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Revista iberoamericana de ciencia tecnología y sociedad

versión On-line ISSN 1850-0013

Rev. iberoam. cienc. tecnol. soc. v.2 n.6 Ciudad Autónoma de Buenos Aires dic. 2005

 

Formação de professores principiantes do ensino básico: suas concepções sobre ciência-tecnologia-sociedade

Rui Marques Vieira (rvieira@dte.ua.pt)

Isabel P. Martins (imartins@dte.ua.pt)

Centro de Investigação em Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores \ Universidade de Aveiro, Portugal

A formação de professores é assumida como central na concretização de mudanças e reformas na educação, embora existam várias perspectivas de como concretizá-la. No caso da educação CTS parece particularmente relevante partir das concepções dos professores sobre as interligações CTS para desenhar programas de formação mais eficazes. Neste trabalho relata-se a evolução ocorrida em quatro professoras principiantes, do ensino básico português, no que respeita às concepções sobre CTS, recorrendo ao questionário VOSTS, seguido de entrevista individual para aprofundamento da compreensão sobre as suas ideias. Após o programa de formação as ideias iniciais evoluíram favoravelmente para posições mais consentâneas com a nova didáctica das ciências, o que se considera muito importante para poderem concretizar transposições didácticas adequadas aos alunos. Com efeito, sabe-se que as representações sobre ciência e tecnologia se constroem desde cedo e como é importante o papel dos professores nessa construção por parte dos alunos.

Palavra-chave: Formação de professores; Concepções de professores; Inter-relações CTS; Educação CTS e ensino das ciências.

Teacher education is regarded as having a central position in the accomplishment of educational changes and reforms, despite the different perspectives of how to improve it. In the case of STS education it seems particularly relevant to start from the teacher conceptions about STS inter-relations in order to conceptualize teacher education programmes. In this study we describe the evolution experienced by four beginning teachers of the basic Portuguese level concerning their STS conceptions. The data were collected through the VOSTS questionnaire followed by an individual interview for a deep understanding. After the teacher education programme the initial ideas developed to more adequate positions regarding the conceptual framework of actual didactics of science. This evolution seems favourable to promote adequate didactic transfer to the students. In fact, it is known that science and technology representations are conceptualized very early and that teachers have an important role in the student conceptualizations.

Key-words : Teacher education; Teacher conceptions; STS inter-relations; STS education and science teaching.

Introdução

Desde a II Guerra Mundial que se assiste em praticamente todos os países ocidentais a mudanças e reformas na educação, particularmente no domínio das Ciências. No começo deste milénio, fruto de movimentos de reformas iniciados nos anos 90, a literacia ou alfabetização científica tem-se destacado como uma das grandes finalidades, embora para muitos autores (Abd-El-Khalick e Lederman, 2000a), a preparação de estudantes cientificamente literados tenha sido sempre uma meta da educação em Ciências. No entanto, muitos dos esforços de reforma do passado não foram bem sucedidos (Driel, Beijaard e Verloop, 2001), em parte por não terem em conta as concepções / conhecimento prévio dos professores. Este reconhecimento serviu de impulso a que a investigação tenha passado a dar especial atenção às concepções dos professores acerca da natureza da Ciência, do seu ensino e da sua aprendizagem, isto é, da articulação entre a teoria e a prática (Paixão, 1998).

Contudo, a investigação em Didáctica das Ciências Experimentais tem-se ocupado relativamente pouco da avaliação de crenças e atitudes sobre Ciência-Tecnologia- Sociedade [ CTS] (Acevedo-Díaz et al, 2001), apesar da importância destas, em particular de alunos e professores, sobretudo tendo em consideração posições construtivistas do ensino e da aprendizagem das Ciências. Defendendo-se uma educação em Ciências com orientação CTS, pretende-se conhecer as concepções de professores sobre a natureza da Ciência (numa perspectiva de interligação Ciência-Tecnologia-Sociedade), pois tal conhecimento parece ser fundamental para desenvolver programas de formação inicial e continuada de professores.

Desenvolvimento do Tema / Revisão Teórica

Estudos em Didáctica das Ciências têm evidenciado que os professores, onde se incluem os portugueses (Thomaz, Cruz, Martins e Cachapuz, 1996), possuem concepções inadequadas acerca da natureza da Ciência, por confrontação com concepções contemporâneas do empreendimento científico (Abd-El-Khalick e Lederman, 2000a e 2000b; Lerderman, 1992 e 1999; Rubba e Harkness, 1993). A imagem de Ciência e da comunidade científica é apresentada como desligada dos problemas reais do mundo, demasiado tecnicista, especializada e elitista, só acessível a privilegiados detentores do saber, existindo um desconhecimento das interacções Ciência-Tecnologia-Sociedade (Solsona-Pairó, 1999).

Diversas razões têm sido apontadas como o ensino formal, os manuais escolares, os media e os professores que, de um modo geral, veiculam concepções sobre a natureza da Ciência, como as que Acevedo-Díaz e outros (2002), Fernández, Gil- Pérez, Valdés e Vilches (2005), Martínez-Álvarez (2001), Paixão (1998) e Santos (1999) destacam:

i. as Ciências estudam um mundo que se supõe real, objectivo e neutro, onde as verdades o são independentemente do que cada um pensa e existe somente uma descrição adequada de cada aspecto do mundo (realismo ingénuo) baseada na observação e na experimentação; omite-se, por norma, o enfoque sistémico, dinâmico e interdisciplinar do conhecimento;
ii. existe uma clara diferenciação entre as teorias científicas (expressas na ideia da neutralidade ideológica) e outros saberes (cientificidade); a Ciência é um conjunto de verdades fechadas anónimas e a-históricas, acima de ideologias às quais a criança deve ter acesso, em que é primordial a ideia de que o princípio, a lei, o conceito ou a teoria fazem parte ou são cópia da realidade e que foram sistematicamente desenvolvidos em laboratório de "Ciência Pura"; a verificação das teorias faz-se deduzindo as referências de observações dos postulados teóricos;
iii. o progresso científico é baseado no que é conhecido, sendo cumulativo e construindo-se assim uma verdade cada vez mais completa (exageradamente formal e racional); os conceitos científicos têm significados "acordados" que correspondem à "realidade das coisas";
iv. a existência de uma diferença essencial entre a observação e os enunciados teóricos, menosprezando-se o conhecimento empírico-quotidiano fruto da experiência imediata;
v. a descoberta de uma lei científica pode fazer-se por casualidade (ou por génio), mas deve seguir as regras do "método científico" que não deve contaminar-se de "factores extra-epistémicos" por não tomar a Ciência como uma empresa social complexa;
vi. o mito da Ciência benfeitora em que ciência e tecnologia é igual a progresso económico e, portanto, igual a progresso social;
vii. visão limitada (não cultural) da Tecnologia compreendida como ciência aplicada relativa a artefactos materiais, equipamentos, ferramentas, produtos úteis;
viii. a atitude tecnocrática em que o critério (autoritário) do especialista se sobrepõe a outras visões na tomada de decisões.

