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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.8 no.1 Tandil July 2013

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Física Moderna e Contemporânea no ensino médio e a formação de professores: desencontros com a ação comunicativa e a ação dialógica emancipatória

 

Maria Amélia Monteiro1, Roberto Nardi2, Jenner Barretto Bastos Filho3

mariamelia00@gmail.com, nardi@fc.unesp.br, jennerbastos@gmail.com

1 Departamento de Física - UEPB, Universidade Estadual da Paraíba. Av Juvêncio Arruda, s/n - Universitário, Campina Grande, PB, Brasil.

2 Departamento de Educação, Faculdade de Ciencias - UNESP, Bauru, São Paulo, SP, Brasil.

3 Instituto de Física, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, AL, Brasil.

 


Resumo

A partir de diversas perspectivas de argumentação, a introdução da Física Moderna e Contemporânea no nível médio da educação básica tem sido defendida por vários pesquisadores. Essas argumentações nem sempre se coadunam. Na presente investigação, de natureza qualitativa, construímos e interpretamos os discursos de dez professores de Física atuantes na educação básica brasileira, no sentido de avaliarmos em que medida as suas formações iniciais, no tocante à Física Moderna e Contemporânea, esteve pautada em uma racionalidade que se harmoniza com a ação comunicativa e com a dialógica, respectivamente, habermasiana e freireana. Os professores participaram individualmente de entrevista semipadronizada e, na época da realização dessas, haviam concluído a formação básica há menos de cinco anos. Para a interpretação dos discursos dos professores, nos apoiamo em alguns conceitos da análise de discurso da escola francesa, em conceitos da teoria da ação comunicativa de Jürgen Habermas, na ação dialógica de Paulo Freire bem como em referenciais críticos sobre a formação de professores. A interpretação dos discursos evidencia que a formação dos professores, no tocante ao ensino da Física Moderna e Contemporânea, mostra-se basicamente fundamentada nos preceitos da racionalidade técnico-instrumental. Essa perspectiva não contribuiu para a construção da autonomia e emancipação dos professores produzindo reflexos no ensino de física de sala de aula. O estudo evidencia a necessidade de os professores formadores revisarem suas práticas de ensino, como também estudarem outras possibilidades de estruturação curricular, no tocante ao ensino da Física Moderna e Contemporânea.

Palavras-chave: Formação de Professores; Ensino da Física Moderna e Contemporânea; Teorias Educacionais Críticas.

The teaching of Modern and Contemporary Physics at high school level and teachers initial education: missing the emancipatory communicative action and dialogical action

Abstract

Taking into consideration various argumentation perspectives, the introduction of Modern and Contemporary Physics at High School level has been defended by various researchers. In the present qualitative nature research, we heard and interpreted ten High School physics teachers' discourses, aiming to analyze how their initial education, regarding to Modern and Contemporary Physics, was based in a rationality which matches with the communicative and the dialogical actions. Teachers of our sample were individually interviewed and, at that time, they had finished their initial undergraduate program at least five years before. Teachers' discourses interpretation was supported by some French school discourse analysis' concepts, Jürgen Habermas' communicative action, Freire's dialogical action, as well as teachers' education research critical referential. The discourses interpretations evidenced that these teachers' education, with respect to Modern and Contemporary Physics, was mainly based in technical-instrumental rationality basis. This perspective did not help teachers' autonomy construction in order to work these subjects in their classes, mainly in a perspective coherent with the teachers' emancipation, producing reflexes in classroom physics teaching. The study evidenciates the necessity of future teachers' professors revise theirs teaching practice, as well studying other curricular structures, regarding to Modern and Contemporary Physics teaching.

Keywords: Teachers' Education; Modern and Contemporary Physics Teaching; Critical-Education Theory.

Física Moderna y Contemporánea en la enseñanza a nivel medio y en la formación de professores: desencuentros con la acción comunicativa y la acción dialógica emancipatória

Resúmen

A partir de diversas perspectivas de argumentación, la introducción de la Física Moderna y Contemporánea a nivel de educación media ha sido defendida por vários investigadores. Tales argumentos no siempre coinciden. En la presente investigación, de naturaleza cualitativa, construimos e interpretamos los discursos de diez profesores de Física que se desempeñan en la educación media brasilera, en el sentido de evaluar en que medida sus formaciones iniciales, en lo que se refiere a Física Moderna y Contemporánea, estuvo pautada en una racionalidad que se armoniza con la acción comunicativa y con la dialógica, respectivamente, habermasiana y freiriana.  Los profesores participaron individualmente de una entrevista semiestructurada y, en el momento de aplicación de la entrevista, hacia menos de cinco años que habian concluido la formación media.  Para la interpretación de los discursos de los profesores, nos apoyamos en algunos conceptos del análisis de discurso de la escuela francesa, en conceptos de la teoría de la acción comunicativa de Jürgen Habermas, en la acción dialógica de Paulo Freire, así como en referenciales críticos sobre la formación de profesores. La interpretación de los discursos evidencia que la formación de profesores, en lo relacionado con la enseñanza de la Física Moderna y Contemporánea, se fundamenta básicamente en los preceptos de la racionalidad técnico-instrumental. Esta perspectiva no contribuye para la construcción de la autonomía y emancipación de los profesores, reflejandose en el salón de clase de la enseñanza de la física.  El estudio evidencia la necesidad de que los profesores formadores revisen sus prácticas de enseñanza, y al mismo timpo estudien otras posibilidades de estructuración curricular, en lo que se refiere a la enseñanza de la Física Moderna y Contemporanea.

Palabras clave: Formación de Profesores; Enseñanza de la Física Moderna y Contemporánea; Teorias Educativas Críticas.

Physique Moderne et Contemporain à l'école secondaire et la formation des enseignants: les désaccords avec l'agir communicationnel et avec l'action émancipatrice dialogique

Résumé

L'introduction de la physique moderne et contemporain au niveau moyen de l'éducation de base a été préconisée par de nombreux chercheurs. Les adoptions assumes par ces chercheurs appartiennent à une vaste gamme de points de vue. Ces arguments ne sont pas toujours cohérentes. Notre objectif dans cette recherche qualitative est de construire et d'interpréter les discours de dix enseignants brésiliens de la physique qui sont actives à l'école secondaire. Nous avonsl'intention d'évaluer la mesure où la raison d'être de la formation reçue par ces enseignants dans le domaine de la physique moderne et contemporain est compatible ou non avec l'agir communicationnel de Jürgen Habermas et aussi avec l'action dialogique de Paulo Freire. Les enseignants ont participé à des entretiens individuels. Ceux-ci étaient semi-structurées. Pour composer l'univers des répondants, nous avons choisi les enseignants qui ont moins de cinq ans   suivant la fin de leur formation au moment des entrevues. Dans l'interprétation des discours des enseignants, nous nous appuyons sur quelques concepts de l'analyse du discours de l'école française, dans les concepts de la théorie de l'agir communicationnel de Jürgen Habermas, dans l'action dialogique de Paulo Freire, ainsi que les considérations pour la formation des enseignants selon la théorie de l'éducation critique. En conséquence, nous concluons que cette formation n'a pas contribué à la construction de l'autonomie et la responsabilisation des enseignants. L'interprétation des entretiens montre que la formation des enseignants concernant l'enseignement de la physique moderne etcontemporain, se révèle comme essentiellement fondée sur les principes de la rationalité technique instrumentale. Ceci a évidemment des conséquences négatives pour l'enseignement de la physique dans la salle de classe. L'étude met en évidence la nécessité pour les enseignants qui sont des formateurs de réviser leurs pratiques d'enseignement, mais aussi compte tenu d'autres possibilités de structuration des programmes, concernant l'enseignement de la physiquemoderne et contemporain.

Mots clés: Formation des Enseignants; L'enseignement de la Physique Moderne et Contemporain; Théories Critiques de L'éducation.


