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Revista iberoamericana de ciencia tecnología y sociedad

versión On-line ISSN 1850-0013

Rev. iberoam. cienc. tecnol. soc. vol.9 no.27 Ciudad Autónoma de Buenos Aires set. 2014

 

ARTICULOS

Perspectivas de treinamento e orientação:  contextos da mediação no universo da inclusão digital  

Prospects of training and guidance. Contexts of mediation in the universe of digital inclusion

Barbara Coelho Neves e Edvaldo Souza Couto *

* Barbara Coelho Neves: doutora em educação e professora do Departamento de Ciências da Informação, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Brasil. E-mails: barbaracoelho@ufs.br y http://inclusaoecognicao.wordpress.com#/. Edvaldo Souza Couto: PHD em educação e professor Associado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil; atua na graduação e pós-graduação em educação; bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq. E-mail: edvaldo@ufba.br  


Este artigo discute duas das perspectivas utilizadas nos projetos de inclusão digital: o treinamento e a orientação. O principal objetivo visa apresentar o monitor como um elemento-chave para potencializar as transformações requeridas pelas propostas que enfocam inclusão para gerar desenvolvimento por meio da via do acesso público às TIC. Para tanto, de modo específico, procurou-se investigar a importância das ações de treinamento e orientação nos pontos de inclusão digital públicos; e analisar essas ações, no âmbito da inclusão digital, a luz do conceito de mediação. O método utilizado foi o descritivo por meio de metodologia de estudo de multi-casos e levantamento. O universo de pesquisa foram cidades da Região Nordeste do Brasil, denominadas em pesquisa nacional, como aquelas com maior potencialidade para inclusão digital. Como resultado, ilustra a situação das perspectivas embasadas em treinamento e orientação no contexto da inclusão digital nestas cidades. Conclui sinalizando aspectos que denotam a importância de se pensar a mediação para os programas e projetos que visam inclusão digital e as duas principais causas que impactam no monitor (mediação humana).

Palavras-chave: Tecnologia de informação e comunicação (TIC); Inclusão digital; Acesso público; Mediação; Mediador humana.

This article discusses two perspectives that are usually taken into consideration in digital inclusion projects: training and orientation. The main objective of this paper is to present the monitoring as a key element for enhancing the transformations required by the proposals that focus on inclusion to generate development by means of public access to ICT. We sought to investigate the importance of training and guidance at different points of public digital inclusion. We also analyzed these actions in the context of digital inclusion and under the light of the mediation concept. The research was conducted in the northeastern cities of Brazil with the greatest potential for digital inclusion. As a result, this paper illustrates the situation of perspectives based on solid training and guidance in the context of digital inclusion in these cities. We conclude signaling aspects that denote the importance of thinking for mediation programs and projects aimed at digital inclusion and the two main causes that impact the monitoring (human mediation).

Key words: Information and communication technologies (ICT); Digital inclusion; Public access; Mediation; Human mediator.


Introdução

Ao remontar a agenda de inclusão digital no Brasil, na primeira metade dos anos 1990, a única possibilidade de acesso à internet no País, segundo Vianna (2011), fora de alguns poucos órgãos do governo ou universidades por meio da conexão fornecida pela ONG Ibase.

Até o inicio da segunda metade dessa década, não havia, portanto, política oficial de inclusão digital ou incentivos públicos e privados voltados para acesso da população aos computadores e à internet. Pelo contrário, assiná-la Vianna (2011), naquele momento, as iniciativas existentes pareciam querer afastar os cidadãos brasileiros do contato e da troca de informação por meio desses recursos. Cenário este que seria modificado mais tarde, no final dos anos 1990, com o Programa Sociedade da Informação no Brasil.

Atualmente, observa-se uma nova interatividade para os que têm acesso às tecnologias de informação e comunicação (TIC), pois há menos distinção de separação das tarefas, por exemplo, entre trabalho e lazer, ou entre as compras, ou mesmo entre entretenimento e educação para os sujeitos incluídos digitalmente.

