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Revista iberoamericana de ciencia tecnología y sociedad

versión On-line ISSN 1850-0013

Rev. iberoam. cienc. tecnol. soc. vol.12 no.36 Ciudad Autónoma de Buenos Aires oct. 2017

 

ARTÍCULOS

Políticas de ciência em Portugal nos 40 anos de democracia *

Políticas de ciencia en Portugal en los 40 años de democracia

Science Policies In Portugal During 40 Years Of Democracy

Maria de Lurdes Rodrigues **

 * Recepção do artigo: 12/03/2017. Entrega da avaliação final: 05/04/2017.

** Professora do ISCTE-IUL e investigadora do CIES-IUL, Avenida das Forças Armadas, Lisboa. Email: mlurdes.rodrigues@iscte.pt.  


Com a instituição do regime democrático, depois do 25 de abril de 1974, as mudanças nas políticas públicas de ciência em Portugal foram radicais e profundas. Neste artigo, argumenta-se que o sistema científico português se desenvolveu em quatro etapas cronológicas, definidasde acordo com as especificidades, princípios, objetivos e fundamentos das políticas públicas de ciência formuladas e concretizadas nos últimos 40 anos. A análise efetuada permite concluir que, apesar das tensões e confrontos de ideias e de alternativas que se verificaram ao longo de todo este período, a generalidade das políticas de ciência, embora não tenham tido o apoio unânime de todas as forças políticas, tiveram como objetivo comum a construção de um sistema científico nacional de acordo com os padrões de referência internacionais.

Palavras-chave: Políticas de ciência; Sistema científico; Políticas públicas; C&T; Portugal

Con la institución del régimen democrático, después del 25 de abril de 1974, los cambios en las  políticas públicas de ciencia en Portugal fueron radicales y profundos. En este artículo se  argumenta que el sistema científico portugués se desarrolló en cuatro etapas cronológicas,  definidas de acuerdo con las especificidades, los principios, los objetivos y los fundamentos de las políticas públicas de ciencia que se formularon y concretaron durante los últimos 40 años. El análisis realizado permite concluir que, a pesar de las tensiones y los enfrentamientos de ideas y de alternativas que surgieron en este período, la generalidad de las políticas de ciencia, aunque no hayan contado con el apoyo unánime de todas las fuerzas políticas, tuvieron como objetivo común la construcción de un sistema científico nacional de acuerdo con los estándares de referencia internacionales.

Palabras clave:Políticas de ciencia; Sistema científico; Políticas públicas; Ciencia y tecnología; Portugal

After the restoration of democracy (25th of April, 1974), the changes in public science policies in Portugal were radical and profound. In this paper, the argument is made that the Portuguese science system was developed in four chronological stages, based on the particularities,  principles, objectives and foundations of the public policies on science that were framed and defined during the last 40 years. The analysis carried out allows concluding that, in spite of the tensions and clashes of ideas and the alternatives that arose during this period, science polices in general, even though they did not receive the unanimous support of the political forces, had the common objective of constructing a national science system in accordance with international standards of reference.

Key words: Science policies; Scientific system; Public policies; C&T; Portugal  


À memória de José Mariano Gago (1948-2015)

Introdução

O estudo das políticas públicas é um campo de aplicação multidisciplinar que conta com contributos da sociologia, da história, da economia, do direito e da ciência política, assente no pressuposto da autonomia relativa do Estado e das suas diferentes instâncias de governação. As configurações do Estado têm impacto nas políticas públicas (Easton, 1965). Porém, importa, na sua análise, tomar como objeto de estudo a ação do Estado, aquilo que os governos decidem fazer ou não fazer (Dye, 2010). Assim, é preocupação central na análise das políticas públicas identificar e conhecer as diferentes formas de ação do Estado e o modo como esta se desenvolve (Jobert e Muller, 1987). O objetivo é interpretar e compreender o Estado em ação, isto é, as suas atividades e decisões, sendo a ênfase colocada nas instituições formais e informais, nos atores e nos processos, nas estruturas de governação e de execução, numa perspetiva comparada, considerando diferentes unidades temporais dentro do mesmo país, ou diferentes unidades territoriais no mesmo período (Immergut,1992). As configurações do Estado e os regimes políticos podem constituir-se como importantes variáveis explicativas, mas para compreender a ação do Estado é necessário analisar a trajetória das próprias políticas públicas, os processos de difusão e de influência dos organismos internacionais e transnacionais, as ideias e os interesses que orientam as escolhas entre diferentes alternativas, os atores envolvidos no debate público, na decisão e na concretização das políticas, considerando em cada caso as condições de contexto político, económico e social (Hall, 1993; Sabatier e Jenkins-Smith, 1993; Muller e Surel, 1998).

Em 1974, depois do 25 de Abril, ocorreram mudanças profundas em Portugal.1 O regime democrático, instituído com a aprovação da Constituição em 1976, desenvolveu-se sustentado em políticas públicas que mudaram o país em setores como a saúde, a segurança social e a educação. Também no sector da ciência as mudanças foram radicais e profundas. Procuramos neste texto apresentar as etapas cronológicas de desenvolvimento do sistema científico em Portugal em função das características, dos princípios de bases, dos objetivos e dos fundamentos das próprias políticas públicas de ciência formuladas e concretizadas ao longo dos últimos 40 Anos, tendo por base o trabalho de Rodrigues e Heitor (org) (2015). Neste artigo, analisamos a trajetória das políticas de ciência, desde o início do século XX até às primeiras décadas do século XXI, considerando 4 etapas de desenvolvimento.