 

1. INTRODUÇÃO

A introdução da Física Moderna e Contemporânea (FMC) na educação básica já se constitui uma linha de pesquisa estabelecida e existe uma multiplicidade de defesas em torno desta. Gil Pérez, Senet e Solbes (1987) argumentam que a FMC além de favorecer uma visão mais coerente de toda a Física, propiciaria uma visão mais coerente do trabalho científico. Outros pesquisadores também mencionam que a FMC contemplaria aspectos relacionados às motivações dos estudantes (Stannard, 1990), bem como conectaria os estudantes com a sua história, preservando-os dos obscurantismos pós-modernos, propiciando-lhes um entendimento mais amplo acerca de algunas tecnologias (Torre, 1998), favoreceria o desenvolvimento de um entusiasmo mais duradouro pela ciência (Shabajee; Postlethwaite, 2000), apenas para citar alguns desses aspectos.

Evidenciando a emergente consolidação da mencionada linha de pesquisa, Lobato e Greca (2005) constataram que a FMC já havia sido incorporada às programações curriculares oficiais de alguns países, principalmente na última década do século XX1. No Brasil, a proposição para que a FMC seja introduzida na educação básica, também se encontra nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM), os quais, apesar da não obrigatoriedade, é recomendação dos órgãos governamentais para a educação básica brasileira (Brasil, 1999). Vale salientar que as recomendações dos pesquisadores e dos documentos oficiais para que a FMC seja introduzida na educação básica não assegura que a mencionada Física esteja sendo contemplada nos planos de ensino e trabalhada em sala de aula pelos professores. Apresentamos a seguir, algumas pesquisas realizadas recentemente no contexto brasileiro, as quais evidenciam certa ausência da FMC nas aulas de Física do nível médio, denotando uma postura de silêncio dos professores e de outros integrantes do contexto educacional, em relação aos textos das políticas públicas brasileiras, como também às recomendações dos pesquisadores.

Visando à introdução de um tópico da FMC na educação básica, Oliveira, Vianna e Gerbassi (2007) implementaram uma proposta e trabalharam com dez professores de Física atuantes no nível médio de ensino, na cidade do Rio de Janeiro. Oito destes professores atuam nas três séries; um atua nas duas primeiras séries e outro, apenas na terceira série do mencionado nível de ensino. Apesar de todos os professores participantes da pesquisa mostrarem-se favoráveis à introdução da FMC na educação básica, sete destes nunca haviam trabalhado a mencionada Física em suas aulas. Os demais professores já haviam trabalhado a FMC, porém, reconheceram que tais inserções ocorreram em abordagens meramente pontuais.
Esses autores também constataram que as principais dificuldades apontadas pelos professores para não trabalharem a FMC nas aulas foi o reduzido tempo disponibilizado, associado à extensa programação, principalmente nas escolas públicas. Outro fator apontado pelos professores para a ausência da FMC em suas aulas foi a não exigência desta Física nos programas de exames vestibulares. Esta última questão foi alertada principalmente em relação às escolas particulares, as quais priorizam em suas programações curriculares os conteúdos que são exigidos nas programações dos exames vestibulares.

Como parte de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida junto a vinte e quatro professores de Física dos vinte e nove que atuavam em escolas públicas estaduais, em um município da região Sul do Brasil, Machado e Nardi (2003) constataram que apenas 29% dos professores mencionaram abordar a FMC com certa freqüência; 38% às vezes; 8% raramente; e 21%, nunca abordaram a FMC em suas aulas. O tempo reduzido associado à extensa programação de conteúdos a serem trabalhados foi o motivo alegado pelos professores para não incluírem a FMC em seus planos de ensino. Vale salientar que apenas sete dos professores que participaram da pesquisa possuíam formação compatível - dois licenciados em Física; três licenciados em Física e Matemática; e dois licenciados em Ciências, com habilitação em Física. Os demais professores que participaram da pesquisa possuíam formação diversificada: um deles em Administração de Empresas; três em Engenharia; três em Ciências; um em Ciências Exatas; sete em Matemática. Um deles absteve-se em responder a esse item do questionário.

Em outro município da região Sul do Brasil, Sonza e Fagan (2005) investigaram a formação de um grupo de vinte professores de Física e a introdução da FMC nas suas programações de ensino. Oito professores haviam concluído a licenciatura em Física. Os demais haviam concluído a licenciatura em Matemática, com habilitação em Física em cursos nos quais não foram contemplados conteúdos de FMC. Os autores constataram que quatro professores (denominados grupo A) trabalharam superficialmente os conceitos da FMC em um curso destinando à preparação para o exame vestibular de uma universidade pública. Em relação aos demais professores (denominados grupo B), apenas dois haviam trabalhado alguns conceitos da FMC em suas aulas de Física.

Tendo em vista as dificuldades de alguns grupos de professores de Física da educação básica brasileira em introduzirem a FMC em suas programações de ensino, apesar de muitos deles terem concluído a licenciatura em Física e, em sua maioria, mostrarem-se favoráveis a tal proposição, na presente pesquisa, analisamos aspectos dos processos formativos de um grupo de professores de Física, que, apesar de terem sido submetidos a uma formação profissional que contemplou componentes curriculares abordando a FMC,  não a incluem em suas programações de ensino, mesmo não tendo impedimentos legais para fazê-lo.

Com o intuito de explorarmos o objetivo acima apresentado, lançamos algumas questões que guiaram a presente investigação: No tocante as abordagens sobre a FMC, qual a racionalidade predominante nos processos formativos aos quais os professores foram submetidos? Em que medida o contexto formativo dos professores, particularmente em relação ao ensino da FMC, ocorreu em uma perspectiva que se harmonizou com a ação comunicativa e a ação dialógica? Em que medida os elementos que causam impedimento aos professores introduzirem a FMC em suas programações de ensino na educação básica encontra-se no percurso formativo que foram submetidos? Que efeitos de sentido emergem das falas de professores de Física referentes as suas formações, notadamente em relação ao ensino da FMC na educação básica?

As questões de pesquisa anteriormente apresentadas, devem-se ao fato de termos constatado entre os professores entrevistados, que, apesar de valorizarem a introdução da FMC na educação básica, não se mostram com autonomia para fazê-la. Alguns, até desconhecem a mencionada possibilidade.

2. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA DA AÇÃO COMUNICATIVA E DA AÇÃO DIALÓGICA

2.1 A ação comunicativa e a ação dialógica: tecendo uma abordagem

Com o intento de construirmos e interpretarmos os discursos de dez professores de Física acerca das etapas formativas referentes às respectivas formações profissionais básicas - notadamente os reflexos da racionalidade incorporada às diretrizes das componentes curriculares que contemplaram a FMC, as quais se refletiram nas aulas, bem como os processos avaliativos aos quais foram submetidos - elencamos como aportes teóricos os conceitos de ação comunicativa e ação dialógica, cunhados por Jurgen Harbermas (1929 - )2 e Paulo Freire (1921-1996), respectivamente.

Situemos a ação comunicativa no contexto da razão comunicativa. Na concepção habermasiana, a razão comunicativa3 manifesta-se quando os sujeitos utilizam-se da fala argumentativa e livre de coações, com o intento de gerarem acordos entre si. Através da linguagem utilizada nestas argumentações, as subjetividades iniciais deverão ser superadas em favor das perspectivas dos interesses consensuais. Considerando que as argumentações entre os sujeitos encontram-se situadas historicamente, então a razão comunicativa não é apenas espontaneidade individual4 e, por conseguinte, o agir pautado nesta racionalidade é o agir comunicativo, no qual a utilização da linguagem propicia a emancipação dos sujeitos (Habermas, 2002a).

A razão instrumental, por sua vez é a razão dirigida a fins. Esta fundamenta a ação instrumental ou estratégica, onde os sujeitos agem tendo como meta o cumprimento dos objetivos e sistemas de decisões, previamente definidos por interesses que são alheios aos interesses e ações humanas. Logo, na ação instrumental, a linguagem é utilizada de maneira unilateral.
No tocante à diferenciação entre as duas perspectivas de ação, anteriormente mencionadas, Habermas assinala:

O agir comunicativo distingue-se, pois, do estratégico, uma vez que a coordenação bem sucedida de ação não está apoiada na racionalidade teleológica dos planos individuais de ação, mas na força racionalmente motivadora de atos de entendimento, portanto, numa racionalidade que se manifesta nas condições requeridas para um acordo obtido comunicativamente (Habermas, 2002c, p. 72).