O social não se reduz ao digital, por certo, mas ambos caminham juntos, comprometendo-se mutuamente. Por outro lado, inclusão digital reencontra velhos problemas no caminho da equalização de oportunidades, mesmo em países mais avançados, a ponto de ocorrer atualmente uma desconstrução da noção vulgarizada dos “nativos digitais” (Thomas, 2011).

Segundo Dijk (2005), pessoas com alto nível de educação utilizam aplicações mais complexas nas TIC, enquanto que pessoas com níveis mais baixo fazem consultas simples, utilizando muito mais a internet para games e entretenimento, como trocas de mensagens e conversação por meio de redes sociais digitais. Pode-se observar que, nos estudos estatísticos divulgados pelo Banco Mundial (2006), as maiores densidades de acesso ao ciberespaço e de uso das tecnologias digitais coincidem com os principais centros mundiais de pesquisa científica, de atividade econômica e de movimentações financeiras. Assim, os indicadores, principalmente aqueles que se referem aos países em desenvolvimento, sustentam a expressão bíblica “the rich get richer” ou “os ricos mais ricos”. Sob essa visão, nos países em desenvolvimento, a inserção dos sujeitos na “era da informação” passa a ser uma obrigação dos poderes públicos.

Em junho de 2014, a UNESCO e o Cetic.br chamaram atenção que o brasileiro se destaca mundialmente no uso da Internet e das redes sociais digitais, mas as desigualdades sociais e regionais ainda são entraves para que as TIC se convertam em oportunidades para todos.

1.1. Contexto

Como proposta de inserção dos sujeitos que vivem em cidades pequenas e médias, foram criados os telecentros públicos de acesso ou pontos de inclusão digital (PID). Os PID são espaços com computadores conectados à internet banda larga gratuita. Um PID possui, geralmente, entre 10 e 20 micros, podendo não ser uma regra invariável. O uso livre dos equipamentos, cursos de informática básica e oficinas especiais são as principais atividades oferecidas à população. Cada PID possui um Conselho Gestor, formado por membros da comunidade e por ela eleitos, que ajudam os funcionários na fiscalização e gestão do espaço (Brasil, 2006).

O objetivo central dos PID é combater a exclusão digital. Trata-se de uma iniciativa fundamental de capacitação da população brasileira, visando à inserção na Sociedade da Informação. Além de incentivar a criação de postos de trabalho com maior qualidade para um desenvolvimento tecnológico sustentável e ambientalmente correto, aprimorando a relação entre o cidadão e o poder público na construção da cidadania digital e ativa. Entretanto, acredita-se principalmente que, tal proposta não parece está condizente com a realidade atual dos PID, por não considerar o treinamento e a orientação para inclusão digital.

1.2. Objetivos, material e método

Este artigo discute a importância do trabalho do monitor, considerando, de um lado, a perspectiva de treinamento e, de outro, a perspectiva de orientação. A discussão é realizada a luz do conceito de mediação.

Para ilustrar o quadro contemporâneo de tal demanda para a inclusão digital são apresentados alguns dos resultados obtidos através das observações realizadas em 2011 junto aos usuários e monitores dos PID que integraram a amostra de uma pesquisa realizada em sete cidades no estado da Bahia. Esses municípios são situados na região Nordeste do Brasil.

O método foi o descritivo, com metodologia de estudos de multi-casos e levantamento. O tipo de observação foi direta e indireta por meio da aplicação de questionários, diário de campo e entrevistas. Os sujeitos da pesquisa foram os usuários (frequentadores dos PID) e os mediadores (monitores e gestores do ponto).

2. A perspectiva de treinamento na inclusão digital

Na atualidade, os esforços dos países em desenvolvimento para a promoção da inclusão digital enfrentam a barreira da coexistência com o subdesenvolvimento econômico e acentuada desigualdade social. Para esses países, outras formas de desigualdade já existentes seriam aprofundadas por essa nova forma de exclusão. Mesmo estando em países pobres, cidadãos privilegiados de maior poder aquisitivo teriam tanto acesso à internet, e poderiam ser tão ou melhores informados, quanto os usuários ricos dos países desenvolvidos, enquanto as grandes massas permanecem apartadas desse direito social.

