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La trama de la comunicación

versão impressa ISSN 1668-5628

Trama comun. vol.26 no.1 Rosario jun. 2022

 

ARTÍCULOS

Gestos de criação socioambiental em jornalismo comunitário

Gestures of socio-environmental creation in community journalism

 

Por Jane Mazzarino y Lilian Zanatta

janemazzarino@univates.br / Universidade do Vale do Taquari - Univates, Brasil

lzanatta@universo.univates.br / Universidade do Vale do Taquari - Univates, Brasil

Jane Márcia Mazzarino
Brasileira
Doutora e Mestre em Comunicação e Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Docente do Programa de Pós-Graduação Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD), mestrado e doutorado, e nos cursos de Jornalismo e Medicina da Universidade do Vale do Taquari - Univates, Brasil.
Área de especialidade: comunicação e educação ambiental.
e-mail: janemazzarino@univates.br
ORCID: 0000-0002-6051-5116

Lilian Zanatta
Brasileira
Graduanda em Publicidade e Propaganda na Universidade do Vale do Taquari - Univates, Brasil. Bolsista de pesquisa do grupo Ecosofias, Paisagens Inventivas (Univates/CNPq).
Área de especialidade: comunicação e educação ambiental.
e-mail: lzanatta@universo.univates.br
ORCID: 0000-0002-9209-6788


Resumo:

Tendo como desafio ampliar as relações da universidade com a comunidade, o curso de graduação em Jornalismo passou a incluir atividades que propõem o protagonismo dos alunos. Na disciplina Oficina de Jornalismo em Comunidades, do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Taquari (Univates)*, os estudantes foram convidados a realizar intervenções comunitárias junto a quatro grupos sociais, usando a linguagem audiovisual para abordar temas ambientais. O objetivo do estudo é analisar a potência das práticas de jornalismo comunitário de fazerem emergir gestos de criação. Problematiza-se como se dinamizaram as intervenções nos diferentes grupos sociais, como se caracterizam as abordagens dadas aos temas ambientais nos audiovisuais e que aproximações e distanciamentos observam-se em relação aos modos de fazer que emergiram. Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório, descritivo e de cunho intervencionista.

Palavras-chave: Jornalismo; Intervenção; Comunidade; Audiovisuais; Ambiente

Summary:

With the challenge of expanding the university's relations with the community, the undergraduate course in Journalism started to include activities that propose the students’ protagonism. In the course called Workshop on Journalism in Communities, part of the Journalism Program at the Universidade do Vale do Taquari (Univates), students were invited to carry out a community intervention with four social groups, using audiovisual language to address environmental issues. The aim of the study is to analyze the power of community journalism practices of making gestures of creation emerge. Here we ask how the interventions in the different social groups were dynamized, how the approaches given to environmental themes are characterized in audiovisuals and what approximations and distances are observed in relation to the ways of doing that have emerged. It is a qualitative, exploratory, descriptive and interventionist study.