Perante este cenário, têm sido levados a cabo esforços para promover concepções dos professores sobre CTS, de modo a proporcionar-lhes a desejada compreensão da natureza da Ciência. Por exemplo, entre outros aspectos, Solbes e Vilches (2000) têm procurado inserir em materiais curriculares, com vista a uma compreensão pública da Ciência, aspectos como: (a) extrair da história problemas relevantes; mostrar a existência de grandes crises no desenvolvimento da Física e da Química; mostrar o carácter hipotético e indutivo da Ciência, as limitações das teorias, problemas pendentes de solução; (b) evidenciar a natureza colectiva e controversa da investigação científica para contrariar a ideia da Ciência feita basicamente por génios, na sua maioria homens; (c) apresentar grandes problemas que hipotecam o futuro da humanidade (crescimento da população, contaminação ambiental, esgotamento dos recursos, degradação dos ecossistemas, violência, fome, doenças) e medidas a tomar; (d) apresentar exemplos de atitudes de responsabilidade social de cientistas e técnicos (por exemplo, as de Einstein e Pauling) e como o uso irracional da Ciência na Guerra Fria colocava em perigo a paz entre as nações ou, na actualidade, o resultado de investigações que têm manifestado, pese embora a oposição de muitas empresas, que a radioactividade é prejudicial, que o tabaco e outros produtos são cancerígenos; e (e) mostrar a contribuição da Ciência no desenvolvimento geral da humanidade e de uma concepção do mundo baseada na racionalidade e no pensamento crítico contra todos os tipos de fundamentalismos (como o racismo) e de ideias pseudo-científicas (como a astrologia).

Estes esforços têm sido guiados por duas assunções: as concepções dos professores reflectem-se nas práticas de sala de aula e as concepções dos professores estão fortemente relacionadas com as concepções dos alunos. Em todo o caso, os estudos que tentaram examinar estas assunções fornecem resultados discordantes. No que se refere à primeira assunção, existem estudos que sugerem uma possível ligação entre as concepções dos professores acerca do conhecimento científico e as suas práticas de sala de aula (Brickhouse, 1990), ou que as concepções dos professores afectam substancialmente as acções relativas à planificação, ao ensino e à avaliação dos alunos (Keys e Bryan, 2001); outros estudos indicam que as concepções dos professores não influenciam necessariamente as práticas de sala de aula (Lederman, 1999). Quanto à segunda assunção, apesar dos vários estudos revistos por Rubba e Harkness (1993) indicarem que os comportamentos dos professores são os que mais contribuem para as concepções dos alunos, o conjunto de estudos acerca da interligação entre estas variáveis é ainda escasso (Hewson, Kerby e Cook, 1995), "esta assunção não é suportada pela literatura empírica" (Abd-El-Khalick e Lederman, 2000b, p. 1059), ou "por paradoxal que possa parecer, existe evidência acerca dos efeitos positivos do currículo e dos programas sobre as concepções dos estudantes, ao mesmo tempo que existem estudos que não sugerem a existência de qualquer tipo de efeito positivo" (Canavarro, 2000, p. 27).

De qualquer modo, estas relações (ou a sua ausência) entre as concepções dos professores, as suas práticas e as concepções dos alunos sobre CTS não são semelhantes para todos os professores, mesmo quando ensinam o mesmo currículo. Por exemplo, os professores principiantes (três primeiros anos de carreira) muitas vezes parecem experienciar conflitos entre as suas crenças pessoais sobre a natureza da Ciência e o seu ensino e as suas práticas de sala de aula (Driel et al., 2001). Além disso, estes investigadores referem ainda que os professores experientes tendem a desenvolver uma estrutura (framework) conceptual na qual o conhecimento e as crenças sobre a Ciência, os conteúdos específicos, o ensino e a aprendizagem são integrados de uma maneira coerente com tal estrutura. Mas, também aqui, os resultados não são consistentes. Por exemplo, Cornett, Yotis e Terwilliger (1990), com os variados dados recolhidos, inferiram que as concepções do professor principiante guiam as suas práticas.

Os professores, de um modo geral, possuem, pois, concepções inadequadas, nomeadamente sobre CTS, e estas podem (implícita ou explicitamente) reflectirse nas suas práticas e nas concepções desenvolvidas pelos alunos. Tal parece ser, apesar também da inconsistência dos resultados, mais vincado quando se trata de professores principiantes.

Em qualquer dos casos, a urgência passa por alterar estas concepções por meio de processos formativos (Canavarro, 2000; Magalhães, 2005). Se se pretende melhorar o ensino das Ciências e este está (em maior ou menor grau) relacionado com as concepções do professor sobre a natureza da Ciência, então a investigação sobre o seu pensamento é necessária para informar sobre as metas e as práticas de programas de desenvolvimento profissional e de certificação de professores de Ciências (Hewson et al., 1995). É, pois, importante desenvolver programas de formação de professores de Ciências (inicial e continuada) que incluam uma prévia caracterização das concepções dos professores sobre a natureza da Ciência e se foquem directamente na promoção da capacidade dos professores para traduzirem uma compreensão adequada para as suas práticas (Abd-El-Khalick e Lederman, 2000a; Lederman, 1999; Rubba e Harkness, 1993; Magalhães, 2005).

