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La trama de la comunicación

versión impresa ISSN 1668-5628

Trama comun. vol.25  supl.1 Rosario jun. 2021

 

ARTÍCULOS

O design contemporâneo: as premissas epistemológicas acerca do agora. Um estudo do design que se faz em tempo real

The contemporary design: the epistemological premises about the present. A study about a design made in real-time

 

Por Dorival Campos Rossi y Rodrigo Malcolm de Barros Moon

dorival.rossi@unesp.br / Universidade Estadual Paulista. Brasil

rodrigo.moon@unesp.br / Universidade Estadual Paulista. Brasil

Dorival Campos Rossi.
Brasileño.
Doctor en Comunicación y Semiótica por la Pontificia Universidad Católica de São Paulo. Magíster en Comunicación Visual por la Universidad de São Paulo. Bacharel en Arquitectura y Urbanismo por la Universidad de São Paulo.
Afiliación institucional: Universidade Estadual Paulista. Brasil.
Área de especialidad: Medios y Tecnología; Diseño, Semiotica y Complejidades.
e-mail: dorival.rossi@unesp.br
ORCID: 0000-0001-7145-792X

Rodrigo Malcolm de Barros Moon.
Brasileño.
Magíster en Medios y Tecnología de la Universidad Estadual de São Paulo. Bacharel en Diseño por la Universidade Estadual Paulista. Estudiante de doctorado en el Programa de Postgrado en Medios y Tecnología.
Afiliación institucional: Universidade Estadual Paulista. Brasil.
Área de especialidad: Diseño, Semiótica y Filosofía.
e-mail: rodrigo.moon@unesp.br
ORCID: 0000-0001-5811-8659


Sumario:

Este artículo tiene como objetivo analizar aspectos centrales para pensar lo contemporáneo y ubicar un diseño que se ha desprendido de sus bases históricas y se ha emancipado en innumerables acciones heterogéneas. Teniendo em cuenta las premisas de liquidez y deconstrucción de barreras, de una formación histórica muy curiosa y de reconfiguraciones de lo social desde las nuevas tecnologías, proponemos formas de configurar una epistemologia capaz de abordar la pragmática de un diseño del ahora y, finalmente, comprender el potencial de un diseño nómada y desterritorializado que se actualiza a través de bits de información.

Descriptores: Diseño; Filosofía; Complejidad; Teoría del diseño; Proyecto

Summary:

This paper aims to analyse central aspects to think the present and to identify a design that detached itself from its historical basis, and have emancipated in numerous heterogeneous practices. Considering the liquid and deconstructed barriers of a curious historical formation, that reconfigures itself through new technologies, we propose ways to configure a epistemology capable of handling the practices of a contemporary design and, at last, to understand the potentialities of a nomad design, deterritorialized and that updates itself through bits of information.

Describers: Design; Philosophy; Complexity; Design theory; Project


1. Introdução

1.1 Uma breve história do design

O design enquanto forma de conhecimento e prática se estrutura durante as revoluções industriais, no século XIX, com a principal função de conciliar os ciclos de produção e consumo dentro de uma sociedade, na medida em que se explorou através da forma e da função, a criação de dispositivos que auxiliem no cotidiano do cidadão urbano. A Bauhaus, marco histórico das discussões sobre arquitetura e design, regimentou um estatuto da forma-função, da simplicidade e da objetividade. Ao longo do século XX, o design começou a assumir uma função cada vez maior frente ao êxodo rural, superpopulação das cidades e uma necessidade logística de fazer funcionar algo tão grande. A universalização da ergonomia permitiu que os objetos de uso pudessem ser mais acessíveis e de fácil utilização, de tal forma que a noção de massa ganha outra significação: a curva média do cidadão representa e corrobora com a ideia do homem médio. Fez-se, ao longo do século o modelo do homem médio e vendeu-se tal imagem. O american way of life representa um projeto de cidadão que se faz ao molde do homem médio estado-unidense. As formas, em detrimento dos avanços técnicos de manufatura, foram se modelando de acordo com o imaginário coletivo, a tal ponto que na década de 60-70, por exemplo, criou-se uma estética espacial para corroborar com a noção de corrida espacial, presente no imaginário coletivo: o space age design.

Figura 1: Televisão esférica Keraclonic, desenhada por Arthur Bracegirele em 1968
Fonte: https://www.flickr.com/photos/arenamontanus/2287363319. Acesso em 20/09/2020.

A relação entre design e mercado de bens era tão evidente, que levou, em 1971, Victor Papanek a publicar o Design for the real world, no qual ele contesta o propósito do design e sua promessa de ‘mudar o mundo’. Muitas vezes nos perdemos em signos de uma outra realidade e ignoramos a atualidade. Papanek fez com que se visse que há um mundo real e que demanda soluções reais, e, muitas vezes, urgentes. Depois disso, o design que antes conhecia algumas atuações muito bem segmentadas, como design gráfico e de produto, começa a ser reavaliado em sua própria ontologia, inclusive por Villém Flusser1 em sua conceituação de in-formação, dar forma. Em virtude dos diversos novos segmentos tecnológicos, de serviços, mercados, o design foi se segmentando em diversas novas atuações que, hoje, culminaram em UX/UI2, web design, e afins, bem como sua hibridação com a atuação artística, permitindo que o design enquanto disciplina organizativa se infiltrasse nas mais diversas atuações humanas. Tal multiplicidade de atuações impede que se defina conceitualmente uma única morfologia. Falar em design implica em falar de projeto.
Projeto, no entanto, acaba caindo em loop, se definindo por ele mesmo através de suas infinitas metodologias aplicadas a inúmeros segmentos de produtos a serem produzidos. Grande parte da discussão teórica sobre design envolve necessariamente sua pragmática enquanto finalidade de qualquer projeto. Assim, visou-se construir, inicialmente através da Gestalt, uma teoria da forma e função, da percepção da cor, da influência cultural nas imagens; uma etnografia dos objetos de uso foi realizada. A busca era por ferramentas úteis ao design. Sempre visou-se projetar correspondendo-se a uma série de valores, dentre eles, historicamente tivemos: como produzir objetos massivamente?; como tornar um objeto desejável?; como sugerir a função através da forma?; a forma como identidade?; a forma como inovação? E dentre inúmeras questões de valor, o design foi se transformando.
Hoje, temos teóricos como Rafael Cardoso, Bruno Munari, Gui Bonsiepe, Dijon de Moraes, entre outros igualmente importantes, que conduzem o debate do design no Brasil e suas formas de relações com outras disciplinas. Superamos uma definição moderna do conceito, desprendemo-nos da materialidade do objeto físico, exploramos novos sentidos e suas misturas hápticas. Vemos necessidade de que se debata o design ontologicamente a fim de que se compreenda melhor como funcionam os processos em design. Somos inundados por um montante de métodos e máquinas que realizam o trabalho e nos permitem criar conjuntos de máquinas e vincular os projetos a elas, na esperança de que o projeto de realize. Nos preocupando com a capacidade de realiza-los, esquecemos para que eles servem.
Assim, o design até agora se ampara, essencialmente, sobre um tripé de ciências que sustentam sua ontologia: as artes e a produção criativa que regimentam os processos de produção de imagens, formas e lida essencialmente com o eixo estético e figurativo; o eixo cultural e antropocêntrico, que lida com os sistemas humanos e geram coordenadas pelas quais o eixo artístico deriva suas metodologias e respectiva eficácia, que fornece a métrica para os projetos humanos; e por fim o eixo técnico, que lida com as tecnologias e práticas que realizam os projetos na atualidade. Assim, no interssecção arte-humanidades-tecnologias, deriva-se um projeto que se atualiza: projeta-se uma experiência para humanos. Daí a grande contradição da UX/UI: imita o paradoxo de Russell. O design é o conjunto que contém todos os conjuntos ‘design de’ exceto por ele mesmo, e inclui, portanto, a experiência e interação do usuário com o produto projetado; muito embora tais interações e experiências resumam, em grande medida, todas as atuações de um designer em virtualmente todos os ramos existentes. Todo projeto se resume em instância fenomenológica à experiência do usuário ou à interação usuário-produto. Enfim: é design ou UX?
Atualmente, se ousarmos uma definição reducionista, porém metonímica, seria de que o design enquanto disciplina se ampara na ideia de que processos criativos são replicáveis através de processos projetuais, na medida em que se imitam as condições e os procedimentos. Se emancipa das artes pelo caráter cientificistas da eficácia dos procedimentos, através de pesquisas que visavam definir e categorizar o ser humano, fazer com que os produtos feitos correspondessem de fato ao humano real. Com o uso correto de tempo e maquinário, qualquer projeto pode ser executado, dando origem ao debate incessante sobre a prepotência do designer em relação ao seus procedimentos. O designer foi contaminado pelo positivismo histórico e se transmutou. O Deus-signer, em sua premissa de solucionar os problemas do mundo, um de cada vez, se esquece de que o mundo é dinâmico e as coisas mudam; e ao solucionar um problema de uma maneira, pode acabar produzindo muitos outros. Aqui encontramos o ponto crucial de nossa análise: o papel social do designer enquanto formador de realidades.