1. Os antecedentes: ações residuais, setoriais e dispersas  

Para compreender a trajetória das políticas de ciência em Portugal importa recuar ao período da Primeira República, a 1911, e encontrar as origens institucionais das políticas atuais, isto é, os primeiros sinais de ação pública e de intervenção do Estado. Para muitos historiadores, o arranque da política científica em Portugal ocorre apenas em 1967 com a criação da JNICT (Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica). De facto, embora até essa data não se possa falar em sistema científico, os seus pilares começaram a ser lançados nas primeiras décadas do século XX.

As primeiras ações, residuais, setoriais e dispersas, revelavam a emergência das preocupações políticas com o desenvolvimento científico. A reforma universitária de 1911, iniciada pelo governo republicano logo a seguir à queda da monarquia e à instauração da República, introduziu o modelo humboldtiano de universidade e o princípio de ligação entre a prática de ensino e de investigação.

Por outro lado, foram neste período criados os primeiros institutos sectoriais sob tutela de diferentes ministérios e foram aprovados diversos diplomas legais que consagravam objetivos de promoção de atividades de investigação. Foi também criado, neste período, o primeiro de uma série de institutos sectoriais de investigação que estão na origem dos atuais Laboratórios do Estado.

Em 1929, já no regime da ditadura militar instituída a partir de 1926, foi criada a Junta de Educação Nacional, com a missão de apoiar, com bolsas, atividades de investigação. Em 1936, foi criado o Instituto para a Alta Cultura (IAC), como uma secção da Junta Nacional de Educação, no âmbito do qual foram criados e apoiados diversos laboratórios e unidades de investigação ligados às universidades. O Estado Novo, no que respeita à ciência, no período anterior à segunda Guerra Mundial, não alterou significativamente o tipo de intervenção pública registado na Primeira República: intensificaram-se as ações, mas não mudou a natureza das decisões.

A criação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em 1946, assinala, justamente, uma intensificação da ação pública. As preocupações com a ciência mantiveram-se associadas aos problemas do país nas áreas setoriais de intervenção do Estado. Entre 1946 e 1971 foram criados vários Laboratórios do Estado sob tutela dos respetivos ministérios: Instituto de Biologia Marítima (IBM) em 1950 e Gabinete de Estudos das Pescas em 1952; Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNIV) (1957); Laboratório Nacional de Física e Engenharia Nuclear em 1958; Instituto Nacional de Investigação Industrial (INII) em 1959; Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (INSA) em 1971, entre outros.

Em 1952, o Instituto para a Alta Cultura adquiriu estatuto próprio, passando para a tutela do Ministério da Educação e Investigação Científica, sendo-lhe atribuídas duas funções distintas: 1) contribuir para a formulação da política científica e promover, fomentar e coordenar as atividades de investigação nos organismos dependentes do Ministério da Educação e Investigação Científica; e 2) promover e fomentar o ensino e a difusão da língua e cultura portuguesas no estrangeiro. Até 1959, no âmbito da sua ação, foram criados 14 centros de investigação e atribuídas 73 bolsas de formação no estrangeiro e foi criada a Comissão de Estudos de Energia Nuclear, que se transformou mais tarde (1954) na Junta de Energia Nuclear, presidida por Francisco Paula Leite Pinto. Sob sua responsabilidade, como Ministro da Educação com a tutela do IAC, a partir de 1955, foram também tomadas as primeiras medidas com o objetivo de coordenação das atividades, dos recursos e dos organismos de investigação. 

Francisco Paula Leite Pinto solicitou a colaboração da OCDE na realização de um estudo sobre a educação e as necessidades de desenvolvimento do país, designado como o Projeto Regional do Mediterrâneo (Lemos, V., 2014), cujos resultados não tiveram, na agenda das políticas de ciência e de ensino superior, o mesmo impacto que tiveram na agenda das políticas de educação. Contudo, decorrente das relações então estabelecidas com a OCDE, foi criada, em 1965, uma comissão interministerial, na dependência direta do Ministro da Educação Nacional, que promoveu a constituição de um grupo de trabalho (Equipa-Piloto - Portaria n.º 21 570, de 14 de outubro), cujo relatório e recomendações foram decisivos para a criação da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT) e para o futuro da política de ciência na fase seguinte.

O lançamento de um programa de bolsas, em 1958, pelo comité científico da NATO, suscitou a criação, no Gabinete do Presidente do Conselho, da Comissão INVOTAN cuja missão era a de apoiar a participação portuguesa no programa da NATO. Data deste período o início de uma hesitação em relação à tutela da coordenação da investigação dividida entre o Ministério da Educação Nacional, a Presidência do Conselho e os ministérios sectoriais.