A superação da desigualdade no acesso digital tem sido vista como um dos meios de inclusão social, passando a ser considerada como um desafio, já que seria preciso, então, romper com a exclusão digital. Nos primeiros estudos sobre o tema, quando a discussão ainda estava numa fase embrionária, a exclusão digital era, em geral, abordada do ponto de vista estritamente técnico.

 Atualmente, a discussão é mais avançada; as definições que abordam a questão do ponto de vista exclusivo técnico são muito criticadas, por limitarem o problema ao acesso físico às ferramentas, considerando pouco o conteúdo que se pode acessar, produzir e disponibilizar através delas. As condições de acesso aos recursos tecnológicos são importantes para a alfabetização digital, mas insuficiente para atender aos requisitos básicos, exigidos em um estágio mais avançado de inclusão, vislumbrado por autores que defendem o letramento digital. Na sociedade da informação, tais habilidades são essenciais para a participação plena em processos como a democracia eletrônica e inteligência coletiva, entre outros. Entretanto, falar em exclusão digital em países como o Brasil é no mínimo delicado, visto que, ainda hoje, parcela da população nunca foi incluída nos meios que conferem acesso às formas básicas de inserção social, como aqueles que permitem o seu desenvolvimento educacional e cultural.

Todos terão de saber usar novas tecnologias em suas vidas – sem falar no mercado – o que já basta para marcar a escola sem tecnologias digitais como ultrapassada. De todos os modos, persiste o desafio ingente de impregnar a aprendizagem formal com novas tecnologias (Demo, 2009), já que este resultado não é automático.

2.1. Estudos que sinalizam a importância do treinamento em projetos de inclusão digital

Estudos sobre inclusão digital, como os de Sorj e Warschauer desenvolvidos em 2003, apresentam níveis que são interdependentes, mostrando que é necessário passar pelo treinamento nos aparatos técnicos para que se possa alcançar o nível das atividades intelectuais. O lugar de destaque do treinamento, entre a técnica e o conteúdo, demonstra a relevância da mediação em apoio à capacitação intelectual.

Sorj (2003) assinalou que a inclusão digital poderia ser classificada em cinco níveis: 1) infraestrutura; 2) equipamentos; 3) treinamento; 4) capacitação intelectual; e 5) produção de conteúdos. Esses níveis são interdependentes entre si, de forma que, para se alcançar um nível superior, é necessário que o nível anterior tenha sido plenamente satisfeito. O lugar de destaque do treinamento, entre a técnica e o conteúdo, demonstra a relevância da mediação em apoio à capacitação intelectual.

Warschauer (2006, 2007) observou que a educação e o aprendizado se constituemem um viés preponderante na construção de uma sociedade da informação de acordo com os moldes do atual contexto socioeconômico, baseando-se nos novos meios de entretenimento, relacionamento, empregabilidade, consumo e formação de identidades.

Assim, o modelo de Warschauer (2006, 2007) baseado em letramento é muito mais complexo porque envolve quatro categorias que vão do físico ao social, denominado pelo autor de:

- recurso físico (equipamentos e conectividade) relacionado aos indicadores, a quem está conectado e o que pode ser feito para facilitar o acesso das pessoas às novas tecnologias;

- recurso digital (conteúdos e linguagem) considera a produção, disponibilização e o acesso aos conteúdos por país, empresas ou pessoas, além de perceber situações relacionadas ao idioma e aplicações para apresentações das informações na internet;

- recurso humano (letramento e educação) é o salto de qualidade desse autor de projeção internacional, por ser um dos pioneiros a tratar questões ligadas à educação do indivíduo em ambientes de acesso à internet pública, que nos Estados Unidos estão a cargo de bibliotecas e no Brasil são de responsabilidade dos PID (telecentros);

- recurso social (comunidades e instituições) onde acontece o envolvimento do Estado e sociedade, a exemplo das ONG, no âmbito da inclusão digital.

