SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número1O ensino de conceitos fundamentais de Mecânica Quântica a alunos de graduação em Física índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

versão On-line ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.9 no.1 Tandil jul. 2014

 

ARTÍCULOS ORIGINALES

Um estudo de caso para dar sentido à tese de que a modelagem científica pode ser vista como um campo conceitual

 

Rafael Vasques Brandão1, Ives Solano Araujo2, Eliane Angela Veit2

rafael.brandao@ufrgs.br, ives@if.ufrgs.br, eav@if.ufrgs.br

1 Colégio de Aplicação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves, 9500, Porto Alegre, Brasil.

2 Instituto de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves, 9500, Porto Alegre, Brasil.

 


Resumo

Em recente trabalho foi defendida a tese de que a modelagem científica pode ser vista como um campo conceitual subjacente ao domínio de campos conceituais específicos da Física. O presente artigo apresenta os resultados de um estudo de caso exploratório que visam dar suporte empírico a essa tese. Os resultados dizem respeito às concepções de modelo científico, aos avanços e às dificuldades de uma estudante de Mestrado em Ensino de Física no processo de conceitualização do real, bem como aos dois invariantes operatórios utilizados pela mestranda nas atividades de modelagem propostas no contexto de uma disciplina de pós-graduação, com ênfase na modelagem computacional aplicada ao Ensino de Física.

Palavras chave: Modelagem científica; Campo conceitual; Invariante operatório; Modelagem computacional; Ensino de Física.

A case study to make sense of the thesis that scientific modeling can be seen as a conceptual field

Abstract

In a recent work it was presented the thesis that scientific modeling can be seen as a conceptual field underlying the domain of specific conceptual fields of physics. This paper discuss the results of an exploratory case study focused to provide empirical support to this thesis. These results are related to conceptions about scientific model, advances and difficulties of conceptualization of the reality and find any evidence of possible operational invariants of a graduate student in physics education while she was working on computational modeling activities.

Keywords: Scientific modeling; Conceptual field; Operational invariant; Computational modeling; Physics education.

Une étude de cas pour donner un sens de la thèse que la modélisation scientifique peut être considérée comme un champ conceptuel

Résumé

Dans un travail récent nous avons défendu la thèse que la modélisation scientifique peut être considérée comme un champ conceptuel sous-jacent au domaine spécifique des champs conceptuels de la physique. Cet article présente les résultats d'une étude de cas exploratoire visant à rendre un support empirique à cette thèse. Les résultats se rapportent aux conceptions du modèle scientifique, aux progrès et aux difficultés d'une élève de Maîtrise en Enseignement de la Physique dans le processus de conceptualisation du réel et aux deux invariants opératoires qu'elle a utilisé dans les activités de modélisation proposées pour un cours de troisième cycle, en soulignant la modélisation computationnelle appliquée à l'enseignement de la physique.

Mots clés: Modélisation scientifique; Champ conceptuel; Operative invariant; Modélisation computationnellee; Enseignement de la physique.

Un estudio de caso para dar sentido a la tesis de que la modelación científica puede ser vista como un campo conceptual

Resumen

En un trabajo reciente defendemos la tesis de que la modelación científica puede ser vista como un campo conceptual detrás de los campos conceptuales de dominio específico de la física. Este artículo presenta los resultados de un estudio de caso exploratorio realizado con el fin de proporcionar apoyo empírico a dicha tesis. Los resultados se refieren a las concepciones de modelo científico, los avances y dificultades de un estudiante de la Maestría en Enseñanza de la Física en el proceso de conceptualización de lo real y los dos invariantes operatórios utilizados por éste en las actividades de modelación propuestas en el marco de una asignatura de posgrado, con énfasis en la modelación por ordenador aplicada a la enseñanza de la física.

Palabras clave: Modelación científica; Campo conceptual; Invariantes operatórios; Modelación por ordenador; Enseñanza de la Física.

 


 

1. INTRODUçÃO

A relevância de estratégias que privilegiem uma reflexão crítica sobre os conteúdos trabalhados, tanto por parte dos estudantes, quanto por parte dos professores, é praticamente um consenso em Didática das Ciências.

