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Revista iberoamericana de ciencia tecnología y sociedad

versión On-line ISSN 1850-0013

Rev. iberoam. cienc. tecnol. soc. vol.12 no.35 Ciudad Autónoma de Buenos Aires jun. 2017

 

ARTÍCULOS

A Ciência e a Era Atômica nos Textos de José Reis *

La ciencia y la era atómica en los textos de José Reis

Science And Atomic Age In José Reis’ Articles

Mariana Mello Burlamaqui, Luisa Massarani e Ildeu de Castro Moreira **

* Este projeto conta com apoio do CNPq (400231/2015-8). Agradecemos ao então Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação agora Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), em particular a Douglas Falcão, pelo apoio ao Acervo José Reis, atualmente localizado na Casa de Oswaldo Cruz, projeto ao qual este estudo está vinculado. Agradecemos, também, à Folha de S. Paulo e especialmente a Marcelo Leite, Cipriano Pombo e Luiz Carlos Ferreira, por nos ter recebido no acervo do jornal e cedido o material para análise.Por fim, mas não menos importante, agradecemos à Família José Reis por ceder o acervo, em particular ao filho Marcos e ao neto Ricardo.

** Mariana Mello Burlamaqui: doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia (HCTE)/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: marianamburlamaqui@gmail.com. Luisa Massarani: pesquisadora do Núcleo de Estudos da Divulgação do Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz, coordenadora do Mestrado em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde e docente do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde, ambos da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz, e do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ. E-mail: luisa.massarani5@gmail.com. Ildeu de Castro Moreira: professor do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: ildeucastro@gmail.com.  


Neste artigo, analisamos os textos sobre a era atômica e a energia nuclear, escritos pelo cientista José Reis (1907-2002) e publicados nos jornais Folha da Manhã (1925-1959) e Folha de S. Paulo (1960-). Nosso período de análise se inicia no ano de 1947, quando Reis começou a escrever para esta organização jornalística, e finaliza em 2002, ano da sua última publicação e de seu falecimento. Energia nuclear foi um tema de grande destaque em jornais de todo o mundo no cenário pós-Segunda Guerra Mundial. Em seus textos, Reis discute o lado “negativo” da energia nuclear, seu uso para a guerra e os riscos e danos desse uso. Destaca ainda que a responsabilidade moral dos cientistas cresce frente a esses riscos e suas consequências danosas. Reis procurou, também, nesse espaço midiático, sensibilizar a opinião pública sobre os usos dessa energia para fins pacíficos, como na medicina e na indústria. Estas atividades possuíam um caráter social importante, pois ele era um autor que conquistou credibilidade perante a sociedade e seus pares, por conta de sua atuação de destaque na construção da ciência brasileira e na divulgação científica no país.

Palavras-chave: Divulgação científica; História das ciências; José Reis; Cultura e ciência

En este artículo analizamos los textos sobre la era atómica y la energía nuclear que escribió el científico José Reis (1907-2002) y fueron publicados en los diarios Folha da Manhã (1925- 1959) y Folha de S. Paulo (1960-). Nuestro período de análisis se inicia en 1947, cuando Reis comenzó a escribir para el primer medio mencionado, y termina en 2002, el año de su última publicación antes de su muerte. La energía nuclear fue un tema importante en los diarios de todo el mundo en el escenario posterior a la Segunda Guerra Mundial. En sus textos, Reis enfatiza el lado "negativo" de la energía nuclear, su uso para la guerra y los riesgos y los daños de dicho uso. También hace hincapié en que la responsabilidad moral de los científicos crece frente a estos riesgos y sus consecuencias perjudiciales. Sin embargo, Reis también buscó aumentar la conciencia pública sobre los usos de esa energía con fines pacíficos, como los que se dan en la medicina y la industria. Estas actividades tuvieron un valor social: Reis ganó credibilidad en la sociedad y entre sus compañeros debido a su papel destacado en la construcción de la ciencia brasileña y en la divulgación científica en el país.

Palabras clave: Divulgación científica; Historia de la ciencia; José Reis; Cultura y ciencia

This paper analyzes the texts on the atomic age and nuclear energy written by the scientist José Reis (1907-2002) and published in the newspapers Folha da Manhã (1925-1959) and Folha de S. Paulo (1960-). Our period of analysis begins in 1947, when Reis started writing for the first newspaper, and finishes in 2002, the year of his last publication before his death. Nuclear energy was a very important topic in newspapers all over the world in the aftermath of WWII. In his texts, Reis stressed the “negative” side of nuclear energy, its use for war and the risks and damages associated to it. He also highlighted how the moral responsibility of scientists increases in front of these risks and their detrimental consequences. However, Reis also attempted to raise public awareness about the use of this energy with peaceful aims, such as in the medical and industrial fields. These activities had a social value: Reis gained credibilityamong his colleagues and the society due to his prominent role in the development of Brazilian science and the scientific divulgation in his country.

Key words: Scientific divulgation; History of science; José Reis; Culture and science


Introdução

Após o lançamento das bombas atômicas no Japão, em 1945, o mundo passou por um período único em sua história. Era constante o confronto entre as duas superpotências, Estados Unidos da América e URSS, que emergiram da Segunda Guerra Mundial, na chamada Guerra Fria. De acordo com Eric Hobsbawn (1994: 223 e 224), “gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade”. A ameaça nuclear se fazia presente, mas o medo da destruição mútua mantinha ambos os lados sem atacar. Foi um período de temor permanente que durou cerca de duas décadas quarenta anos.