Entendemos, da teoria do Warschauer (2006), que o recurso digital proporciona acesso e uso dos conteúdos e linguagem, o recurso humano gera este conteúdo e cria as condições de acesso a ele e, portanto, só ocorre por meio da adoção do letramento e educação no PID, que também precisa da participação social a partir do envolvimento que pode ser estabelecido entre as instituições do Estado e da sociedade.

2.2. Dados levantados sobre a perspectiva de treinamento em projetos de inclusão digital

Dados da pesquisa sobre mediação na inclusão digital desenvolvida em sete cidades da Bahia, estado do Nordeste brasileiro, demonstra a situação atual com relação à necessidade de treinamento nas iniciativas de inclusão digital. O estudo observou os pontos de inclusão digital nas cidades de Itabuna, Salvador, Lauro de Freitas, Santo Antônio de Jesus, Mucuri, Alagoinhas e Feira de Santana.

Tabela 1. Distribuição percentual dos usuários por gênero, zona de moradia, estudos e ocupação nos PID

A maioria dos sujeitos da pesquisa reside na zona urbana desses municípios (92,7%), sendo que 83,1% deles estudam. Chama atenção neste resultado que 78,2% dos usuários desses PID pesquisados não trabalham. Somente 15,5% do total geral informaram no questionário que estuda e trabalha. A escolaridade dos usuários apresenta maior incidência nas escalas que compreendem as classes iniciais como fundamental incompleto (34,7%) e médio incompleto (16,9%). Houve a incidência de um usuário do sexo masculino com escolaridade de nível superior e um do sexo feminino com pós-graduação. Nesta categoria a incidência de mulheres cursando o nível superior foi mais significativa em relação ao resultado geral do total de municípios pesquisados.

A maior parte dos usuários desses pontos de acesso público, quando questionados sobre se participaram de algum tipo de treinamento para utilizar os recursos físicos como computador e internet, indicou não ter participado desse tipo de atividade (63,7%), sendo que chamou a atenção os resultados obtidos em três municípios avaliados na pesquisa, que apontam a não existência de treinamentos na avaliação de 100,0% dos usuários de Alagoinhas, de 80% deles em Feira de Santana e de 78,3% dos usuários dos PID de Salvador, conforme demonstra o Gráfico 1.

Gráfico 1. Percentual da oferta de treinamentos nos PID

O PID de Lauro de Freitas é o único que apresentou resultado positivo quanto à participação em treinamento para utilização dos recursos físicos pelos usuários. De acordo como Gráfico 1, os 73,7% dos respondentes de Lauro de Freitas já receberam algum tipo de treinamento para utilizar o computador e a internet no PID pesquisado.

O treinamento é um aspecto importante na categoria de recurso humano (Warschauer, 2006) e nos níveis interdependentes (Sorj, 2003). Muitos programas e projetos reconhecem a importância dessa etapa quando objetivam desenvolver a inclusão digital, que deve, por sua vez, considerar aspectos da educação. Alguns desses projetos descriminam em seus meios de divulgação, o objetivo de treinar os seus usuários, entretanto, os dados desta pesquisa apontam que, na prática, o processo é muito diferente, sinalizando para a não concretização desse objetivo nos projetos oficiais.

Esses usuários possuem necessidades latentes de mediação. O ponto de inclusão digital, como qualquer outro ambiente que visa o aprendizado informacional, debe favorecer o desenvolvimento do indivíduo, atendendo suas demandas de aquisição de conhecimento para utilização de softwares e busca de informação na internet. 

Disponibilizar unicamente infraestrutura física de transmissão e equipamentos para conexão de acesso coloca a iniciativa em uma posição passiva de acesso à internet. Acredita-se que os PID que se baseiam no treinamento da utilização do computador e da internet; na capacitação intelectual do usuário, pensando em sua inserção social; e na produção e uso dos conteúdos informacionais adequados às necessidades individuais, se caracterizam como um PID com real potencial de apropriação ativa da tecnologia voltada ao acesso à informação.