1.2 Embasamento teórico na filosofia

Dada tamanha diversidade das organizações dos sistemas aos quais os humanos se fazem presentes, decidimos por nos distanciar o máximo possível e, num sobrevoo, dizer os territórios. Deleuze e Guattari3 (1995) definiram um dos conceitos mais importantes para o agora: territórios e o movimento de (des) ou (re) territorializar. É muito simples: cada um tem seu território, e decide-se sair ou permanecer. E através desta dinâmica simples, podemos entender toda a movimentação. Tudo está em movimento, ou seja, tudo é fluxo. Uma duração exerce uma diferença intensiva sobre a anterior. De tal forma que as coisas sempre hão de mudar de uma forma ou de outra. Considerando isso, Deleuze (2000) pensa que os movimentos que se fazem são necessariamente em relação ao território, seja ele geográfico ou conceitual. O território é o estado de um determinado sistema, ou muito além, é um sistema. Define-se um recorte e as fronteiras se fazem. O território tem nome e tem dono, ele tem um regime imposto sobre si que estratifica, camada sobre camada, toda uma história. Um território que se coloque sobre a Terra sempre estará sujeito ao movimento, de tal forma que sempre se desterritorializa, se eleva tudo ao ar, e disso existem duas possibilidades: ou se reterritorializa sobre o território e os estratos se refazem, ou se reterritorializa ali onde não se faz mais território, constante processo de desterritorialização. Este estado corresponde ao conceito de nomadismo (D&G, 1995): o território estará sempre em devir, ou seja, sempre decorrerá de uma história e culminará em outra.
Assim, em virtude de uma história, nossa sociedade se estruturou de forma a privilegiar elites, a massificar uma grande parte da população como seu modelo econômico, e a exercer controle sobre os corpos para poder disciplinar seus cidadãos. O contexto atual dos sistemas humanos mira finalidades de cunho de valoração, de ontologia capitalística. E não falamos abstratamente: os fluxos dentro do perímetro urbano visam movimentar dinheiro, bem como atrair dinheiro (HARVEY, 2014). Desde os êxodos rurais, as cidades ficaram hiperpovoadas, e este movimento sem planejamento tornou-as um aglomerado de pessoas lutando por sua sobrevivência. As cidades ficaram escassas em recursos, a procura por alimentos aumentou, bem como a procura por emprego. Mas as máquinas que ali operam não têm objetivo nenhum com a introdução do elemento humano em seu funcionamento. Cada vez mais se eliminam as pessoas, expropria-se os territórios dos mais pobres e lança-os em direção a periferia. E isso acontece no mundo todo. Raquel Rolnik (2015) em seu trabalho como relatora da ONU visitou inúmeros países para averiguar a questão da moradia e concluiu que todas as capitais globais são iguais quando consideradas a partir de uma lógica do mercado financeiro internacional. Isso responde pela crise internacional da moradia que vem ocorrendo nas grandes cidades e centros urbanos. É claro, portanto, que as finalidades das movimentações humanas são sempre voltadas ao capital e a toda uma esfera de valoração que permitiu o surgimento de um inconsciente colonial-capitalístico, explorado por Suely Rolnik (2018) sob os princípios de mais-valia de código e territorialidade.
Assim, os fluxos que o capitalismo vem proporcionando geraram um sentimento geral de esquizofrenia entre mensagens em valor da vida e um sistema de políticas que prega um controle da vida e da morte (MBEMBE 2018). Essa discrepância de finalidades promove um sentimento coletivo de esgotamento, tanto emocional quanto de valor. Produz-se um sentimento de desespero e incerteza em relação ao futuro, dado que a devastação de nossas ecologias é claramente fruto de um sentimento positivo do trabalho humano em busca de um mundo ‘melhor’ (GUATTARI, 1990). Analisar o social, portanto, envolve uma esquemática subjetiva, na intenção de decifrar os processos de subjetivação de nossa formação histórica para enfim investigar signos de um poder que se manifesta através destes eixos de formação da ação do social em sua complexidade. As tecnologias são da ordem da realidade, os projetos são todos imaginados em contracampo feito à imagem de nossa formação histórica, portanto, reproduzem um mundo esquizofrênico, hiper-real (BAUDRILLARD, 1991). Máquinas que funcionam para finalidades produtivas, produzindo um mundo humano, criam todos os recursos necessários para a construção de estratos cada vez mais elaborados e mais finos. A aceleração de nossos fluxos define um processo de estratificação cada vez mais veloz, e geologicamente falando, quando a terra é malformada, não se pode construir sob solo não firme. O presente é decifrável, minimamente, pelos signos evidenciados por essas mecânicas das complexidades do social, da cultura e das tecnologias. Uma máquina nunca esconde seu código. O futuro, por outro lado...
Portanto, as premissas epistemológicas do agora são de incerteza, acima de tudo. Não se pode naturalizar nenhum acontecimento em função de um passado sendo que o presente não mais necessariamente repete sua história, mas sim realiza projetos civilizacionais. O mundo, portanto, não é mais o mesmo: tem de se olhar para o contexto macro para perceber as mudanças objetivas nas organizações das cidades, na corrida progressista dos diferentes países em busca de uma melhor qualidade de vida e posição no mercado internacional. Enfim, percebemos que todos habitamos a mesma terra, e é ela que nos une em nosso sentimento de humanidade. Esquecemos dela, porém, em detrimento dos territórios, dos nomes, dos números afixados às nossas subjetividades, os simulacros que Baudrillard (1991) nos alertou no final do milênio. Mudamos nosso mundo em detrimento de nossas valorações. Oras, quando se parte para um neoliberalismo exacerbado e uma valoração da renda e da ascensão social por simulacros criados por uma elite que visa somente manter o poder e naturalizar a organização social (HARDT, NEGRI, 2014), as consequências somente podem ser trágicas. Hoje, o valor é o da empresa e de seu lucro subsequente.
Assim, analisar os territórios atuais do indivíduo urbano, seus sistemas de valoração e significação, permite-nos observar como mudamos o mundo a nossa volta para se adequar a um estilo de vida mirado nas diversas finalidades artificiais que uma subjetividade inebriada pelo positivismo cria. O mundo mudou, e é claro o que destruições como Hiroshima e Nagasaki podem aguçar num possível imaginado: sabemos que, se quisermos, podemos nos aniquilar. A vida nunca foi tão rica, e ao mesmo tempo, latente e intensa, sob a figura de uma morte iminente e o encurtamento das durações. Enfim, somos moldados por este grande sistema de finanças maluco que ordena as causalidades do mundo segundo uma produção positiva de liquidez. Esta história nos indica um modelo social de controle acima de tudo, na qual a ordem prevalece sobre o caos. E isto implica minar todos os movimentos disruptivos que tenham potencial de implodir tal modus operandi.