Para o pesquisador Claude Delmas (1979), a Guerra Fria se desenvolveu no início da “era nuclear” e seria uma das consequências das possibilidades de utilização militar dessa energia. Foi esse medo dos efeitos de uma guerra nuclear, que poderia pôr fim à existência de nações inteiras, que manteve um estado de beligerância não clássico.

Nesse contexto, dominar a tecnologia nuclear passou a ter grande importância. O Brasil precisava superar o atraso em que se encontrava, frente a diversas outras nações, na pesquisa nuclear, que era considerada uma área crucial para o desenvolvimento econômico e para a afirmação político-militar das nações avançadas. (Mendes, 2006). Para isso, eram essenciais os investimentos direcionados para o desenvolvimento dessa área.

Os cientistas brasileiros lutavam, há muitos anos, por mais investimentos e por melhorias na carreira e na própria prática científica. Foi uma época em que a comunidade científica brasileira se organizou para criar entidades e instituições que lhe dessem voz junto à sociedade e que possibilitassem condições de trabalho para os “homens” da ciência, assim como o desenvolvimento das pesquisas científicas – a exemplo do movimento inicial que ocorrera na década de 1920. (Massarani e Moreira, 2001). De acordo com Simon Schwartzman (2001: 5), “o primeiro passo para organizar e mobilizar os cientistas foi a criação, em 1948, da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC)”. Em seguida, surgiram várias instituições de pesquisa e foram criadas as agências de fomento Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O país passou a ter instrumentos para dar início a uma política científica de caráter nacional, mesmo que em caráter incipiente.

De acordo com Mendes (2006), a questão da energia nuclear foi um dos temas de mobilização popular no período pós-Segunda Guerra. Bauer (2012) analisou o aumento contínuo, após esse período, da cobertura científica em periódicos nos Estados Unidos e no Reino Unido. Apontou esse momento como sendo de expansão da atenção do público para a ciência e, não menos importante, sobre as questões nucleares, tanto civis quanto militares. As matérias predominantes traziam notícias e informações sobre a física e sobre a fronteira nuclear.

No Brasil, José Reis, um dos personagens de destaque na construção da ciência brasileira e na divulgação científica do país no período, também divulgou informações e estimulou discussões sobre esse tema. Ele fazia parte de um conjunto de cientistas que buscavam aprimorar as condições de produção da ciência no Brasil e teve um papel chave na consolidação da SBPC, do CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Reis era formado em medicina e começou a escrever sobre o tema ‘administração’ para a Folha da Manhã, a convite de José Nabantino Ramos, um dos proprietários e diretor editorial. Em 1948, Ramos propôs que ele fosse o responsável pela seção de ciências (Reis e Gonçalves, 2000). Posteriormente, Reis foi diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo de 1962 a 1967. Sua última publicação nesse jornal – um dos mais importantes do Brasil – foi no ano de sua morte (2002), aos 94 anos. Com uma atuação diversificada em divulgação científica, tornou-se ícone nesta área no país – expressão disto é o fato de que o prêmio nacional de divulgação científica, concedido pelo CNPq desde 1978, tem seu nome.

Uma das ferramentas utilizadas, na época, por diversos desses cientistas para sensibilizar a opinião pública sobre a importância de investir em ciência era a divulgação científica, realizada por meio de distintos veículos, entre eles os jornais diários. Para Reis, a “divulgação científica é útil maneira de atrair para a pesquisa científica” (Reis e Gonçalves, 2000: 12), não apenas para conquistar jovens para a carreira científica, mas, também, para incutir na mentalidade da sociedade o valor e a importância da ciência e da prática científica. Portanto, a divulgação científica teve, como pano de fundo, um movimento cujo objetivo foi constituir a coletividade científica como um grupo social e político, além de promover o convencimento da sociedade e do poder público sobre a utilidade social da ciência (Mendes, 2006). Nesse artigo, analisamos os textos de divulgação científica publicados por José Reis nos jornais Folha da Manhã e Folha de São Paulo, que tiveram como temática a “energia nuclear”.2 Buscamos identificar os tópicos mais abordados, bem como entender seus posicionamentos e estratégias dentro do contexto de sua época.

1. Metodologia

A opção por analisar os textos de José Reis nos jornais do Grupo Folha ocorreu em função do longo período (1947-2002) no qual ele atuou nesses jornais e que se traduziu em um grande número de publicações. A história do Grupo Folha se iniciou com a fundação do jornal Folha da Noite no ano de 1921. Em 1925, foi criada a Folhada Manhã. A Folha da Tarde foi fundada em 1949. Em 1960, os três títulos da empresa se fundiram, dando origem à Folha de S. Paulo, um dos mais importantes e influentes jornais do Brasil, sendo um dos que possui maior tiragem e circulação entre os diários nacionais de interesse geral.3  4

Nosso período de análise se inicia no ano de 1947, quando José Reis começou a escrever para o Grupo Folha, e finaliza no ano de 2002, ano de seu falecimento e data da sua última publicação. Fizemos, inicialmente, um levantamento dos textos no acervo físico do Grupo Folha em São Paulo. Analisamos todos os catálogos e as fichas da instituição por inspeção visual e incluímos no corpus todas as matérias que se relacionavam com o tema “energia nuclear”.

Para análise dos textos, utilizamos uma abordagem com elementos quantitativos conjugados com análise qualitativa, a exemplo dos estudos que vêm sendo realizados no âmbito do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida, no qual este estudo se insere. As matérias foram submetidas a uma análise de conteúdo tendo como partida o protocolo desenvolvido no âmbito da Rede Ibero-Americana de Monitoramento e Capacitação em Jornalismo Científico (Ramalho, 2012), que inclui diversas variáveis. A partir desse protocolo, os dados foram registrados em Excel, processados pelo software IBM SPSS Statistics.