No caso particular de professores principiantes, da revisão de literatura realizada ressalta a escassez de estudos com estes professores e a quase inexistência de programa de formação específicos. Talvez porque a concepção, produção, implementação e avaliação de programas de formação continuada para professores, nomeadamente principiantes, seja complexo e exija grandes investimentos, em particular, pelo número reduzido de indivíduos que cada programa de formação pode comportar.

Metodologia - Desenho do Programa de Formação

A questão a que se pretende dar resposta neste estudo é: será possível através de um Programa de Formação [ PF] para uma educação em Ciências com orientação CTS contribuir para que professores(as) principiantes do Ensino Básico (re)construam as suas concepções acerca de Ciência-Tecnologia-Sociedade?

A revisão de literatura realizada não nos permitiu conhecer qualquer PF com esta intenção pelo que se optou por conceber, implementar e avaliar um, destinado a quatro professoras principiantes (três no início do seu segundo ano de serviço e uma a iniciar a sua carreira profissional) do 1º e 2º ciclos do Ensino Básico português (alunos de 6 a 12 anos). As jovens professoras (PC A, B, C e D) tinham todas a mesma formação inicial (quatro anos, na mesma instituição de ensino superior) e estavam (em 2000/2001) a trabalhar na mesma escola básica integrada (1º ao 9º ano), embora com anos de escolaridade diferentes na área das ciências: PC A leccionava no 2º e 3º anos (7-8 anos); PC B leccionava no 1º e 4º anos (6 e 9 anos, respectivamente); PC C leccionava no 5º ano (10 anos); PC D leccionava no 6º ano (11 anos).

Decorrente das posições sobre as temáticas que enquadram e fundamentam um programa de formação de professores com orientação CTS, o PF foi organizado em cinco fases: (1) levantamento das concepções das Professoras Colaboradoras [ PC's] sobre CTS; (2) sensibilização das professoras para a importância das finalidades da educação em Ciências, em particular a relativa à educação CTS; (3) (re)construção de conhecimentos sobre a natureza da educação CTS; (4) definição de uma metodologia para a construção de materiais curriculares de orientação CTS; (5) construção pelas professoras dos recursos didácticos.

Tendo em conta a natureza do programa de formação (com fases de exigências diferenciadas), pretendeu-se privilegiar as seguintes estratégias: a reflexão crítica com problematização dos saberes das professoras, o debate, a discussão, o trabalho de grupo e o trabalho em díade. Neste último caso pretendeu-se potenciar a (re)construção de concepções a partir de saberes e experiências anteriores e de práticas didáctico-pedagógicas mais próximas.

Para a realização das várias actividades integradas nas diferentes fases do programa de formação, houve necessidade de tomar como referência alguns documentos legais e curriculares em vigor: Lei de Bases do Sistema Educativo, o Currículo Nacional do Ensino Básico, os programas das disciplinas de Ciências do Ensino Básico. Usaram-se também livros e artigos publicados em revistas da especialidade sobre a temática CTS.

O formador (o primeiro autor deste artigo), de um ponto de vista global, desempenhou um papel de mentor, agente de mudança, facilitador, motivador e incentivador da participação responsável de todas as professoras colaboradoras no processo formativo, particularmente nas sessões de formação / trabalho, as quais ocorreram maioritariamente na própria escola das professoras todas as semanas lectivas de 2000/2001 com uma duração média de duas horas (total 64 horas). Consoante os momentos em causa, o formador informou, questionou e apoiou, colaborativamente, a (re)construção de concepções e práticas didácticopedagógicas. Recorreu-se à triangulação de técnicas e instrumentos variados para a avaliação do PF, em particular usou-se um questionário e entrevistas. No primeiro caso utilizou-se o "Views on Science-Technology-Society" [ VOSTS] , na sua versão abreviada e previamente adaptada para Portugal por Canavarro (2000). Esta versão possui 19 itens os quais permitem avaliar os tópicos apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Itens (com referência aos códigos originais) e Respectivos Tópicos da Versão Portuguesa do VOSTS

O autor desta versão portuguesa propõe também um esquema de classificação das respostas do VOSTS por três categorias: (i) realista ou adequada - uma escolha que expressa uma concepção apropriada da Ciência; (ii) aceitável - uma escolha parcialmente legítima, com alguns méritos mas não totalmente adequada; e (iii) ingénua - uma escolha inapropriada.

No presente estudo utilizou-se a versão portuguesa do VOSTS, no início e no fim do PF, para identificar as concepções sobre CTS das quatro professoras principiantes. Recorrendo ao mesmo sistema categorial, a análise das respostas ao questionário de cada uma das professoras foi seguida de uma entrevista individual para aprofundamento das suas ideias, em particular as de tipo "ingénuo". Este procedimento, praticado por outros autores (por exemplo, Aikenhead, Fleming e Ryan, 1987; Lerderman, 1992), apresenta-se como muito adequado para clarificar posições inferidas a partir de questionários.

As entrevistas individuais semi-estruturadas proporcionaram oportunidade às quatro professoras para descreverem as suas ideias sobre CTS e explicitarem o sentido das suas respostas ao questionário VOSTS, e a sua análise permitiu aos investigadores aprofundar a compreensão das ideias das professoras envolvidas, bem como da evolução havida.

Tratou-se, portanto, de um estudo de natureza qualitativa, fundamentado epistemologicamente numa perspectiva hermenêutica e interpretativa. Assim, a análise de conteúdo assumiu-se como técnica indispensável no tratamento dos dados recolhidos nos quatro casos em estudo. Nesta análise foram identificados os padrões e as regularidades a partir dos quais se estabeleceram as categorias correspondentes. Por confrontação destas categorias estabeleceram-se as conclusões.

Resultados

A apresentação dos resultados relativos às concepções sobre CTS de cada professora colaboradora será realizada tendo em conta os dois momentos de aplicação do questionário VOSTS, no início do programa de formação e no seu final.

Início do Programa de Formação

• Professora-Colaboradora A

Esta professora evidenciou seis respostas realistas, seis aceitáveis e sete ingénuas. Estas últimas foram exploradas na entrevista que se seguiu.