Em 1961, foi criado o Instituto Gulbenkian de Ciência (ICG), um centro de investigação multidisciplinar não universitário, constituído por 5 centros de pesquisa: Economia Agrária, Investigação Pedagógica, Cálculo, Biologia e Economia e Finanças. Entre 1967 e 1969 – período em que Leite Pinto ocupou o cargo de administrador da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) - diversificaram-se as áreas de intervenção do ICG, nomeadamente para a farmacologia, microbiologia, fisiologia, genética molecular e microscopia eletrónica. Foram ainda criados os Estudos Avançados de Oeiras, que permitiram aos cientistas portugueses a participação em workshops e seminários internacionais. A FCG teve um papel decisivo na formação de cientistas através da atribuição de bolsas de estudo: entre 1956 e 1959, foram atribuídas 41 bolsas no país e 118 bolsas no estrangeiro, com a particularidade de incluir bolsas para investigação em ciências sociais. Até 1980, tinham sido atribuídas um total de 2107 bolsas de pós-graduação, com a seguinte distribuição: 706 nas ciências exatas; 718 nas ciências da vida; 376 nas ciências sociais.

Em todo o período do Estado Novo não se registaram alterações substantivas no funcionamento do sistema de ensino superior, a não ser as que reduziram a sua dimensão e a autonomia das suas instituições. Em contrapartida, foram tomadas medidas que revelavam uma preocupação com a formação avançada do corpo docente e a sua capacitação para as atividades de investigação, começando a ser atribuídas as primeiras bolsas de doutoramento a realizar no estrangeiro, através do IAC, criado em 1955.

2. A procura de um modelo de coordenação – 1967 a 1985

Com a criação da JNICT, Junta Nacional de Investigação Científica, nos últimos anos do Estado Novo, assinala-se uma viragem na política de ciência em Portugal. Como vimos, para muitos historiadores, este é o momento fundador da política científica moderna em Portugal. A revolução do 25 de Abril de 1974 introduziu algumas ruturas e constituiu-se como uma janela de oportunidade política para a mudança. Porém a análise das decisões políticas e das medidas lançadas revela que, até meados dos anos 80, a intervenção pública foi marcada por hesitações, avanços e recuos, na busca de um modelo de coordenação e na procura dos referenciais para o desenvolvimento do sistema científico, sem que fosse claro o caminho a seguir.

Francisco Paula Leite Pinto, após mandato como Ministro da Educação Nacional, assumiu responsabilidades na coordenação da ciência, sob dependência direta do Presidente do Conselho, primeiro na Junta de Energia Nuclear e depois, a partir de 1967, na presidência da JNICT. A tutela da coordenação da ciência manteve-se na Presidência do Conselho até ao 25 de Abril de 1974, mas as medidas tomadas no ensino superior, sobretudo a política de bolsas de doutoramento no estrangeiro, teve um impacto decisivo no desenvolvimento do sistema científico.

Em fevereiro de 1968, foi entregue ao Ministro da Educação Nacional o relatório produzido no âmbito do Projeto em Ciências e Tecnologias “Equipas-piloto”, que incluía um plano de desenvolvimento da investigação no país, enfatizando-se a necessidade de institucionalização do planeamento e da coordenação através de um organismo como a JNICT. Este período foi muito marcado pela preocupação com a tutela e a coordenação da investigação, que envolvia, por um lado, instituições tuteladas pelo Ministério da Educação Nacional e instituições setoriais tuteladas pelos respetivos ministérios, e, por outro a própria JNICT, sob tutela da Presidência do Conselho. Assim foram criadas inúmeras comissões de coordenação, setoriais e transversais, integrando representantes dos diferentes organismos. O relatório da OCDE, de 1973, veio justamente assinalar o problema da coordenação da investigação, como um problema central.

Uma outra marca deste período foram as sucessivas tentativas de inscrição da ciência e das atividades de investigação nos planos de fomento, o principal instrumento de planeamento económico do Estado Novo, designadamente, no Plano Intercalar de Fomento (1965-67) e no III Plano de Fomento (1968-73), certamente por influência da visão desenvolvimentista de alguns políticos do Estado Novo, como era o caso de Leite Pinto e de Veiga Simão. Apesar da escassez de recursos financeiros investidos em investigação, a inscrição da ciência no planeamento económico do governo teve uma importância não meramente simbólica.

Com a rutura política introduzida pelo 25 de Abril de 1974, apenas se acentuaram as dificuldades de coordenação e as hesitações em relação ao modelo de desenvolvimento. Entre 1974 e 1979, pela primeira vez, o ensino superior e a ciência integraram o Ministério da Educação, numa Secretaria de Estado comum, mas logo a seguir e até 1985, voltaram as hesitações no que respeita à tutela e integração da ciência e da investigação na orgânica do Governo.

Nesta fase, todos os governos, provisórios e constitucionais, reconheceram a ciência e investigação como área específica de intervenção do Estado, nomeando Secretários de Estado com funções atribuídas nesse domínio, integrados no Ministério da Educação (com exceção de dois períodos 1979-80 e 1981-83 em que foram nomeados ministros – Adérito Sedas Nunes e Francisco Lucas Pires – com a função específica de coordenação de áreas como a cultura e a ciência).