Na seção seguinte apresentaremos os resultados das análises dos textos de Reis referentes às seguintes variáveis: contexto histórico, explicação de termos científicos, a ciência como atividade coletiva, fotografias/imagens na matéria, tipos de profissionais foram citados e quantitativo de homens e mulheres mencionados nos textos. Em seguida, analisaremos alguns debates recorrentes nos textos de Reis sobre a questão da energia nuclear, a saber: o uso da ciência para fins pacíficos; a prevenção de riscos e os riscos e danos causados pelo uso dessa energia.

2. Resultados da análise dos textos de José Reis

2.1. Análise quantitativa das matérias

Identificamos um total de 38 matérias sobre energia nuclear no período analisado, 23 delas na Folha da Manhã e 15 da Folha de S. Paulo. A primeira referência que temos de matéria sobre energia nuclear surge em 1948 e a última em 1985. A Tabela 1 mostra a quantidade de artigos publicados ao longo dos anos.

Tabela 1. Quantidade de matérias publicadas por ano

Até o ano de 1962, há um número maior de artigos publicados sobre o tema: em quase todos os anos há pelo menos um artigo publicado (exceto nos anos de 1951, 61957 e 1961): são oito artigos em 1948 e 1949 e 15 na década de 1950. Nas três décadas seguintes, a média é de apenas cinco artigos por década.

O ano de 1948 é o que contém o maior número de publicações: cinco matérias sobre o tema. Isso pode ser facilmente explicado por se tratar do ano em que Reis inicia suas publicações de divulgação nos jornais e por ser logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial. Com o ocorrido em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, havia entrado em cena a bomba atômica que, com seu poder de destruição, causou um enorme impacto na opinião pública. Esse “mundo novo” da energia nuclear passou a ser explicado e discutido nos jornais, como é o caso das publicações de Reis. Os títulos das matérias do ano de 1948 são elucidativos: Que fazer com a energia atômica; Explorando o coração do átomo; Detetives e espiões radioativos; O Átomo, fortaleza que afinal se rendeu Rutherford; As máquinas de desintegrar átomos. O mistério envolvido na produção de energia a partir do átomo e a história desta descoberta foram abordados nessas publicações. Além disso, as matérias buscavam mostrar a utilização dessa energia em outras áreas e não apenas em iniciativas bélicas.

O segundo ano com o maior número de publicações foi 1955, com quatro artigos. A década de 1950 foi um período de crescente interesse nas aplicações pacíficas da energia nuclear. Bauer (2012) apontou que, no ano de 1953, o lançamento do programa “Átomos para a Paz” foi projetado para controlar a proliferação de armas nucleares e para dar aos átomos uma imagem de objetos materiais pacíficos, como uma nova fonte de energia proveniente dos esforços de reconstrução do pós-guerra. Nesse período, foi organizada a Sociedade Nuclear Americana (American Nuclear Society).5 Uma das matérias de Reis, no ano de 1955, tratou desta sociedade. Ela foi criada na época como uma organização profissional de cientistas e engenheiros dedicados às aplicações pacíficas da energia atômica. Uma de suas principais funções seria a de acelerar o desenvolvimento dessas aplicações, como por exemplo, o emprego de radioisótopos na ciência e na indústria e as possibilidades de preservação de alimentos por meio da radiação atômica. 6 

Em seus artigos sobre energia nuclear, Reis procurou incluir informações sobre o contexto histórico das discussões a que se referia em seus textos. Dos 38 textos analisados neste estudo, apenas dois não tinham qualquer referência a um contexto histórico. Para Reis, situar a questão para o leitor dentro de um contexto maior era importante como regra geral em seus textos, visto que defendia a importância da história para uma melhor compreensão da ciência enquanto processo, seja intelectual ou social.7

Reis buscou, também, explicar termos científicos ao longo de suas matérias: isto é observado em 27 dos 38 textos analisados. Por exemplo, a fissão do urânio é explicada em um de seus artigos: “fissão quer dizer divisão, fragmentação. O átomo de urânio arrebenta, libertando ao mesmo tempo a energia que mantinha unidos os fragmentos”.8 Uma explicação mais detalhada ocorre em relação às radiações atômicas:

“Radiações atômicas, ou radiações ionizantes, são essencialmente de duas espécies: ondas eletromagnéticas, como os raios X e os raios gama, e partículas subatômicas, especialmente elétrons, que se movem com altíssimas velocidades. Embora fisicamente distintas, a verdade é que ambos os tipos de radiação têm efeitos químicos e biológicos semelhantes: elas desequilibram os átomos em que incidem, libertando elétrons, e colocando-os num estado de alta reatividade, capaz de provocar sérios efeitos biológicos” (Folha de São Paulo, 10 de abril de 1960).

Já os isótopos radioativos foram apresentados como “átomos de mesma carga, ou número atômico, porém de pesos diferentes”.9

Dentre os nomes citados por ele nas matérias, a maioria era de cientistas, acadêmicos e pesquisadores estrangeiros. Grandes nomes como Ernest Rutherford, Marie Curie e Enrico Fermi foram mencionados. Entre os brasileiros, eles foram citados, em sua maior parte, em uma matéria sobre a participação deles na Conferência Pugwash, onde temos os nomes de César Lattes, José Leite Lopes, Crodowaldo Pavan, Oscar Sala, Marcolino Gomes Candau, Otávio Ianni, Simão Mathias, Warwick Kerr, e Alexandre Augusto Martins Rodrigues.10 Os únicos nomes de mulheres citados nas matérias foram os de Marie Curie e sua filha Irène Joliot-Curie.