Habermas não se mostra totalmente contrário à racionalidade instrumental, mas, aos seus excessos. Por isso, o autor coloca em jogo os limites desta racionalidade, avaliando que esta não dá conta das diversas perspectivas da realidade humana (Habermas, 2002c). Assim, Habermas identifica a crise da racionalidade moderna na própria limitação a qual foi submetida, notadamente em sua ênfase cognitivo-instrumental.

Em Habermas, os conceitos de razão comunicativa e razão instrumental manifestam-se predominantemente no mundo da vida e no sistema. Estes são conceitos complementares e pertinentes à subesfera do conceito de sociedade.

O mundo da vida5 é o lócus da integração comunicativa entre os sujeitos. Abrange o contexto da cultura e das relações pessoais ocorridas cotidianamente entre as pessoas, visando se comunicarem intersubjetivamente através da fala e de se entenderem consensualmente. Logo, as relações são orientadas pelos processos de comunicação lingüística, visando o entendimento entre as pessoas. O mundo da vida incorpora, assim, os padrões de interpretação transmitidos culturalmente6 (Habermas, 1987b). A racionalidade do mundo da vida ou razão comunicativa, por sua vez, é quem dá sustentação às interações comunicativas, orientando então as ações comunicativas.

O sistema por sua vez é constituído por dois subsistemas: o econômico e o político e as ações ocorridas neste contexto seguem respectivamente, a lógica do dinheiro e do poder, as quais reprimem a manifestação da linguagem comunicativa. Com isso, a linguagem comunicativa é utilizada como um meio de assegurar a conquista de determinados propósitos, embora substituída pela linguagem estratégica na sociedade do capitalismo avançado (Habermas, 1987b).

Habermas (2002a) considera que o surgimento do sistema ocorreu a partir de uma estrutura já existente - o mundo da vida - do qual ainda se mantém dependente e relativamente vinculado. Ao se diferenciar, ambos representam duas instâncias que se opõem entre si e constituem um complexo sistema dialético.

Habermas ainda acrescenta que, à medida que o sistema se torna independente do mundo da vida e rompe os vínculos com este, torna-se mais complexo e assim, ocorre uma inversão da atuação. Ou seja, quando os imperativos do mundo sistêmico agregam o mundo da vida e passam a predominar sobre as relações ocorridas neste último, ocorre a colonização do mundo da vida7 pelo sistema8. Assim, com o predomínio das orientações do sistema, as relações livres e espontâneas ocorridas intersubjetivamente, são substituídas pelas relações determinadas pela lógica do dinheiro e do poder. Por isso, no mundo sistêmico ocorre a separação entre sujeito e mundo, e somente através da ação comunicativa, é possível os indivíduos resistirem à colonização do mundo da vida. Nesta perspectiva, Habermas considera que a razão comunicativa incorpora um telos emancipador (de emancipação).

Em suas críticas à razão moderna, Habermas também contrapõe o legado do objetivismo das ciências, empreendido pelos positivistas, sobretudo a propagação da ilusão de que o conhecimento descreve a realidade com exatidão, sendo sua utilidade a finalidade primeira. Nesta perspectiva, a ciência fica delimitada aos objetos e desprende-se de outras realizações (Habermas, 1987a; 2002b).

Para contrapor o objetivismo das ciências, alegando que essa perspectiva contrapõe o seu caráter emancipador (de emancipação), Habermas (1987a) vale-se da psicanálise e empreende um resgate do sujeito e das suas potencialidades auto-reflexivas.

No tocante a Freire, é pressuposto fundante do seu pensamento que somente se trabalhamos em interação com as classes populares na perspectiva destas construírem a sua própria autonomia, é que podemos conceber o processo como emancipatório (de emancipação). Tal interação requer que se discutam as frustrações, anseios e medos dos envolvidos em tais processos. Enfim, que se discuta a realidade objetiva, na qual os sujeitos se encontram inseridos (Freire, 1993). Nesta perspectiva a interação entre os sujeitos não é vazia, tampouco fundamentada no idealismo subjetivista, mas mediatizada (mediada) pela realidade a ser desmitificada nas interações com esta, no sentido de desvelá-la e transformá-la.
Conforme enfatiza Freire (2010), desvelando-se o mundo, rompe-se com a prática de mitificação do mundo, pratica esta empreendida por aqueles que tencionam permanecer dominando homens e mulheres.

Freire (2006) argumenta que se a reflexão sobre as condições concretas é autêntica, então não se corre risco de permanecer no campo intelectual, apenas. A reflexão autêntica conduzirá à prática, porque a ação sem reflexão torna-se ativismo, enquanto que a ação permeada por reflexão torna-se práxis. Porém, se o momento já é de ação, esta então se tornará práxis se o saber dela resultante for submetido a uma reflexão crítica. Enfim, na perspectiva da ação dialógica, a reflexão e a ação autênticas são indissociáveis.

Freire (2010) ainda argumenta que a resposta apresentada aos desafios da realidade problematizada é a ação dos sujeitos dialógicos. Assim, o mundo problematizado retorna dialogicamente aos sujeitos, desafiando-lhes a construção de uma nova compreensão, de uma nova argumentação e, novamente, requerendo a colaboração entre os sujeitos para um novo pronunciar diante do mundo.

Como conseqüência, a conquista do mundo através da interação entre os sujeitos é a conquista dos sujeitos dialógicos no sentido de juntos transformarem o mundo, ou seja, os sujeitos interagindo através da ação dialógica e construindo leituras de mundo a partir da realidade problematizada (Freire, 2010).

Certamente, essa constante reconstrução do pensar o mundo pelos sujeitos através da interação dialógica, evidencia o caráter inconcluso dos mesmos, conforme argumenta Freire (2006).

2.2 A ação comunicativa e a ação dialógica na formação de profesores

Diante das várias debilidades citadas como consequentes da razão moderna, a ciência e a educação têm sido apontadas como fatores de dominação e paradoxalmente contrariando os ideais iluministas de educação emancipatória (que enseja a emancipação). Muhl (2003a) discute que algumas alternativas à crise da racionalidade e da educação apresentadas na contemporaneidade incorporam inspirações neopositivistas, neoconservadoristas e, mais acentuadamente, as inspirações pós-modernistas, as quais têm em comum a resistência à racionalidade nascida com o iluminismo. O autor acrescenta que as mencionadas alternativas têm recebido bastante adesão dos pensadores contemporâneos, em meio a alegações de que tais tendências educacionais incorporam uma maior flexibilidade intelectual e cientificidade.

Opondo-se as perspectivas anteriores, encontram-se as perspectivas educacionais críticas, cujos seguidores ainda preservam ideais educacionais nascidos com o iluminismo, notadamente colocando o objetivo central de todo ato educativo na construção da autonomia e da emancipação do ser humano, delineadas a partir das faculdades racionais. Para os educadores críticos, a educação é entendida como uma questão existencial e não uma técnica visando objetivos pontuais (Prestes, 1995). Vale salientar que nem todos os teóricos que assumem uma filiação crítico-educacional compartilham preceitos comuns. Até porque, trata-se de uma filiação teórica bastante heterogênea, conforme argumenta Silva (2005).

No tocante a uma prática educacional pautada nos pressupostos do agir comunicativo, Carr (1996) menciona que o objetivo central desta é contribuir para a formação da autonomia racional dos participantes. Logo, no tocante à formação de professores, esta autonomia deverá ser incorporada às práticas pedagógicas dos participantes durante os percursos formativos.