Acredita-se que a modelagem científica com fins didáticos é uma das estratégias mais promissoras, podendo contribuir não só para a aprendizagem de conceitos científicos e para a resolução de problemas, como também para o desenvolvimento de concepções e de competências associadas, respectivamente, à natureza da Ciência e à prática científica contemporâneas.

Para tanto, é preciso que os professores da Educação Básica estejam preparados para realizar essa tarefa, que só parace possível àqueles que possuem sólidos conhecimentos acerca do conteúdo a ser ensinado, de como ensiná-lo e do seu status epistemológico.

Nesse sentido, diversas estratégias de ensino pautadas em diferentes perspectivas teórico-epistemológicas sobre modelos e modelagem científica têm sido propostas para favorecer a aquisição de concepções e competências por parte de estudantes e professores da Educação Básica, especialmente os de Física (Hestenes, 1992; Halloun, 2004; Koponen, 2007; Sensevy et al., 2008).

No entanto, o desenvolvimento de tais concepções e competências não costuma estar presente entre os objetivos de ensino na Educação Básica e a maioria dos seus estudantes e professores não reflete sobre a importância da modelagem científica no Ensino de Física. Por isso, embora haja um número considerável de estudos sobre modelos e modelagem científica no Ensino de Física, Coll e Lajium (2011) defendem que é preciso: (i) seguir favorecendo e investigando a aquisição de conhecimentos acerca dos modelos e da modelagem científica por parte dos professores; e (ii) fazer mais pesquisas em sala de aula para avaliar as possibilidades e limitações de estratégias centradas no processo de modelagem científica em termos de uma evolução conceitual e epistemológica.

Haja vista os possíveis reflexos que uma compreensão da modelagem científica pode aportar à prática do professor de Física em sala de aula na Educação Básica, em recente estudo defendeu-se a tese de que a modelagem científica pode ser vista como um campo conceitual subjacente ao domínio de campos conceituais específicos em Física (Brandão; Araujo & Veit, 2011).

Este trabalho apresenta os resultados de um estudo de caso exploratório para dar suporte empírico a essa tese.  Como delineamento metodológico adotou-se o estudo de caso único para investigar as concepções e competências associadas ao processo de modelagem científica por uma estudante, professora de Física, no contexto de uma disciplina de pós-graduação voltada para docentes em exercício na Educação Básica, oferecida pelo Instituto de Física da UFRGS. A disciplina tem como objetivo familiarizar os estudantes com tecnologias de informação e comunicação no Ensino de Física, especialmente no campo da modelagem computacional com fins didáticos.

A seguir discutem-se as noções de concepção e competência, à luz da Teoria dos Campos Conceituais (Vergnaud, 1987, 1990, 1993), em combinação com as ideias de Weil-Barais e Vergnaud (1990), e o processo de modelagem científica, na perspectiva de Mario Bunge (1974), para fundamentar a tese e dar sentido às questões de pesquisa apresentadas logo após. O contexto do estudo empírico e o seu delineamento metodológico constituem a seção 3. Na penúltima seção são discutidos os resultados em meio à apresentação de algumas atividades nas quais foram obtidos. Finalmente são apontadas algumas conclusões e perspectivas para a continuação da pesquisa na qual esse estudo se insere.

2. MARCO TEÓRICO

2.1 Concepções e competências à luz da Teoria dos Campos Conceituais

A Teoria dos Campos Conceituais (TCC) de Vergnaud (1990, 1993) tem se constituído num referencial frutífero para investigar o funcionamento e o desenvolvimento de concepções e competências que dependem ou estão envolvidas na construção de conhecimentos científicos e técnicos (Franchi, 1999).

Segundo essa perspectiva teórica, os conhecimentos estão organizados em campos conceituais1 cujo domínio, por parte do sujeito, ocorre lenta e progressivamente, através da experiência, maturidade e aprendizagem (Vergnaud, 1982). Há, por certo, concepções e competências que são essenciais para o domínio de certos campos conceituais.

As competências estão mais relacionadas às ações do sujeito para lidar com as situações que dão sentido aos conceitos que ele deseja aprender (Vergnaud, 1987). As concepções dizem mais respeito aos significados e aos significantes, cientificamente aceitos ou não, associados aos conceitos de um domínio de conhecimento, de modo consciente ou inconsciente, pelo sujeito que deseja aprendê-los.