Assim, na questão sobre "Ciência e Tecnologia e qualidade de vida" surgiram as definições de Ciência e Tecnologia que reflectem concepções ingénuas como se infere do excerto recolhido na primeira entrevista:

P41 - [ ..] . . . . . na Tecnologia, em termos de máquinas e computadores e tudo isso, consegue-se fazer descobertas. Por exemplo, a . . . a relativa a . . . . .
E42 - por exemplo o microscópio poderá ser um desses instrumentos?
P42 - pensei nesse em primeiro mas não tinha a certeza . como é que faziam investigação para conhecer um pouco mais do nosso corpo . como funciona se não tivesse sido a Tecnologia a descobrir o microscópio . digo eu não é! acho que tudo parte daí porque os cientistas avançam mas têm de ter material . e acho que quem prepara o material é a Tecnologia [ ...]
P46 - ahm eu acho que é a Ciência que ajuda a descobrir tudo . não é?
E47 - essas são ideias que vamos trabalhar mais tarde . agora só quero perceber o seu ponto de vista
P47 - eu acho que a Ciência é um ponto de partida e a Tecnologia põe em prática aquilo que a Ciência descobre . digo eu . é assim que penso .

Neste episódio destacam-se quatro aspectos. O primeiro tem a ver com a definição de Ciência. A professora A considera que "é a Ciência que ajuda a descobrir tudo", "é um ponto de partida" e "faz descobertas boas para a saúde". O segundo relacionase com a sua definição de Tecnologia. Esta "põe em prática aquilo que a Ciência descobre", é "quem prepara o material [ para a Ciência] " e é encarada "em termos de máquinas e computadores e tudo isso" com os quais se conseguem "fazer descobertas". Em terceiro, a Ciência e a Tecnologia são concebidas de modo interligado, pois a Ciência depende da Tecnologia e vice-versa; a este nível, por exemplo, diz que "se não tivesse sido a Tecnologia a descobrir o microscópio a Ciência não teria avançado". Quarto, a resposta ingénua ao item 3 é alterada para outra igualmente ingénua "O investimento na investigação científica conduz à melhoria da qualidade de vida (p. ex., curas médicas, combate à poluição). A investigação tecnológica, por outro lado, conduz à deterioração da qualidade de vida (p. ex., bombas atómicas, poluição, automação)".

Estes aspectos indiciam que, apesar da resposta ao item 1 - definição de Ciência - ser aceitável e ao item 2 - definição de Tecnologia - ser realista, a professora A revela, na entrevista, concepções ingénuas de Ciência e de Tecnologia. Do mesmo modo, ao considerar que o investimento na investigação científica conduz à melhoria da qualidade de vida, dado que "a Ciência faz descobertas boas para a saúde para o ambiente" revela concepções não consentâneas com visões contemporâneas do empreendimento científico.

Na resposta ingénua seguinte sobre a "Influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência", na entrevista mudou de perspectiva relativamente à posição evidenciada no questionário, pois passou a considerar que estes grupos exercem influência, embora "independentemente das pessoas se oporem as coisas fazem-se na mesma" (P51). Ora, tendo como referência o esquema de classificação das respostas do VOSTS esta resposta é igualmente ingénua.

Já na questão "Haverá sempre a necessidade de estabelecer compromissos entre os efeitos positivos e negativos da Ciência e da Tecnologia" passou a defender uma resposta realista - os cientistas não são capazes de prever todos os efeitos de novos desenvolvimentos, a longo prazo.

As duas concepções ingénuas seguintes evidenciadas têm a ver, por um lado, com as ideologias e crenças religiosas (item 13) e, por outro, com a vida social dos cientistas (item 14). Na entrevista estas concepções mantiveram-se. Sobre o primeiro destes tópicos, apresentou razões como: (i) os cientistas "não podem" ser afectados pelas suas crenças religiosas; (ii) "a própria teoria tem de ser . . . verificada experimentalmente" (P68); e (iii) "têm de ser imparciais . não se podem deixar influenciar . se estão a olhar de certo modo pela vida da humanidade não só pelo . . . mas por todos os seres vivos à face da terra . . ." (P73).

No item 14 começou por, após uma nova leitura, hesitar e mostrar poucas certezas. Depois, acabou por defender que "no âmbito profissional, os cientistas comportamse de modo diferente dos outros indivíduos, mas isto não implica que não tenham vida familiar ou social". Esta resposta é ingénua dado que a vida familiar ou social de cada cientista depende de como cada um deles consegue (ou não) conciliar a profissão com a família e com a vida em sociedade.

É verosímil inferir que a professora A possui uma visão idealista de cientista ou, como é referido por vários investigadores, de realismo ingénuo. Isto quer quanto às suas ideologias e crenças religiosas, quer no que diz respeito à sua vida social. Da análise da entrevista perpassa uma diferença entre o "ser" e o "dever" sendo este último o que determina as concepções sobre os cientistas.

As últimas duas respostas ingénuas exploradas durante a entrevista são relativas à tomada de decisão sobre, primeiro, questões de Ciência (item 16) e, segundo, questões de Tecnologia (item 17). Em ambos os casos as ideias explicitadas na entrevista podem ser consideradas, predominantemente, como ingénuas, já que defende que os cientistas têm "que se basear em teorias científicas" (P87) e "a decisão de utilizar ou não uma nova tecnologia depende sobretudo da sua eficiência custo, utilidade e também dos efeitos que essa tecnologia terá em termos do emprego [ ...] porque algumas tecnologias são colocadas em prática antes de provarem a sua eficiência. Muitas vezes são aperfeiçoadas posteriormente". Nestes dois itens a perspectiva revelada pela PC A evidencia um pendor positivista dado que as teorias científicas parecem estar acima de valores ou motivos pessoais, para assim os cientistas poderem basear-se nelas na tomada de decisão.

• Professora-Colaboradora B

A professora B evidenciou oito respostas realistas, cinco aceitáveis e seis ingénuas. Das ingénuas, à excepção da resposta ao item 13, todas as restantes cinco respostas tiveram como opção de escolha "Nenhuma das afirmações anteriores coincide com o meu ponto de vista".

Na entrevista, nas primeiras respostas ingénuas (item 5 e 6) começa por hesitar. Acaba, no entanto, por manter a sua opção de resposta ingénua: "Nenhuma das afirmações anteriores coincide com o meu ponto de vista".