A partir de 1978, a JNICT passou a integrar a Secretaria de Estado de Planeamento do Ministério das Finanças e, depois de 1984, a ciência e investigação passaram para a esfera do Ministério das Finanças e do Plano, saindo da órbita do Ministério da Educação. Tal transferência de tutela consolidou-se na fase seguinte: entre 1985 e 1995, durante cerca de 10 anos, sob responsabilidade do Ministro do Planeamento e Administração do Território, Luís Valente de Oliveira. A ciência e investigação foram integrados na orgânica deste ministério, tendo como Secretário de Estado da Investigação Científica, primeiro, Arantes e Oliveira e, depois, Sucena Paiva.

Por outro lado, o IAC passou a designar-se por Instituto de Cultura Portuguesa, a partir de 1976, ficando com competências apenas na área da língua e da cultura. As competências e meios do IAC para a investigação científica foram transferidos para um novo organismo criado de raiz. O Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), foi criado pelo Decreto-Lei n.º 538/76, de 9 de julho, integrando 100 centros de investigação e 300 bolseiros em dedicação exclusiva. O INIC acabou por integrar também a esfera do Ministério das Finanças e Planeamento, cabendo-lhe contribuir para a formulação, coordenação e realização da política científica nacional, nomeadamente através da coordenação da investigação científica universitária. Em 1977, foi lançado o Programa de Contractos de Investigação e Desenvolvimento – PCID (1978-1982), com um modelo de atribuição de recursos, pela primeira vez, assente na avaliação pelos pares. Pela mesma altura, a JNICT aprovou o primeiro Plano Integrado de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIDCT, 1978-1986), contemplando medidas de política científica, destinado a criar uma linha de financiamento alternativo, enquadrado por diferentes regras, nomeadamente que promovessem a competição, a seleção e avaliação.

Ao longo de todo o período, entre 1974 e 1985, registaram-se vários movimentos de reorganização, fusão, transformação e alteração das orgânicas dos Laboratórios do Estado, que não foram apenas tributários das alterações ao nível da orgânica dos governos e das tutelas. Em 1980, o estatuto da Carreira de Investigação Científica (Decreto lei n.º 415/80, de 27 de setembro), definiu e organizou a carreira de investigação, no âmbito dos organismos da função pública portuguesa pertencentes ao Ministério da Educação e Ciência, aplicando-se assim aos investigadores dos centros do INIC, demais universidades e institutos universitários, Laboratório Nacional de Investigação Científica Tropical, Instituto Português de Oncologia e Observatório Astronómico de Lisboa (Decreto-lei n.º 415/80, de 27 de Setembro).

Em 1983, no âmbito do Ministério da Indústria e Energia foram criados os centros tecnológicos e aprovado o Plano de Desenvolvimento Tecnológico (PDT) ou Plano Tecnológico Nacional (PTN), promovido pelo LNETI, com fundos nacionais. Durante todo este período até 1985 viveu-se uma tensão institucional envolvendo a JNICT, o INIC e o LNETI (criado em 1977), tensão que se traduziu em dificuldades de definição das respetivas competências, das responsabilidades de coordenação, execução e financiamento das atividades de investigação. Porém, traduziu-se também na dificuldade em definir orientações para o desenvolvimento científico, que não fossem dominadas pelos problemas do desenvolvimento económico e tecnológico do país, pelas preocupações de planeamento e de definição de setores e áreas prioritárias. Em 1992, após inúmeros conflitos decorrentes da duplicação e sobreposição de funções entre os principais organismos de coordenação e financiamento (INIC, LNETI e JNICT) o INIC foi extinto tendo sido as suas competências transferidas para a JNICT.

Apesar das hesitações e das tensões em torno da tutela de coordenação da ciência, Mendes Mourão, presidente da JNICT entre 1979 e 1985, assegurou a continuidade e a estabilidade das políticas.

3. O arranque tardio – 1985 a 1995

O arranque da construção do sistema científico num modelo estabilizado ocorreu apenas após 1985. A partir desta data, e durante uma década, as políticas de ciência foram predominantemente orientadas por um modelo centrado no planeamento e na definição de prioridades, não sem hesitações e tensões.

Como vimos, desde 1979 que se ensaiavam diferentes modalidades de tutela da ciência fora da esfera de ação do Ministério da Educação e portanto separada do ensino superior (primeiro integrada no Ministério da Cultura e posteriormente no Ministério das Finanças e do Planeamento). Predominava então uma orientação para que o investimento e o apoio financeiro às atividades de investigação e à formação avançada fossem canalizados apenas para áreas disciplinares ou de aplicação definidas como prioritárias. A partir de 1985 e durante 10 anos, até 1995, confirmou-se e consolidou-se esta orientação: a tutela da ciência sob responsabilidade do Ministério do Planeamento e Administração do Território, incluindo a tutela da JNICT.