A ciência pode ser percebida nos textos de Reis, de forma geral, como uma atividade coletiva, em constante construção, fruto do trabalho cumulativo de várias gerações de cientistas no passado, realizado tanto por cientistas, quanto por inúmeros técnicos, muitos deles anônimos.11 Das 38 matérias, 36 mostram esse viés. Um dos exemplos citados trata da participação de diversos grupos no desenvolvimento de projetos científicos, como foi o caso do grande síncrotron protônico da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN, conforme sua sigla em francês): “(...) no projeto estão interessados nada menos de 150 membros do quadro de pessoal do CERN, desde os mais especializados físicos até os mecânicos e desenhistas”.12

Mais da metade do nosso corpus (21 matérias) exibia algum tipo de imagem. Um mesmo texto poderia conter mais de uma imagem, que poderia ser ilustrações, caricaturas, gráficos e diagramas. Uma dessas imagens apresenta o esquema do bétatron, um tipo de acelerador de partículas.13 Uma mesma matéria trouxe a imagem do esquema da primeira pilha atômica e a de uma reação em cadeia controlada. 14 Em outra matéria, pode-se ver também a representação de um reator nuclear.15

2.2. Energia atômica: riscos e danos

A aceitação pública sobre o uso da energia nuclear para fins não bélicos era um dos problemas para que essa tecnologia pudesse se desenvolver. A pesquisa, fundamental para esse desenvolvimento, precisava ser financiada e para que isso ocorresse, pressupunha-se, era necessário o apoio da população. A informação veiculada pela mídia é um dos fatores que influenciam a sociedade sendo, portanto, primordial a discussão e o esclarecimento de questões controversas em jornais e revistas. Alguns desses debates fizeram parte das publicações de Reis e são analisados a seguir. Em vários artigos, ele apontou os riscos presentes e os danos que ocorreram em acidentes nucleares, bem como abordou a questão dos resíduos atômicos: o que fazer com eles e quais as inovações tecnológicas para contê-los adequadamente. Descreveu, ainda, os danos causados pela bomba atômica e discorreu acerca das iniciativas e debates sobre o uso dessa energia para a guerra.  Em seus textos, Reis buscou ressaltar sempre a importância de se utilizar essa energia para fins pacíficos, em áreas como a medicina.

2.2.1. Os efeitos das radiações em caso de acidentes e guerras nucleares

Um dos temas que Reis nos apresenta em suas publicações se refere aos efeitos das radiações em caso de acidentes nucleares. Frente a esses riscos e suas consequências danosas, cresce a responsabilidade moral dos cientistas. Esse é um dos pontos que Reis destaca em seus textos; ele acredita que as futuras gerações de cientistas devam ser educadas para que tenham consciência das responsabilidades associadas ao trabalho científico.16

O que percebemos nos textos é que, segundo ele, muitos cientistas encaram com apreensão a concentração de recursos no desenvolvimento da energia nuclear, devido aos grandes riscos que suas aplicações oferecem. Reis questiona se o homem saberá usar essa energia tão potente de forma conveniente, pois as consequências e os riscos também são gigantescos.17 Riscos como as dificuldades de armazenamento com plena segurança e o problema de como dispor, em longo prazo, dos resíduos radioativos.18

O risco quanto ao uso dos reatores nucleares é mencionado, pois podem ocorrer acidentes devido a algum tipo de defeito ou falha operacional nos mesmos. Mas ao mesmo tempo, a probabilidade de ocorrerem tais acidentes seria relativamente baixa. Só com o passar do tempo se poderia ter uma noção mais precisa do risco efetivo do uso desses reatores. Além disso, outros danos são causados ao meio ambiente, pois muitos dos reatores descarregavam o calor residual nas águas de rios e lagos, podendo gerar sérios prejuízos ambientais.

As alterações climáticas constituíam outro risco possível apontado por Reis. Isso poderia ocorrer após uma guerra nuclear. Um inverno prolongado e intenso, tal como ocorreu no Cretáceo, e que determinou a extinção de inúmeras espécies, poderia se repetir. Além das consequências a curto e longo prazo da poeira, da fumaça e dos vapores tóxicos gerados por uma guerra nuclear.19

Reis cita Alvin Weinberg, físico nuclear e diretor do laboratório Oak Ridge: “nós, os cientistas nucleares, fizemos um pacto faustiano com a sociedade (...) oferecemos uma fonte inexaurível de energia... manchada de efeitos colaterais potenciais que, se incontrolados, podem significar catástrofes”.20 Apesar desses riscos iminentes, havia uma crença no poder e no uso adequado dessa energia para fins pacíficos, que teria um grande potencial de exploração.

2.2.2. O acidente do Instituto Boris Kidric

Uma das publicações de Reis sobre a questão dos danos causados pelo uso da energia nuclear tratava do acidente atômico do Instituto Boris Kidric. Tal acidente ocorreu em outubro de 1958, em Vinça, arredores de Belgrado, antiga Iugoslávia, no qual oito cientistas foram expostos à radiação. Dois conseguiram se recuperar após tratamento, pois receberam doses menores de radiação. Os outros tiveram que fazer tratamento em Paris, com enxerto de medula óssea. Um dos cientistas faleceu. 21 

Reis nos conta que, após o acidente, nesse mesmo laboratório, realizou-se uma experiência de cooperação como ainda não se tinha notícia. Participaram especialistas da própria região, norte-americanos, franceses e ingleses. O objetivo era apurar questões relativas aos aspectos biológicos desse acidente e buscar a relação quantitativa entre a exposição a determinadas quantidades de radiação, na zona próxima da letalidade, e a reação por parte dos seres humanos ditos “normais”.

