso de Dilma mostrava um governo desesperado e uma presidente da República fragilizada, fazendo campanha política e atacando o adversário. Portanto, a notícia teve uma valência negativa.

Pronunciamento (CNRT) do dia 10 de junho de 2014 – Copa do Mundo

O terceiro pronunciamento aconteceu no dia 10 de junho e foi sobre a realização da Copa do Mundo. Na ocasião, Dilma ressaltou a importância do evento para o Brasil, representando um motivo de satisfação, alegria e orgulho. Atacou os pessimistas, afirmando que os estádios estavam prontos, os aeroportos com estrutura, que não ocorreria falta de energia. Sobre a segurança, falou que estava entregando um sistema capaz de proteger a todos. Ressaltou, ainda, que os investimentos em saúde e educação, no seu governo, não deveriam ser comparados com o investimento na Copa, uma vez que aqueles somavam um valor 212 vezes maior que o investido nos estádios (e afirmou que o país. cresceu em relação à distribuição de renda, aumentou o nível de emprego e de inclusão social, reduziu a desigualdade retirando 36 milhões de brasileiros da miséria). Em relação às manifestações, Dilma lembrou que o país era uma democracia jovem, dinâmica e pujante, capaz de reivindicar melhorias.
Ao realizar a cobertura do pronunciamento, a Folha de S. Paulo divulgou uma matéria crítica e com valência negativa. A chamada de capa trouxe o título: “Dilma vai à TV, exalta Copa e ataca pessimistas”. O conteúdo enfatizou que a então presidente utilizou o pronunciamento em cadeia de TV para defender a realização da Copa do Mundo no Brasil e atacar os pessimistas que diziam que o evento não seria realizado. A matéria afirmou que as crescentes críticas decorriam dos atrasos e dos gastos com as obras.
A reportagem ainda destacou que o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) criticou o discurso de Dilma, uma vez que as obras ainda estavam inacabadas. A matéria foi divulgada no caderno Poder e também trouxe um conteúdo negativo e crítico. O título ironizou o pronunciamento e enfatizou: “Dilma diz que pessimistas entram perdendo na Copa”. A matéria procurou desconstruir o discurso de Dilma, mostrando, por exemplo, que, a apenas dez dias do início da competição, somente metade das obras estavam prontas e as relativas à mobilidade estavam incompletas. A Folha ressaltou que Aécio Neves (PSDB), adversário de Dilma nas eleições de 2014, afirmou que a fala da presidente serviu para amenizar problemas como obras inacabadas e gastos superfaturados. Portanto, a notícia teve um enquadramento negativo.
Percebe-se, primeiramente, que, por se tratar de ano de disputa eleitoral, tanto as estratégias de comunicação governamental como a cobertura do jornal Folha de S. Paulo tornam-se peças retóricas associadas à campanha eleitoral antecipada, como Figueiredo et al (1998) sustentam ocorrer frequentemente. Somente em julho de 2014 foram homologadas as candidaturas, mas mesmo antes disso identifica-se claramente o posicionamento da situação nos pronunciamentos da presidente e candidata à reeleição em contraponto aos discursos da imprensa e ao crescente espaço dado a atores políticos ligados à oposição, como o candidato Aécio, que passou a ter grande visibilidade nas notícias publicadas.
O debate sobre a Copa do Mundo foi politizado: enquanto o governo argumentava que trazer o evento tinha sido uma escolha acertada, mesmo diante dos altos gastos com a construção de estádios e dos investimentos em infraestrutura, a oposição, contando com o apoio da grande mídia, procurou desconstruir esse discurso, com o argumento de que tais recursos poderiam ter sido investidos em áreas estratégicas e prioritárias, como a saúde e a educação. Essa também foi uma das questões presentes na onda de protestos em junho de 2013.

4. Considerações finais

Nos anos de 2011 e de 2014, os pronunciamentos em Cadeia Nacional de Rádio e Televisão (CNRT) de Dilma Rousseff foram utilizados estrategicamente para conectar a comunicação de campanha eleitoral (tanto a realizada na vitória de 2010; quando a que viria a ser desenvolvida na futura campanha também vitoriosa de 2014) com a comunicação do governo. Nesses pronunciamentos, a presidente não apenas prestou contas das ações do governo, mas também utilizou o espaço como forma de manter a sua visibilidade e associar-se pessoalmente ao que era apresentado como sucesso governamental ­ – o que configura um conjunto de achados a reforçar a pertinência do uso do conceito de campanha permanente.
Houve, contudo, diferenças significativas na comparação dos dois anos: se em 2011, ainda muito popular, os discursos foram afirmativos, os de 2014 (depois que o governo perdeu popularidade, a partir das Jornadas de Junho em 2013) foram parcialmente reativos, tentando oferecer vacinas contras as críticas que o governo e a presidente recebiam. O recorte temporal evidencia dois momentos diferenciados da gestão: um em que a presidente tinha altos índices de popularidade e os pronunciamentos eram muito bem recebidos pela população e até pela própria mídia (mas já com algumas críticas) e um segundo momento de um governo mais fragilizado, sem grande apoio do eleitorado e com uma mídia bastante crítica ao governo, no contexto de um ano eleitoral.
Quanto à hipótese inicial deste trabalho – a de que as preferências políticas e ideológicas da Folha a levariam a uma predisposição antipetista em suas coberturas, o que produziria forte antagonismo entre os enfoques dados por Dilma nos pronunciamentos e aqueles presentes nas matérias do jornal –, há confirmação apenas parcial. As evidências apontam que os enquadramentos da Folha tornaram-se mais críticos em 2014 do que eram em 2011 (quando enfoques positivos apareceram em todas as matérias analisadas, mesmo que elas já trouxessem, no corpo dos textos, avaliações também negativas). Em 2014, mesmo notícias potencialmente positivas (aumento no valor da Bolsa Família e reajuste da tabela do imposto de renda) foram enquadradas a partir de um viés questionador e negativo – muitas vezes similar à narrativa utilizada pela oposição.
Os silêncios da Folha também são sintomáticos. Ao dar mais atenção aos pronunciamentos de Dilma num momento de fragilidade e de má avaliação do governo, e ao silenciar nos momentos de maior popularidade, criaram-se cenários com efeitos eleitorais prejudiciais ao projeto de reeleição. E se trata de fenômeno com efeito de retroalimentação: ao começar a receber um tratamento negativo dos meios de comunicação, a presidente teve ainda mais dificuldades em manter a sua popularidade. Pesou ainda o fato de que não havia um trabalho eficiente, por parte do governo, direcionado para as mídias digitais que, apesar de não impactarem na população de uma forma geral, já eram parte do cotidiano de boa parte dos brasileiros.
As evidências sugerem que há ganhos em se avaliar a eficácia das estratégias de campanha permanente relacionando-as à análise do enquadramento oferecido pela mídia. No caso específico da Folha, pode-se observar, ao longo da análise, que o jornal foi assumindo uma postura mais intensamente crítica no decorrer do mandato, principalmente, após 2013, com a queda da popularidade da presidente – e estas variáveis precisam ser levadas em conta para a compreensão do processo de reeleição (e depois de queda) de Dilma Rousseff.

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Fecha de recepción: 09-08-2018.
Fecha de aceptación: 01-12-2018.

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