Ocorreu ainda uma tentativa de mudança nesta orientação da política científica, entre 1986 e 1989, quando José Mariano Gago assumiu a presidência da JNICT. As Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnologia (1987) e o Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologica (PMCT - 1987/1991) marcaram esse momento. Essa tentativa de mudança afirmou-se pela inclusão de todas as áreas científicas nos programas de bolsas para formação avançada e nos programas de apoio financeiro a projetos de investigação, e pelo lançamento de processos de avaliação pública do mérito dos candidatos a bolsas e da qualidade dos projetos de investigação para basear as decisões de investimento. Foi nesta altura aprovada na Assembleia da República a Lei n.º 91/88, de 13 de agosto, sobre a Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico, na qual se previa que, no prazo de dez anos, em 2000, Portugal atingiria a meta de 2,5% do PIB de investimento em ciência e tecnologia (C&T). Foi também neste diploma que se introduziu pela primeira vez a exigência de elaboração do orçamento de C&T. Datam ainda deste momento a adesão de Portugal ao CERN – Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, e a preparação do Acordo de Cooperação com o ESO - European Southern Observatory, decisões políticas que marcaram o início da mudança nas condições para a internacionalização da ciência em Portugal, pela abertura de possibilidades de cooperação e participação de equipas portuguesas em projetos de organismos internacionais.

Todavia com o afastamento, em 1989, de Eduardo Arantes e Oliveira da Secretaria de Estado e de José Mariano Gago da JNICT, reafirmou-se e reforçou-se a orientação do planeamento e da definição de prioridades. A segunda fase do Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia (PMCT) (1987/1991) e do Programa Ciência (1991-1993), bem como o Programa PRAXIS XXI (1994-1997), este último desenhado no âmbito do Segundo Quadro Comunitário de Apoio financiado por fundo europeus, deixaram de contemplar todas as áreas científicas. As ciências fundamentais e as ciências sociais e humanas foram excluídas, dos programas de formação avançada, da criação de infraestruturas e do apoio a projetos de investigação.

Duas importantes decisões, para a trajetória das políticas de ciência, foram tomadas neste período. Em primeiro lugar, a consolidação da JNICT como instituição financiadora na sequência, como vimos, da extinção do INIC. Em segundo lugar, o enquadramento do financiamento da investigação científica e da formação avançada de mestres e de doutores nos fundos estruturais decorrentes da adesão de Portugal à Comunidade Europeia. No 1º Quadro Comunitário de Apoio (1989-1993) foram criados o Programa CIÊNCIA (1989-1993) – Criação de Infraestruturas Nacionais de Ciência, Investigação e Desenvolvimento e o Programa Estrutural de Desenvolvimento da Investigação Científica e Tecnológica (PEDICT). Desde então o investimento em ciência e tecnologia não mais deixou de ser inscrito nos Quadros Comunitários de Apoio constituídos pelos fundos estruturais europeus.

Com o Programa CIÊNCIA e o Programa europeu STRIDE, nesta fase, foi criada a Agência de Inovação e a Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN), e foram ainda apoiados projetos de construção de infraestruturas e equipamentos, bem como um programa de formação avançada de mestres e doutores, exclusivamente em algumas áreas de conhecimento e de aplicação. Um pouco por todo o país, na periferia das universidades e em todas as áreas científicas foram criados, por iniciativa de professores universitários e investigadores, centros e unidades de investigação visando a organização e enquadramento institucional das suas atividades de investigação.

Em 1990, com a publicação do Manifesto para a Ciência em Portugal, por José Mariano Gago e com a organização da Conferência Europália A Ciência em Portugal, em 1991, iniciou-se um debate público sobre as condições para o desenvolvimento científico no país (Gago, 1992), que influenciou uma alteração profunda na orientação da política científica após a mudança de governo em 1995.

4. A mudança de rumo e consolidação – 1995 a 2011

Em 1995, registou-se uma mudança de governo e de orientação política, que teve um importante impacto, na política de ciência, no quadro de uma nova legislatura. Depois de dez anos de governos do Partido Social Democrata, foi formado um governo do Partido Socialista. Para muitos autores, a criação do Ministério da Ciência foi o primeiro sinal dessa mudança e da prioridade dada à ciência. Porém a alteração mais profunda consistiu no abandono das preocupações com o planeamento e com a definição de áreas prioritárias e a adoção de uma agenda de crescimento.

Com o governo do Partido Socialista, foi nomeado Ministro da Ciência, José Mariano Gago, cuja ação, em meados dos anos 80, na liderança da JNICT, tinha deixado marcas. A política científica sob tutela de Mariano Gago, durante mais de 13 anos (1995-2002; 2005-2011) foi marcada, em primeiro lugar, pelo abandono dos objetivos de planeamento e de definição de prioridades, e, em segundo lugar pela definição de novos objetivos de crescimento do sistema em todas as áreas disciplinares, de consolidação e de convergência com os países da União Europeia (EU). A política de ciência sofreu uma mudança profunda que se prolongou até 2011. Apesar de este período de mais de 15 anos ser atravessado por diferentes ciclos políticos, a alternância governativa não teve impacto no rumo que se iniciou neste período.

Neste contexto, depois de criado o Ministério da Ciência, foi revisto o Programa PRAXIS XXI, foram instituídos os princípios de avaliação externa, por peritos internacionais, de projetos e de unidades de investigação. Na sequência do primeiro exercício de avaliação externa e pública de todos os centros e unidades de investigação, em 1996, foi instituído o financiamento plurianual de instituições científicas, visando criar quadros de estabilidade e previsibilidade no funcionamento das atividades de investigação, sobretudo aqueles situados na periferia das universidades.