Argumentando em defesa da ação comunicativa na formação dos professores, Mühl (2003b) menciona que o foco da educação crítico-comunicativa é a emancipação dos professores e a superação das suas críticas irracionais, bem como das idéias irracionais, herdadas dos processos comunicativos distorcidos, que se manifestam no mundo da vida. Logo, uma prática pedagógica emergente da práxis comunicativa, deverá se fundamentar nos processos cooperativos e comunicativos entre os participantes, tendo como referência o mundo da vida dos envolvidos. Com isso, no contexto da formação de professores, devem-se estabelecer orientações racionais planejadas a partir das interações comunicativas, visando à ação social dos indivíduos (Muhl, 2003a). Nesta perspectiva, o fazer pedagógico do professor formador deixa de ser um agir instrumental, ou seja, deixa de ser um agir visando um determinado propósito delineado em circunstâncias alheias à realidade concreta dos envolvidos, como também do provável contexto de atuação dos mesmos. Consequentemente, instaura-se o mundo da vida nos processos formativos, criando-se a possibilidade de resistência à racionalidade sistêmica, soterrada sob os escombros da cultura dominante, inserida no contexto escolar.

Muhl (op. cit.) também menciona que outra implicação da racionalidade comunicativa no contexto educacional perpassa pelo enfrentamento à constituição do conhecimento humano, bem como da sua relação com as vivências dos envolvidos. Nesta perspectiva, adota-se como base não apenas o contexto da justificação lógica do conhecimento, tal como na perspectiva positivista, mas os possíveis efeitos sobre o agir dos sujeitos, no sentido de resistirem à colonização do mundo da vida. O predomínio das patologias da racionalidade sistêmica sobre a elaboração do conhecimento, além de empobrecerem o sentido do conhecimento, fomenta nesse um papel ideológico, haja vista o desprezo pelos processos históricos envolvidos em sua constituição.

O contexto formativo em orientação com a racionalidade comunicativa dos professores deverá oportunizar os partícipes a refletirem sobre as idéias herdadas das patologias provenientes das comunicações distorcidas, como também provenientes das ideologias predominantes no contexto social em vigor. Nesta perspectiva, Muhl (2003a) assinala que "À escola compete promover uma relação de intimidade e de profundidade do aluno com as produções culturais, levando-o a desenvolver uma apropriação rigorosa e crítica das mesmas" (Muhl, 2003a, p. 279).

Além dos planejamentos pedagógicos, o professor também poderá utilizar o espaço da sala de aula no sentido de desencadear ações que viabilizem a descolonização do mundo da vida. Por exemplo, privilegiar as manifestações individuais dos participantes sobre leituras e interpretações de determinados textos, convocando os participantes a interagirem entre si e formarem um consenso sobre determinado objeto. Esse consenso não é mais individual, mas emerge de uma multiplicidade de vozes interagindo comunicativamente.

Acerca de uma perspectiva educacional pautada na ação dialógica, Freire (2010) argumenta que o diálogo deverá se iniciar quando o professor escolhe o que irá dialogar com os estudantes, ou seja, no momento da escolha dos conteúdos programáticos, haja vista que a educação autêntica é construída na relação entre os sujeitos, mediatizados pelo mundo. Caso contrário, o estudante torna-se um depósito de conhecimento e este conhecimento não o auxilia a desvelar o mundo.

Avaliamos que seja pertinente o seguinte questionamento: será que quando elaboram as componentes curriculares que contemplam a FMC para os cursos de formação de professores de Física, os elaboradores relevam a realidade objetiva do contexto da atuação básica do futuro professor?

Um conceito cunhado por Freire e que se apresenta de maneira recorrente ao longo da sua obra é o de educação bancária, em alusão ao papel dos bancos no sistema financeiro, em guardarem o quantitativo monetário depositado e, posteriromente, devolvê-lo equitativamente. Nesta analogia, o estudante é colocado na condição de recipente para o professor depositar o conhecimento. O conhecimento depositado na mente do estudante, posteriormente, deverá ser igualmente devolvido ao professor durante as avaliações de aprendizagem. Estes processos avaliativos, os quais Freire (2006) os considera como sendo verticais, vem se assumindo cada vez mais como democráticos. Percebe-se, assim, que esses processos avaliativos somam-se a outros e, juntos, negam o pensar humano.

O saber escutar é outro pressuposto da ação educacional pautada na ação dialógica. Freire (2006) argumenta que somente quem escuta o outro, aprende a falar com o outro o que se distingue de falar para o outro, impositivamente. Assim, Freire (op. cit) defende que é imprescindível estar aberto aos contornos geográficos e sociais do outro, notadamente no contexto escolar, local de produção sistemática do conhecimento.

Chamamos a atenção para o fato de que, tanto para Freire, quanto para Habermas, o diálogo só poderá existir a partir do reconhecimento e do respeito pelas diferenças. Os autores também primam pela emancipação do sujeito em interação com o mundo, opondo-se, assim, ao sujeito abstrato, desvinculado do mundo. Assim, opinamos que no contexto da formação de professores, a ação dialógica freireana faz aliança com a ação comunicativa habermasiana e certamente, ambas apresentam-se como referenciais autênticos para a superação do predomínio da racionalidade instrumental nas esferas educacionais, ao mesmo tempo em que primam pela emancipação dos envolvidos9.

3. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Esta pesquisa é a parte de um estudo mais amplo. Nas secções seguintes, teceremos considerações sobre aspectos metodológicos gerais da pesquisa, exporemos como foram ensejados os critérios de escolha dos professores participantes, justificaremos quais foram os procedimentos adotados durante a pesquisa e quais foram os referenciais teóricos dos quais lançaremos mão para a interpretação dos discursos dos sujeitos entrevistados.

3.1 Os Professores Participantes

Visando a compatibilidade com os objetivos delineados, adotamos dois critérios para escolha dos professores que participaram da pesquisa. O primeiro critério adotado foi que tivessem tido formação básica em Física - modalidade licenciatura - e que fossem atuantes no nível médio da educação básica, em escolas públicas.

O segundo critério adotado foi que, na época da entrevista, os professores tivessem concluído a formação básica há menos de cinco anos, apesar de alguns já terem iniciado a atuação antes deste período (Quadro 1). Com isso, tencionávamos identificar em que medida os discursos destes professores incorporavam marcas do contexto formativo recente. Todos tiveram formação básica na mesma universidade, aqui nomeada universidade A.

A amostra foi constituída por dez professores de Física, os quais apresentaram os requisitos anteriormente mencionados. Para preservarmos a identidade dos professores, são aqui renomeados como professores P1, P2, P3, ..., e P10.

Todos os professores entrevistados haviam cursado, obrigatoriamente, duas componentes curriculares, as quais contemplavam a FMC, a saber: Física Moderna e Estrutura da Matéria. A primeira, contemplava abordagens da Teoria da Relatividade e a outra, da Teoria Quântica.

Vale salientar que, vários dos professores entrevistados, na condição de aluno especial, cursaram disciplinas que contemplaram a FMC em outra universidade, aqui nomeada  universidade B (Quadro 1). Salientamos que as universidades A e B são universidades federais e localizam-se na mesma cidade.


Quadro 1: Especificações do tempo de atuação e das componentes curriculares cursadas pelos profesores entrevistados (EM = Estrutura da Matéria; EM I e II = Estrutura da Matéria I e II; FM = Física Moderna; FQ = Físico-Química; MQ = Mecânica Quântica).

Na universidade B, as componentes curriculares eram cursadas, por estudantes do curso de Física, tanto da modalidade licenciatura quanto bacharelado.

Na época da realização das entrevistas, o tempo de atuação dos professores variava de 1 ano a 5 anos e seis meses, porém, a conclusão da formação básica não ultrapassava 5 anos. Isto, porque alguns iniciaram suas atuações como profesores de física, antes mesmo de concluírem a formação básica, especificados no Quadro 1.