1.3 Os movimentos disruptivos e micropolíticas das redes de informação

Para cada formação histórica (DELEUZE, 2017), considerando seus enunciados e visibilidades, sempre existem movimentações disruptivas, máquinas de guerra (D&G, 1995) que permitem que tudo se reestruture a partir de uma grande desterritorialização. Sempre se congregam, em última instância, o poder nas mãos de poucos. Sempre se encontram formas de se apropriar das máquinas de guerra e utilizá-las para uma reterritorialização potente. Construção de um mundo pelas mãos de quem possui o poder de construir. O devir-mundo surge neste contexto como esta construção dos rumos da Terra. O poder financeiro dita os rumos na medida em que capital pode ser entendido como potencial produtivo e as finanças como o gerenciamento de tal capital; ou seja, para algo se realizar precisa de um investimento. Portanto, historicamente falando, construíram-se nações e territórios através de agenciamentos coletivos de enunciação (D&G, 1995), quando o que se diz de fato corresponde ao que se vê. Através de imposições e enunciações, iniciou-se a construção de uma sociedade como algo totalitário e universal.
Assim, é muito claro a existência das relações de poder dentro de uma sociedade, e o fato de o poder político hoje guardar o maior poder de transformação frente ao capital. Contudo, devido ao surgimento de tecnologias, principalmente da informação, alterou-se a conjuntura das relações micropolíticas de um mundo globalizado, e possibilitou-se o surgimento de novos tipos de plataformas, e, portanto, novos tipos de poder. Emergem os digital influencers como categoria de pessoas que possuem uma subjetividade de mercado, capaz de enunciar valores inéditos, adentrando no programa do cinema-supermercado como engrenagens: pulsão de vida cambiável por capital.
Acontecimentos globais influenciam diretamente uma subjetividade pela enunciação da realidade pelos veículos de informação de massa. Esta dobra espacial que as tecnologias da informação promovem tornam o mundo tangível num toque de tela, de tal forma que a distância de escala entre micro e macro se tornou borrada, numa existência que independe de coordenadas geográficas, situando-se numa heterotopia, como diria Foucault, um topos que é diferente, segundo outras coordenadas. Isto torna fácil um acontecimento micro tomar escala global, fenômenos facilmente visualizados nas redes sociais. Assim, o jargão de Al Gore (2006) faz todo sentido: “think globally, act locally” (pense globalmente, aja localmente). As jornadas de junho de 2013 evidenciam como movimentos virtuais das redes sociais tomaram proporções atuais pela contaminação micropolítica de um sentimento de revolução – que ainda não morreu e inspira o novo livro de Suely Rolnik (2018).
As redes de informação permitem que todas as subjetividades se lancem para um espaço virtual, sob a figura de um avatar, ou perfil, que transcodifica toda uma gama de subjetivações analógicas para meios de expressão digital. A subjetividade se vê, assim, numa crise de expressividade pela mudança do código. Fenômenos como a possibilidade de saber se a pessoa visualizou uma mensagem alteram sobremaneira as interações fora deste ambiente virtual, também, pelo uso de memes das redes sociais como palavras, como referências abstratas a uma imagem de um sentimento. De tal forma, a constante ambiência virtual em nossas vidas está reconfigurando uma série de códigos sociais do imaginário coletivo. Lembrando que tais plataformas foram projetadas, e não feitas ao acaso.
Assim, dado este movimento de reconstrução do social sob novos formatos, é cabível pensar os grupos que se inauguram na linha de frente de certos processos, como a Mídia Ninja, que soube surfar a crista da onda de um jornalismo radical pela transmissão ao vivo das jornadas de junho. A eliminação da edição, da montagem e do roteiro de reportagens para uma interpretação instantânea do atual reconfigura o tipo de atuação de um jornalista e o tipo de linguagem, tanto audiovisual como discursiva, para se referir aos acontecimentos que a própria subjetividade do narrador interpreta em tempo real. Este tipo de tecnologia acaba se tornando máquina de guerra, que permite que se lute contra o Estado das coisas, uma desterritorialização de certos estados para uma reconstrução ou liberação do território para voltar a ser terra. Mostrar, ao vivo, sem filtro, implica que qualquer acontecimento transmitido pelas redes poderá influenciar drasticamente o lado oposto do mundo. São esquemáticas de verdades que se alternam dependendo do movimento referente na atualidade. A verdade enquanto relativa sempre foi máquina de guerra... ‘quando a verdade vier à tona’...
Assim, o que cabe entender neste ponto é que o contemporâneo se tornou irreconhecível sob os moldes do ontem: não existem mais acontecimentos isolados, a datação se torna impossível pois são processos complexos de construção micropolítica e não mais de instituições macropolíticas sob figura de decretos; não existem mais textos que sejam capazes de descrever os movimentos fluidos de redes de ação. Os sistemas humanos adquiriam outra camada, e se tornaram sistemas dinâmicos não-lineares complexos (VIEIRA, 2015), que só podem ser entendidos através de uma análise sistêmica de contradições e tensões que somente se explicam pela terra em que estão, e não mais pelo olhar de um observador.

1.4 Uma cartografia de rizomas: epistemologia sem observador

“A Geologia da moral: quem a terra pensa que é?” é um dos títulos dos platôs de D&G (1995) que trata exatamente da realocação do centro epistêmico do observador para a terra por onde se fazem e desfazem os territórios, assim eliminando qualquer possibilidade de uma fenomenologia baseada na observação somente. Rizomas são raízes tuberculares que se escondem debaixo da terra e se espalham por uma dinâmica descentralizada, onde as ramificações se colocam sem hierarquia de tamanho ou distribuição de energia, e seus frutos podem se tornar raízes, que produzem frutos, que podem se tornar raízes... Este organismo se estende por debaixo das terras e cria como se fosse uma rede neural, pela qual as plantas podem se comunicar. A organização de tudo isso se dá dependendo da terra e quais recursos existem nela.

De certo não são fenômenos estáticos que mantém a vida do rizoma em funcionamento, mas sim os processos que desencadeiam fenômenos. Por isso Foucault foca nos dispositivos, por isso D&G focam nos agenciamentos coletivos e nas máquinas. O rizoma não é algo que interliga fenômenos, mas a rede que se estabelece duração após duração e neste movimento promove a sintaxe dos acontecimentos do nosso sistema cosmológico: a Terra. O rizoma é esta rede invisível que possibilita que o efeito borboleta seja realidade – e não é a borboleta que tem potencial de criar uma furação, mas a terra que tem o potencial de reagir à borboleta e criar um furacão pelas constantes determinações dos presentes em direção a uma caoticidade planetária, representada sumariamente por uma raiz tubercular.
De tal forma, falar em globalização não é simplesmente falar em viagens e transportes de cargas, mas algo muito além: as redes da informação permitem uma conectividade brutal entre qualquer ponto na face da terra que seja conectado a uma rede de cabos ou de satélites. E a informação hoje é mais do que simplesmente bits num computador. Informação é qualquer organização de qualquer sistema. Um projeto, uma foto, um texto, um mapa, uma percepção, um afeto. Tudo se reporta, numa perspectiva sistêmica, à informação. Quando falamos em informação em rede, falamos que qualquer organização pode estar disponível para qualquer outro ponto da terra. Falar sobre projetos em rede significa falar que um mesmo projeto pode ser baixado e atualizado em qualquer lugar do planeta. As máquinas permitem que estes dados em rede possam ser atualizados de inúmeras maneiras, em qualquer lugar, dadas as condições mínimas. Significa que um acontecimento pode ser virtualizado e disponibilizado em rede. Por tal, não é surpresa que um tiroteio nos EUA reverbere numa cidade de 5.000 habitantes no cerrado brasileiro. A intensidade de qualquer acontecimento ganha escalas vertiginosas com a amplificação das redes. As potências de transmutação serão cada vez maiores, e antes, se era necessário que algo acontecesse com um objeto de extrema importância para catalisar acontecimentos globais, como no caso da segunda guerra mundial, hoje, uma declaração numa conta do Twitter pode cancelar uma política pública ou causar uma crise diplomática.
As formas de fazer, pensar e agir estão mudando progressivamente e intensivamente para maneiras que fogem à História. Estamos vivendo uma aceleração de todos os processos humanos, estamos indo rápido para algum lugar, sem saber o destino exato, com todos nossos recursos desprendidos num positivismo que já não faz mais sentido senão como um resgate de uma retrotopia (BAUMAN, 2017): um passado mais fresco e mais esperançoso do que nosso futuro caótico e apocalíptico das ficções.
Neste sentido, queremos emprestar tal excursão conceitual para o design, e pensar o que seria uma epistemologia para o design que não partisse dele mesmo como centro, mas sim de uma constelação de saberes distintos que configuram um dispositivo capaz de observar a si mesmo. Atualmente o design se sustenta sobre o tripé já explicitado arte-humanidades-tecnologias, gerando uma visão de mundo que se limita a enxergar determinados processos e a ignorar outros. Especificamente por se concentrar em torno de saberes contíguos, a racionalidade do design se desenvolve em torno de uma noção pragmática de fabricação de sistemas produtivos que resultem em produtos. Amparados sobre toda a discussão que iniciamos até agora, podemos aferir que dentro de todo um modelo neoliberal de finanças internacionais, o design se integra dentro um papel designado como facilitador na interação humano-dispositivo, operando uma tradução linguística entre a linguagem humana e a da máquina. Nessa tarefa de dar forma, nossa hipótese é de que modelamos segundo modelos pré-determinados pela dinâmica cultural. Ou seja, modelamos as formas para adquirirem coerência com um modelo do bom e do belo, sendo que tais definições conceituais operam um dispositivo de resgate neoclássico (‘somos demasiados gregos’, diria Foucault), favorecendo corpos musculosos, masculinos, brancos, para citar alguns padrões que se aplicam ao imaginário. Somos presos a estes modelos segundo os quais funcionamos em oscilações dentro de um espectro – e não muito além, senão não vai funcionar.
Nesta perspectiva, o observador por si está ‘corrompido’ segundo modelos históricos impostos pela língua e pela cultura, aos quais o sujeito deve se ‘desconstruir’, libertando o pensamento das amarras. A isto atribuímos uma semelhança ao pensamento estruturalista: o observador, preso às estruturas de sua formação histórica, é um dispositivo de observação limitado, meramente por acreditar na noção de estrutura como limite. Ao considerar a organização como parâmetro epistemológico, nos voltamos ao tempo como fator determinante da sucessão de estados de um sistema, e assim somos obrigados a considerar matrizes de séries temporais que constituem curvas de apresentações de parâmetros que oscilam segundo mecanismos complexos. Abandonando a estrutura, não são verdades que definem o rigor de uma observação, mas sim seu parâmetro de coesão e coerência com o sistema observado. Temos que aferir que segundo as mudanças estruturais que o tempo oferece, os parâmetros de análise devem acompanhar tais mudanças por movimento de translação isomórfica: andar no mesmo tempo, no mesmo ritmo. Assim, propomos a mudança de centro da epistemologia, do observador para um sistema de observação. Aí então se cria, dentro mesmo do sistema a ser observado, um dispositivo que seja capaz de observar e receber feedback das mudanças estruturais do sistema, para que o movimento seja isomórfico4. Assim, tomaremos a segunda seção deste artigo para desenvolver nossa hipótese sobre um design que se faz em tempo real. 