Describers: Journalism; Intervention; Community; Audiovisuals; Environment


INTRODUÇÃO

Considera-se a necessidade de expandir os horizontes das instituições de educação para demandas que, geralmente, não são assimiladas como relevantes por não fazerem parte do cotidiano acadêmico. No caso das universidades, percebe-se que produzem impactos no desenvolvimento das regiões onde se inserem. Diante disso, a Universidade do Vale do Taquari - Univates, de Lajeado, Rio Grande do Sul (Sul do Brasil), oferece aos estudantes de graduação do curso de Jornalismo um meio de aprimorar-se em seus conhecimentos, interagindo com os saberes populares. Na grade curricular do curso insere-se a disciplina Oficina de Jornalismo em Comunidades, que foca o protagonismo dos alunos em ações comunitárias que contemplam a perspectiva cidadã e serve, simultaneamente, como intermediação de uma relação entre a universidade e a comunidade.
Provocam-se intervenções sociais em que os alunos atuam como mediadores na construção de processos colaborativos de apropriação das tecnologias de mídia. Tais mediações ocorrem após um aprofundamento teórico sobre diversos modos de atuação do jornalista nas comunidades, sobre como se desenvolvem as ações em um projeto de intervenção social e sobre metodologias participativas para envolver a comunidade local.
Por entender a relevância de fortalecer o intercâmbio entre a comunidade e o âmbito acadêmico, a disciplina serve como uma forma de aprendizado fora de sala de aula. Os alunos são convidados a aplicarem seus conhecimentos teóricos de forma prática, desempenhando uma função de suporte e acolhida aos grupos sociais que aceitam fazer parte da proposta. Desta forma, se amplia a compreensão sobre a diversidade de áreas da profissão. Pode-se entender a proposta como um “processo educativo, cultural e científico, que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade (...)” (FORPROEX, 2013:21). Além disso, trata-se de uma ação de extensão geradora de aprendizados em múltiplas circunstâncias sociais.
Além do trabalho desenvolver competências e habilidades dos estudantes, sensibiliza-os para os saberes circulantes na comunidade, construindo vínculos outros, que talvez não teriam oportunidade sem a interferência da disciplina. Assim, ampliam-se as fronteiras da universidade em ações orientadas para o desenvolvimento regional sustentável.
Considerando a conexão necessária entre universidades e comunidades locais, é essencial que no curso de Jornalismo se efetue  o acesso a aprendizagens para quem não o teria de outro modo. Esta relação de colaboração provoca a popularização do conhecimento e pode empoderar grupos sociais, a partir do momento em que cria algo sobre e a partir de si mesmos. Para Felipe Pena,
O jornalismo comunitário atende às demandas da cidadania e serve como instrumento de mobilização social. (...) Outra característica importante é o completo afastamento do ranço etnocéntrico. O jornalista de um veículo comunitário deve enxergar com os olhos da comunidade. Mesmo que já pertença a ela, deve fazer um esforço no sentido de verificar uma real apropriação dos processos de mediação pelo grupo. (Pena, 2005: 185-187)
Os estudantes envolvidos não são ainda jornalistas comunitários, mas ao longo da disciplina Oficina de Jornalismo em Comunidades vivenciaram com intensidade esta prática e, com isso, ampliaram suas possibilidades de criação, a partir de uma linguagem escolhida. A experiência que se relata e se analisa neste artigo refere-se a escolha da linguagem audiovisual para abordar temas ambientais. Considerou-se que um produto audiovisual, que pode ser disponibilizado no ambiente virtual, com livre acesso, pode pautar as conversas públicas sobre temas ambientais e estimular a participação popular, a busca por qualidade de vida e práticas de resistência.
Essa articulação (jornalismo x comunidade x audiovisual x tema ambiental) está em sintonia com os atuais debates da área jornalística que destacam, de forma singular, a pertinência do debate ambiental. A prática acadêmica familiarizou os alunos para a atuação profissional no jornalismo comunitário e ambiental, concomitantemente, sensibilizando e estimulando o interesse por estas áreas de atuação.