Essa experiência foi patrocinada pela Agência Internacional de Energia Atômica (International Atomic Energy Agency). Reis menciona que, na época, não havia muitos estudos sobre acidentes fatais, decorrentes de radiações. Havia incertezas entre os cientistas quanto à dose letal de radiação para cada indivíduo. O tratamento estava nas mãos dos médicos, que se baseavam nas reações dos pacientes, e não na dose de radiação que estes recebiam. Na época, este foi o estudo mais completo de “observações existentes em seres humanos expostos a radiação em quantidades próximas do limite letal”.22

2.2.3. Resíduos radioativos

Em 1956, Reis publicou uma matéria sobre a questão dos resíduos radioativos o que, para ele, seria um dos grandes problemas da energia atômica. Reis tinha a crença de que, no futuro, a energia atômica seria utilizada em grande escala para atender as necessidades da civilização: “o mundo de amanhã será o mundo da energia atômica”.23Com esta confiança no desenvolvimento e na pesquisa científica, acreditava que futuramente esses resíduos teriam aplicações diversas. Mas buscou mostrar que, na época, o aproveitamento dos resíduos radioativos ainda era um problema sério relacionado com a questão da produção industrial de energia atômica.

No mesmo ano, Reis publicou a descoberta, feita nos Estados Unidos, de um novo processo de remoção contínua, e com risco reduzido, de átomos radioativos presentes nos resíduos dos reatores nucleares. Ele considerou que isso era um avanço significativo para o uso dessa energia. 24

2.2.4. Bomba atômica

O debate sobre a utilização de bombas atômicas para a guerra estava presente e era uma das grandes preocupações da comunidade mundial. Reis questiona constantemente essa utilização da energia nuclear para fins bélicos. Questiona como a humanidade poderia querer estabelecer uma “paz”, em um mundo destruído e devastado por bombas. Ressalta o desenvolvimento constante das bombas atômicas, cada vez mais potentes, com suas consequências colossais e que poderia decidir e/ou exterminar o futuro de algumas nações e mesmo da humanidade. E quem soubesse fabricar essas bombas teria “em suas mãos o poder de produzir explosões tão violentas como qualquer outro possuidor do segredo”.25

Para embasar seus argumentos sobre as consequências da utilização das bombas atômicas, Reis dá exemplos de danos ocorridos. Um deles foi o caso do atol de Bikíni, no Oceano Pacífico, em março de 1954. Ocorreu uma explosão atômica experimental e morreu um dos 23 japoneses expostos à radiação da bomba de hidrogênio que foi explodida. Aponta também os riscos que podem ocorrer com a radiação produzida, independentemente de onde as bombas forem lançadas, pois “bem pouco importa o alvo sobre o qual elas tenham sido lançadas, todo mundo sofrerá as consequências”. 26

Outra grande preocupação que Reis apresenta são os efeitos futuros dessas radiações, já que nem sempre se manifestam de imediato, mas em gerações futuras. Indica que não se devem ignorar esses efeitos futuros e deve-se estudar mais sobre a energia nuclear e suas consequências antes de se pensar em utilizar novamente essas armas letais. Ele critica os que pensam apenas no progresso das nações e nos interesses atuais, ignorando os danos futuros. Ressalta a posição dos cientistas em defesa da coletividade e seus alertas sobre os problemas que o uso da bomba pode acarretar no futuro. Destaca que eles têm se articulado em repetidas reuniões e manifestado sua opinião, “procurando assim movimentar políticos e administradores de todo o mundo, ao mesmo tempo em que esclarecem a opinião pública para que esta encare os fatos e afinal delibere com plena consciência”.27

Reis conta também a história da superbomba Bravo, que os EUA explodiram em 1954, e que, mesmo isto ocorrendo em um local afastado e despovoado, atingiu dois conjuntos de pessoas: um grupo de 23 pescadores japoneses, a bordo do pequeño pesqueiro Lucky Dragon no 5; e um grupo constituído por 239 nativos das pequenas Ilhas Rongelap, Airlinginae e Utirik, além de 23 norte-americanos que operavam postos meteorológicos em Rongerik. Todos foram vítimas da chamada chuva ou precipitação radioativa. Os pescadores chegaram a avistar de longe um clarão e a nuvem formada pela explosão da bomba, assim como detectaram a violência das ondas contra o barco.

Reis discute as consequências dessa chuva radioativa na qual as pessoas ficavam “cobertas de um manto de flocos branco acinzentados, irritantes, que faziam arderem os olhos e se inflamar o nariz. Depois vieram náuseas, mais tarde vermelhidão e inchaço do rosto, do pescoço, das mãos”.28 Ele ressalta o choque da humanidade com esse evento, pois não havia motivação bélica contra um inimigo em guerra; era apenas uma demonstração de força, que acabou por mostrar os efeitos perigosos das radiações.