2. A deriva do contemporâneo e o design em tempo real

Dadas as premissas do contemporâneo, criaremos uma imagem do atual para que possamos manipular a informação livremente. Queremos entrar no momento do agora e entender um conceito ao qual nos esquecemos: deriva. Conceito simples de compreender, mas dificilmente colocável em teste. Derivar significa estar sem rumo, mas ao mesmo tempo consciente de que o rumo estará se construindo a cada tomada de decisão ou a cada virada do vento. Na década de 60, o movimento situacionista começa a surgir numa crítica aos modelos urbanistas que criaram cidades desumanas, crítica às diretrizes conceituais que justificavam os projetos que surgiam. Seu manifesto veio na forma da deriva, à qual remetia a uma tomada da cidade pelo desejo, construção de novos métodos que focavam na situação do sujeito nos espaços, ou seja, o espaço como construído pelas derivas das subjetividades, e não espaços que constituem a subjetivação dos sujeitos (espaços disciplinares).
Esta redescoberta da deriva veio com uma tomada de consciência da complexidade, do caos e do acaso enquanto fatores intrínsecos à realidade. A premissa é de que os espaços foram feitos para serem derivados, andados, acessados, subvertidos, e que se criem dos mais diversos territórios e depois se desfaçam. Derivar difere de viajar e passear pelo seu caráter de perda total, de estar à procura de algo que não se sabe ainda; é quase como esperar por algo enquanto se anda, nunca se sabe aonde vai encontrar algo. Cabe se questionar sobre o que se pretende numa defesa da deriva, pois qual o sentido? Reside numa proposta heterogênea de utilização de espaços e de uma abertura cada vez maior dos sistemas humanos à diferença, ao movimento de transmutação dos sistemas ao longo do tempo. Reconhecemos a centralização do desejo no movimento de deriva, e por tal devemos propor modelos que sejam coerentes com um movimento de uma subjetividade e os desejos que dela partem.
Daí surge um nômade, como o conceituam D&G (1995), para simbolizar uma guerra contra o Estado. Por enquanto, teremos foco para a própria ontologia do nômade. Primeiro vem o sedentário: logo após os caçadores-coletores descobrirem o poder da agricultura e do pastoreio, optou-se por fazer da terra território, e sedimentar fluxos por sobre o espaço, para que os usos sejam repetições. Acabou-se com a deriva neste momento e optou-se por constituir um estilo de vida urbano. Fixou-se à terra até sob documentação, sob nomeação de propriedade. Matou-se o devir Terra e instaurou-se um espaço estriado, já com suas rugosidades, com suas determinações que não permitem que a terra retome o que é seu. Nossas cidades, nossos oceanos, nossos céus. Todos territorializados, estritamente disciplinados sob o regime de propriedade privada. Contudo, priva-se uma subjetividade de seu movimento de deriva5 ao mesmo tempo que se liga um nome ao espaço e à extensio espacial. Fechamos a terra, a cobrimos de territórios e de repente as diferenças e as linhas de fuga são suprimidas, os estratos se compactam e se solidificam cada vez mais, a tal ponto que nada cresce ali.
Enxergamos o espaço como plataforma: será o meio pelo qual as derivas subjetivas se constroem, cada qual com seus vetores de desejo, cartografando um mapa dos acontecimentos, propondo uma visão diagramática das interações ao longo do tempo, e de repente vemos o desenho complexo emergir6. A contrapartida apresentada por D&G quando constituem seu tratado da nomadologia é tão simples quanto responder sim ou não à uma pergunta: o nômade está à deriva eternamente, enquanto o Estado constitui a apropriação da Terra sob propriedade, sob território. A sistemática apresentada é que da mesma forma que a Terra estratifica camada sobre camada, o ser humano aprendeu a fazê-lo. Estratificamos território sobre território, e se agora é Alemanha, antes era Prússia, e diversos impérios anteriormente. Sempre estamos em cima de algo que pertence a algo. Quando não a alguém, ao Estado. Oras, mas quem é esta figura mítica evocada como alegoria por D&G? É a permanência. O Estado é a ordenação das repetições em territorialidades frequentadas por seus cidadãos submissos, a contenção de fluxos sociais visando uma perpetuação das situações, uma convergência de vetores heterogêneos pela simplicidade do déspota. Não constitui de fato algo palpável e sua visibilidade só se contrasta ao corpo sem órgãos representado pelo nômade (D&G, 1995). O corpo sem órgãos é um termo muito confuso nos escritos e é alvo de intenso debate, mas aqui admitimos o nosso uso: é um agregado de coisas, de referenciais, que constitui, no imaginário, a impermanência. Buscar seu corpo sem órgãos significa se livrar dos órgãos que lhe mantém preso ao organismo. A metáfora do organismo é exatamente fruto de um aparelho de captura do Estado (D&G, 1995), que te traz ao sedentarismo, lhe fixa órgãos e de repente você não vive longe da cidade. Assim, o Estado não é o governo, não é a cidade, nem muito menos nós mesmos, mas a conjuntura de tudo isso e diversas outras matérias e imaterialidades que constituem o mecanismo do Estado enquanto estado de coisas. Ser nômade, enfim, é poder se desvencilhar de quaisquer amarras e finalmente se ver livre para poder derivar. A deriva, portanto, é um poder que nos foi tirado pelo sistema sedentário de vida, por espaços cada vez mais fechados.
Mas oras, tão logo apresentamos uma síntese conceitual do trabalho de D&G, queremos prosseguir e entender fundamentalmente como é este modelo de organização. Dado que estes sistemas são dinâmicos, tanto Estado quanto nômade estão em embate constante. Toda vez que você se coíbe de fazer algo por pressão de um código, seja social, seja penal, seja ético, é o nômade sendo obrigado a ficar quieto, a se contentar com um esgotamento de recursos daquela terra. Toda vez que o Estado captura nossos vetores de desejo e se apropria dele, configura um mecanismo de reapropriação da potência de vida, configura uma forma de organização de corpos e subjetividades; mas muito além de visibilidades, enunciados, poderes, recursos. Nômade e Estado constituem alegorias cósmicas dos sistemas humanos em sua mecânica de transmutação. Portanto, através de uma micropolítica e uma macropolítica, podemos entender que estas organizações são ou de cima para baixo, ou de baixo para cima. Quando pautamos as instituições, e dissemos que este seria nosso foco, é exatamente porque nossa sociedade é hierárquica, se configura de cima para baixo. Contudo, através da potencialização das redes, as institucionalizações estão capengando, de tal forma que nosso modelo de organização está mudando. A Terra agora não é mais atual. Habitamos um ciberespaço (LEVY, 1999; 2003) e esta nova Terra tem lugar para todos. Ou quase.
O Virtual é lugar de potências. Potências infinitas, qualquer coisa pode existir em virtus. D&G se apropriam desta ideia para cunhar um mecanismo deveras curioso e seu grande legado ao mundo: a máquina de guerra (D&G, 1995). Dado que a todo instante algo se determina, eles enxergam tanto nômade como Estado enquanto potências de territórios. Assim, ao fim de toda duração, algo deve acontecer: ou nômade ou Estado se apropriam daquele instante e colocam um estrato sobre a Terra (no caso, o nômade sempre opera por n-1, portanto, sempre desterritorializa um estrato). O nômade almeja destituir a Terra de qualquer território, enquanto o Estado visa sedimentar as bases de sua torre de Babel.