3.2 A Construção e a Interpretação dos Discursos a Partir das Enunciações

Uma das etapas para a construção dos discursos dos professores foi a realização de entrevistas, desenvolvidas individualmente, no decorrer do ano de 2007, em seus ambientes de trabalho. É importante enfatizar que o teor das entrevistas compreendeu tanto as convicções dos profesores sobe o ensino da FMC na educação básica, quanto a aspectos das suas atuações nas escolas, bem como sobre os procesos formativos aos quais estiveram submetidos. No entanto, no presente artigo, estamos nos referindo tão somente às partes das entrevistas que contemplaram os procesos formativos nos quais os profesores estiveram envolvildos.

Os professores foram entrevistados individualmente e responderam livremente às questões formuladas. Utilizamos a técnica de entrevista semipadronizada10, na qual inicialmente o entrevistado deverá ser submetido a perguntas abertas. Uma das vantagens apontadas por Flick (2004) em relação à entrevista semipadronizada é a possibilidade de que o entrevistado apresente conhecimento em forma de representações.

Para proceder com a entrevista semipadronizada, o entrevistador poderá dispor de tópicos guia ou lembretes indicando uma agenda a ser seguida pelo entrevistador (Gil, 2003). No contexto da presente pesquisa, elaboramos o tópico guia visando focar as questões de pesquisa, anteriormente delineadas.

Com a prévia autorização, as entrevistas foram gravadas em áudio-vídeo. Gil (op. cit.) alerta que a transcrição das entrevistas não deverá sintetizar a fala, tampouco corrigi-las. Por isso, as dez entrevistas foram transcritas integralmente, respeitando-se todos os aspectos semânticos manifestos. A partir das transcrições das entrevistas, construímos e interpretamos os discursos dos professores, os quais possibilitaram interpretar aspectos das suas formações profissionais.

Para a construção e interpretação dos discursos, visando respostas à problemática de pesquisa, mobilizamos referenciais teóricos da Análise de Discurso da escola francesa (AD), da formação de professores da perspectiva crítico-educacional, bem como os conceitos de ação comunicativa habermasiana e de ação dialógica freireana.

Na AD o discurso encontra-se relacionado com o lugar ocupado pelo sujeito (Pêcheux, 1983), logo o discurso não é dado a partir da interpretação semântica do texto. Além disso, no discurso do sujeito se materializa o discurso do grupo que o mesmo representa (Orlandi, 2002). Nesta perspectiva, os discursos dos professores de Física, aqui entrevistados, incorporam o discurso dos professores formadores.

A transformação do texto produzido pela fala em discurso é nomeado por Orlandi (2002) de processo de desuperficialização, haja vista que o discurso não é dado. Logo o analista deverá ir buscando vestígios tais como, quem diz, como diz, em que circunstância diz? Ou seja, o analista deverá buscar compreende como objetos simbólicos produzem sentidos.

Orlandi (2004) alerta que o analista de discurso não deverá deter-se na interpretação semântica do texto, tal qual o hermeneuta, haja vista que interpretação no contexto da AD, não é um mero gesto de decodificação. O ato de interpretação do discurso é atribuir sentido ao texto, analisá-lo em funcionamento (Orlandi, 2001). Mas, a análise e na interpretação das entrevistas, deve-se considerar o mecanismo discursivo de antecipação. Aquele que fala poderá colocar-se no local daquele que ouve suas palavras e regular o processo de argumentação, no sentido de produzir ou tencionar produzir o efeito desejado em relação a quem ouve (Orlandi, 2006).

Um dos principais objetivos da AD é compreender como um objeto simbólico produz sentido. Inicialmente, o analista deverá transformar uma superfície lingüística em objeto discursivo. Orlandi (2002) recomenda a construção de um dispositivo de interpretação deverá colocar o dito em relação ao não dito; relacionar aquilo que o sujeito diz com o que é dito em outro lugar; ouvir naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz, mas que constitui sentido das suas palavras.

Tendo em vista as recomendações anteriores, para procedermos com a análise e a interpretação dos discursos dos professores, fizemos recortes nos enunciados obtidos a partir das falas das entrevistas, notadamente, em relação ao contexto das aulas e das avaliações de aprendizagem das componentes curriculares que contemplaram a FMC. Assim procedemos a fim de que obtivéssemos evidências acerca da racionalidade subjacente.

Pelos objetivos e procedimentos adotados, a pesquisa aqui relatada poderá ser classificada como qualitativa. Segundo Bogdan e Biken (1994), essa modalidade de pesquisa apresenta cinco características: o ambiente natural é a fonte de informação; o investigador o principal instrumento; trata-se de uma investigação descritiva; o foco do interesse dos investigadores encontra-se nos processos e não nos resultados; comumente os dados são analisados de forma indutiva e o significado assume importância principal.

4. AS MARCAS DA AÇÃO INSTRUMENTAL E DA AÇÃO ANTIDIALÓGICA NO PERCURSO FORMATIVO DOS PROFESSORES

4.1 Interpretação de alguns discursos abordando o percurso da implementação de componentes curriculares que contemplaram a Física Moderna e Contemporânea.

Na presente seção, relatamos interpretações discursivas construídas a partir de recortes na enunciação dos professores entrevistados, quando se referiam ao contexto das aulas das componentes curriculares que contemplaram a FMC. Física Moderna e Estrutura da Matéria foram as duas componentes curriculares obrigatórias, cursadas pelos professores entrevistados durante as respectivas formações básicas, embora alguns tenham cursado outras componentes não obrigatórias, em outra universidade (Quadro 1).

Nota-se nos discursos dos professores entrevistados que, no percurso da formação inicial, as abordagens sobre a FMC visavam, predominantemente, o cumprimento da programação, restrita à exposição dos conceitos. Nesta, não contemplaram os processos da construção, tampouco as implicações da mencionada Física com qualquer outra área do conhecimento, tampouco, das próprias implicações para a área.

Descrevemos, a seguir, a análise de alguns discursos, construídos a partir de recortes nas enunciações dos professores entrevistados. Reportando-se ao contexto da componente curricular Estrutura da Matéria, cursada por todos os professores entrevistados, o professor P1 comenta:

As aulas eram baseadas na seqüência do livro didático. Era a mesma coisa /.../ eles iam fazendo a exposição dos conteúdos. Utilizavam o quadro e, quando a gente tinha dúvida, ia perguntando /.../ Sim, seguiam a seqüência do livro (P1).

Também se reportando ao contexto das aulas das componentes curriculares Estrutura da Matéria e Física Moderna, os professores P7, P9 e P10 comentam:
Eram assim: o professor começava expondo o conteúdo e, à medida que ia avançando, a gente ia perguntando. Aí, ele explicava outra vez; mas, assim, tudo muito rápido. /.../ Ele ia seguindo os capítulos do livro adotado. Do principal livro adotado (P7).

Nas duas disciplinas, o professor seguia os capítulos do livro didático adotado. Depois de um certo período, assim, próximo à época das provas, então eles faziam uma revisão. Agora, como foram trabalhadas, era assim... foram muito parecidas; eles iam expondo o conteúdo e, a medida que os alunos tinham dúvidas, eles iam explicado. Alguns assuntos, os alunos apresentavam mais dúvidas; outros, não. Era assim... (P9).

O programa da disciplina era muito semelhante ao programa do livro; aos capítulos do livro. Então, o professor, seguindo os capítulos do livro, ele estava cumprindo o programa. Era assim. Então ele seguia os capítulos e os exercícios também. Seguia tudo igual. Ou seja, quando terminava um capítulo, fazia aqueles exercícios relacionados. /.../ Foi assim... Agora, às vezes ele complementava com exercícios de outros livros. Exercícios que ele achava interessante; aí colocava esses exercícios na lista de exercícios (P10).
Pelas enunciações acima, a programação das componentes curriculares Estrutura da Matéria e Física Moderna foram delineadas pela programação dos livros didáticos destinados ao mencionado nível de ensino.

Evidenciam-se nos discursos acima que, o principal objetivo dos professores formadores e dos elaboradores do currículo em relação às mencionadas componentes curriculares, restringiu-se à explanação dos conteúdos, contidos nos livros didáticos. Especificamente a partir da enunciação do professor P9, evidencia-se que as participações dos professores em formação, ocorriam apenas visando o entendimento dos conceitos apresentados pelos professores formadores.