Na resposta ingénua seguinte (item 13) sobre as ideologias e crenças religiosas dos cientistas a PC B optou pela opção "As crenças religiosas dos cientistas não afectam o seu trabalho. As descobertas científicas são fundamentadas em teorias e em métodos experimentais. As crenças religiosas são exteriores à Ciência". Convidada a explicitar, na entrevista, esta sua opção obtiveram-se as interacções documentadas no episódio seguinte:

E22 - * agora no 60 311 - "As crenças religiosas do cientista não afectam o seu trabalho." Gostaria que lesse
P22 - . . . . . acho que não . eu também sou uma pessoa religiosa e não sou afectada
E23 - portanto as crenças religiosas dos cientistas não afectam . . . não afectam o seu trabalho?
P23 - eu penso que sim [ ...]
P24 - [ ...] os cientistas não têm que se deixar afectar [ no seu trabalho]
E25 - mas acha . e é a pergunta que lhe faço . que os cientistas não se deixam afectar pelas suas crenças religiosas?
P25 - eu penso que não . pelo menos não deviam.

Deste episódio é possível destacar três aspectos. Primeiro, a professora mantém uma concepção ingénua sobre as ideologias e crenças religiosas dos cientistas. Segundo, parte da sua experiência pessoal, afirmando que também é "uma pessoa religiosa e não [ é] afectada" no seu trabalho. Terceiro, estabelece uma diferença entre o "ser" e o "dever", pois os cientistas "pelo menos não deviam" ser afectados pelas suas crenças religiosas.

Tendo em conta estas respostas pode inferir-se que a PC B possui uma visão idealista de cientista. Este parece ser, de acordo com esta professora, imune às ideologias e crenças religiosas bem como ao controlo político e do sector privado. As três concepções ingénuas seguintes evidenciadas pela professora B na resposta ao questionário VOSTS tiveram também, tal como as duas primeiras, a mesma resposta, a qual corresponde à última opção de resposta. Os tópicos destes três itens têm a ver, respectivamente, com o efeito do género nas carreiras científicas (item 15), com a tomada de decisão sobre questões tecnológicas (item 17) e com a natureza dos modelos científicos (item 19). Na entrevista estas respostas, ao contrário das três primeiras respostas ingénuas, foram alteradas para respostas mais aceitáveis e até realistas.

Por exemplo, no item 17, após uma nova leitura, a PC B confessa que estava para escolher a opção B que refere que a decisão de utilizar uma nova tecnologia "depende de muitas coisas como: custo, eficiência, utilidade e também dos efeitos que essa Tecnologia terá em termos do emprego". Não o fez por não ter percebido a última parte da afirmação. Mas, na entrevista, acaba por preferir esta opção, considerada aceitável.

No final da entrevista foi pedido à professora que clarificasse a sua definição de Ciência, de Tecnologia e a relação de ambas entre si e com a sociedade. O episódio que a seguir se apresenta ilustra as respostas dadas por esta professora.

E39 - mas afinal o que é a ciência? . e tecnologia?
P39 - a ciência é o conhecimento de factos . . . leis . enfim verdades sobre o mundo natural . no fundo sobre quase tudo . já a tecnologia é o que a ciência usa para chegar a esse conhecimento .
E40 - e a relação de ambas entre si e com a sociedade?
P40 - uma depende da outra . são praticamente um só e afectam a sociedade com as suas descobertas .

Neste episódio verifica-se que a Ciência é definida por esta professora como "o conhecimento de factos . . . leis . enfim verdades sobre o mundo natural . no fundo sobre quase tudo". Por sua vez a Tecnologia "é o que a ciência usa para chegar a esse conhecimento". Considera, também, que a Ciência e Tecnologia dependem uma da outra e "são praticamente um só e afectam a sociedade com as suas descobertas".

Estas respostas indiciam que a PC B revela concepções ingénuas de Ciência e de Tecnologia e da sua inter-relação. A Ciência aparece associada a conhecimentos de factos, leis e verdades sobre "quase tudo", a Tecnologia como aplicação da Ciência e ambas como um empreendimento único que afecta a sociedade - tecnociência. A ciência surge como exacta, objectiva e como um conjunto de verdades acima da influência de crenças e ideologias.

• Professora-Colaboradora C

Esta PC evidenciou nove respostas realistas, sete aceitáveis e três ingénuas. No que diz respeito à sua primeira resposta ingénua (item 3) "Para melhorar a qualidade de vida das pessoas, é mais útil o investimento na investigação tecnológica do que na investigação científica", considerou a opção "E - Porque cada uma beneficia a sociedade à sua maneira. Por exemplo, a Ciência dá-nos avanços médicos e a Tecnologia traz consigo maior eficiência". Na entrevista, após nova leitura do item e das opções volta a escolher esta mesma opção e a concordar com parte da alternativa G, também ingénua, justificando:

P33 - [ ...] Ciência é um conhecimento que se tem . . . não é! e a Tecnologia é no fundo os meios técnicos . daí achar que não pode haver uma dissociação . porque para haver e como diz na E "ACiência dá-nos avanços médicos" . sem dúvida porque é o conhecimento real acerca de determinado assunto . . . ter de haver na parte Tecnológica os tais meios técnicos para . para fazer com que . como hei-de explicar . . . para fazer com que essa investigação científica vá no fundo . . . se obtenham resultados científicos . se se diz que . de facto acho que a ciência nos traz avanços médicos em determinados assuntos . a maioria das vezes utilizando os tais . técnicas tecnológicas . os tais instrumentos [ ...]
E35 - então acha que a Ciência é sempre feita por pessoas responsáveis e conscientes?
P35 - acho que sim . . . eu penso que sim!
E36 - e a Tecnologia?
P36 - também acho . [ ...]
P41 - [ ...] eles [ os cientistas] lidam com coisas que . . . podem afectar as pessoas . . . como a bomba atómica . . . e agora com essa moda da manipulação genética . e isso pode ser bastante perigoso . não é! e nesse sentido eles não podem deixar-se influenciar pela sociedade . daí que neste sentido não se possam igualar aos outros cidadãos .
E42 - então [ ...] acha que os cientistas não são muito afectados pelas políticas sociais do seu próprio país?
P42 - afectados . afectados não . pela política sim . agora eu não os comparo aos outros cidadãos . embora eu . sinceramente aqui tenho uma série de dúvidas . [ ...]
E45 - por exemplo . acha que os governos podem decidir quais as áreas prioritárias de investigação e portanto serem estas as financiadas?
P45 - poder podem . mas não deviam
E46 - porquê? [ ...]
P47 - porque estão a trabalhar para melhorar a qualidade de vida . o governo não lhes devia cortar as pernas . estão a contribuir para a melhoria de vida das pessoas .