A atividade envolveu 21 estudantes de Jornalismo e quatro grupos sociais. Os temas ambientais terra, água, fogo e ar foram definidos pela professora, por representarem os quatro elementos, e sorteados entre quatro equipes formadas pelos estudantes, que definiriam junto a quais grupos sociais da comunidade fariam suas intervenções. Por sua vez, os grupos receptores das atividades escolheram o modo com que seu elemento natural seria abordado no audiovisual. Os grupos escolhidos foram professores de uma escola pública de Taquari1, crianças atendidas por programas assistenciais no município de Lajeado2, migrantes haitianos que vivem em Estrela3 e artistas de rua que atuavam nas sinaleiras de Lajeado.
O objetivo do estudo é analisar a potência das práticas de jornalismo comunitário de fazerem emergir gestos de criação, entendidos neste trabalho como manifestações potentes e espontâneas que emergiram no fazer dos estudantes em interação com os grupos comunitários Guimarães e Lanza (2015) entendem que a potência dos gestos de criação está em transformarem quem cria ao longo do ato de criar, pois eles acontecem quando imagens do pensamento são experimentadas, gerando novas formas de sentir, que ampliam a própria experiência, pelo uso das forças criativas. Problematiza-se como se dinamizaram as intervenções nos diferentes grupos sociais, como se caracterizam as abordagens dadas aos temas ambientais nos audiovisuais e que aproximações e distanciamentos observam-se em relação aos modos de fazer que emergiram.

Metodologia

Os relatos da experiência e a análise dos quatro audiovisuais produzidos são a base de dados deste artigo que, metodologicamente, caracteriza-se como um estudo exploratório e descritivo, guiado pela pesquisa de cunho intervencionista e qualitativa, baseada em estudo bibliográfico, documental e de campo.
A experiência de intervenção aconteceu como parte da disciplina Oficina de Jornalismo em Comunidades. Após uma etapa de estudo teórico, os alunos foram divididos em quatro grupos, cada um tendo um tema de abordagem (terra, água, fogo, ar). Cada um foi desafiado a identificar um grupo comunitário para realizar uma intervenção colaborativa, exercitando o papel de mediadores. Ao identificarem um grupo por proximidade de um ou mais estudantes, criaram um planejamento de intervenção, levando em conta possibilidades oferecidas pelas técnicas colaborativas, as quais foram abordadas como parte do conteúdo programático da disciplina. Neste momento o aprendizado referiu-se às características de ser um mediador em processos participativos. Teoricamente o aprendizado baseou-se nos princípios da educomunicação socioambiental: dialogia, inclusão, valorização de diferentes saberes, compromisso com a interatividade e produção participativa, transparência, transversalidade, múltiplas mídias, democratização da comunicação e a acessibilidade à informação socioambiental, evidenciando-se a compreensão que a comunicação é um direito humano fundamental (BRASIL, 2008).
Os encontros entre acadêmicos e grupos comunitários realizaram-se sem a presença da professora da disciplina, tendo se caracterizado como grupos focais. De modo geral, estes encontros organizaram-se conforme as seguintes etapas: aproximação (para apresentarem a si e à proposta da disciplina, assim como o tema de abordagem e a liberdade para o grupo comunitário criar um filme a partir dele), identificação de possibilidades de criação a partir do tema (nesta etapa foi usada a técnica da “tempestade de ideias”, as quais foram organizadas de modo a se construir uma narrativa), oficina de técnicas de filmagem (estudantes explicitaram seus conhecimentos sobre produção audiovisual como planos, enquadramento, etc..), produção do audiovisual (encontros para coleta de imagens, visualização, validação do roteiro para edição pelos acadêmicos com colaboração dos grupos quando manifestaram interesse), exposição do filme junto ao grupo e avaliação do processo e da produção audiovisual resultante.
Ao longo da intervenção os acadêmicos registraram em diários de campo suas observações em relação ao que se realizou a partir do que fora planejado. Da mesma forma, a professora responsável pela disciplina registrava em seu diário o que emergia dos relatos semanais de cada grupo sobre seus processos de intervenção, momentos que também se caracterizaram como grupos focais. Além destes documentos, os audiovisuais resultantes das intervenções formaram parte dos dados que compõem este artigo.
Os dados foram analisados seguindo uma etapa descritiva do processo, que tem o objetivo de situar o leitor sobre os modos de intervenção de cada grupo e a abordagem dos filmes, para, na sequência, aprofundarem-se os aspectos que mostraram-se mais relevantes, conforme os documentos de pesquisa apontaram.