Na enunciação do professor P10, referente ao contexto da componente curricular Estrutura da Matéria, evidencia-se que, além da programação do livro didático determinando as diretrizes da componente curricular, os exercícios contidos no livro adotado, também foram predominantemente utilizados.

Note-se ainda que nas programações das componentes curriculares, acima mencionadas, não se incluíam abordagens visando que o professor procedesse com uma reflexão acerca dos aspectos ontológicos e epistemológicos dos conhecimentos abordados, tampouco, algumas implicações decorrentes daquele conhecimento.

Interpretamos nos discursos professores P1, P7, P9 e P10, que, as pressuposições dos elaboradores do currículo e dos programas das componentes curriculares relacionadas com a FMC, bem como dos professores formadores incorporam os preceitos da racionalidade técnico-instrumental. Seja pelo cumprimento de uma programação definida a partir de recomendações elaboradas para outro contexto, quanto limitar a componente curricular apenas a exposição dos conceitos, evidencia-se um distanciamento da perspectiva dos futuros professores experienciarem um processo visando a própria construção da autonomia e da emancipação crítica, conforme argumenta Prestes (1995).

Os professores P1, P2 e P4 optaram em cursar componentes curriculares que contemplavam a FMC, em outra universidade pública, aqui denominada universidade B. Em um momento discursivo posterior, quando se referia à componente curricular Estrutura da Matéria I11, o professor P1 comenta:
O livro básico utilizado era o mesmo. Era o do Eisberg. Estrutura da Matéria. Sendo que na federal12, além do Eisberg, também utilizavam o de Física Quântica de Eisberg e outro autor que não lembro /.../ Bom, as aulas eram baseadas na seqüência do livro adotado (P1).

Note-se que, semelhantemente a universidade que os professores cumpriram a formação obrigatória, tanto a seleção dos conteúdos abordados, como a sequência da apresentação da mencionada componente, foram delineadas pelos livros didáticos adotados. O diferencial entre as abordagens ocorridas nas duas universidades, relaciona-se com a maior diversidade de livros adotados na universidade B13. Porém, em ambas as universidades as abordagens da FMC centraram-se predominantemente na exposição do produto dos conceitos.

Adotando preceitos orientados com a racionalidade técnico-instrumental, não se percebe, no percurso das implementações das componentes curriculares que contemplaram a FMC, orientações elaboradas a partir de interações comunicativas visando à ação dos futuros professores na educação básica. Em que o debate acerca das implicações daquele conhecimento poderá ser relevante para o contexto da realidade objetiva da educação básica, como para a construção da autonomia dos estudantes, por exemplo?

No agir pedagógico dos professores formadores evidenciam-se orientações alheias ao mundo social imediato dos envolvidos. Logo, as ações pedagógicas dos professores formadores ao trabalharam as componentes curriculares relacionadas com a FMC, distanciam-se de uma ação pedagógica que se harmoniza com a ação comunicativa, como descreve Muhl (2003a).
Outra evidência do predomínio de preceitos da racionalidade técnico-instrumental na formação dos professores é realçada através da ausência de abordagens sobre a inserção da FMC na programação da educação básica, apesar desta Física ser contemplada em componentes curriculares, durante a formação dos professores. Sobre a ausência de discussões sobre a mencionada possibilidade, o professor P7 comenta:

Não; nunca ocorreu. Apenas seguia o programa, os conteúdos. Essas discussões extras, ele nunca abordou. Também não sei se o tempo era suficiente, porque precisava detalhar todas as etapas pra que a gente pudesse entender. Senão, a gente ficava parando, perguntando os detalhes, as passagens (P7).

Interpreta-se na enunciação anterior que, no próprio percurso formativo, não ocorreram discussões sobre prováveis demandas do contexto de atuação dos então futuros professores. Inclusive para o professor P7, são discussões extras, logo, não prioritárias, principalmente, diante de uma extensa programação e tempo reduzido para o cumprimento da mesma.
Em um curso de formação de professores de Física, a não abordagem da inserção da FMC no nível médio de ensino, apesar da existência de componentes curriculares contemplando a mencionada Física, evidencia que as ações dos professores formadores e elaboradores do currículo não estão sendo influenciadas pelas vozes dos pesquisadores da educação científica, tampouco pelos documentos oficiais brasileiros, a exemplo dos PCNEM (Brasil, 1999). Essa contradição evidencia-se pela especificidades das componentes curriculares cursadas pelos professoeres durante as respectivas formações básicas, apresentadas no Quadro 1.

Além disso, emerge dos discursos acima que, o entendimento dos formadores acerca das necessidades dos futuros professores, restringe-se apenas ao domínio dos conteúdos conceituais. Certamente, para igualmente transmiti-los nas aulas de Física, quando os futuros professores aturem na educação básica.

Acerca da ausência de uma discussão sobre a introdução da FMC na educação básica o professor P8 vai mais além. Afirma que tal abordagem não foi contemplada em nenhuma das componentes curriculares, cursada em seu percurso formativo inicial.

Não. O que foi trabalhado pelos professores foi o programa do curso, foi somente os conteúdos, os conteúdos de cada uma das disciplinas. Como introduzir no ensino médio, não foi trabalhado, não estava no programa não. Então, por isso digo que não sei se é possível e também não conheço quem faz. /.../ Em outras disciplinas, em outras componentes, não. A Física Moderna e Contemporânea no ensino médio nunca foi abordada com a gente; em nenhuma das disciplinas do curso (P8).

Pela enunciação acima, nota-se que o professor P8 sequer possui clareza acerca da possibilidade de se introduzir a FMC na educação básica. Interpretamos que esse discurso, novamente, incorpora evidências do predomínio da ação instrumental no contexto da formação dos professores, haja vista que considerações do contexto de atuação dos futuros professores sequer estavam na programação.

Evidencia-se algo preocupante no tocante à formação dos professores de Física no sentido de introduzirem a FMC na educação básica. As necessidades formativas desses professores no sentido de futuramente atuarem na educação básica foram desconsideradas nos processos formativos. Certamente, as vivências dos sujeitos participantes dos espaços educacionais em que os futuros professores atuarão não são consideradas relevantes para a universidade que implementou a formação profissional. Com isso, o principal objetivo das componentes curriculares, como também as abordagens empreendidas pelos professores formadores, estiveram focadas em objetivos alheios ao contexto dos envolvidos - ou seja, o cumprimento de uma programação de conteúdos determinada pelos livros didáticos adotados.

Submetidos a um processo formativo em relação à FMC, no qual a prioridade centrava-se quase que exclusivamente na exposição das abordagens dos livros adotados, os professores formadores e os professores em formação foram assim influenciados por uma racionalidade que se distancia do propósito fundamental de contribuir para a construção de suas autonomias, construção esta que constitui objetivo principal da educação crítica, conforme discute Carr (1996). Destacamos aqui a consequente ausência de autonomia de todos os professores entrevistados em introduzirem a FMC na educação básica e consequentemnte e assim, implementarem ações visando a autonomia dos envolvidos.
O descompasso entre as abordagens efetuadas durante a formação básica dos professores e as necessidades presentes na educação básica, onde atuam, evidencia-se de maneira mais ampla na memória discursiva do professor P6.

Na universidade mesmo, a gente vê tantas coisas que não contribuem em nada prá formação do aluno. Mas, continuam lá. É assim. A prioridade não parece ser o aluno. É a formação profissional que está ali. Mas, isso não aparece como prioritário e sim os interesses pessoais de cada um, de cada professor. Eu vejo que a escola também não é diferente. Sem falar que o salário do professor que não é da universidade, não tem condições. A gente precisa trabalhar em mais de uma escola pra sobreviver. Aí, a escola pública acaba ficando... (P6).