Segundo Vergnaud (Ibid., p. 5), o conceito de esquema é fundamental para analisar as competências de um sujeito. Um esquema deve ser entendido como uma organização invariante das ações do sujeito frente a uma classe de situações2. Já as concepções podem ser analisadas em termos dos objetos, propriedades e relações que, de algum modo, podem ser representadas simbolicamente.

Enquanto os esquemas constituem-se usualmente no que há de implícito em termos do conhecimento posto em ação nas situações, as concepções podem ser pensadas em termos do que há de mais explícito na conceitualização dessas situações. Portanto, deve-se dar toda atenção aos aspectos conceituais dos esquemas e à análise conceitual das situações para as quais os estudantes desenvolvem seus esquemas (Vergnaud, 1994).

Embora o conceito de esquema possua definição precisa na TCC, ele pode ser melhor especificado através dos quatro elementos que o constituem, a saber: metas e antecipações, regras de ação, invariantes operatórios e inferências (Vergnaud, 1990). A eficiência dos esquemas depende fundamentalmente da adequação dos invariantes operatórios que constituem a sua base conceitual, largamente implícita, e que permitem ao sujeito obter as informações pertinentes e a partir dessas inferir a meta a ser alcançada e as regras de ação adequadas.

Apesar de estarem usualmente implícitos nos esquemas utilizados para lidar com as situações, os invariantes operatórios também estão relacionados aos objetos, propriedades e relações que podem ser estabelecidas ou identificadas nas situações. Nesse sentido, também podem ser expressos por palavras e outros tipos de representações simbólicas (Vergnaud, 1987).

À luz da TCC, os novos conhecimentos podem, então, ser entendidos como concepções e competências necessárias para lidar com novas situações ou com situações previamente dominadas a partir de um novo olhar. Assim, as concepções que o sujeito dispõe para lidar com situações previamente dominadas podem ser compatíveis com a construção de novos conceitos e, por isso, consideradas como precursores cognitivos, ou podem ser incompatíveis, a ponto de constituírem-se em obstáculo epistemológico à introdução de um novo conceito. Mas há também concepções que podem ser vistas como vieses cognitivos para a construção de novos conhecimentos, em vez de serem consideradas errôneas (Weil-Barais & Vergnaud, 1990).

Concepções que conduzem o estudante a dar respostas sistemáticas que diferem das esperadas a certas classes de situações e problemas podem ser vistas como vieses cognitivos. Esses vieses se manifestam por meio de certas regularidades que podem ser observadas a partir das respostas elaboradas pelos estudantes às atividades propostas. Weil-Barais e Vergnaud (1990) identificaram concepções de estudantes que atuam como vieses cognitivos na compreensão de significados atribuídos a conceitos físicos e na interpretação de experimentos em Física.

Em Física, ainda há outros tipos de concepções que podem atuar como vieses cognitivos na compreensão da natureza do conhecimento físico. De modo geral, a Física faz uso de modelos científicos para representar a realidade. Esses, por sua vez, fazem uso de representações simbólicas e de elementos conceituais, tais como os conceitos de sistema, estado, interação, transferência, conservação, etc. (Weil-Barais & Vergnaud, 1990). Portanto, a compreensão do conhecimento em Física não depende só da habilidade que o estudante possui para manipular representações simbólicas, mas também da capacidade de identificar e relacionar aspectos conceituais intrínsecos ao conteúdo propriamente dito, bem como à sua natureza e construção.

O presente estudo pretende avançar na investigação dos aspectos conceituais, de cunho epistemológico, subjacentes às concepções e aos esquemas de uma professora de Física da Educação Básica, que podem estar atuando como vieses, precursores ou obstáculos epistemológicos à sua compreensão do processo de modelagem científica em Física e, por conseguinte, à natureza, construção e validação do conteúdo desse conhecimento.

Mas para identificar aspectos conceituais dessa natureza não basta uma abordagem exclusivamente psicológica, é preciso fazer referência aos conceitos, modelos, tipos de raciocínio e representações simbólicas da Física. Isso significa adotar uma postura epistemológica acerca do conhecimento produzido nessa disciplina, a fim de compreender as dificuldades encontradas pelos estudantes no processo de conceitualização do real (Weil-Barais & Vergnaud, 1990).
 