As dinâmicas das intervenções com os grupos sociais

Ao se pensar sobre as práticas de jornalismo comunitário, entende-se que efetivam formas de afirmar o poder da comunidade, possibilitando que esta narre os acontecimentos por si mesma, abordando os assuntos que considera relevantes. O estudante ou jornalista comunitário que atua junto a um grupo social ajuda nisso, criando relações, desenvolvendo processos de aprendizagem social e, assim, medeia a comunicação das demandas da comunidade.
Em vista disso, como passo inicial, os acadêmicos tiveram a função de escolher um grupo social junto ao qual desenvolveriam suas intervenções, tendo como tema o elemento natural sorteado (terra, fogo, água , ar). Os estudantes realizaram, em cada grupo, dinâmicas para a criação do roteiro do audiovisual atendendo as suas demandas de abordagem. Como afirma Paiva (2003), em intervenções comunitárias “o destaque aos assuntos é dado em função da sua importância para o grupo social, numa relação direta com o cotidiano das pessoas”.
Os graduandos colocaram em prática técnicas aprendidas no contexto das aulas da disciplina. Para a criação do roteiro usaram da “tempestade de ideias”4, coletando palavras que emergiam naturalmente a partir das relações que eram feitas com o elemento natural que coube a cada grupo. Depois organizaram as ideias buscando um fio condutor, imaginando como gostariam de apresentar no audiovisual. Os alunos ensinaram aos grupos sociais técnicas básicas para a produção de imagens em audiovisuais: ângulo, enquadramento, iluminação, som e outros recursos complementares. Os relatos dos alunos sobre suas intervenções apontam que a comunicação foi participativa, com dinâmicas que possibilitaram que os grupos sociais fossem os autores da produção audiovisual, ocorrendo o processo de apropriação do conhecimento de modo singular em cada grupo.
Os quatro temas tiveram como intenção provocar uma exploração livre da problemática ambiental, explorando a interface entre educação ambiental e comunicação, a qual está garantida reiteradamente tanto em documentos legais quanto da sociedade civil brasileira, assim como é ressaltada em documentos globais de eventos que discutem a crise ambiental planetária nos últimos 50 anos. Podem-se citar como documentos brasileiros a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), Lei 9.795 de 1999, o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) e o Programa de Educomunicação Socioambiental, assim como os documentos internacionais Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, a Carta da Terra, a Agenda 21 e, mais recentemente, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs).
O grupo de alunos sorteado com o elemento Terra decidiu elaborar sua produção com migrantes haitianos que vivem na cidade de Estrela. Após o contato realizado com um integrante do grupo de migrantes, decidiram se encontrar em um lugar de fácil acesso para todos. Já no primeiro encontro os graduandos relatam o interesse demonstrado pelos migrantes no momento em que compreenderam a proposta. Os migrantes, que já produziam vídeos experimentais com seus próprios celulares, tinham como anseio executar uma produção maior da que já estavam acostumados, a fim de se qualificarem. O tema foi relacionado a sua terra natal, o Haiti, e a abordagem teve como foco o deslocamento do seu país para o Brasil devido ao terremoto que aconteceu lá, no ano de 2010. Já nesta definição percebe-se a importância que representa a oportunidade deles produzirem uma narrativa sobre sua própria experiência, a partir de um ato que possibilitou dar visibilidade ao seu modo de dar sentido à migração.
Nas situações vividas pelos imigrantes, a solidariedade cria laços sociais no novo meio, que são transformados em centros, sociedades e núcleos, que oferecem clima capaz de congregá-los ao dar-lhes um mínimo de representação em frente às autoridades, frente ao Estado. (Sequeira & Bicudo, 2007: 6).
Os estudantes que tinham por tarefa abordar o elemento Água escolheram como grupo social as crianças do Projeto Vida São José, da cidade de Lajeado. Os participantes foram escolhidos pela diretora do projeto, utilizando como critério as crianças “mais interessadas, comportadas e colaborativas”, características relevantes já que o processo de produção seria realizado por eles, com o apoio dos universitários.  O roteiro foi criado baseado em dinâmicas participativas, quando emergiu como foco a necessidade da economia e cuidado com a qualidade da água. Os acadêmicos relatam a experiência de ter que interpretar  as formas de expressão das crianças, algo inédito para eles, pois tinham pouco contato com esta faixa etária. Em estudo de Silva, Souza e Santos (2012), estes destacam que ao trabalharem com crianças, as metodologias usadas tiveram o intuito de aproximar os conteúdos aos produtores, de forma dinâmica e participativa. Os alunos mediadores do encontro relatam o interesse demonstrado por todos os participantes, que estavam animados e se envolveram em todas as etapas de produção, principalmente nas práticas, quando tiveram a oportunidade de manusear equipamentos de filmagem.
A intervenção que abordou o elemento Fogo foi realizada com a Escola Municipal de Ensino Fundamental de Turno Integral José Victor Mairesse, do município de Fazenda Vila Nova5, e foi protagonizada pelos professores. Por meio de dinâmicas participativas foi produzido o roteiro que focou pontos positivos e negativos a respeito do elemento, chamando a atenção para os problemas que podiam decorrer do fogo. Após o aprimoramento sobre as práticas de filmagens, as professoras manifestaram-se sobre as cenas necessárias para representar as ideias. No último encontro realizaram uma confraternização, quando apresentaram o documentário finalizado para todos os envolvidos. As professoras sentiram-se satisfeitas e emocionaram-se com o filme. Ressaltaram que o aprendizado que tiveram sobre as tecnologias de mídia poderá ser utilizado nos processos de educação escolar em que estão envolvidas. Este dado aponta para a potência deste tipo de prática de jornalismo comunitário, já que possibilita futuras produções independentes e a disseminação do conhecimento.
Seguindo as mesmas características dos grupos anteriores, os acadêmicos do grupo Ar desenvolveram a produção com uma dupla de artistas de rua que atuava nos semáforos da cidade de Lajeado. Com a elaboração de metodologias de estímulo à criatividade, os malabaristas de rua relacionaram o ar ao seu trabalho, definindo como foco do roteiro a abordagem de pontos positivos e negativos relacionados ao ar na prática de malabares nos semáforos de Lajeado. Realizaram as gravações reproduzindo técnicas de produção que haviam aprendido. A dupla demonstrou a expectativa da exposição do filme em canais de comunicação, de modo que mais pessoas possam conhecer seu trabalho e a filosofia de vida dos artistas de rua. Os acadêmicos destacaram o comprometimento mantido pela dupla de artistas até o final do trabalho e relataram que os malabaristas estavam deslumbrados com o fato de serem retratados em um audiovisual produzido por eles.
Os relatos conjugam-se mutuamente em relação ao papel social que o jornalismo comunitário pode cumprir, podendo consagrar práticas de expressão livre da comunidade. Além disso a experiência contribuiu para a formação de acadêmicos mais críticos e sensíveis em relação à realidade social, já que tiveram que se envolver e construir relações com aqueles grupos sociais que ocuparam o lugar de fontes, mas desta vez em uma perspectiva colaborativa de construção de conteúdo.
A experiência de aprendizagem social em um contexto comunitário cumpre a função de elaborar, a partir de práticas participativas e educacionais, um sentimento de valorização local e inclusão social, auxiliando na identificação e na narrativa das demandas sociais. Andrade (2009: 6) ressalta a importância dos participantes terem "liberdade para decidir os temas a serem abordados", de se realizar a "discussão dos temas escolhidos antes da etapa de roteirização e gravação", assim como de se "estabelecer estratégias de abordagem de um determinado tema e de pensar a relevância dos mesmos para suas comunidades.”