Implementar-se a formação de professores para a educação básica sem considerar-se especificidades, objetivos e demais aspectos do futuro contexto de atuação profissional dos professores em formação, permite-se a colonização do mundo da vida pelo sistema, como caracteriza Habermas (1987b). Ou seja, a abordagem da FMC no currículo da formação dos professores sendo determinada por necessidades alheias ao contexto de atuação profissional dos então futuros professores de Física. Especificamente, temos a universidade colonizando o mundo da educação básica, na medida em que são instituições formadoras de profissionais para atuarem em um dado contexto, cujas necessidades não são relevadas pelos participantes do contexto da formação.

Visando um provável ingresso em uma pós-graduação em Física, alguns professores (P1, P2, P4, P5, P10) cursaram a componente curricular Mecânica Quântica na universidade B14. Esta componente foi cursada indistintamente, tanto por aqueles que optaram tanto pela modalidade bacharelado, quanto pela licenciatura em Física. Referindo-se ao contexto destas aulas, o professor P2, comenta.

Olha, as aulas eram expositivas. É; aulas bastante tradicionais, eu posso dizer assim. /.../ O professor chegava, fazia a exposição, sem se preocupar o que a gente aprendia. Precisava finalizar a programação. O quadro era usado em excesso pelo professor. Assim, muitas equações, muitas definições. /.../ Não é uma coisa que você visualiza. Faz parte do micro. E uma coisa totalmente abstrata, certo? Então, a gente sentia essa dificuldade em como ele transmitia esse tipo de coisa. /.../ (P2).

De maneira geral, a racionalidade subjacente ao contexto formativo dos professores mostra-se permeado pela racionalidade dirigida a fins. Nesta não se relevam aspectos do contexto formativo dos envolvidos, tampouco os anseios contidos nas suas falas. Com isso, contrariam tanto as perspectivas subjacentes a ação comunicativa habermasiana, quanto perspectivas da ação dialógica freireana.

4.2 Interpretação de algumas marcas presentes nas avaliações de aprendizagem

A partir de recortes nos textos produzidos pela transcrição das entrevistas, nesta secção, analisaremos os discursos dos professores referentes às avaliações de aprendizagem, realizadas nas componentes curriculares que contemplaram a FMC.

Reportando-se às avaliações de aprendizagem das componentes curriculares Física Moderna e Estrutura da Matéria, o professor P4 comenta:

Eram avaliações normais no final de cada unidade /.../ Avaliação normal é a prova no final de cada unidade. O professor elabora questões sobre os conteúdos trabalhados e o aluno responde no horário da aula. /.../ as questões eram muito parecidas ou iguais as do livro (P4).

Note-se que, para o professor P4, o processo avaliativo ao qual foi submetido, de tão recorrente, já é considerado como normal, ou seja, arealização de avaliações escritas ao final das unidades temáticas, organizadas temporalmente. Interpretamos como evidência de que essa prática incorporada à tradição ao longo do tempo, já adquiriu o seu lugar entre os procedimentos considerados naturais para os processos avaliativos.

No discurso do professor P2, encontram-se evidências de que as avaliações de aprendizagem realizadas na componente curricular Mecânica Quântica (cursada como optativa, na universidade B) seguiam as mesmas diretrizes apontadas anteriormente:

/.../ A disciplina se resumia nisso e as provas eram extremamente técnicas. /.../ Provas com perguntas que você não entende bem. Mas, é só repetir um esquema parecido de outra questão; assim, da lista de exercício, de uma questão já resolvida do livro. Assim... (P2).

A menção de que repetir um esquema, previamente conhecido através de uma lista de exercícios, mesmo sem um entendimento satisfatório do mesmo, nos leva a interpretar que a aprendizagem conceitual não estaría sendo avaliada. A avaliação incidia na capacidade do então estudante repetir esquemas apresentados  previamente  pelos professores.

Acerca dos esquemas de avaliações de aprendizagem, aos quais os professores P2 e P4 mencionam, interpretamos que trazem as marcas dos preceitos educacionais que Freire (2010) cunhou como constituindo a educação bancária. Ou seja, os professores formadores expondo os conteúdos dos livros didáticos adotados e, posteriormente, os estudantes (atuais professores de Física) respondendo aos questionamentos, muitos dos quais sem um entendimento conceitual minimamente satisfatório daquilo que tratavam. Nessta perspectiva, os professores formadores requeriam dos estudantes aquilo que depositaram em suas mentes.

Com processos avaliativos seguindo a perspectiva anteriormente mencionada, onde está o espaço para o exercício da criatividade pelo futuro professo? Onde e como este poderá criar e recriar o conhecimento, tendo sido submetido a processos mecânicos de ensino e avaliação? Ou seja, se na etapa formativa inicial o professor de Física da educação básica não foi oportunizado a construir a sua autonomia a partir de um determinado conhecimento, aqui a FMC, como o mesmo poderá implementar ações no contexto de atuação profissional? Será que no contexto escolar o professor será oportunizado a construir a sua autonomia?

Avaliações de aprendizagem requerendo dos estudantes apenas a repetição de um esquema previamente conhecido, mostram-se pertencer a um esquema mais amplo, haja vista a prática recorrente dos professores apresentarem "listas de exercícios", ao longo dos cursos.

Sobre as avaliações das componentes curriculares na universidade A, P1 e P10 comentam:

As listas eram os exercícios do final do capítulo; sendo que, em uma, os mais difíceis. Agora, as provas, eram outros, mas, parecidos. /.../ Também adotava as listas de exercícios com algumas questões de um livro principal e outras questões de outros livros. As provas também eram baseadas nas listas. É o mesmo esquema adotado em relação às disciplinas que falei antes (P1).

Apesar do esquema de avaliação, P1 considera que o seu aproveitamento da componente curricular foi satisfatório, mesmo apontado em outro trecho que não se sentia em condições de introduzir a FMC no nível médio, haja vista o despreparo dos estudantes e até porque, não trataram desta questão nas componentes curriculares que ele denomina de pedagógicas. Interpretamos que para o professor P1 o aproveitamento de aprendizagem na componente curricular é definido a partir do resultado quantitativo.

Bom, as listas de exercícios tinham mais questões porque o tempo era bem maior que as horas para a prova. Outra coisa, é que, normalmente, as questões das listas eram mais difíceis, justamente porque o tempo era bem maior /.../ Sem as listas, não dava prá fazer a prova. /.../ E, normalmente, as questões da prova eram mais fáceis que as da lista. Ou, quem sabe, menos trabalhosas. Então, eram mais fáceis de fazer, prá quem fazia as listas, prá quem estudava e debatia as listas (P10).

Note-se que, novamente, evidenciam-se nos discursos dos professores P1 e P10 as marcas de processos avaliativos que requeriam dos estudantes a apresentação daquilo que foi depositado em suas mentes: "Provas baseadas nas listas ou as questões da prova eram mais fáceis que as da lista". Em ambas as perspectivas, as "questões das listas" eram a referência. Novamente, evidencia-se a sintonia com a educação bancária.

Tendo em vista que os dez professores participantes da pesquisa mostrarem-se sem possibilidade de introduzir a FMC na educação básica, avaliamos que se deve principalmente, ao reflexo da perspectiva formativa a que foram submetidos. Alguns, alegando o excesso de formalismo matemático; outros, sequer conseguiram opinar sobre a mencionada possibilidade. Ou seja, para esses professores, no período formativo básico, não foi oportunizados a construção da autonomia, autonomia de criar e recriar o conhecimento e abordá-los em outros contextos (Freire, 2010). Logo, uma formação básica inadequada no tocante a FMC resulta na impossibilidade de recriar esse conhecimento no sentido de problematizá-lo em outros níveis de ensino.

Interpretamos que a incursão no conhecimento pelos professores formadores não se revela na constituição do conhecimento pelos sujeitos participantes do processo formativo, tampouco nas implicações do conhecimento pelo agir destes sujeitos, no sentido de posicionarem-se diante da colonização do mundo da vida. Além disso, não se percebe que a atuação dos professores formadores tenha tratado o conhecimento em relação aos próprios processos históricos constituintes. Evidencia-se, assim, que o conhecimento está sendo tratado em uma perspectiva que subverte a possibilidade de emancipação do sujeito, conforme alerta Muhl (2003a; b).