A postura epistemológica adotada nesse estudo em relação ao processo de modelagem científica apoia-se, sobretudo, na perspectiva de Mario Bunge (Matthews, 2009), que será apresentada brevemente a seguir.

2.2 Modelagem científica na perspectiva de Mario Bunge

Bunge (1974) entende que a chave para a compreensão da atividade científica moderna é o conceito de modelo, cuja principal função é mediar a relação entre teoria e realidade, a exemplo do que pensam outros cientistas e filósofos da ciência (Morgan & Morrison, 1999).

Embora as teorias gerais constituam-se no sistema nervoso da Ciência enquanto corpo de conhecimento estabelecido (Bunge, 1989), a ponto de medir-se o progresso de uma área de conhecimento por meio da sua capacidade de teorizar acerca da realidade, os modelos teóricos são os "blocos fundamentais" para a construção do conhecimento.

Por outro lado, os dados empíricos apesar de muito próximos da realidade, por si sós, não podem ser acolhidos pelos sistemas hipotético-dedutivos, de modo direto, para produzir novos conhecimentos.

A aproximação entre teoria e realidade deve ser mediada pelos modelos teóricos que resultam do processo de modelagem científica envolvendo os seguintes construtos:

[…] o objeto-modelo m representando os traços-chave (ou supostos-chave) de um objeto concreto r (ou suposto concreto); o modelo teórico Ts especificando o comportamento e/ou o(s) mecanismo(s) interno(s) de r por meio de seu modelo m; e a teoria geral Tg acolhendo Ts (e muitas outras) e que deriva seu valor de verdade bem como sua utilidade de diversos modelos teóricos que podemos construir com o seu auxílio - mas jamais sem suposições e dados que a extravasam e recolhidos pelo objeto-modelo m (Bunge, 1974, p. 25).

Portanto, os dois principais significados que Bunge atribui ao conceito de modelo, em meio a polissemia do termo nas Ciências Fatuais são: "o modelo enquanto representação esquemática de um objeto concreto e o modelo enquanto teoria relativa a esta idealização" (Bunge, 1974, p. 30).

O primeiro significado atribuído por Bunge ao conceito de modelo pode ser entendido como uma representação simplificada de um objeto ou evento real, ou suposto como tal, que resulta das idealizações assumidas à luz de uma perspectiva teórica adotada para responder uma questão de pesquisa. Nas Ciências em geral, e na Física especialmente, convém distinguir o sistema real, com toda a sua riqueza e complexidade, e o sistema simplificado, que tenta apreender os seus traços-chave por meio das idealizações que momentaneamente dele nos afastam. As idealizações podem ser vistas como operações conceituais que visam, dependendo da situação, realizar recortes da realidade, postular entidades ideais, inferir mecanismos internos ao sistema real, etc. Por isso, assumem um papel fundamental na apreensão do real pelo pensamento (Bunge, 1974; Portides, 2007).

O segundo significado atribuído ao conceito de modelo por Bunge diz respeito ao modelo matemático que pode ou não frutificar quando o sistema idealizado é acolhido pela teoria geral escolhida para responder a questão de pesquisa. Em Física, especialmente, é desejável que as hipóteses aventadas possam ser expressas em linguagem matemática, visto que essa tradução permite contrastá-las com os dados empíricos obtidos a partir do sistema real.

No entanto é preciso dizer que diversas áreas do conhecimento humano não possuem (ou nem sempre possuíram) teorias gerais. Para Bunge, a ausência de teorias gerais e abstratas em certas áreas do conhecimento indica a falta e/ou dificuldade de uma desejável maturidade teórica. Nesses casos, a construção de modelos teóricos (ou teorias específicas) inicia-se pelo extremo oposto, ou seja, a partir de algumas hipóteses muito próximas dos dados empíricos oriundos da observação e da experimentação. Segundo Bunge (1974),

um tal modelo, por assim dizer, behaviorista de um sistema satisfará as exigências da filosofia empirista (positivismo, pragmatismo, operacionalismo, fenomenismo) porquanto, sem ultrapassar demasiado o observável, permite condensar um grande número de dados empíricos e predizer a evolução do sistema. Mas não conseguirá explicar a sua conduta e permanecerá bastante isolado do resto do saber. A fim de obter uma tal explicação e para estabelecer contato com outras teorias e, com mais forte razão, com outras disciplinas, será preciso demonstrar o mecanismo (p. 20).