Neste episódio destacam-se cinco aspectos. O primeiro tem a ver com o facto de esta professora preconizar, entre outros, que "as coisas feitas com consciência" conduzem à qualidade de vida. O segundo prende-se com a definição de Ciência, a qual é encarada como "um conhecimento que se tem [ ...] real acerca de determinado assunto". O terceiro liga-se à definição de Tecnologia: "é no fundo os meios técnicos [ ...] para fazer [ ...] com que essa investigação científica vá no fundo . . . se obtenham resultados científicos". Em quarto, a Ciência e a Tecnologia são concebidas de modo interligado, pois em função das definições anteriores "não pode haver uma dissociação [ ...] de facto acho que a ciência nos traz avanços médicos em determinados assuntos, a maioria das vezes utilizando os tais..técnicas tecnológicas.. os tais instrumentos." O último aspecto relaciona-se com a visão do cientista: responsável e consciente, mesmo sendo "iguais às outras pessoas", em termos do seu trabalho são diferentes "porque eles lidam com coisas que...podem afectar as pessoas [ ...] eles não podem deixar-se influenciar pela sociedade...daí que neste sentido não se possam igualar aos outros cidadãos".

Estes aspectos evidenciam que a PC C revela concepções ingénuas de Ciência e de Tecnologia. A Ciência é encarada como "conhecimento real" e a Tecnologia como "meios/instrumentos técnicos" necessários para a concretização da investigação científica. Estas concepções aliadas ao facto de considerar que "o investimento na investigação científica conduz à melhoria da qualidade de vida" evidenciam uma visão que não é aproximada do actual empreendimento científico.

Na resposta ingénua seguinte (item 7) sobre a "Influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência" ao seleccionar a opção F preconiza que "embora tentem, nem sempre estas instituições ou grupos conseguem influenciar com êxito a condução de determinadas pesquisas, cabendo a última palavra aos cientistas". Na entrevista mudou de perspectiva, apesar de não possuir certezas, optou pela opção D que postula que essas instituições ou grupos realmente exercem influência "porque influenciam o governo e as opções deste em matéria de financiamentoà investigação". E esta opção é considerada realista.

A terceira e última resposta ingénua explorada durante a entrevista foi a relativa ao controlo público da Tecnologia (item 18). Após nova leitura passou a escolher uma opção aceitável, a qual enuncia que os desenvolvimentos tecnológicos podem ser controlados pelos cidadãos "porque os progressos tecnológicos são apoiados e controlados pelo governo. No acto de eleição do governo, os cidadãos podem controlar a política que foi levada a cabo". Neste sentido diz também que, pese embora os cidadãos serem "tão pouco ouvidos [ ...] se calhar também tem a ver com o governo, não é? à partida eles não querem perder votos...sei lá...perder a sua posição...", acabam por controlar a política ligada aos desenvolvimentos tecnológicos".

• Professora-Colaboradora D

Esta professora evidenciou seis respostas realistas, nove aceitáveis e quatro ingénuas.

Na primeira resposta ingénua (item 3), após nova leitura deste item, passou a defender que a investigação científica conduz à melhoria da qualidade de vida e a investigação tecnológica à deterioração da mesma embora esta também ajude "a Ciência e vai fazer com que novas descobertas científicas sejam feitas". Estas concepções são igualmente classificadas dentro da categoria ingénua. Neste mesmo sentido esta professora evidencia uma visão tecnocientífica da relação entre Ciência e Tecnologia. Considera que a Tecnologia "está muito ligada à Ciência... porque... muitas das coisas que foram descobertas a nível científico nomeadamente a cura para algumas doenças deve-se também ao avanço tecnológico [ ...] ".

Na resposta ingénua seguinte (item 4) que se foca na temática do controlo político e governamental da Ciência, defendeu que os cientistas são afectados pelas políticas dos seus países "porque os cientistas tentam compreender e auxiliar a sociedade. Desta forma, atendendo à importância e ao envolvimento pessoal dos cientistas, estes estão directamente ligados à sociedade". Na entrevista verificou-se sustentar ainda que alguns cientistas "também tentam auxiliar a sociedade. Mas isso é só em alguns aspectos porque noutros eles também; ao tentarem auxiliar também estão a prejudicar nomeadamente ao nível da poluição que quanto mais Tecnologia mais avanços há e mais estão a prejudicar. Portanto eles estão a auxiliar por um lado mas também estão a prejudicar por outro". Do mesmo modo defende que a Tecnologia pode ser definida como os "meios tecnológicos como a TV, o computador, essas coisas...máquinas que são utilizadas na Ciência; mas não sei se é isso mesmo". Já a Ciência está associada às descobertas como a cura para as doenças, de que é exemplo a SIDA. Tendo em conta estas evidências, esta PC revela, na entrevista, concepções ingénuas de Ciência e de Tecnologia.

Na resposta ingénua seguinte (item 7) sobre a "Influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência" ao seleccionar a opção F a PC D defendeu que "Embora tentem, nem sempre estas instituições ou grupos [ que se opõem a determinados campos de investigação] conseguem influenciar com êxito a condução de determinadas pesquisas, cabendo a última palavra aos cientistas". Na entrevista manteve esta concepção ingénua uma vez que concorda que "embora tentem nem sempre estas instituições ou grupos conseguem influenciar com êxito a condução de determinadas pesquisas" (P61).

No item 9, "Haverá sempre a necessidade de estabelecer compromissos entre os efeitos positivos e negativos da Ciência e da Tecnologia" optou por defender que nem sempre existirão compromissos entre os efeitos positivos e negativos da Ciência e da Tecnologia. Na entrevista, após uma leitura mais atenta de cada opção, a professora acaba por defender o enunciado da opção realista C, "porque o que beneficia uns pode ser negativo para outros. Depende dos pontos de vista respectivos". Nesta situação parece existir uma visão mais aproximada dos reais contributos da Ciência e da Tecnologia para a resolução de problemas sociais.