ALGUMAS CONCLUSÕES

A partir das construções dos discursos dos professores, interpretamos que, em relação ao ensino da FMC, estiveram submetidos a uma formação que foi predominantemente delineada a partir dos preceitos da razão técnica. Conforme evidenciado nas análises, as abordagens sobre a mencionada Física estiveram centradas na exposição dos conteúdos, com uma programação delineada a partir de orientações alheias tanto ao contexto da educação básica, como também as necessidades dos participantes do contexto formativo.
A partir da perspectiva anterior, não se evidenciou no processo formativo dos professores entrevistados as marcas de ações comunicativas, visando assim a ação social dos participantes no contexto educacional, como descreve (Muhl, 2003a).

No sentido de viabilizar a introdução da FMC da educação básica, e que as ações dos professores não venham a ser apenas a repetição dos livros didáticos para os estudantes, tal como ocorrem em relação às tão criticadas abordagens sobre a Física Clássica, é imprescindível que os formadores de professores de Física incorporem em suas práticas de ensino, como também nas programações curriculares, os resultados das pesquisas sobre a educação científica. Isso requer que uma prática sedimentada pela tradição seja urgentemente revista, criticada e uma nova prática seja construída a partir de outra perspectiva de racionalidade15.

É imprescindível que os professores de Física, durante os processos formativos básicos, tenham a oportunidade de conhecer tanto os aspectos epistemológicos e ontológicos da FMC bem como vários outros que têm definido a sua construção, como também as implicações desta Física em várias outras áreas. Nesta perspectiva, é possível vislumbrar-se a atuação do professor da educação básica em sintonia com as perspectivas da ação comunicativa e da ação dialógica, haja vista que ambas requerem que a realidade concreta dos participantes seja relevada nos processos educativos.

Considerando-se que os professores entrevistados foram submetidos a um processo formativo pautado em preceitos da racionalidade técnica, não seria este uma das principais causas da não implementação da FMC nas aulas da educação básica? Nesta perspectiva, avaliamos oportuno trazermos à baila outros questionamentos. Não teriam sido os processos formativos vigentes de lavra predominantemente instrumentalista os causadores dos maiores impedimentos para que a maioria dos professores investigados por Oliveira, Vianna e Gerbassi (2007) e Sonza e Fagan (2005) também não viessem a introduzir a FMC na educação básica?

O fato dos professores entrevistados certamente também terem tido formação pautada em preceitos da racionalidade técnica no tocante a Física Clássica e mesmo assim, conseguirem implementá-la em suas programações de ensino, não seria a vivência com a mesma, quando ainda estudantes da educação básica, que os possibilita a tal condição?

A perdurar a perspectiva dos professores de Física sendo submetidos a uma formação em sintonia com preceitos da racionalidade técnica, continuaremos distantes da perspectiva das programações de ensino da educação básica contemplarem as demandas sugeridas pelos documentos oficiais brasileiros, como também das orientações dos pesquisadores, no sentido de preservar os estudantes dos obscurantismos pós-modernos ou propiciar um entusiasmo mais duradouro pela ciência, conforme sugerem Torre (1998) e Shabajee; Postlethwaite (2000), respectivamente.

Avaliamos que, para vislumbrarmos que a FMC seja introduzida nas programações curriculares da educação básica, o ensino da FMC na formação do professor não poderá resumir-se apenas a aprendizagem dos conteúdos, principalmente, quando as abordagens destes aproximam-se dos fundamentos da razão técnica. Faz-se necessário que se desenvolvam metodologias de ensino, como também sugestões e orientações didáticas, visando que os futuros professores construam autonomia para trabalharem a mencionada Física, contemplando, principalmente, necessidades emergentes deste contexto.
Certamente, as sugestões anteriores possibilitariam que os professores construíssem autonomia no sentido de introduzirem a FMC na educação básica a partir de uma perspectiva que se distancie dos fundamentos da razão técnica.

As interpretações dos discursos acerca dos processos formativos dos professores parecem evidenciar aspectos que são recorrentes no ensino da Física Clássica. No entanto, no tocante ao ensino da FMC evidenciam-se a existência de obstáculos que o cotidiano escolar não consegue superar, no sentido do professor transitar com o novo. As necessidades do contexto escolar não se mostram influenciando na reconstrução da prática dos professores entrevistados, mesmo para aqueles que possuem um maior tempo de atuação, conforme demonstrado no Quadro 1.

 

Notas al pie

1 As autoras visitaram os sites oficiais dos governos de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Dinamarca, Suécia, Canadá, Itália, Finlândia e Austrália.

2 Hermann (1999) alerta que, embora as teorizações de Habermas não contemplem especificidades do contexto educacional, as mesmas têm um diálogo produtivo com a educação. Segundo a autora, a ocorrência dessa possibilidade dá-se pela tentativa de Habermas em reconstruir a racionalidade instrumental, em relação a qual não se mostrava totalmente contrário. Mostrava-se contrário apenas em relação aos seus excessos.

3 Ao propor a Teoria da Ação Comunicativa, Habermas se contrapõe as tese defendida por Horkheimer e Adorno, para os quais o desenvolvimento da racionalidade culminaria com o predomínio da racionalidade instrumental.

4 Acerca desta, Freitag (2004) discute que a razão comunicativa não é subjetiva, apesar de refratar a intersubjetividade e as relações sociais dos envolvidos. Tampouco é inata. Logo, tem pouco em comum com a razão kantiana.

5 Em uma perspectiva de criticar a razão, o conceito de mundo da vida foi originalmente cunhado por Edmund Husserl (1859-1938), apresentado em uma obra intitulada A Crise das Ciências Européias. No entanto, Habermas (2002c) ao reconstruir esse conceito no mundo linguístico, critica Husserl por apoiá-lo na filosofia da consciência. Nesta discussão assinala que "Husserl não é capaz de reconhecer que o próprio solo da prática comunicativa cotidiana descansa sobre pressupostos idealizadores" (p. 88).

6 Foi Max Weber quem primeiramente distinguiu as ações racionais regidas por fins, daquelas regidas por valores, as quais ocorriam nas esferas sociais da sociedade moderna.

7 Este conceito foi trabalhado ao longo de toda a obra de Habermas, porém, recebe uma análise mais aprofundada pelo autor na obra intitulada Teoria da Ação Comunicativa, vol II.

8 A esse predomínio da razão instrumental sobre as relações culturais, Weber entende como uma armação de ferro que aprisiona os homens e Marcuse denominou a unidimensionalização dos homens.

9 Tendo em vista as potencialidades da ação comunicativa e da ação dialógica, respectivamente pautadas na razão comunicativa e na razão dialógica, torna-se oportuno ressaltar que a razão não é apenas um jogo de linguagem e as perspectivas emancipatórias (de emancipação) perderam a validade, como defendem os pós-modernistas.

10 Trata-se de uma entrevista pertencente à categoria entrevista semiestruturada. Outras modalidades de entrevista também são semiestruturadas, a saber, a entrevista focalizada; a entrevista centrada no problema; a entrevista a experts e a entrevista etnográfica (Flick, 2004).

11 Equivalente a Estrutura da Matéria na universidade A.

12 Refere-se à universidade B, apesar de ambas serem universidades federais.

13 Nesta, as componentes curriculares Estrutura da Matéria I e II eram indistintamente oferecidas para estudantes de Física, tanto da modalidade licenciatura, quanto bacharelado.

14 Na universidade A, a componente curricular era optativa. Logo, não era oferecida regularmente, levando alguns estudantes a cursarem a mesma em outra universidade, de acordo com seus interesses pessoais.

15 Vale salientar que, iniciar uma orientação educacional que se distancie dos preceitos da razão técnica, não é uma opção individual dos professores no contexto da sala de aula. Isso requer o emprenho das políticas das universidades, no sentido de se aproximar-se do contexto da escola básica e conhecer os ensejos e necessidades daqueles, no sentido de delinear as políticas de formação de professores.

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