2.1. As ondas: estriamentos e alisamentos

Territórios não se fazem somente sobre a terra. O que queremos averiguar é a configuração de um espaço virtual que se erige sobre o solo numa volumetria absoluta em direção aos céus, numa tomada do desejo pela torre de babel.               
Sob condições de soberania vertical e ocupação colonial fragmentada, comunidades são separadas segundo uma coordenada vertical. Isso conduz a uma proliferação dos espaços de violência. Os campos de batalha não estão localizados exclusivamente na superfície da terra. Assim como o espaço aéreo, o subsolo também é transformado em zona de conflito. Não há continuidade entre a terra e o céu. Até mesmo os limites no espaço aéreo dividem-se entre as camadas inferiores e superiores. Em todo lugar, o simbolismo do topo (quem se encontra no topo) é reiterado. A ocupação dos céus adquire, portanto, uma importância crucial, já que a maior parte do policiamento é feito a partir do ar. (MBEMBE, 2018, p. 46)
O mito de Babel é uma ótima alegoria para compreender um projeto grande demais. O topo é simbologia dos deuses, do rei, do faraó, e projeta que existe, sobre si, uma séria de estruturas que sustentam tal altura. Olhar para um rei é olhar para seu reinado. Implica, assim, que todo dispositivo de poder se configura sobre o solo, sobre sustentação real, e ao analisar os jogos de poder uma cidade, por exemplo, podemos olhar aos arranha-céus. As análises de Achille Mbembe são importantes para compreender como o controle bio e necropolítico é exercido em prol da manutenção da ordem e da paz. Durante os protestos se aprende uma lição: se há repressão policial, algo está incomodando. É precisamente nestes embates de poder que podemos compreender um sistema de feedback operando: todo movimento de perturbação imediatamente é suprimido. Suprime-se os movimentos e as possibilidades de ação prática dos cidadãos pelo próprio projeto urbanístico, como é o caso de Paris e suas comunas. Norbert Wiener trabalhou no desenvolvimento de um dispositivo de interceptação de aviões durante a segunda guerra mundial para os Estados Unidos, e ali aprendemos uma lição: por mais que o poder dos céus seja preciso e eficaz, sempre há uma estratégia para se prever. Analisando os sistemas humanos enquanto dinâmicos e complexos, podemos compreender que sua organização deriva de padrões de comportamento e de expressão de um programa. Derivando as regras do programa, pode-se operar um cálculo.
Tais cálculos derivam estratégias que são amplamente utilizadas nos fenômenos sociais. Podemos salientar o movimento dos Panteras Negras em seu pleno enfrentamento às estruturas de acumulação de poder do sistema do capital financeiro internacional, como defende Angela Davis até hoje. Power to the people implica não somente que o poder deve ir para as pessoas sem distinção, mas que o poder, de fato, não se encontra na mão das pessoas. O que a história nos lega hoje é uma abertura gradual dos espaços e das instituições, um enfraquecimento do preconceito racial, de gênero e sexualidade, e uma adaptação dos sistemas humanos a uma nova forma de operar. Isto implica aquilo que Bauman já indicava com a modernidade líquida: uma dissolução de muitas das fronteiras que mantinham os sistemas humanos bem compartimentados e divididos entre si. Tal abolição de fronteiras resulta em uma liquefação das estruturas e o cálculo agora é uma dinâmica de fluídos. D&G analisam a metalurgia e o desenvolvimento de aquedutos como os protótipos da um pensamento potencial e complexo. A canalização de fluxos permite que se direcione, se contenha e se interrompa fluxos; a metalurgia lida com a transformação de sólido em líquido. Tais tecnologias não poderiam indicar outra coisa: as formas de controle implicam na alta perturbação e elevada entropia de grupos de pessoas para controle dos movimentos. Se alterna entre sólido e líquido na medida em que as regras do jogo mudam, e se controlam os fluxos nos entremeios. Este é o aparato de controle de nossa civilização.
Isto implica que as estratégias variam, mas a estrutura quase se mantém. Ela é altamente hierárquica, operando um controle de fluxos por diversos mecanismos, como a burocracia, os modelos e códigos sociais, a dívida, os documentos e registros, entre outros. São concentrações de poder que desenvolvem mecanismos de perpetuação de controle. Isto implica que a grande questão da dinamicidade da atualidade parece emanar de um único epicentro de perturbações: o sistema de capital financeiro. As crises são econômicas, e mesmo em momentos de crise há quem tire proveito. Num estado generalizado de crise, há uma orquestra de instituições operando em consonância em direção a determinadas finalidades, como que realizando projetos. Isto denota que há, sim, uma diversidade de projetos em curso na atualidade. Através dos comentários geopolíticos de Pepe Escobar, podemos acompanhar o ‘império’ americano, como ele chama, o ‘Deep State’, e suas interferências consecutivas em assuntos de diversos países para desestabilização social, cultural ou econômica. São diversos focos de tensão, que tornam difícil a clara visualização do projeto em curso, ou de suas reais intenções, mas é fato de que o constante movimento ondular de alta e baixa entropia torna instável qualquer organização micropolítica e ao mesmo tempo, sabendo a organização das perturbações, ou identificando seus padrões, o controle pode ser mantido como que conduzindo por aquedutos. São projetos dinâmicos, são complexidades gigantescas, que operam com altíssimo ruído, mas que ainda assim são eficazes a sua maneira.
Assim, podemos colocar nossa hipótese de que a alta dinamicidade dos sistemas humanos implica que não há tempo de elaborar estratégias de guerra, que mobilizam centenas de milhares de pessoas e utiliza da força conjunta como único mecanismo de enfrentamento. E sim que há necessidade de estratégias, de concentrações de movimentos em direção a desestabilização das concentrações de poder. Hoje, se pudermos descrever o poder que mais de deseja, é o poder de fabricar realidades: Ontopoder (MASSUMI, 2015). O design fornece mecanismos para propor soluções para problemas complexos demais. Seria como traçar uma guerrilha pelos vetores de produção da realidade pela competição de projetos, ou de agenciamentos desejantes em curso. Assim, falando em projetos que ocorrem em tempo real e se modificam de acordo com as circunstâncias, podemos especular um design que se comporte desta maneira.