Abordagens ambientais em produções midiáticas

Como consequência dos encontros, as práticas participativas resultaram em quatro produções audiovisuais e disseminaram, entre os grupos sociais envolvidos, a noção de alguma autonomia em relação à apropriação das tecnologias de mídia para a produção de narrativas audiovisuais socioambientais. Trata-se de um processo de educação e de comunicação ambiental.
A produção audiovisual do grupo Terra interpreta o elemento natural como representativo do Haiti e relacionado à tragédia do ano de 2010, em decorrência da qual os migrantes haitianos passaram a viver no Brasil.  O vídeo Tramblemanté: de lá pra cá apresenta cenas da situação do país após o terremoto e os migrantes relatam seu amor pelo país. Encenam o cotidiano de suas vidas no Haiti e no Brasil. Destacam que, mesmo tendo passado por situações difíceis após a destruição, preferiam ter continuado em seu país, mas entendem que a vinda ao Brasil foi a melhor opção para a família. Após algum tempo em terras brasileiras, os haitianos dizem também nutrir grande amor pelo Brasil, sentindo-se acolhidos pelos brasileiros.  Falar português e empregar-se são citadas como as duas maiores dificuldades.6
O audiovisual do grupo Água é uma intervenção roteirizada, encenada e registrada por alunos do Projeto Vida São José. Durante o vídeo os participantes buscam impactar os espectadores usando diferentes estratégias narrativas: declamação de poesia, encenações e depoimentos sobre a importância da água e a necessidade de evitar seu desperdício e sua poluição. Há cenas de crianças brincando na água e ressaltando a necessidade de seu reaproveitamento, o que é explorado em um gênero que envereda para a ficção7
Desenvolvido com professores e alunos da Escola Pública de Ensino Fundamental José Victor Mairesse, o filme do grupo Fogo aborda diferentes situações de contato humano com este elemento natural. Nota-se o desempenho dos professores que participaram do projeto. Contataram um historiador para trabalhar com os alunos o tema do fogo, desde sua origem, gerando um conteúdo informativo. São filmadas cenas da palestra com o historiador, assim como entrevistas com o mesmo e com alguns alunos, que falam sobre suas percepções e aprendizados sobre o surgimento do fogo, além de ressaltarem seus benefícios e malefícios. Ainda, destaca-se a importância de tratar sobre o assunto em ambiente escolar, revelando os trabalhos que os professores desenvolvem neste sentido. Foram usadas imagens da natureza e do ambiente escolar, acompanhadas de uma trilha sonora que harmoniza com as cenas.8
O audiovisual do grupo Ar foca a relação dos malabaristas com o ar para produzir sua arte. Em sua criação, é perceptível a valorização da cultura de rua, o que é explorada combinando à aparição do dia a dia da dupla nos semáforos da cidade de Lajeado. Realizam entrevistas entre si, demonstrando um certo desconforto ao se expressarem, possivelmente por não terem o costume de falar sobre si e em frente à câmera. Comentam sobre o contato que têm com a poluição atmosférica, por estarem trabalhando entre os automóveis que passam pelos semáforos, e referem-se à poluição que eles mesmos geram ao aplicar o fogo em seus malabares. Também produzem entrevistas com pessoas que passam pela rua, questionando: “Como tu enxerga a poluição dentro da cidade de Lajeado?”. Em seu vídeo, evidenciam a opinião de que, apesar dos obstáculos que enfrentam e de não se sentirem valorizados pelo seu trabalho, nunca se perceberam tão felizes quanto depois que descobriram os malabares, que, para eles, significa levar alegria para o público e passar uma cultura de preservação.9
Quando a partir de uma disciplina de graduação em Jornalismo, com enfoque comunitário, quatro grupos se apropriam das tecnologias de mídia para produzirem narrativas audiovisuais de modo amador, evidencia-se que as práticas que promovem a participação  social oferecem-se como descomplicadores em relação às próprias práticas da formação,  além de ampliarem a possibilidade de amadores experienciarem algumas funções da produção da informação “apuração, entrevista, redação, edição e distribuição” (Martins, 2012: 88), como foi possível perceber nos resultados produzidos pelos diferentes grupos sociais.
Os alunos auxiliaram em alguns detalhes da produção e cumprindo o que os participantes determinavam para a edição, garantindo o protagonismo dos grupos sociais em todas as etapas. Os acadêmicos envolvidos nos quatro grupos destacaram a empolgação e o deslumbramento dos participantes diante dos equipamentos de filmagem, seduzidos pela possibilidade de explorarem práticas da produção audiovisual, o que requer instrumentos que não são de seu fácil acesso.
Além de abordar os temas ambientais, os filmes ofertaram formas de ver o mundo dos quatro grupos sociais. Esses grupos produtores aproximaram as narrativas que tinham que produzir livremente sobre os temas ambientais ao seu contexto de vida, gerando uma prática de existência e resistência simultaneamente. Para Silva (2011: 5), “a produção realizada pelas pessoas comuns permite subverter a ordem estabelecida pela grande mídia e interpretar os fatos a partir da experiência de cada sujeito produtor-receptor sobre o mundo que o cerca”. A experiência oportunizada pela universidade permitiu à comunidade expor o seu olhar sobre a sociedade e o local em que vivem, um direito primordial para grupos geralmente sem acesso aos recursos de produção de informação.
Silva, Souza e Santos (2012: 2), avaliando oficinas fotográficas realizadas em um quilombo, afirmam, quanto a uma metodologia parecida com o estudo apresentado, que: “[...] abre caminho para a pesquisa participante, permitindo que a comunidade produza seus próprios registros e paute para a equipe de pesquisa o que é importante, contribuindo de forma relevante para o processo de construção identitária”. Isto foi percebido tanto na execução do projeto, quanto no resultado dos audiovisuais.