O entendimento de níveis interdependentes na ação de inclusão digital é importante por apontar que, além da demanda pela ampliação de infraestrutura digital da sociedade, existem outros aspectos relevantes no processo de inclusão. Esses aspectos estão ligados diretamente à educação. Nesses modelos, geralmente, os pontos que tratam de treinamento, capacidade intelectual (no caso do modelo baseado em Sorj) e o recurso humano (no caso de Warschauer) aparecem nos níveis intermediários mais superiores, ou seja, posteriores à disponibilidade de infraestrutura e equipamentos. Nesta perspectiva, o treinamento e a aprendizagem são os níveis que capacitam o indivíduo a produzir conteúdo e potencializar, consequentemente, a geração de conhecimento. Estes modelos demonstram a ideia de que para sair do estado de acesso básico ou conectado aos equipamentos, é necessário o estágio intermediário de treinamento que leva à capacitação intelectual. Assim, aspectos da mediação, a exemplo da orientação, são imprescindíveis para se chegar ao nível mais avançado de promoção da inclusão digital, ou seja, aquele estado capaz de possibilitar aos usuários as condições para interagirem por meio da produção de informação e conhecimento.

Na mesma linha de compreensão de Warschauer (2006) e Sorj (2003), não basta apenas disponibilizar acesso, mas todo um processo complexo que vai desde a indução de maneira educativa (onde a aprendizagem tem papel fundamental) até a exploração máxima dos meios digitais na atual era da informação.

A possibilidade de utilização do computador com acesso à internet pode contribuir para a empregabilidade dos indivíduos se orientados para tal fim. Em relação a este aspecto da inclusão e da empregabilidade, Demo (2002) assinala que, embora a exclusão esteja de certa maneira ligada ao isolamento e à decomposição social, a empregabilidade dos indivíduos constitui característica significativa para designar sua condição social. Por isso o foco das iniciativas que visam promover inclusão, principalmente digital, carregarem no seu discurso uma visão que almeja a inserção de pessoas no mercado de trabalho. Daí a importância da revisão das políticas de inclusão digital, que visem remediar a exclusão social, de modo que essas passem a estar pautadas em um debate mais direcionado à importância dos conteúdos, do desenvolvimento de competências baseadas em aprendizado, e na participação social comprometida com valores e práticas que visam o bem comum. Outro ponto relevante desta questão é a preocupação com a capacitação dos recursos humanos para atuar nos PID.

Sobre essa temática (Warschauer, 2007; Dijk, 2005; Sorj, 2003) pode-se apontar para a necessidade de se considerar o treinamento e a capacitação dos usuários, visando melhorias significativas da inclusão digital proposta pela Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI). Entretanto, para se qualificar a população é necessário que se observe o mediador (monitor, gestor, professor) destas iniciativas. Ele é o elo principal entre a proposta de desenvolvimento e o usuário.

3. A perspectiva de orientação na inclusão digital amparado pelo conceito de mediação

Os programas e propostas de inclusão digital que observamos, ao que parece, estão totalmente voltados para a inserção de indivíduos na suposta sociedade do conhecimento, a qual Duarte (2008) criticou, comparando-a com a sociedade das ilusões. Sociedade esta que, segundo o autor, está pautada nas práticas de uma formação societária. Segundo Duarte (2008), as ações de formação ganham respaldo numa pedagogia com adaptações para o “aprender a aprender”.

Trata-se de preparar os indivíduos para – dentre outros – o consumo e a alienação, “[...] formando neles as competências necessárias à condição de desempregado, deficiente, mãe solteira etc. [...]” (Duarte, 2008: 12). Nesta abordagem cabe aos educadores (mediadores) conhecer a realidade social, não para fazer e incentivar a crítica, mas sim para saber quais competências são as mais exigidas pelo mercado, para consumir novos produtos técnicos e simbólicos, perpetuando o modelo econômico e social vigente.

O aprender a aprender entende que a formação do indivíduo é responsabilidade exclusiva e autônoma, sendo mais desejáveis “[...] as aprendizagens que o indivíduo realiza por si mesmo”. (Duarte, 2008: 7). Nesta perspectiva fica ausente a figura do mediador, da transmissão da informação, da mediação da informação, da interação com os conhecimentos, do apoio de outros sujeitos, das experiências e da interferência na realidade social.