Outra bomba comentada por ele, e inventada na década de 1970, foi a de nêutrons, que muitas vezes era chamada de ‘bomba limpa’. Reis afirmou acertadamente que seus riscos e danos eram evidentes e perigosos. Quanto ao contexto da época, Reis escreveu que o presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter (1977-1981), tentou desenvolver a bomba de nêutrons, apesar de uma série de protestos. A condenação na Conferência Pugwash não conseguiu frear o Congresso norte-americano e impedir a concretização desse objetivo. Reis apresentou aos leitores a informação de que a bomba de nêutrons seria uma das novas armas nucleares a ser utilizadas como

“recurso tático nuclear para as operações da OTAN”.29 Quanto ao debate sobre o perigo da utilização dessas armas, ele citou o estrategista político alemão, Egon Bahr: “tudo isso indica uma perversão do pensamento e somente uma humanidade louca imaginaria proteger as coisas em vez das pessoas”.30

Essas foram questões controversas e polêmicas que José Reis procurou apresentar ao seu público leitor. Ele acreditava que a divulgação científica era fundamental para tornar aberto e disseminado o debate sobre a ciência e seus usos. O esclarecimento das pessoas seria essencial para que a ciência recebesse o apoio da população em questões importantes, como a pesquisa na área de energia nuclear. Apesar dos riscos e danos ocasionados com o mau uso da energia nuclear, Reis acreditava que a opção pela “energia nuclear parece assegurada tanto em nações desenvolvidas quanto em desenvolvimento”.31

2.2.5. Conferências Pugwash

Apesar dos inúmeros progressos científicos relatados por Reis em suas publicações, está também presente em seus textos a preocupação dos cientistas com o potencial bélico dessa energia em tempos de guerra e com a sobrevivência da humanidade. Muitos cientistas se reuniram e formaram grupos para debater essas questões, como a Federação dos Cientistas Norte-Americanos (Federation of American Scientists - FAS) e a Associação dos Cientistas Atômicos (British Atomic Scientists Association - ASA), na Inglaterra. De acordo com Reis, essas iniciativas ocorreram devido ao estímulo de publicações como o Bulletin of the Atomic Scientists e a Science and Public Affairs, cujo diretor, Eugene Rabinowitch, foi um dos primeiros a lutar em prol de debates internacionais sobre o tema.32 Além desses estímulos, a intensificação da corrida armamentista, que surgiu com o desenvolvimento da bomba de hidrogênio, intensificou os ânimos para que esses encontros ocorressem.

Em matéria sobre a 27a Conferência Pugwash, realizada em Munique em agosto de 1977, Reis se referiu ao surgimento de tais conferências. A primeira das quais foi realizada em 1957, no período da chamada Guerra Fria, o que dificultou os encontros entre cientistas. Essa primeira conferência ocorreu após o lançamento de um Manifesto assinado por inúmeros cientistas, entre eles Einstein e seu redator Bertrand Russell, que já havia feito um discurso no rádio sobre o perigo que a humanidade corria devido ao uso de armas nucleares. Uma grande reação pública e na comunidade científica se deu em decorrência deste Manifesto Russel-Einstein, que já previa a realização de uma conferência entre os próprios cientistas para se discutir as “consequências das armas nucleares, o desarmamento e a responsabilidade social dos cientistas”.33 De acordo com Reis, problemas financeiros fizeram com que os cientistas pedissem ajuda e essa veio de um magnata norte-americano “que recebera com grande entusiasmo o manifesto Russel-Einstein e condicionava sua contribuição à realização da conferência em sua cidade natal, Pugwash, na nova Escócia, no Canadá”. No texto sobre a conferência de Munique, Reis destacou a presença de diversos cientistas brasileiros no movimento Pugwash.34 As Conferências Pugwash ocorrem até os dias atuais e mais de 400 encontros já foram realizados.35

2.3. O uso da energia nuclear para a paz

Apesar de ter discutido, em seus textos, a bomba nuclear e os efeitos prejudiciais da radioatividade, Reis buscava ressaltar de forma positiva os diversos usos da energia nuclear para a sociedade, de forma que não se limitassem aos usos militares. Afirmava: “Mas para que falar dela (bomba atômica), se essa mesma energia pode ter melhores e mais úteis aplicações?”.36

Preocupado com a construção da imagem do cientista, Reis buscou associar o uso da energia atômica para fins bélicos com a ação de políticos, tentando afastar da ciência e dos cientistas toda a carga negativa que recebiam em função da produção e uso das bombas atômicas ou nucleares. Muitas pessoas passaram a associar a ciência apenas à destruição, esquecendo-se, segundo ele, dos bens já proporcionados pelas pesquisas científicas. Reis afirmou:

“Não é raro encontrar em nossos atormentados dias indivíduos que procuram apresentar a ciência como verdadeira fonte de males. E lembram, em abono de sua tese, a bomba atômica. Mas esquecem, que antes de os políticos e militares haverem deliberado lançar a primeira bomba atômica já os mesmos princípios científicos que tornaram possível esse engenho de destruição estavam sendo ativamente aplicados pelos “desalmados” físicos, químicos, biologistas e médicos no esclarecimento dos fenômenos que diretamente importavam à conservação da saúde e à cura de terríveis doenças (...) E somente uma catástrofe como da ultima guerra arrasta os pesquisadores ao trabalho sistemático de elaboração de engenhos de morte. Essa mobilização para objetivos guerreiros não é mais lamentável que a de qualquer outro cidadão pacífico que por força das circunstancias se vê obrigado a disparar contra seus semelhantes a carga de suas “mausers” (fabricante de armas alemã). Melhor seria que tais coisas não acontecessem, porém, a triste verdade é que elas não dependem dos cientistas, assim como não dependem do homem comum que lavra os campos e vive para o encanto do lar. Depende dos fazedores de guerra” (Folha da Manhã, 8 de agosto de 1948).