Foi aprovado o Regime Jurídico de Instituições de Investigação Científica (Decreto-Lei nº 125/99, de 20 de abril), que, entre outras medidas, consagrou a figura dos Laboratórios Associados, cujo regime veio a ser regulamentado em diploma próprio (Decreto-Lei n.º 129/99, de 20 de abril), instituindo-se pela primeira vez o princípio de rede colaborativa de instituições científicas financiadas pelo Estado com base em contratos programa de médio prazo. Paralelamente foi lançado um programa de avaliação externa e internacional dos Laboratórios do Estado e um Programa de Apoio à Reforma dos Laboratórios do Estado. No mesmo contexto de reforço das instituições e de melhoria dos quadros legais do seu funcionamento foi ainda aprovado o Estatuto do Bolseiro de Investigação Científica (Decreto-Lei n.º 123/99, de 20 de abril).

Em 1997, no âmbito do Ministério da Ciência, foi extinta a JNICT para dar lugar à Fundação para Ciência e a Tecnologia (FCT) e foram criados organismos especializados para as funções de cooperação internacional (Instituto para a Cooperação Científica e Tecnológica Internacional) e de observação e estudo (Observatório das Ciências e das Tecnologias). A tutela da Agência de Inovação foi assumida pelo Ministério da Ciência, embora continuando a ser partilhadas, com o Ministério da Economia, as responsabilidades de financiamento.

A Agência de Inovação viu aprovado um sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento (I&D) empresarial – SIFIDE (Decreto-Lei n.º 292/97, de 22 de outubro) e lançou vários programas de apoio às atividades de I&D empresarial, bem como à contratação de doutorados pelas empresas. Intensificaram-se neste período as negociações e os processos de adesão de Portugal aos organismos internacionais, designadamente ao acordo que institui o European Molecular Biology Laboratory (EMBL), à European Space Agency (ESA) e ao ESO - Observatório Europeu do Sul.

As preocupações com a difusão da cultura científica, anunciadas em 1990 por José Mariano Gago no Manifesto para a Ciência em Portugal, levaram à criação da Agência Ciência Viva e ao lançamento de um programa de ensino experimental das ciências nas escolas básicas e secundárias. Mais tarde, em 1999, foi criado o Pavilhão do Conhecimento e lançado um programa de criação de mais de 20 Centros Ciência Viva em todo o país.

Durante esta fase, abriu-se uma nova área de políticas públicas, visando o desenvolvimento da Sociedade de Informação, tendo sido criada a Unidade de Missão Informação e Conhecimento (Resolução do Conselho de Ministros n.º 135/2002, de 20 de novembro), como estrutura de aconselhamento. Neste contexto, foi aprovado o Plano de Ação para a Sociedade de Informação (Resolução de Conselho de Ministros 107/2003, de 12 de agosto). Foi também dada uma particular atenção à criação de infraestruras de comunicação e informação de que o lançamento da B-on - Biblioteca Científica on-line constituiu um exemplo paradigmático. Para o financiamento destas políticas, foram mobilizados recursos financeiros dos fundos estruturais através de um programa operacional especialmente desenhado para esse efeito – o POSI, que vigorou a partir de 2001. A partir de 2002, o ensino superior deixou de ser tutelado pelo Ministério da Educação, solução político-administrativa que estava em vigor desde o início do século, e passou a estar com a ciência e tecnologia, na tutela do Ministério da Ciência e do Ensino Superior.

No ano de 2005, com novo governo, arrancou um novo ciclo político que se prolongou até 2011. A solução governativa, inaugurada em 2002, de tutela conjunta, para o ensino superior e para a ciência, no Ministério da Ciência e do Ensino Superior, manteve-se até hoje, como se mantiveram as políticas de ciência marcadas pelos objetivos de reforço institucional, crescimento e alargamento disciplinar do sistema científico.

As decisões tomadas foram sobretudo de afetação de recursos ao sistema científico, através do aumento das dotações orçamentais e do lançamento de programas de apoio ao emprego científico, que tiveram impacto decisivo no crescimento e desenvolvimento do sistema científico. A análise dos indicadores da despesa em I&D, dos recursos humanos em atividades de I&D, nos sectores do Estado, das universidades e das empresas, mas também da produção científica referenciada internacionalmente, permite observar o impacto de tais decisões. Foi neste período que o país, em todos os indicadores, mais se aproximou da média dos países da UE.

Todos os programas de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, de apoio a projetos de investigação e de financiamento dos centros de investigação foram regularmente lançados, tendo sido reforçadas as suas dotações. Paralelamente foram lançados novos programas de apoio ao desenvolvimento estratégico das instituições e de apoio à contratação de investigadores. Assim, na sequência do processo de avaliação de unidades de investigação em 2007, foram reforçados os financiamentos plurianuais, numa base competitiva e com a celebração de contratos programa visando o desenvolvimento estratégico das instituições.

Foram, simultaneamente, lançados os Programas Ciência em 2007 e 2008, com o objetivo de apoiar as unidades de investigação na contratação de investigadores doutorados, em regime de contrato individual de trabalho, através de concurso público internacional. Os programas de bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento em todas as áreas científicas foram ampliados. Com o objetivo de atrair para Portugal investigadores de alto nível internacional e apoiar as instituições do Ensino Superior no seu esforço de internacionalização e de estabelecimento de parcerias com outras entidades foram ainda lançados vários programas, como o Programa de Cátedras Convidadas ou o Programa Welcome II, para recrutamento de investigadores europeus com experiências de mobilidade internacional (2011-12).