A possibilidade da mediação para inclusão digital está na consideração de aspectos da participação, como a subjetividade. A inclusão digital remete à participação dos indivíduos no universo digital, considerando a subjetividade que remete ao lado cognitivo.

A recuperação de informações na internet requer autoconsciência. As atividades de busca de informação nesta macrofonte demandam planejamento estratégico, ou seja, uma estratégia de busca, visando recuperar o que realmente interessa de maneira rápida e de fontes confiáveis. É preciso uma abordagem crítica com relação à informação (Coelho Neves, 2010).

Observa-se nesse momento, a conveniência de agregar recursos aos modelos de acesso (equipamentos, conectividade e letramento), com especial atenção ao recurso humano e digital. Nesses recursos residem as principais carências dos indivíduos na formulação do que buscar, onde buscar, como buscar, quando buscar, para que buscar e apresentação de ferramentas que mostram como é possível reproduzir o resultado. A partir da relevância desses recursos é imprescindível o papel do mediador ante as fontes de informação disponíveis na internet, pois recuperá-las exige obedecer às etapas para decisão no processo de planejamento da estratégia da recuperação.

O conceito de desenvolvimento de Vygotsky (2007) possui uma abordagem sócio-histórica, pautado nos constructos de Hegel e Marx, tendo como ideia central que o ser humano se desenvolve pela interação social, na qual o desenvolvimento cognitivo mantém estreita relação com a aprendizagem.

A inclusão de pessoas em atividades que envolvem o computador e a internet conduz a um universo de compartilhamento de informações instantâneo. Acredita-se que o contexto de inclusão digital é propício ao crescimento por meio do compartilhamento de informações, pois envolve uma situação dialética entre o indivíduo e o grupo, tanto no ambiente físico, quanto no on-line.

3.1. Avaliação quali-quantitativa da orientação e necessidade de mediação nos projetos de inclusão digital

Aos sujeitos da pesquisa, quando perguntado se havia no PID alguém que pudesse prestar orientação e/ou responder as dúvidas quanto à utilização de programas no computador e na internet, em sua maioria, responderam afirmativamente (83,1%). Desses respondentes, destacaram-se aqueles que frequentam os PID de Itabuna (87,9%), Mucuri (88,9%), Lauro de Freitas (84,2%) e Salvador (78,3%), conforme demonstra a Tabela 2.

Tabela 2. Distribuição percentual das avaliações dos usuários quanto à qualidade do processo de orientação nos PID

 

Embora os usuários indiquem a presença de uma pessoa potencial para orientação, a qualidade desta deve ser avaliada com cautela conforme mostram os resultados daTabela 2. Os usuários, quando questionados sobre a satisfação quanto ao processo de orientação desenvolvido no PID, os resultados gerais demonstram pouca variação, já que apenas 31,7% avaliaram a mediação como bastante satisfatória enquanto que 31,0% avaliaram a mediação como pouco satisfatória.

A demanda de mediação nos PID analisados é latente como demonstra a Tabela 1. Conforme os dados gerais desses PID, 80,6% dos participantes da amostra no estado da Bahia (Brasil) indicaram necessitar de mediação para desenvolver atividades na internet ou no computador.

Os respondentes do PID de Lauro de Freitas e do PID de Santo Antônio de Jesus representam os usuários com maior necessidade de mediação para atividades na internet e no computador, já que em ambos 89,5% dos respondentes afirmaram ter esta demanda, conforme mostra a tabela a seguir.

Tabela 3. Distribuição percentual dos usuários que informaram necessitar de mediação nos pontos de inclusão digital – PID

No PID, assim como em qualquer outro ambiente de aprendizado, a presença de alguém mais experiente, que possa orientar a efetuar atividades na internet e no computador, é fundamental para o desenvolvimento das atividades, isso confere um maior potencial de contribuição para inclusão digital. Esta foi uma questão que apontou para a necessidade que os usuários constaram e apresentaram durante a realização do estudo realizado no estado da Bahia. (Neves, 2011).