2.2. Um design em tempo real

Com a sujeição virtual por perfis nas redes sociais e todo o processo de subjetivação por meio do conteúdo recebido, e consequentemente toda a problemática envolvendo as seleções de conteúdo informacional que chega para cada usuário, configuram-se as mecânicas desta Terra virtual, a qual está ainda em processo de territorialização. As plataformas já estão estabelecidas para cada funcionalidade. Qualquer afeto será diferente se considerarmos a mediatização que o virtual demanda. Ou acessamos pela nossa imaginação, ou através de processamento de dados. De tal forma, fenômenos discursivos ganham força pelo bombardeio de informações. Acontecimentos e opiniões reverberam como nunca e isso procede algumas complicações inéditas. A briga pela verdade tomou forma nos tribunais. A justiça, portanto, determina a verdade. Julgar de acordo com o código penal tomou proporções e significados assustadores, a ponto de um juiz ser elevado a condição de justiceiro. E que suas determinações condizem com o que se espera de uma tal justiça, ou melhor, que a própria justiça vai se construir micropoliticamente. É possível traçar desde 2014 o levante de discursos de ódio e de senso coletivo de justiça que já vinha sendo construído nas mídias brasileiras. O imaginário coletivo já estava inundado de uma realidade forjada por tais discursos, a ponto que no momento de escritura deste artigo, em 2018, pudemos ver o resultado das eleições reverberando, e, por fim, criando as visibilidades destes discursos. Um político está preso, um juiz ascende, outro político se constrói sob a promessa de limpar a corrupção e exilar o político preso. Através de uma construção de discursos e sua complexidade latente, podemos entender como o social se moldou à imagem destes discursos.
Retomando a fala de Baudrillard, ‘fica-se entre princípios e aí o poder tem sempre razão’. Em defesa de um interesse capital, que se infiltrou no sistema judiciário em defesa da criação de um território político que favoreça certos interesses de uma elite, o que era fake news para alguns era verdade para outros, e não falamos de discursos reais, mas de simulacros, um hiperreal. O poder cega e permite que qualquer movimentação de contra-fluxo cause tempestade. Se brincamos com a verdade, e existem fatos e fatos alternativos7, quem detém o que Massumi configura como ontopoder (2015) poderá forjar, através de ‘falsas’ potencialidades, novos rumos no presente. Ou seja, podemos enfim construir potencialidades, sejam elas muito ou pouco prováveis, e justificar através destas informações, o que se chama preempção, como utilizado pelo ex-presidente dos EUA, George Bush, para justificar intervenções militares como prevenção a ataques terroristas.
Assim, há necessidade de se teorizar uma ruptura com a noção clássica de fases projetuais, de um tempo próprio ao processo criativo. Pensar um design realizado em tempo real implica que o tempo é único entre os acontecimentos e os projetos. Isto implica em inserir a metodologia explicitada anteriormente precisamente nesta contradição temporal, e tal operação resulta em alguns resultados possíveis. O primeiro seria uma mudança qualitativa nos procedimentos do design. O designer, antes mesmo de ser o responsável pelo projeto, tem de estar um passo atrás na cartografia, nos mapas lógicos dos fluxos de um determinado sistema. Isto implica em estar ali, inserir o designer dentro do sistema e fazer funcionar. A percepção do designer leva a produção de fluxogramas que determinam a complexidade do movimento. A segunda possibilidade, seria na prática decorrente disto. Estamos aqui recorrendo a um metaprojeto, na tentativa de estabelecer no designer um programa de funcionamento segundo o qual sua intervenção num sistema deve ter um impacto mínimo, sua atuação estratégica e de uma inteligência inigualável, para que isto tudo funcione. Deveras impraticável.
Portanto, nossa aposta conceitual reside no número de pessoas e na criação de sistemas de pessoas, grupos projetuais. Estamos delineando um potencial de ação imediato e sincrônico, portanto os ritmos devem ser iguais, os passos devem fluir, e a dança deve prosseguir. Se até agora pensamos o design como ferramenta de solução de problemas, e isso implica em elencar ao designer o papel de estrategista projetual, fazer dele uma peça vital em praticamente todos os sistemas humanos – como percebemos atualmente uma crescente demanda por novas atuações para designers, e cada vez mais voltadas a uma esfera organizativa. Nossa proposta simplesmente clarifica tal fenômeno pela noção de sistema cibernético, ou pelo feedback (WIENER, 1985). Se um sistema, em sua sucessão de estados, apresenta incongruências internas em seu funcionamento, pode-se instalar um sistema de vigilância de fluxos para que se determine aonde está o erro, se corrija ele e que, mediante novo erro, o processo se repita. Esta noção de controle se vincula essencialmente a esta noção de design em tempo real: o fator imprescindível é a retroalimentação entre projeto e objeto, e uma constante adaptação das estratégias.
Isto implica em aproximar tal atuação do designer de uma máquina de computação de dados e previsão de padrões. De fato, os procedimentos se assemelham e tal proximidade deriva precisamente do controle que o projeto exerce sobre um determinado sistema. Isto nos leva a prosseguir e analisar tal similaridade. Há necessidade de uma base de dados, ou um dispositivo de memória para que os padrões possam ser determinados? Sim, na medida em que qualquer projeto de design social, o qual tomaremos como exemplo, necessita de uma pesquisa de campo das particularidades da comunidade em questão. Há necessidade de um mecanismo de controle de fluxos? Sim, na medida em que mudanças qualitativas no cotidiano de um grupo de pessoas gera perturbações e há necessidade de redução de ruído. Há necessidade de um sistema de valores pelos quais o controle deve operar? Sim, na medida em que a teleologia projetual determina uma finalidade e todo o sistema de valores que gira em torno do mais ou menos próximo do objetivo.
Falamos então de um sistema de controle, na medida em que cada input gera um output regulatório. A contradição é a qualidade dos sistemas que aproximamos: circuitos elétricos e sistemas humanos. Os padrões humanos são difíceis e muito mais complexos. Recolher dados de algo tão grande era impossível até há pouco. O big data representa um acervo de dados sobre a humanidade, o qual será processado por algoritmos que interpretam tais dados e geram padrões. O ser humano está sendo codificado pouco a pouco, e esta é uma realidade a qual devemos nos acostumar. Portanto, tal abordagem informacional se torna muito importante para aproximar a disciplina do design aos estudos estatísticos e de mecanismos de controle.
E quais implicações práticas isto gera? A mais importante, é de que devemos repensar a base teórica que sedimenta as reflexões sobre design, numa tentativa de expandir as similitudes entre proposições projetuais e as de outras áreas do conhecimento. Também, de que o designer enquanto indivíduo dificilmente congregará todas as funções necessárias a um projeto que se projeta em tempo real, sendo necessário uma equipe de pessoas, com habilidades distintas, mas harmonizadas, que opere processos conjuntos de análise, interpretação de dados, hipóteses estratégicas, agenciamentos e fabricação. As necessidades e a rapidez dos processos demandam que mais de uma cabeça pensem juntas. Por isso discutimos a necessidade de uma expansão do projeto enquanto teoria prática de acesso e uso comum, e não somente do designer.

2.3. A guerrilha e as máquinas de guerra: a luta contra o Estado

Nossa tese final é de que o design pode ser uma máquina de guerra, e deve, para que se reestabeleçam formas ecológicas para nossos sistemas humanos. Máquina de guerra, de acordo com D&G, é uma exterioridade aos aparatos do Estado que não necessariamente corre à guerra; que possui altíssima fluidez, capacidade projetiva e de desterritorialização, e suas armas são os afetos. Sendo um dos conceitos mais complexos elaborado pelos autores, podemos entendê-lo da seguinte maneira: existe uma potência sempre a ser despertada nas coisas. Podemos produzir potências que mantenham similaridades com o paradigma atual, ou podemos lançar mão de uma estratégia para desterritorializar os estratos e fazer com que ocorra uma mudança no próprio paradigma. Não podemos falar que existe uma potencialidade de linha de fuga perpétua para as organizações. Somente existe um embate entre essas forças para determinar o devir coletivo de uma organização social. Através do projeto como projeção, como própria máquina de guerra que através de uma balística se lança ao futuro, podemos considerar paradigmas e usar de estratégias para despertar potencialidades de desterritorialização. Temos em nossas mãos o potencial para analisar tudo isso, virtualizar uma proposta de complexidade de problemáticas e propor formas de mirar linhas de fuga, finalidades nômades, para transmutar os processos sociais e estruturais e propor novos futuros, projetos que guiem as finalidades das produções humanas.