O apoio à internacionalização materializou-se ainda no lançamento dos Programas de Parcerias para o Futuro, de âmbito internacional, com quatro universidades norte-americanas: The Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carnegie Mellon University (CMU), University of Texas at Austin (UTA) e Harvard Medical School (HMS); assim como com a Sociedade Fraunhofer da Alemanha e a EPFL da Suíça.

Notas finais: a crise e o futuro

A crise

O ciclo governativo iniciado em 2009 foi interrompido com eleições legislativas antecipadas, em 2011. A crise financeira internacional, em 2008, e a crise das dívidas soberanas, em 2010, precipitam o país para um programa de ajustamento orçamental ao abrigo de um Memorando de Entendimento negociado com o FMI, o BCE e a Comissão Europeia. Desde então, e ao longo de todo o período de assistência financeira, várias as decisões tomadas visaram uma mudança de orientação na política de ciência.

A decisão mais importante foi a da diminuição dos recursos financeiros e humanos destinados ao sector, decisão que se materializou na diminuição drástica do número de bolsas, de doutoramento e de pós-doutoramento, e dos contratos Ciência, bem como na redução do número de centros de investigação apoiados pelo programa de financiamento plurianual (menos 30%) e diminuição das dotações globais para apoio a projetos de investigação. Tais decisões, não resultaram de uma mera diminuição de recursos financeiros; sustentaram-se numa alteração das regras e dos critérios de avaliação tanto das bolsas como dos centros de investigação que foram contestadas publicamente e suscitaram muitas dúvidas, não apenas sobre a razoabilidade dos novos critérios como sobre a qualidade dos próprios processos de avaliação. Sem que se tenha promovido qualquer debate público, através dos instrumentos de execução das políticas de ciência, como é o instrumento de avaliação, foram introduzidas orientações relativas à prioridade atribuída a algumas áreas disciplinares e de aplicação, discriminando negativamente as ciências fundamentais e sociais e humanas.

Quatro anos não são certamente tempo suficiente para promover uma avaliação dos impactos das políticas lançadas neste período, contudo os indicadores gerais permitem observar uma regressão, tanto ao nível do investimento, como da execução das políticas públicas. Será esta regressão no investimento justificada apenas pela crise e pelas dificuldades financeiras que o país atravessa desde 2011? Ou, pelo contrário, a crise e as dificuldades financeiras constituíram um pretexto para introduzir uma inflexão na orientação da política científica, fazendo regressar opções políticas aparentemente esquecidas? A partir daqui como podemos perspetivar o futuro? Que políticas de ciência precisamos de desenvolver?

O futuro

Os últimos 40 anos de políticas de ciência, podemos dizer de forma resumida mas com segurança, tiveram em comum o objetivo de construir um sistema científico, de acordo com padrões de referência internacional. Porém, importa sublinhar que a diversidade de visões sobre os traços ou características de tal sistema e sobre o modo de o construir foi gerador de tensões e de dinâmicas, confronto de ideias e de alternativas, de avanços e recuos, compromissos e convergências que ao longo do texto procurámos descrever e analisar. Os referenciais e as ideias que estiveram na base de políticas públicas de ciência que criaram as condições do desenvolvimento científico verificado nos últimos 40 anos não reuniram sempre o apoio unânime de todas as forças políticas, mas foi possível construir compromissos políticos duradouros em torno delas. Importa, antes de terminar este trabalho identificar essas ideias (Martins e Conceição, 2015; Heitor, 2015).

Em primeiro lugar, a ideia de que construir um sistema científico é fazê-lo crescer, criar massa crítica, através do investimento público e da afetação de recursos, ideia que está na base das políticas de formação avançada, de emprego científico de financiamento de projetos e de instituições. A construção do sistema científico exigiu recursos humanos, recursos financeiros e instituições fortes, qualificadas, exigentes e internacionalizadas, à semelhança do que se passa nos países democráticos mais desenvolvidos. A questão do investimento público em ciência, medido em percentagem do PIB (despesa executada) ou em percentagem do Orçamento de Estado (despesa orçamentada), ao longo do período analisado, foi um tema de debate público, tendo os diferentes governos procurado atingir valores de investimento semelhantes aos dos países mais desenvolvidos. Em Portugal, o sistema científico, tendo crescido muito, não atingiu ainda os níveis necessários à sua sustentabilidade, pelo que o objetivo da sua construção não foi ainda plenamente alcançado. A conjuntura política e económica atual parece ser desfavorável à continuidade do esforço de investimento em ciência, fazendo emergir no debate público dúvidas que podem colocar em risco tanto a trajetória como o ritmo que vinham sendo seguidos.

Em segundo lugar a ideia de que o desenvolvimento cientifico exige processos permanentes de avaliação da sua qualidade através da abertura ao escrutínio externo, ideia que está na base das políticas de avaliação externa e internacional, bem como da participação de Portugal nos organismos internacionais e transnacionais, considerada uma importante condição de internacionalização, de qualidade e de exigência, no processo de construção do sistema científico. Sendo a avaliação e a adoção de referenciais internacionais importantes instrumentos das políticas de ciência, é decisivo para o futuro que seja garantida a qualidade e o rigor nos processos de avaliação.