Aproximações e distanciamentos dos modos de fazer

A perspectiva de transformar a comunidade por meio de práticas de comunicação possibilita a cada grupo se perceber na sua potencialidade de criar conteúdo, desde que se forneçam a eles informações elementares sobre as técnicas necessárias para expressarem, por meio dos audiovisuais, suas visões de mundo, suas demandas, suas pautas. Uma análise nesse sentido, evidenciou que os resultados dos encontros e das produções audiovisuais dos grupos se assemelham, mesmo tendo um distanciamento ligeiro quando se analisam suas características individuais.
No decorrer da análise, verificaram-se como pontos de aproximação entre os grupos o uso de metodologias de estímulo à criatividade nos encontros entre os acadêmicos e os comunitários. Com a dinâmica da “tempestade de ideias” os participantes falavam palavras que remetiam ao elemento proposto a elas, provocando relações que fomentaram a elaboração dos roteiros. Formas simples de ensinar as técnicas da produção audiovisual foram repassadas no momento de formação básica (que abordou aspectos de iluminação, planos, ângulos e enquadramentos), e usadas pelos quatro grupos.
Em meio à definição das pautas e dos roteiros para o filme, as ideias dos grupos foram valorizadas e contempladas na produção, o que é parte fundamental na relação entre jornalistas e os públicos, conforme defendem Kovach e Rosenstiel (2004). Estes autores tratam desta relação em um contexto de práticas jornalísticas tradicionais, mas seu posicionamento pode ser aproximado para compreender as experiências de um jornalismo conectado com as demandas da comunidade em um contexto alternativo também, como este que está sendo relatado neste artigo. Kovach e Rosenstiel (2004) defendem que “o novo jornalista não decide mais o que o público deve saber. Ele ajuda o público a pôr ordem nas coisas.” Entende-se que esta função, de um jornalista mediador das coisas sociais, pode se dar tanto em práticas de jornalismo tradicionais como alternativas.
Os grupos focaram a abordagem dos elementos em uma perspectiva dual: aspectos positivos e negativos, o que se constituiu em outro elemento de aproximação que emergiu naturalmente e concomitantemente. Os grupos Ar e Terra, por exemplo, tinham o objetivo de dar visibilidade a sua experiência de vida, o que fizeram apresentando pontos vantajosos e desvantajosos em relação ao tema, associado aos seus cotidianos e modos de viver. Andrade (2009: 5), em experiência semelhante de produção de documentários com indígenas, percebe que as produções tendem a proporcionar uma reflexão crítica. E se o vídeo gera uma reflexão, vai além do entretenimento.
Como resultado, ainda, todos os acadêmicos salientaram os aprendizados que obtiveram com o projeto realizado por meio da disciplina. Reunidos em grupo focal, relataram que puderam conhecer mais sobre outras culturas e estilos de vida que não pertencem ao cotidiano deles. Com isso, a experiência que aliou ensino e extensão, e agora a pesquisa, serviu para a construção de conhecimentos profissionais e pessoais. Os participantes dos grupos sociais, ao avaliarem juntos com os estudantes de jornalismo a experiência de produção audiovisual, afirmaram terem se sentido realizados com o resultado de suas produções, pois puderam criar relatos sobre si mesmos, saindo da mera condição de receptores. Os resultados de produções como estas, que criaram um vínculo entre universidade e comunidade, ampliam e favorecem a ideia de valorização social e pertencimento local, o que, por vezes, sem que percebamos, falta na formação dos jornalistas como cidadãos, profissão que tem um papel fundamental na sociedade em que vivemos, mesmo quando no contexto brasileiro estejam sendo muitas vezes desvalorizados e humilhados.
A experiência oferecida pela Oficina de Jornalismo em Comunidades da Univates fortaleceu o atendimento das demandas comunitárias, propiciando o contato dos alunos com a produção jornalística audiovisual e complementando sua formação como jornalista-cidadão atuante na comunidade, garantindo-se, simultaneamente, a oportunidade de dar visibilidade a questões e temas sociais e ambientais.
Objetivamente, o resultado obtido através do processo de intervenção expressa-se na produção de quatro audiovisuais realizados por meio de metodologias colaborativas, que provocaram a apropriação das tecnologias de mídia por grupos sociais diversos, sendo eles professores, crianças, artistas de rua e migrantes. Analisando-se os relatos produzidos como diários de campo pelos  acadêmicos e os resultados em forma de produções audiovisuais, observa-se que cada grupo social demonstrou especificidades ao longo do fazer midiático, apresentando em suas produções perspectivas variadas sobre os quatro elementos naturais. As crianças acolheram a dramatização na abordagem sobre o problema das águas contaminadas, os haitianos relataram a adaptação em terras brasileiras, os malabaristas refletiram sobre sua relação intrínseca com o ar na sua arte e no local de trabalho, enquanto as professoras optaram por abordar a necessidade dos cuidados com o fogo em projeto escolar, que foi o tema do documentário.
Desta forma, estas experiências se caracterizam efetivamente como de jornalismo comunitário, entendido como aquele que se disponibiliza a dialogar com a comunidade e seus grupos sociais, abrindo espaço para abordagens que não costumam ser tratadas pela grande imprensa, mas que, por meio de processos comunitários, pode ter vez, valorizando as visões de mundo populares. Trata-se de um jornalismo inclusivo, de comunicação interativa e reflexiva, como propõe Paiva (2008). Quando "produzido pela e para a comunidade", como ressalta Melo (2006: 126), pode gerar mobilização social, atende aos pressupostos da cidadania (Pena, 2005).
De forma a sintetizar aspectos desta área, Sequeira e Bicudo (2007: 9) identificam cinco características do jornalismo comunitário: "a) valorização da realidade local; b) participação da comunidade durante todo o processo de produção; c) consagração das idéias da mobilização e da transformação; d) resgate de um viés pedagógico e educativo; e) articulação com a produção independente e de resistência."
A experiência de mediação dos acadêmicos nos processos de jornalismo comunitário abordados neste artigo movimentou as dimensões salientadas pelos autores e, enquanto gerou a produção de informação socioambiental, contribuiu para o fortalecimento da sociedade civil e para a formação dos estudantes como jornalistas que podem ser agentes de empoderamento de grupos sociais, a dando espaço para a  expressão das  demandas em circulação nas comunidades.
Com um viés educativo e de compartilhamento de informações e das tecnologias, a experiência relatada ajudou a criar vínculos dos grupos sociais com a sociedade em que vivem, permitindo com que os próprios criadores se reconhecessem em suas produções. A inovação, a questão cultural e a comunicação social foram favorecidas ao longo do processo. Para além disso, se entendermos a experiência em sua emergência criativa, podemos fazer outras leituras.

Os gestos de criação nas experiências em jornalismo comunitário: o audiovisual como estratégia