O design enfrenta por sua frente uma tarefa difícil, e é a guerrilha contra um Estado de coisas, de pessoas e de capital, em última instância. Mídia Ninja e Ideafixa, dois coletivos, promovem uma iniciativa que começou há pouco, chamada ‘Design ativista para quem não aguenta mais’8. É este o chamado que designers esperavam para começar a projetar suas armas, seus afetos. Reunimos os que estão dispostos a utilizar de seu tempo livre e potencial criativo para projetar afetos, para projetar formas de organização da informação que atinja uma problemática, que dê visibilidade a determinado assunto. E tudo isso guiado por uma proposta de utilizar de nossas ferramentas para projetar os rumos. Ninguém aguenta mais, disseram, e é fato. As coisas não andam bem para quem não vê as coisas de cima. Nós possuímos diversas máquinas em nosso armazém: manipulação de imagens, vídeos, construção de plataformas da informação, elaboração de objetos, capacidade projetiva e conceitual. O que estamos esperando?
A luta se dá contra o Estado e todos os seus aparatos, e podemos salientar que as formas de combate não serão pacíficas. As propostas de uma guerrilha informacional, afetiva e passional são através de uma revolução micropolítica, conjurando percepções e transformando-as em afecções, afetos dos mais revolucionários e mais desterritorializados. O exemplo do MBL e fake news é excelente para demonstrar como uma máquina de guerra foi apropriada pelo Estado: cria-se realidades – portanto a guerra é ontológica – dotadas de enunciações específicas que corroborem com uma corrente de pensamento hegemônica, no caso, uma guerra contra a corrupção. Criam-se afetos para que a realidade nos pareça instável, e que através da construção de utopias coordenadas de cima, criam-se, novamente, afecções para com uma nova revolução. Esta, contudo, não altera sobremaneira a conjuntura social, política e econômica, transformando as massas em gado9, e, manobrando-os, conjura-se uma movimentação de reterritorialização definitiva para com os fluxos do Estado; ou seja: evoca-se a mudança sem que se mude efetivamente algo. Evoca-se um sentimento de inquietação para com algo e faz-se implodir todo o ideal. Isso demonstra a complexidade das batalhas: se existem pessoas capazes de manipular a própria realidade da revolução e ordenar as ações para determinadas finalidades, qualquer processo revolucionário poderá ser reapropriado pelo Estado e transformado em reafirmação do paradigma vigente.
O design, portanto, deve se atentar aos pequenos detalhes e, através de uma análise minuciosa, estar na dianteira das tomadas de decisão não como quem de fato enuncia os rumos da revolução, mas como aqueles que na retaguarda analisam o terreno, criam as armas e as estratégias, e por fim direcionam os soldados para combate. Corrigimos: não são soldados, são nômades, cada qual transformado em uma pequena máquina de guerra, que tem potencial de implodir certos esquemas diagramáticos dos dispositivos de poder para reverter a ordem e fazer, destes mesmos dispositivos, as ferramentas para uma nova tomada de poder. Não em uma escala global, mas local, regional, do pequeno ao grande. O designer, portanto, tem o potencial, através do projeto, de lançar ao futuro uma balística de intenções e afetos para com estados de estabilidade social e política, envisionados por ideais diferenciais de um novo mundo.
As insurgências de uma revolução micropolítica (ROLNIK, 2018, p. 35) estão em estratégias afetivas, de criação de modos de subjetivação que abram nosso inconsciente colonial-capitalístico para novas densidades que antes não pareciam nossas. Convoca-se os designers para uma nova tomada de postura, uma nova consciência projetiva, que se alie a um nomadismo. As estratégias que o design, em sua postura organizacional possui, dependem somente de quem a executa. Se através de uma guerra de memes, como se propõem Mídia Ninja e Ideafixa, se vê a possibilidade de agenciar uma insurreição de direitos humanos e uma desestabilização de um Estado colonial-capitalista pela mudança de consciência dos próprios cidadãos que a ele se submetem, é através dos afetos que estas armas nos causam que se instaura a nova forma de subjetivação que podemos descrever como contra hegemônica.
Assim, tomando também o nome do livro de Suely, os projetos de uma consciência plena do designer miram a criação de esferas de insurreição, atratores caóticos que nos permitam reverter toda uma ordem instaurada para que se liberte o pensamento para novos patamares, novos platôs. Os projetos, portanto, devem migrar de projetos produtivos para projetos de ontologias: a estética relacional usuário-produto deve inaugurar afetos revolucionários. Desta maneira, a ruptura epistemológica que pretendemos trazer em nossa argumentação concerne a percepção do design enquanto prática política. Tal noção implica em considerar a complexidade ontológica dos objetos de uso, sejam eles atuais ou virtuais, na medida em que servem de coordenadas para práticas políticas. Percebemos que qualquer objeto ou tecnologias/interface tem potencial de máquina de guerra: como projetar tais máquinas de guerra utilizando os produtos do design enquanto plataformas? Daí, emerge a necessidade do design não ser mais uma disciplina isolada, enquanto prática artística, mas sim atingir um novo patamar: um projeto que congregue teorias de outros campos em virtude de projetos relacionais, experimentações de práticas sociais. Não bastasse, percebemos que a esquemática do social se modificou: se antes era piramidal, e o rei ocupava o topo, hoje não existe topo, mas sim uma zona de controle, e aqueles que se situam fora dela. As formas de interação são horizontais e o entrelaçamento de pares por redes sociais seguem modelos algorítmicos, inaugurando outra plataforma de organização social. Os movimentos nesta nova configuração tendem a ser de baixo para cima seguindo curvas de normalidade, de tal forma que a repetição de procedimentos gera tendências de comportamento a serem replicadas. Quais projetos podem ser feitos em cima disso?
Isso implica em uma hibridação entre arte, ciência e filosofia, numa forma híbrida de conhecimento. E o design é uma das poucas disciplinas com um tal grau de interdisciplinaridade que permitiria esta articulação entre tais formas de conhecimento. E o que resulta disso tudo deve ser diferente também, na medida em que a emergência de um saber decorrente de tal epistemologia propõe uma prática estratégica. Podemos especular, mas não podemos prever como seria tal prática. Mas o designer responde por uma nova forma de atuação, talvez solucionando o paradoxo do UI/UX: o projeto se emancipa de qualquer disciplina em direção a uma nova práxis. Neste sentido, talvez enquanto tecnologia, o projeto se torna necessário aos mecanismos do desejo, potencializando os agenciamentos subjetivos. Tal programa deve ser explorado sob uma perspectiva informacional, e uma perspectiva comunicacional talvez não seja suficiente per se.
Tal procedimento inaugura uma potência de atualizar os agenciamentos desejantes de um sujeito, criando ai um gérmen de um novo sujeito. Nos apropriando de nossa potência criadora, que o regime capitalista transformou em força de trabalho, podemos criar as armas, as estratégias e a guerrilha. Não é utópico pensar no designer como revolucionário se a cada criação que fazemos desafiamos o estado das coisas. Mas é possível um novo pensar através de memes (tecno-imagens), de afetos compartilhados. Somente através desta mudança de postura, de um profissional que enfim se viu liberto do capital para poder criar a bel prazer, é que se pode pensar na retomada de poder por parte dos cidadãos, para que criem suas próprias armas e estratégias, e que através das mesmas redes sociais, que configuram o domínio da superficialidade de nossas relações e que se impõem como veículos de informação discursiva nos mesmos modelos das grandes redes de televisão, se faça a convocatória à revolução. Não é incoerente pensar no projeto como a maior arma que já existiu, e que o designer deve saber utilizá-lo de forma estratégica.