Os usuários dos PID quando solicitados a informar quem confere algum tipo de orientação, indicaram o monitor como peça-chave desse processo. Aqueles que responderam «sim» quanto à necessidade de mediação, informaram que o monitor (58,1%) é o agente indicado para oferecer essa orientação. A orientação por parte de pessoas mais experientes no uso do computador, que podem estar ao lado do usuário quando surge alguma dúvida, também teve citações (24,2%) no total geral dos municípios pesquisados.

Para Vygotsky a figura de um mediador humano é essencial nos processos que envolvem aprendizado. Nesta perspectiva, o mediador humano deveria desenvolver mecanismos naturais, para que os indivíduos observem com atenção os objetos da aprendizagem. Esses estímulos devem despertar a atenção, fazendo com que o sujeito concentre a atenção sobre diferentes matérias.

Devido esta característica de apoio progressivo à zona de desenvolvimento proximal (ZDP) é que se julga importante tal conceito para inclusão digital. A transposição deste conceito para as questões ligadas à inclusão digital é enriquecedor por dois motivos explícitos. Primeiro, por apontar a necessidade de mediação humana nesses pontos de inclusão digital, pois constitui interessante se entender, que, para serem reconhecidos como centros de informação, eles devem desenvolver conexão com linhas de aprendizado. O segundo é que a implementação pautada somente em disponibilização de infraestrutura, sem considerar aportes do aprendizado, pode constituir um equívoco na perspectiva de sanar o gap entre incluídos e excluídos no novo contexto social.

Conclusões: a importância de repensar o mediador para inclusão digital Warschauer (2006) propõe que é preciso repensar a exclusão digital, observando que sua origem não provém somente do acesso físico a computadores e à conectividade, mas também de outros recursos que permitem às pessoas utilizarem as TIC de modo satisfatório e participar de maneira mais ativa no atual contexto global. Com base neste fundamento, faz-se uma analogia de que, no Brasil, se deve repensar a inclusão digital, pois este País se constituí em um dos atores regionais com as maiores iniciativas públicas que visam disponibilizar as TIC para acesso e uso da informação na internet. Vários aparelhos do Estado brasileiro, como ministérios, secretarias, dentre outros, se incubem de elaborar programas que privilegiam a temática, lançando editais para implantação de PID. Entretanto, acredita-se que a formulação das políticas que formulam tais programas deveria considerar o monitor (mediador) como um elemento básico para o processo de inclusão digital.

O mediador – seja ele monitor, instrutor, professor ou gestor direto – das iniciativas de inclusão digital é o elo essencial para que seja realizada com sucesso a convergência dos recursos físicos com os digitais e os sociais. O mediador é um elemento-chave para indicar a potencialidade do PID desenvolver iniciativas que favoreçam a sustentabilidade dos recursos físicos do ponto de inclusão digital, porque ele está em contato direto com os recursos sociais, ou seja, com a comunidade local e as instituições que coordenam e mantém o PID, assim como aquelas que podem potencializar seu funcionamento (Neves, 2011). Entretanto, tamanha responsabilidade tem de ser encarada com expressiva cautela, pois estudos mais aprofundados sobre as práticas expõem muitas fragilidades e limitações dos PID a respeito da maneira como o monitor (mediador) vem sendo considerado pelos programas que coordenam os pontos de inclusão digital.1

O estudo aponta que a principal causa do não desenvolvimento da mediação capaz de favorecer uma inclusão digital com potencial mais significativos para perspectiva de orientação é a desconsideração do recurso humano, principal agente para a viabilização da convergência de recursos. Ou seja, este não vem sendo considerado como elemento importante pelos programas de inclusão digital no Brasil. Entretanto, para se chegar a tal ilação, as causas menores que impactam no monitor (mediador) também foram analisadas.

- A primeira causa é que as instituições que coordenam os programas precisam aumentar o quantitativo e a qualidade das capacitações para os monitores. Existe um anseio, observado em todas as entrevistas realizadas com monitores (mediadores) e nas sugestões registradas nos questionários por parte de alguns usuários, que compuseram o campo desse estudo nas sete cidades baianas, pela realização de treinamentos voltados à capacitação desses monitores para lidar com as demandas do PID e da comunidade. Este aspecto está relacionado à capacidade de lidar e explorar os recursos físicos existentes, de desenvolver projetos para angariar recursos, de manter a atualização quanto ao uso do recurso digital, de preparar para interagir com diferentes tipos de pessoas e, consequentemente, para trabalhar com múltipla demanda informacional.