Com a experiência inventada exercitaram-se deslocamentos curriculares criativos e inclusivos por meio de práticas pedagógicas que aliaram comunicação e jornalismo em comunidades com temas ambientais.. Como uma forma de arte, a produção dos quatro documentários permitiu aos estudantes de Jornalismo uma experiência de comunicação ambiental com um viés educativo..
Um dos pesquisadores que se envolve nesta interface é Leandro Belinaso Guimaraes, que tem inúmeros trabalhos publicados, individuais e com co-autores. Sua perspectiva de educação ambiental contribui para pensar a comunicação ambiental.
Em um dos artigos, Guimarães e Santos (2009) provocam sobre a necessidade de se realizarem experiências audiovisuais que possibilitem educação ambiental sem que se corra o risco de aniquilar o outro. Para isso mostraram-se relevantes as metodologias colaborativas, que valorizam a escuta, caso da técnica de tempestade de ideias , da qual decorreu parte da experiência de autoria dos participantes dos grupos sociais.
Com os filmes reelaboraram-se conhecimentos e foram tecidas articulações com os saberes cotidianos e com os lugares habitados (Souza & Guimarães, 2013). Por meio de suas ações, apropriações e preenchimentos, os grupos comunitários envolvidos na experiência da disciplina de Oficina de Jornalismo em Comunidades deram a ver sobre si e sobre o mundo como o veem. Deste modo, potencializaram-se experiências de aprendizagem para todos os envolvidos: a professora da disciplina, os alunos, os grupos sociais e outros envolvidos nas suas filmagens. As experiências cinematográficas possibilitaram encontros das pessoas com elas, com culturas, com representações, imaginários e identidades, neste sentido um filme pode ser um elemento de consciência intercultural, assim como de reconhecimento local e lugar de investimento psicológico, já que são exploradas projeções e sentimentos por meio das narrativas, além de ser espaço de fruição estética e de interação social (Guimarães & Fantin, 2016). Para Guimaraes e Pereira (2015), este tipo de criação possibilita desconstruir modos de ver e também expor modos de ver e fazer ver os temas em diferentes contextos e por diferentes culturas. Tudo isso qualifica o fazer jornalístico em contextos comunitários.
Fischer (2011) levanta a hipótese que o encanto dos objetos técnicos midiáticos talvez não esteja na magia tecnológica, mas na possibilidade de experimentá-los como uma fonte de contação de histórias, de experimentações narrativas, que expõe a necessidade ética e estética urgente de ampliação dos repertórios. Então, pode-se considerar que o encanto da experimentação é provocador do ato de criar. Luis Gustavo Guimarães e Renata Lanza (2015) chamam atenção para “a potência dos gestos de criação durante as experimentações” do fazer cinema como arte em ambientes educativos. Ao criar, emergem as tensões, algumas relacionadas a própria expectativa do educador. Outras, relacionadas ao próprio ato de criar, que coloca o criador diante de questionamentos e desafios. Uma criação nasce de uma necessidade e ao mesmo tempo em que se cria, transforma quem cria, escrevem.
A criação oferece deslocamentos e escolhas que se descobrem no próprio percurso, uma vez que se é atravessado por acontecimentos múltiplos. Sendo assim, um gesto de criação inserido em processos que intencionam provocar experiências de jornalismo comunitário pode aglutinar uma complexa rede de pensamentos, de sentimentos e de sensações, de forma que se entrelaçam com ideias, desejos, paixões e sensações, os quais aguçam a sensibilidade, não apenas do ver e do ouvir, mas de outros elementos sensoriais como o quase olfato, o quase tato e o quase paladar.

Os gestos de criação acontecem na medida em que imagens do pensamento são experimentadas. Mas, não se pode precisar com absoluta certeza se a ideia original de fato se concretizará, visto que no decorrer do processo de criação podem ocorrer acontecimentos podendo interferir no resultado final e alterar toda a composição. Analisar os gestos de criação possibilita observar o nascimento das ideias, a formulação de hipóteses e o desenvolvimento de novas formas de sentir, pensar, ver e ampliar a própria experiência. Permite descobrir a própria capacidade de aprender e utilizar as forças criativas que existe em cada um, para abrir o campo da percepção e o uso das sensações, destacando modos de criar sobre os acontecimentos, possibilitando que singularidades também se expressem para além do padrão hegemônico de pensar (Guimarães & Lanza, 2015: 89)

Os autores observaram em suas intervenções múltiplos modos de criar a partir de escolhas pessoais. Linhas de fuga foram reinventando o próprio processo, mudando o que estava proposto e fazendo emergir outras potências. O mesmo verificou-se com os vídeos da disciplina de Oficina de Jornalismo em Comunidades, quando as crianças fizeram ficção diante da proposta de documentário, quando os haitianos fizeram a seu modo, escondendo “o jogo”, deixando sem chão os mediadores já que se negavam a construir um roteiro como proposto pela professora da disciplina. Também as professoras, ao escolherem um viés institucional para o filme (antes queriam contar sobre o trabalho do Corpo de Bombeiros, depois decidiram relatar sobre a abordagem do tema na escola, por fim o filme desencadeou a abordagem do tema prevenção contra incêndios na escola).
Linhas de fuga surgiram das escolhas dos participantes dos grupos (que estavam livres para criar, fazendo emergir a potência da singularidade de todos que encontravam-se sob o pretexto de fazer um filme. Um ato singelo. Fazer um filme. Contar uma história a partir de um tema: terra, água, ar, fogo. Nenhuma das expectativas ecológicas da professora proponente para a abordagem do tema foi atendida. Fizeram outra coisa, desviaram.
Como ela não interferiu no ato de contar histórias a partir dos quatro elementos, as linhas de fuga adviram com a potência da apropriação dos processos pelos participantes: alunos e grupos sociais envolvidos. A potência que a professora  da escola experimentou foi justamente de sentir-se impotente e estar passiva no processo, o que lhe exigiu um deslocamento do lugar de professora. Nisto ela foi transportada para outro mundo e sentiu-se reinventando para si seu lugar nos processos coletivos que têm dinamizado.