Em terceiro lugar, a ideia de que o desenvolvimento científico não pode ser planeado na base da definição política de prioridades disciplinares ou outras. O desenvolvimento científico em Portugal, como em todos os países do mundo desenvolvido, foi tributário da liberdade e da autonomia dos investigadores e das instituições na definição da agenda, dos temas e dos problemas de investigação, em todas as áreas de conhecimento, das ciências fundamentais às ciências sociais e humanas. Tal ideia está na base das opções políticas de investimento em todas as áreas científicas, sendo este condicionado apenas pela avaliação da sua qualidade em termos absolutos. Os argumentos de que, existindo falta de recursos, é necessário escolher e definir politicamente que áreas disciplinares devem beneficiar de investimento público, desvalorizam o facto de todas as áreas disciplinares serem indispensáveis à produção do conhecimento e à construção de um sistema científico sustentável.

Em quarto lugar a ideia de que a ciência ocupa-se, antes de tudo, de produzir conhecimento, saber e informação. O que distingue a atividade científica é justamente a produção de conhecimento que ninguém sabe (ainda) para que serve, ou que produtos, processos ou inovações podem com ele ser desenvolvidos. A ideia de que a produção de conhecimento é uma finalidade em si mesma opõe-se à ideia de que a importância do conhecimento está exclusivamente associada ao desenvolvimento da economia, e que os investimentos em ciência deveriam depender da sua utilidade económica. A exigência de que toda a ciência seja aplicada, útil e rentável, orientada apenas para resolver problemas das empresas, é uma armadilha que conduz ao dispêndio de recursos sem garantia de retorno científico ou económico. Desistir de investir em ciência, por impaciência com a utilização dos seus resultados, a prazo colocará em risco o futuro da ciência e da própria economia. Na realidade, como tem sido amplamente estudado, os setores da economia que mais se modernizaram devem-no, em boa parte, à articulação que souberam estabelecer com os centros de investigação e com as universidades (Fernandes, L., 2014). Para o futuro, importa pois encontrar respostas para algumas questões: que politicas públicas devemos prosseguir para tornar mais aplicável o conhecimento e a ciência que os cientistas produzem em Portugal? O que devemos adicionar ao investimento em ciência para descobrir a aplicação dos conhecimentos científicos e melhorar a sua apropriação pelos agentes económicos? O que fazem os outros países? Que bons exemplos existem em Portugal que nos podem inspirar?

Finalmente, a ideia de que a ciência floresce melhor nas sociedades mais qualificadas do que naquelas em que predomina a ignorância, sendo responsabilidade dos investigadores e das instituições de ciência quebrar barreiras de acesso ao conhecimento científico e contribuir para a qualificação das pessoas, para a educação científica e para a difusão da cultura científica. O conhecimento científico é a via para  fazer compreender o porquê das coisas, essencial a uma plena cidadania, mas essencial também ao alargamento da base de apoio e de recrutamento para a ciência.

Requer-se a iniciativa das instituições científicas e dos investigadores, mas requerem-se também políticas públicas de promoção da comunicação e divulgação de ciência para quebrar o seu isolamento. Quebrar o isolamento da ciência também na esfera política, quer dizer, debater publicamente, argumentar e convencer os vários poderes, acerca da importância da ciência para a construção de um país moderno e democrático.

Anexo

Principais períodos de evolução do Sistema de C&T em Portugal   

 

 Figura 1. Evolução do número de investigadores (ETI)em atividades de I&D por setor de execução, Portugal, 1982 a 2013

Figura 2. Evolução das dotações orçamentais para I&D(comparando com evolução da despesa total em I&D), Portugal, 1985 a 2013

Figura 3. Evolução do número de publicações científicas, Portugal, 1991 a 2013

 

Notas

1 Uma versão mais longa deste texto foi publicada, em 2015, no livro 40 Anos de Políticas de Ciência e de Ensino Superior, organizado por Maria de Lurdes Rodrigues e Manuel Heitor. No quadro de um projeto de investigação do CIES-IUL, foi publicado também, pela Almedina, o livro 40 Anos de Políticas Públicas de Educação em Portugal, em 2014, e estão em curso os trabalhos de análise das Políticas de Justiça, de Proteção Social, de Energia e Ambiente, e de Segurança e Defesa. A análise das Políticas Públicas dos últimos 40 anos, isto é, dos anos de regime democrático em Portugal, é decisiva para a compreensão da sociedade portuguesa atual. Há uma dupla motivação na promoção deste projeto. Em primeiro lugar, motivação académica e científica, visando contribuir para o aprofundamento do conhecimento acerca dos fundamentos das políticas públicas e para a compreensão dos processos políticos associados à sua formulação e concretização. Em segundo lugar, motivação política, visando contribuir, com informação e conhecimento, para um debate público mais informado, e, simultaneamente, para a promoção e melhoria da eficácia das opções de política que permitem continuar a construir uma sociedade mais democrática e mais livre, mais justa e menos desigual, mais qualificada e cosmopolita.  

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Fontes

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