- A segunda causa trata do entendimento, por parte da coordenação dos programas de inclusão digital, de que o monitor, etc. (mediador) é um profissional que trabalhará com conteúdos digitais, visando suprir as mais variadas demandas informacionais dos usuários. A seleção de mediadores deve considerar aqueles que pertencem à comunidade onde o PID será implantado – mas sem deixar de lado aspectos informacionais destes que serão o eixo principal do recurso humano. Desse modo, o arcabouço informacional que o indivíduo já possui, constitui alguma experiência na área que o (monitor) vai atuar; significa conhecer muito bem sua comunidade, possuindo informações sobre ela; o que implica em saber a importância dos conteúdos e da necessidade de saber encontrá-lo em sítios locais, além de mostrar pré-disposição para incentivar os usuários na produção de mais conteúdos; compreende saber combinar expertise tecnológica com pedagógica.

O monitor (mediador humano) deve ter consciência de sua interferência no processo de construção do conhecimento por parte do sujeito, que não é passivo e pode ser estimulado ao comportamento mais ativo na sua aprendizagem.

Assim, acredita-se que os programas e projetos nacionais de inclusão digital precisam saber o que é possível fazer para motivar o monitor (mediador), para que ele também possa motivar outras pessoas na busca do seu desenvolvimento e inserção na cultura digital.

Notas

1. Ver: Pontos de inclusão digital baianos: uma análise sob a perspectiva da abordagem cognitiva baseada na convergência de recursos.

Referências bibliográficas

1 BANCO MUNDIAL (2006): Relatório do desenvolvimento humano 2006: poder, pobreza e a crise mundial da água, Brasília.         [ Links ]

2 VIANNA, H. (2011): “Internet e inclusão digital: apropriando e traduzindo tecnologias” em A. Botelho y L. M. Schwarcz (orgs.): Agenda brasileira: temas de uma sociedade em mudança, São Paulo, Companhia das Letras, pp. 314-323.

3 BRASIL (2006): Ministério das Comunicações, Brasília. Em: http://www.idbrasil.gov.brLinks ]idbrasil.gov.br/">.

4 COELHO NEVES, B. (2010): “Análise das políticas de informação: sociedade da informação com foco na inclusão digital do global ao local”, Revista Iberoamericanade Ciencia, Tecnología y Sociedad -CTS, vol. 5, no 15, pp. 111-131.

5 COELHO NEVES, B. (2011): “Formação e orientação: aspectos da mediação no universo da inclusão digital”, Revista Inclusão Social, Brasília, vol. 5, no 1, p.44-57.

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7 DEMO, P. (2009): Educação Hoje – “Novas” tecnologias, pressões e portunidades, São Paulo, Atlas.

8 VAN DIJK, J. A. G. M. (2005): The Deepening divide: inequality in the information society, Thousand Oaks, Sage Publications, p. 240.         [ Links ]

9 THOMAS, M. (2011): Deconstructing Digital Natives: Young people, Technology and the new literacy, Londres, Routledge.         [ Links ]

10 UNESCO e CETIC BR. (2014): Indicadores e estatísticas TIC para o desenvolvimento. Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, Brasília.         [ Links ]

11 VYGOTSKY, L. S. (2007): A Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, São Paulo, Martins Fontes, p. 224.         [ Links ] 

12 WARSCHAUER, M. (2006): Technology and social inclusion: rethinking the digital divide, MIT. Em: http://www.mitpress.mit.edu/catalog/item/default.asp?sid=BAC81CFA-2B4A-44FF.htmlLinks ]mitpress.mit.edu/catalog/item/default.asp?sid=BAC81CFA-2B4A-44FF.html"> .

13 WARSCHAUER, M. (2007): Laptops and Literacy: learning in the wireless classroom, New York, Teaches College Press.         [ Links ]

 

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