Final do Programa de Formação

• Professora-Colaboradora A

No final do PF esta professora evidenciou sete respostas realistas, sete aceitáveis e cinco ingénuas. Estas últimas correspondem, respectivamente, aos itens "Ciência e Tecnologia e qualidade de vida", "Controlo político e governamental da Ciência", "Influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência", "Tomada de decisão sobre questões científicas" e "Tomada de decisão sobre questões Tecnológicas". Em termos comparativos verifica-se que, entre o início e o final do PF, o número de respostas realistas e aceitáveis da professora A aumentou e consequentemente diminuiu o número de respostas ingénuas. Nestas, exceptuando o item sobre o "Controlo político e governamental da Ciência", todos as outras são referentes aos mesmos itens, mantendo, portanto, concepções não consentâneas com a perspectiva actual acerca da Ciência, Tecnologia e Sociedade.

• Professora-Colaboradora B

Esta PC, no final do PF, evidenciou dez respostas realistas, oito aceitáveis e apenas uma ingénua, correspondente item 17, e preconiza que "quando uma nova tecnologia é desenvolvida (por exemplo um novo computador), a decisão de a colocar (ou não) em prática, não depende necessariamente da eficiência mas dos lucros que pode gerar".

Em termos comparativos verifica-se que, entre o início e o final do PF, o número de respostas realistas e aceitáveis da professora B aumentou consideravelmente, tendo o número de ingénuas diminuído de seis (por escrito) e três (na entrevista) para uma (por escrito). Uma resposta ingénua já tinha sido dada por escrito na primeira vez que esta professora respondeu ao VOSTS, embora com uma opção diferente. É verosímil afirmar que as concepções evoluíram ao longo do PF e parecem ser mais consentâneas com a perspectiva actual acerca da Ciência, Tecnologia e Sociedade.

Mesmo as definições de Ciência e Tecnologia (itens 1 e 2), que apesar de no questionário se terem mostrado, respectivamente, aceitável e realista e depois na entrevista se terem revelado ingénuas, evoluíram para a categoria de resposta aceitável. Alguns dos registos apontam nesse sentido. Por exemplo, um comentário produzido numa das sessões de formação do PF: "A Ciência é mais do que conhecimentos; são também as experiências e descobertas ligadas aos problemas que nos afectam; e os cientistas e o contexto da sua vida devem merecer mais atenção da nossa parte". Tendo como referência o VOSTS e o seu esquema de classificação, as concepções sobre Ciência e Tecnologia implícitas coincidem com opções de resposta consideradas aceitáveis.

• Professora-Colaboradora C

No final do PF, esta professora obteve onze respostas realistas, sete aceitáveis e uma ingénua. Nesta última defendeu que nem sempre existirão compromissos entre os efeitos positivos da Ciência e da Tecnologia "porque os efeitos negativos podem ser eliminados com um planeamento cuidadoso e sério e com ensaios devidamente programados. De outro modo, nada de novo se faria em termos de Ciência e Tecnologia".

Em termos comparativos verifica-se que, entre o início e o final do PF, o número de respostas realistas e aceitáveis aumentou e diminuiu consideravelmente o número de ingénuas. Evoluíram favoravelmente as concepções relativas aos itens 1, 2 e 3, conforme registos áudiogravados das sessões de formação: "estava eu convencida que sabia o que era a Ciência e a Tecnologia. como estava afinal distante da realidade [ ...] fica claro para mim que Ciência tem também a ver com descoberta e o modo de funcionamento das coisas e a Tecnologia são mais do que artefactos". Concepções, como esta, são mais realistas.

• Professora-Colaboradora D

No final do PF, esta PC obteve treze respostas realistas, cinco aceitáveis e uma ingénua, esta correspondente ao tópico "Influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência".

Em termos comparativos verifica-se que entre o início e o final do PF, o número de respostas realistas aumentou e o número das ingénuas foi reduzido para menos de metade. A mesma resposta ingénua tinha sido evidenciada no início do PF. Tudo aponta para uma evolução das concepções ingénuas ligadas às definições de Ciência e Tecnologia (itens 1 e 2), para categorias mais realistas, conforme se registou na 9ª sessão de formação: "a minha ideia de Ciência não andava muito longe da apresentada no texto; agora a de Tecnologia...tinha mesmo a ideia que eram só máquinas e coisas assim".

Síntese Global

A análise dos dados anteriores permite fazer emergir as ideias tipo, categorias de respostas, sobre as concepções acerca da natureza da Ciência (numa perspectiva de interligação Ciência-Tecnologia-Sociedade), partilhadas por mais que uma PC, nos dois momentos em que se fez explicitamente o seu levantamento: no início e no final do PF desenvolvido.
A análise de conteúdo das entrevistas permitiu verificar que no início do PF predominavam concepções do tipo:

(i) Ciência como conhecimento válido sobre o mundo natural;
(ii) Tecnologia como aplicação da Ciência;
(iii) Ciência e Tecnologia como domínios interligados que se repercutem na sociedade;
(iv) Ciência e Tecnologia, cada uma à sua maneira, melhoram a qualidade de vida das pessoas, justificando-se por isso o investimento em ambas;
(v) a política do país não afecta o trabalho dos cientistas;
(vi) não existe influência de grupos de interesses particulares sobre a Ciência;
(vii) as ideologias e crenças religiosas dos cientistas não afectam o seu trabalho

Relativamente à distribuição destas concepções verificou-se que as professoras A e B possuíam mais ideias de tipo "ingénuo" (7 e 6, respectivamente) do que as professoras C e D (3 e 4, respectivamente).
Após o PF as professoras revelaram ainda duas das concepções ingénuas:

(i) não existência de influência de grupos de interesses particulares sobre a Ciência;
(ii) a decisão de utilizar ou não uma nova tecnologia não depende necessariamente da sua eficiência.

Esta segunda concepção não tinha sido manifestada no início do PF e foi revelada pelas professoras A e B, as quais justificaram então a decisão de utilizar ou não uma nova tecnologia com os "lucros que pode gerar".