Figura 2: Cena do Filme V de Vingança, 2005, EUA. Discurso do Estado
Fonte: V de Vingança. Direção de James McTeigue. Hollywood: Warner Bros, EUA, 2005.

Figura 3: Cena do Filme V de Vingança, 2005, EUA. Discurso da Máquina de Guerra
Fonte: V de Vingança. Direção de James McTeigue. Hollywood: Warner Bros, EUA, 2005.

3. Conclusões

O advento do design e da organização projetual permitiu que construíssemos complexidades cada vez maiores, a tal ponto que criamos uma selva de pedra eficiente que mantém vivos aqueles que servem ao funcionamento da cidade. Nossas organizações e finalidades nos levaram a criar um mundo com plataformas fechadas, com sistemas coercitivos de controle, e sequer percebemos isso. Nós, designers, perdemos a capacidade de criar consciência crítica sobre nossa própria atuação. Nos esquecemos que sempre que miramos uma finalidade, estamos corroborando com uma construção de algum sistema. Seja de enunciados, de visibilidades, de plataformas. Quando projetamos, nós criamos o código. E criar levianamente é brincar de Deus. Tal discussão sobre máquina de guerra é extremamente pertinente para os estudos teóricos do design pois revela que, dadas as intencionalidades da subjetividade do designer, dada sua formação histórica, dada o conjunto de técnicas que possui e máquinas a sua disposição, as criações podem assumir formas de organização que restrinjam os possíveis de algum sistema e acabem por determinar certas organizações e regimentá-las sob a premissa de um benefício projetual. Projetamos nas melhores das intenções, mas a falta de conhecimento sobre a complexidade dos sistemas humanos culmina em projetos isolados que, quando ligados na grande trama humana, revelam um grande Frankenstein de finalidades contraditórias.
Assim, ao mesmo tempo que o design possui o potencial de interligar as disciplinas pelo potencial do projeto, há uma necessidade de se analisar cuidadosamente a subjetividade que realiza tais projetos. Se um tal inconsciente colonial-capitalista (ROLNIK, 2018) deriva uma prática isomórfica, os projetos realizam tal aparato da cultura ocidental, e o design acaba solucionando certas problemáticas internas do aparato, possibilitando que ele se perpetue. Temos apenas uma hipótese neste ponto: de que precisamos de novos modelos que subvertam o modelo civilizacional ocidental atual, e nos questionamos sobre qual seria sua fonte. Nossa pesquisa nos aponta em direção a um fenômeno de polinização micropolítica: a prática de cada sujeito, por mais que repita as mesmas instruções, nunca é a mesma de outrem. Tal diferença inerente ao sujeito permite que especulemos sua complexidade macropolítica: da prática de vários, surgirão novos métodos e novas formas. Assim, olhando ao Brasil, os procedimentos de gambiarra e migué, considerados como soluções técnicas de contorno para solução de problemas, podem acabar sendo considerados como uma metodologia projetual. Tal ferramenta, disseminada culturalmente, torna o Brasil um laboratório perfeito para compreender tal disseminação de metodologias projetuais de forma intuitiva, e como tais soluções técnicas indicam nossa hipótese. São baratas, fáceis, rápidas, de fácil execução. Elas acabam por empoderar o sujeito da solução de problemas em seu cotidiano sem depender de um modelo industrial de fabricação de objetos para obter o dispositivo necessário à sua demanda. Quebrando com tal lógica do capital, acaba por promover uma mudança qualitativa nas formas de subjetivação do sujeito, permitindo que ele catalise a produção de uma nova ontologia social. Aí derivamos uma nova forma de praxis para o design: ferramenta de soberania pessoal.
Existem diversas possibilidades de aprofundamentos teóricos sobre isso, como o processo projetual e a coerência das mecânicas elencadas para o desenvolvimento da realidade que aquele projeto visa reorganizar; como a formação ética e estética dos designers através de princípios de direitos humanos e dialógicas entre o fascismo e a violência e o respeito às liberdades individuais e coletivas; entre muitas outras discussões que achamos pertinentes levantar. O projeto é algo que abre uma complexidade inimaginável. Podemos desdobrar um mesmo recorte em toda sua estrutura e dinamicidade e intervir livremente através de proposições virtuais, e estas intervenções correspondem a ontologia da máquina de guerra que D&G (1995) propõem em suas análises. Assim, podemos entender que existem diversas outras preocupações fora as capacidades dedutivas e técnicas para projetos. O mapeamento prévio para identificar as problemáticas é de extrema importância. Quantas vezes não vimos projetos implementados em comunidades que ignoravam completamente a cultura local e social? Quantas vezes não nos deparamos com designers ignorando as problemáticas levantadas por usuários? E não queremos limitar isto a uma mera questão metodológica.
Queremos expandir nossa análise para além do método, para uma pragmática do design que congregue tanto o exercício virtual de mapeamento, problematização e movimentos de coesão e coerência conceitual quanto o exercício prático de criação, utilizando de máquinas e técnicas para auxiliar na criação dos produtos. Métodos são programas, são algoritmos que se aplicam a determinadas situações. Porém, identificamos um metaprojeto (MORAES, 2010) ou por assim dizer, uma essência da prática do design através da organização sistêmica que permita o agenciamento de processos que revertem a existência de algo entre virtual e atual. Problematizamos para virtualizar, e solucionamos para atualizar. Estas são as duas vertentes de uma teleologia projetual: problema-solução. E como disse Suely Rolnik, temos dificuldade de nos apropriar desta essência criadora porque não a vemos como nossa. Pensamos sempre em terceirizar o serviço para instituições competentes, porque, afinal, confiamos a elas a organização de nossas sociedades. A revolução que evocamos aqui é micropolítica, portanto. Queremos empoderar os designers de sua potência criativa, e por criar queremos denotar subverter, e pensar que podemos criar plataformas humanas. Organizar o sistema de uma tal maneira que possamos utilizar as máquinas e as informações ali dispostas para fazer o que quisermos. Criar plataformas implica em pensar seu código, e devemos trabalhar com códigos abertos, formar de interação cada vez menos limitadas. Se queremos aproximar design e projeto de organização, queremos dizer então que nosso potencial é de reorganizar as estruturas de baixo para cima. Que podemos criar modelos de organização, experimentá-los e conforme forem surgindo melhoramentos, o próprio sistema social selecionará mecânicas e dinâmicas mais coerentes com nossos sistemas de significação.
Quebrar com essa lógica impositiva e institucionalizada significa que não mais podemos admitir que os rumos de cada subjetividade sejam ditados por um sistema disciplinar que dociliza os corpos, que mantem através de mecanismos de punição e ordenação forçada uma harmonia para com o social, ou então pela massificação produtiva regimenta as formas de uso e prazeres dos dispositivos do agora. Criamos códigos que aprisionam e marginalizam existências, que subvertem as finalidades da humanidade e afetam nossas ecologias. O contemporâneo é agora, e se pudemos analisar todo este paradigma e concluir que há necessidade latente de novas formas de organização, por que nós, designers, ainda estamos preocupados com nossos laços históricos e estudamos e analisamos as produções sob óticas do mercado e de padrões de excelência institucionalizados pelo bom e pelo belo, puramente capitais? Porque não abrimos nosso leque de significação e expomos toda a densidade dos acontecimentos aos olhos e ouvidos do designer? Aí entra a ruptura que propomos: analisar o design pelo projeto implica em expandir consideravelmente o leque de ferramentas ao dispor do designer. Conceitos, fórmulas, representações, dispositivos, virtualmente qualquer coisa pode ser matéria projetual. E isto implica em expandir o design de suas raízes históricas em direção a um novo paradigma conceitual: um design de sistemas humanos. A partir de tal ótica, ontologicamente nos aproximamos de uma epistemologia pragmática, na qual cada signo remete a um uso e a uma organização específica, matéria de cálculo projetual. Metáfora do filme lego: um mestre construtor, que cria qualquer coisa a partir de (quase) qualquer coisa.
O momento que vivemos é histórico não porque é o agora, mas porque nossos sistemas estão com entropia muito elevada e atingimos um ponto de mutação. Os espaços da humanidade estão transbordando com as emergências da rede de informação e comunicação. A humanidade está se abrindo a diferença em escala global, as problemáticas estão cada vez mais latentes e complexificadas. A emergência de acontecimentos que desestabilizam a ordem global tenderá a ser cada vez maior. A entropia de tudo está aumentando com as redes, e temos duas opções: aderir ao discurso do Estado, e privilegiar mecanismos de controle dos estados de nossos sistemas, tendendo a significar a realidade por nossos acontecimentos históricos e por fim aderir a um movimento de permanências das formas de organização do passado, reduzindo a entropia de criações e promovendo uma homeostase dos sistemas humanos; ou aderir ao discurso dos nômades, que vão liberar estratos por onde passam, que vão descortinando as verdades, as diferenças, e abrem nossos sistemas para novas formas de organização que independam de governanças centralizadas, promovendo um levante micropolítico pela fabricação de novas realidades pela prática projetual. O que devemos nos preocupar, enquanto designers que somos, é em recentralizar as finalidades das produções humanas para fora de pseudo-finalidades do capital e seus mitos de eternidade, e retomar os valores humanos para construir um projeto de humanidade, construído de baixo para cima.
Hoje eu sei que quem me deu a ideia, de uma nova consciência e juventude, tá em casa, guardado por Deus contando o vil metal.
Por fim, almejamos aqui desenvolver uma série de questionamentos para guiar o leitor sobre reflexões acerca do design enquanto disciplina e como conceitos advindos da filosofia permitem remodelar uma noção de design que se desprende das artes e se aproxima das ciências e das formas e conhecimento. Desenvolvemos uma proposta de micropolítica e ações sociais com base no projeto enquanto ferramenta de construção de possíveis, bem como de atualização de potências, e assim perceber que a relação projeto e desejo permite que o projeto seja visto como máquina de guerra. O designer possui um potencial de ação social gigantesco por sua posição privilegiada de criação de imagens e objetos, e a decorrente significação e uso destes. Uma reviravolta epistemológica indica que o objeto do design não são os objetos em si, mas o programa que é embutido nestes, as formas pelas quais os procedimentos se dão. A proposta de um design em tempo real surge como resposta: a capacidade de intuir e criar com base no que se tem ao redor deriva uma prática criativa inédita. E enxergamos nela uma proposta de nova epistemologia projetual, tomando a atualidade como objeto de trabalho e fazendo do design uma atuação inextricavelmente social.

Notas:

1 Disponível em: https://www.flusserstudies.net/sites/www.flusserstudies.net/files/media/attachments/cunha-o-design.pdf. Acesso em 21/09/2020.

2 User eXperience (experiência do usuário), e User Interaction (interação do usuário), no inglês.

3 Futuramente abreviados por D&G.

4 Tal argumentação deriva essencialmente dos postulados de Norbert Wiener (1985) em seu livro inaugural da cibernética.

5 Na Escócia existe uma lei que permite que se derive pelas propriedades rurais desde que não se deprede nenhum patrimônio, chamada right to roam, ou direito de derivar.

6 Sobre tal cartografia desejante, ver os mapas produzidos pela pedagogia de Fernand Deligny (1913-1996).

7 “A expressão "fatos alternativos" ganhou notoriedade após ser utilizada pela Conselheira do Presidente dos Estados Unidos da América, Kellyanne Conway, durante uma entrevista no programa televisivo Meet the Press da NBC, a 22 de Janeiro de 2017, em que ela defendeu a declaração falsa de Sean Spicer, Porta-voz da Casa Branca, sobre o número de pessoas que assistiram à tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos. Quando pressionada pelo entrevistador Chuck Todd para que explicasse o motivo pelo qual Spicer teria dito uma "falsidade comprovável", Conway respondeu: "Não seja excessivamente dramático em relação a isso, Chuck. Você diz que é uma falsidade, e ... o nosso porta-voz, Sean Spicer, forneceu fatos alternativos a isso." Todd respondeu, dizendo: "Repare, fatos alternativos não são fatos. São mentiras."
Disponível em: “https://pt.wikipedia.org/wiki/Factos_alternativos”. Acesso em 29/11/2018

8 Para acessar ao grupo da iniciativa: https://www.facebook.com/groups/designativista/

9 A fim de relembrar o sistema pastoral descrito por Foucault: através de um mecanismo de verificação, conduz-se os rumos como em canais desenhados para o abatedouro. A proposta de um controle informacional implica em controlar a percepção de mundo dos sujeitos.

Bibliografía:

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Vídeos
An Incovenient Truth (2006). Dirigido por Davis Guggenheim. Produzido por Lawrence Bender, Scott Burns, Laurie Lennard e Scott Z. Burns. Elenco: Albert Arnold Gore Júnior. Estados Unidos: Lawrence Bender Productions / Participant Productions. Filme (100 min), DVD, color, 35 mm.
V de Vingança. (2015) Direção de James McTeigue. Estados Unidos, Warner Bros. 1 DVD (132min)

Fecha de recepción: 17-04-2020.
Fecha de aceptación: 14-10-2020.

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