Com isso, Reis quis mostrar que, por parte dos políticos e militares, os então ‘fazedores de guerra’, havia uma preocupação maior com a guerra do que com a paz, em detrimento de pesquisas fundamentais voltadas para a sobrevivência e o desenvolvimento das nações.37

Reis relaciona alguns exemplos sobre a utilização com fins pacíficos da energia nuclear para a sociedade. Menciona como um dos grandes problemas médicos da guerra foi resolvido pelo uso dos isótopos radioativos. Tratava-se de conseguir a conservação do sangue durante o seu transporte para locais distantes.38 Outro exemplo usado por Reis refere-se às “pacíficas” usinas atômicas da Inglaterra. Nestas, os engenheiros ingleses teriam explorado de todas as maneiras seus conhecimentos sobre “armas atômicas” para a conversão da energia atômica em eletricidade.39 

Ele escreveu também sobre as pilhas atômicas, que foram fruto das mesmas pesquisas que fabricaram a bomba atômica, e que servem para bombardear as substâncias que se quer transformar ou tornar radioativas. Elas são fontes dos isótopos radioativos, que encontraram diversas aplicações na ciência. Além das radiações, as pilhas produzem calor, que poderia ser aproveitado para o aquecimento de residências e fábricas, para produzir vapor e operar grandes geradores de energia elétrica.40

Reis também registrou o uso terapêutico das radiações, que é feito através da radioterapia, além da aplicação das radiações na conservação de produtos alimentícios. Em sua visão, os usos industriais das radiações serão bem maiores no futuro.41 Para ele, “a radiação que mata é também a que cura e permite inúmeros progressos”.42 Mas não deixou de ressaltar, como vimos, os inúmeros efeitos negativos da radiação, tanto no presente, quanto os que poderiam surgir no futuro.

É importante ressaltar que, ao longo de todo este período, no qual escreveu quase quatro dezenas de textos sobre energia nuclear, Reis referiu-se muito pouco ao desenvolvimento da física e da engenharia nuclear no Brasil. Há referências ao trabalho científico de Cesar Lattes e, como já mencionado, à participação de cientistas brasileiros nas conferências Pugwash, mas não localizamos textos nos quais ele se dedicou a apresentar eventuais avanços ou a comentar sobre os trabalhos dos principais pesquisadores locais neste domínio. Também não são abordadas as controvérsias ou as dificuldades para o desenvolvimento desta área no Brasil que, em especial na década de 1950 e no início dos anos 1960, galvanizava um interesse grande, inclusive junto à opinião pública. Uma das razões para isto poderia ser uma não familiaridade ou um não interesse pelos assuntos de física ou engenharia nuclear, mas isto também se aplicaria aos textos em que analisa questões mais gerais relativas à energia nuclear, em particular na Europa e nos Estados Unidos. Possivelmente a influência predominante em seus textos sobre energia nuclear tenha sido proveniente de suas muitas leituras das revistas científicas e de divulgação estrangeiras, que cobriam este assunto com frequência. No entanto, Reis conhecia bem vários dos protagonistas importantes do desenvolvimento da energia nuclear no Brasil, muitos deles seus colegas de atuação na SBPC, e poderia ter outras fontes diretas para a produção de textos relativos às ciências nucleares no país. Fatos importantes no contexto da política cientifica e tecnológica brasileira, como a construção do primeiro reator nuclear no Brasil, em 1958, ou o estabelecimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear em 1956 (Andrade, 2006), também não foram abordados por ele. Talvez as razões para esta ausência devam ser buscadas não apenas na sua formação como pesquisador e nas áreas nas quais tinha mais interesse científico, mas também na sua avaliação da relevância da ciência e da tecnologia locais nesta área, comparada com a do exterior, bem como nas concepções políticas que abraçava sobre como deveria ocorrer o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

Considerações finais

Sem dúvida, a energia nuclear foi um tema que despertou um grande interesse público, em todo o mundo, no período pós II Guerra Mundial. Não apenas em jornais, mas também em revistas, no cinema e em outras formas de comunicação. José Reis buscou abranger algumas dessas questões que considerava relevantes para o debate no cenário nacional. O receio do uso dessa energia era constante, pois era uma época em que o medo de um holocausto nuclear estava sempre presente. Em seus textos, Reis se contrapôs a uma visão pessimista sobre a utilização da energia nuclear mostrando que havia outros usos para essa energia, além da guerra, e que seria importante se investir nessa área no Brasil, para que assim o país pudesse progredir. Neste sentido acompanhou a posição da maioria dos cientistas brasileiros da época, em particular os físicos e os químicos, embora não tenha abordado diretamente e com maior profundidade os avanços, dilemas e desafios para o desenvolvimento desta área no país.

Reis representou, assim, a voz de um grupo de cientistas da época que lutava pelo aprimoramento e pela expansão institucional das atividades científicas. Em muitos dos seus textos, em particular nos citados neste artigo, Reis procurava ressaltar o valor da ciência e da carreira científica. Com isto, esperava atrair mais apoio da população em geral e convencer as autoridades governamentais a fazerem mais investimentos na área. Frequentemente, como é o caso de José Reis, a divulgação científica é utilizada por cientistas e divulgadores como um instrumento para a promoção das ciências e para a legitimação das práticas científicas.

No caso da energia nuclear, apesar de Reis apresentar constantemente o lado “negativo” relativo ao uso dessa energia, como no caso de sua utilização na guerra, seus riscos e danos, também buscava mostrar seus fins pacíficos, como na medicina e na indústria. Da mesma forma, Reis buscava melhorar a visão pública que se tinha dos cientistas e das ciências, pois a carga negativa do uso dela para a guerra recaía frequentemente sobre eles, e se deixava de lado os políticos e governantes que decidiam diretamente sobre o uso dessas pesquisas para fins bélicos. Reis buscou mostrar também, dentro de sua argumentação sobre a necessidade de se utilizar a energia nuclear, que “o número de vítimas em Nagasaki e Hiroshima já fora de muito excedido antes das bombas serem lançadas, pelo de doentes que a energia atômica restituíra à vida e à saúde”.43

Reis não apresentava a ciência como algo pronto. Mostrava, por meio dos debates dessas teorias, a construção da ciência, com questões ainda em aberto e sem certezas absolutas. Ao mesmo tempo em que percebemos essa humanização da ciência no discurso de Reis, ainda que os cientistas fossem colocados numa posição de sábios, que estariam em busca de respostas para a sociedade. Podemos ver isso como parte da construção da imagem do cientista.