Os gestos e o universo imagético: considerações finais

A estratégia metodológica criativa e colaborativa colocada em curso para o uso e apropriação das tecnologias de mídia pela comunidade explorou contribuições do campo da educomunicação socioambiental, que valoriza a colaboração, a troca de saberes, a interação, a apropriação midiática e a produção criativa, entre outras possibilidades. Novas formas de conhecer foram exploradas, enquanto provocaram os sujeitos a se pensarem como parte de um ambiente marcado pela interdependência coletiva. As intervenções surgiram como proposta na universidade e estiveram voltadas para a comunidade, mas não foram unidirecionais, já que valorizaram os saberes populares e também os conhecimentos adquiridos pelos acadêmicos ao longo do curso..
Trabalhar com as imagens em processos de jornalismo comunitário demonstrou ser uma linha potente da proposta. O universo imagético é aberto ao gosto e aos usos na sociedade contemporânea. Desde sempre o ser humano produziu imagens do mundo, mas hoje elas se proliferam muito mais por meio das tecnologias, isso é o que efetivamente mudou: elas estão por todos os lados, lembram Andrade e Freire (2009: 1). "Estamos rodeados pelo universo imagético que ajudamos a (des)construir, quer seja integrando a composição da imagem, quer seja como mero fazedor".
Temos o poder de reproduzir o mundo por meio das imagens, e isto afeta nossa forma de ser, estar e de nos relacionarmos com o mundo. Podemos expor nossas imagens-mundo, nossa imaginação. Explorar a produção de imagens para provocar as pessoas a organizarem narrativas sobre sua relação com e no mundo que vivem abre possibilidades estéticas e políticas a serem exploradas em processos de intervenção comunitárias. “Aprendemos a olhar com as próprias imagens que produzimos, mas também com o olhar dos outros”, diz Barbieri (2013: 5). Da mesma forma, Fischer (2011: 79) propõe pensar as mídias e as tecnologias digitais como formas de “comunicar, de estar com o outro, de inventar – pela palavra, pelo som, pela imagem, pelo movimento – um modo de sair de si mesmo, esculpir-se, fazer-se também a si mesmo como uma obra de arte”.
Imagens trazem histórias, antecipam futuros, reportam origens, costumes e afetos. Antecipam trajetórias e roteiros, fixam e transcendem o espaço e o tempo. Sensibilizam as emoções e a imaginação, revelam acontecimentos e intencionalidades. Ampliam o olhar sobre o mundo, ultrapassando “ocularidades binárias e fragmentadas do sujeito”, constituindo-se em um texto relacional (Dantas, 2013: 25). 
Uma imagem é uma viagem em transe, repleta de particularismos que incitam memórias vagas, emoções frágeis ou compreensões cariadas que vem à tona por sua expressão. [...] Uma imagem pode ser um movimento inter e autotextual, que permite restaurar nossos sentidos de criação, proteção ou aprendizagem (Sato & Passos, 2009: 47).

As experiências de intervenções acadêmicas relatadas e analisadas neste estudo invocam a consideração dos gestos de criação acoplados ao universo imagético como elementos de ampliação das possibilidades de jornalismo comunitário, adentrando-se a experiência estética como modo de mobilização social. Aprimorar as práticas de jornalismo comunitário com experiências que se utilizem das tecnologias de mídia para expandir as oportunidades narrativas dos grupos sociais diversos é uma forma de agir ética, política e esteticamente em uma era pós-mídia, como propôs Guattari (1991).
Esta perspectiva de comunicação ambiental a ser assumida em processos de jornalismo comunitário funciona como um antídoto à uniformização midiática. Guattari (1991) propôs, faz três décadas, que grupos-sujeito fundassem a era pós-mídia a partir da acessibilidade às tecnologias de comunicação, apropriando-se das mídias para produção de relatos. Os relatos têm o traço da experiência, caracterizam-se por incorporarem o acontecimento na vida de quem o conta.
O que queremos provocar aqui, de saideira, é que os jornalistas inaugurem uma era pós-mídia. A partir da universidade, o que podemos fazer é provocar vivências inaugurais para isso. Quando os acadêmicos têm essa experiência de jornalismo comunitário podem “se por-a-ser” e, assim, romper encaixes totalizantes, pois podem trabalhar por conta própria. Inaugurarem linhas de fuga, outras intensidades, outras configurações existenciais, deixando de repetir as práticas em série do jornalismo convencional.

Notas:

* A Univates localiza-se no centro do Rio Grande do Sul, estamos mais ao Sul do Brasil.

1 Município localizado na região de atuação da Univates, no Vale do Taquari, a 100 quilômetros de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

2 Município localizado na região de atuação da Univates, no Vale do Taquari, a 113 quilômetros de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

3 Município localizado na região de atuação da Univates, no Vale do Taquari, a 110 quilômetros de Porto Alegre, capitaldo Rio Grande do Sul.

4 A tempestade de ideias ou tempestade cerebral (brainstorming) é uma dinâmica colaborativa que estimula a liberação da criatividade do participante, por meio da expressão livre e rápida de ideias sobre o tema em questão. A diversidade de elementos que emergir do grupo é organizada na busca de construção de projetos inovadores ou que apontem para a solução de um problema, por exemplo. Esta dinâmica é amplamente usada em organizações governamentais, não governamentais e no âmbito privado; assim como nas áreas de publicidade, marketing, gestão, etc..

5 Município localizado na região de atuação da Univates, no Vale do Taquari, a 100 quilômetros de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

6 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=RWOBkHgTyTM&t=74s

7 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=7Kh_zeOXNzA&t=44s

8 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=cqc9eGIb2Vs

9 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=kBADXn-U9bM

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Fecha de recepción: 22-02-2021.
Fecha de aceptación: 19-02-2022.

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