Conclusões e Implicações

Em relação à questão da investigação conclui-se que o PF contribuiu para que as quatro professoras (re)construíssem as suas concepções acerca de Ciência- Tecnologia-Sociedade, evoluindo para visões mais consentâneas com as defendidas pela nova Didáctica das Ciências. Os resultados que apoiam esta conclusão decorrem, essencialmente, da análise comparativa entre as concepções reveladas pelas professoras no início e no final do PF.

As professoras colaboradoras A e B que leccionavam no 1º ciclo do Ensino Básico, particularmente antes do PF, apresentaram três diferenças em relação às suas colegas do 2º ciclo (C e D). A primeira prende-se com o número de respostas ingénuas: as professoras do 1º ciclo revelaram um maior número de ideias de tipo "ingénuo". A segunda tem a ver com "as ideologias e crenças religiosas dos cientistas" (item 13). As professoras A e B parecem evidenciar no seu discurso "falácias naturalistas", porquanto passam do "ser" ao "dever" concluindo que "deve ser" a partir do "ser", conforme ilustra o raciocínio da professora B: "Os cientistas podem ser afectados mas não têm que se deixar afectar, pelo menos não deviam". A terceira relaciona-se com a "Tomada de decisão sobre questões Tecnológicas", relativamente à qual parecem evidenciar uma concepção híbrida entre uma ingenuidade idílica e uma realidade aceitável: "os microscópios não ficamos sempre com os mesmos; vão sendo aperfeiçoados..." (PC A, P93); e "eu acho que se deve conciliar o custo, a efic*cia e a utilidade [ ...] " (PC B, P34).

Estas concepções sustentam um perfil global comum às quatro PC's no início deste estudo: realismo ingénuo e pendor mais empirista da Ciência e Tecnologia. As quatro professoras revelaram possuir uma imagem de Ciência neutra, dogmática e linear; o conhecimento científico foi encarado como inequivocamente verdadeiro, acabado e a-problemático. Os cientistas são vistos por um prisma idealista ou de realismo ingénuo, pois, entre outros atributos, não são influenciados pela sociedade nem por crenças religiosas. Por sua vez, a Ciência e a Tecnologia formam um empreendimento único - Tecnociência- que afecta a sociedade. Tais perspectivas parecem aproximar-se de uma visão positivista, na qual as teorias científicas estão acima de valores, questões pessoais e imprevistos.

Tal quadro de concepções é consonante com as obtidas em muitos estudos. A título ilustrativo, as três primeiras concepções reveladas pelas professoras na entrevista (sobre o que é a Ciência, a Tecnologia e a relação entre ambas) também foram encontradas em professoras do Ensino Básico português (3º ciclo) no estudo realizado por Paixão (1998).

No entanto, as concepções iniciais sobre CTS não estavam bem definidas, nem eram coerentes em todos os seus aspectos. Tudo aponta para a existência de pouca reflexão sobre alguns dos temas / tópicos do instrumento de diagnóstico usado. Na esteira do que advogam vários investigadores em Didáctica das Ciências (por exemplo, Acevedo-Díaz e Acevedo-Romero, 2002), está-se perante uma ausência de reflexão prévia sobre a natureza da Ciência numa perspectiva CTS. Pode, também, considerar-se que tais concepções não estão associadas, de um modo intencional e consistente, a uma determinada orientação filosófica e / ou psicológica nem ancoradas em quadros conceptuais fundamentantes da acção educativa. Após o PF as ideias ingénuas evidenciadas diminuíram apreciavelmente. A primeira delas (que se manteve) tem a ver com o facto das professoras considerarem não existir influência de grupos de interesse particular sobre a Ciência. A segunda prende-se com o facto de a decisão de utilizar, ou não, uma nova Tecnologia não depender necessariamente da sua eficiência.

De um modo geral, as ideias evidenciadas sobre a educação CTS passaram a ser apresentadas num articulado mais consistente e consciente, de forma cada vez mais explícita, particularmente nas sessões de formação/trabalho do PF. Apesar das dificuldades próprias de um programa de formação que visava promover reconstrução de ideias, foi bem clara a evolução para uma imagem de Ciência também como "a exploração do desconhecido e de como as coisas funcionam" e de Tecnologia como algo mais do que simplesmente máquinas e artefactos.

Simultaneamente passaram a mostrar um maior interesse pelas questões CTS e estas passaram a ser referidas de forma mais sustentada e fundamentada.

Considerando que o professor influencia, por exemplo, as concepções dos alunos, estas quatro professoras principiantes moveram-se pela tomada de consciência de que poderão veicular concepções, pelo menos diferentes das que revelavam antes de se envolverem no PF, já que este lhes permitiu tomar consciência das suas concepções e compreender a natureza da mudança a ter lugar. Poderão, assim, vir a influenciar positivamente as ideias dos seus alunos sobre estes mesmos domínios, contribuindo para uma mais plena literacia científico-tecnológica destes.

Do presente estudo ressaltam duas grandes implicações, particularmente para a investigação em Didáctica das Ciências. A primeira prende-se com a relação entre as variáveis: concepções dos professores, práticas didáctico-pedagógicas e concepções dos alunos quanto ao CTS. Torna-se, pois, necessário aprofundar estudos no âmbito das duas assunções enunciadas na revisão teórica, em particular na relação entre as concepções de professores principiantes e as suas práticas de sala de aula para se poder clarificar um pouco mais os resultados divergentes que se têm sido obtidos. A segunda implicação, que decorre também da primeira, aponta para a importância de se fomentar uma formação de professores, quer inicial, quer continuada, que vise ultrapassar concepções de Ciência ingénuas, particularmente de natureza acrítica, neutral e à margem de inter-relações com a Tecnologia e a Sociedade. Tal como salientam autores como Quse e De Longhi (2005) e Rubba e Harkness (1993) importa desenvolver programas de formação (inicial e continuada) que ajudem os professores, em particular os principiantes, na reflexão e (re)construção das suas concepções, nomeadamente sobre inter-relações CTS, e lhes proporcionem saberes e confiança para transposições didácticas adequadas aos seus alunos o que implica que estes possuam também mecanismos de identificação das ideias prévias destes. As imagens sobre Ciência e Tecnologia constroem-se desde muito cedo mesmo que o conjunto de conceitos possa ainda ser reduzido.

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