A análise desses textos de José Reis pode contribuir, a nosso ver, para a aquisição de uma visão mais abrangente sobre a ciência e a tecnologia no cenário da época em que ele atuou, escrevendo para um importante jornal diário brasileiro, com seus avanços, controvérsias, dilemas e expectativas sobre seu desenvolvimento, suas aplicações e seu impacto na sociedade. Nossa expectativa é, ainda, que a análise dos textos de Reis possibilite um entendimento mais aprofundado da divulgação científica neste período e de suas relações com a organização da ciência e dos cientistas no país.

Fontes

Acervo da Folha de S. Paulo

Periódicos

Folha da Manhã

Folha de S. Paulo

- Os artigos específicos utilizados foram citados em nota de rodapé.

Endereços eletrônicos consultados

http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm

http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/PoliticaExterna/CenarioGuerraFria

http://www.eletronuclear.gov.br/Saibamais/EspaC3%A7odoConhecimento/Pesquisaescolar/EnergiaNuclear.aspx

https://pugwash.org/

http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/vol04a08.pdf

Notas

2 Utilizamos o termo “divulgação científica” na sua acepção mais geral, incluindo textos que abordam a também a difusão de resultados e impactos tecnológicos. Os textos de José Reis estão, em geral, centrados na divulgação da ciência “básica”, de suas aplicações e das relações sociais subjacentes à prática científica, mas, às vezes, exploram aspectos tecnológicos delas decorrentes, bem como seus impactos na sociedade, como sucede aqui com o tema da energia nuclear.

3 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_folha.htm. Acesso em: 02/05/2016.

4 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml. Acesso em: 02/05/2016.

5 Disponível em: http://www.ans.org/about/history/. Acesso em: 06/06/2016.

6 Folha da Manhã, 1 de janeiro de 1955.

7 REIS, J. (s/f): “História da ciência: de onde vem, para onde vai”, em História da Ciência e Perspectiva Científica, São Paulo, coleção da revista de história, p. 224.

8 Folha da Manhã, 4 de março de 1956.

9 Folha da Manhã, 15 de maio de 1949.

10 Folha de São Paulo, 29 de janeiro de 1978.

11 Folha da Manhã, 8 de agosto de 1948

12 Folha da Manhã, 2 de março de 1958.

13 Folha da Manhã, 1 e 2 de maio de 1948.

14 Folha da Manhã, 13 de março de 1949.

15 Folha de S. Paulo, 2 de dezembro de 1962.

16 Folha da Manhã, 25 de abril de 1948.

17 Folha da Manhã, 1 e 2 de maio de 1948.

18 Folha de S. Paulo, 1 de dezembro de 1974.

19 Folha de S. Paulo, 2 de junho de 1984.

20 Folha de S. Paulo, 1 de dezembro de 1974.

21 Folha de S. Paulo, 18 de dezembro de 1960.

22 Folha de S. Paulo, 18 de dezembro de 1960.

23 Folha da Manhã, 4 de março de 1956.

24 Folha da Manhã, 2 de setembro de 1956.

25 Folha da Manhã, 9 de abril de 1950.

26 Folha da Manhã, 16 de janeiro de 1955.

27 Folha de S. Paulo, 10 de abril de 1960.

28 Folha de S. Paulo, 24 de julho de 1973.

29 Folha de S. Paulo, 5 de fevereiro de 1978.

30 Folha de S. Paulo, 5 de fevereiro de 1978.

31 Folha de S. Paulo, 1 de dezembro de 1974.

32 Folha de S. Paulo, 5 de fevereiro de 1978.

33 Folha de S. Paulo, 29 de janeiro de 1978.

34 Folha de S. Paulo, 29 de janeiro de 1978.

35 Disponível em: https://pugwash.org/ . Acesso em: 05/05/2016.

36 Folha da Manhã, 29 de fevereiro de 1948.

37 Folha da Manhã, 12 de abril de 1959.

38 Folha da Manhã, 15 de maio de 1949.

39 Folha da Manhã, 9 de maio de 1954.

40 Folha da Manhã, 13 de março de 1949.

41 Folha da Manhã, 4 de março de 1956.

42 Folha de S. Paulo, 10 de abril de 1960.

43 Folha da Manhã, 8 de agosto de 1948.

Referências bibliográficas

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6 MENDES, M. (2006): Uma perspectiva histórica da divulgação científica: a atuação do cientista-divulgador José Reis (1948-1958), tese de doutorado em história das ciências e da saúde, Rio de Janeiro, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.         [ Links ]

7 RAMALHO, M. (2012): “Ciência em telejornais: uma proposta de ferramenta para análise de conteúdo de notícias científicas”, en L. Massarani L. y M. Ramalho (eds.): Monitoramento e capacitação em jornalismo científico - a experiência de uma rede ibero-americana, Rio de Janeiro, Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz.

8 REIS, J. (1974): “História da ciência: de onde vem, para onde vai”, História da Ciência e Perspectiva Científica, São Paulo.

9 REIS, J. e GONÇALVES, N. (2000): “Veículos de Divulgação Científica”, em G. Kreinz e C. Pavan: Os donos da paisagem, São Paulo, NJR/ECA/USP.

10 SCHWARTZMAN, S. (2001): Um espaço para a ciência: a formação da comunidade científica no Brasil, Brasília, MCT/CET.         [ Links ]

 

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