Por fim, é preciso enfatizar que todo modelo teórico constitui-se, em certa medida, numa invenção que precisa ser corroborada por testes empíricos, racionais e de consistência teórica. Além disso, também envolve questões de natureza epistemológica, metodológica e filosófica; e tampouco é definitiva, pois todo o conhecimento construído no processo de modelagem científica é por definição provisório, sempre passível de revisão.

A próxima subseção apresenta brevemente o que se entende por campo conceitual da modelagem científica em Física.

 2.3 A modelagem científica vista como um campo conceitual

O campo conceitual da modelagem científica em Física é constituído, por um lado, pelos conceitos, e suas relações, que compõem o que se entende por estrutura conceitual de referência (ECR) associada à noção de modelo e ao processo de modelagem científica em Física.

Segundo Otero (2006), uma estrutura conceitual de referência:

[…] é um conjunto de conceitos, relações entre eles, princípios, afirmações de conhecimento e explicações relativos a certo campo conceitual, conforme aparece formulado, explicado e consensuado nas discussões e nos textos especializados próprios de uma certa comunidade científica de referência (p. 47).

A Figura 1, apresenta os conceitos que, apesar de serem de naturezas distintas, estão intimamente relacionados à noção de modelo científico em Física e, por consequência, aos construtos envolvidos no processo de modelagem científica, segundo Bunge (1974).


Figura 1. Estrutura conceitual de referência associada à noção de modelo científico em Física (Brandão; Araujo & Veit, 2011).

Por outro lado, o campo conceitual da modelagem científica em Física também é constituído pelos esquemas de pensamento que orientam as ações dos sujeitos nas situações de modelagem que dão sentido aos conceitos da ECR, no contexto da Física.

Assim, o processo de modelagem científica em Física pode ser entendido, à luz da Teoria dos Campos Conceituais, como sendo constituído:

  • pelo conjunto, S, de situações que dão sentido aos conceitos associados à noção de modelo e ao processo de modelagem científica em Física; ou seja, o conjunto de situações que podem ser analisadas e solucionadas por meio da construção e/ou exploração de uma versão, mais ou menos didática, de um modelo científico, capaz de aproximar teoria e realidade, e de dar sentido às dificuldades observadas no processo de conceitualização do real, no contexto da Física;
  • pelo conjunto, I, de invariantes operatórios de caráter geral, associados à noção de modelo e ao processo de modelagem científica em Física, e de caráter específico, associados aos conceitos da ECR, que podem ser reconhecidos e usados pelo sujeito para analisar as situações do primeiro conjunto, denominadas situações de modelagem em Física; e
  • pelo conjunto, R, de representações simbólicas que podem ser usadas para indicar esses invariantes e, consequentemente, representar as situações e os procedimentos de modelagem para lidar com elas; esse conjunto é fortemente dependente do campo conceitual específico da Física em que o sujeito esteja modelando.

Seja no contexto científico ou educacional, a modelagem científica pode, então, ser vista como uma estratégia de natureza conceitual-metodológica capaz de apoiar a ação do sujeito nas situações que requerem um processo de mediação entre teoria e realidade.

No Ensino de Física, essa estratégia possui fins didáticos e pode ser denominada de modelagem didático-científica em Física. Por isso, o campo conceitual da modelagem didático-científica pode ser pensado em termos das atividades: (i) de modelagem computacional, que envolvem teoria e simulação; (ii) de modelagem em laboratório, que envolvem teoria e experimentação; e (iii) de modelagem computacional-experimental, que envolvem simulação e experimentação acerca de sistemas, processos e fenômenos físicos, com fins didáticos.

3 METODOLOGIA

3.1 Contexto do estudo empírico

Desde 2008/02, uma proposta de ensino do processo de modelagem científica, com ênfase nos aspectos conceituais para o seu domínio e na modelagem computacional com fins didáticos, vem sendo implementada em uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Física (PPGEnFis) do IF-UFRGS. Essa disciplina faz parte da estrutura curricular do Mestrado Profissional em Ensino de Física (MPEF), voltado para a melhoria da qualificação de professores de Física em exercício na Educação Básica. Oferecida sempre no segundo semestre do ano letivo, a disciplina possui caráter obrigatório e carga horária de 60 horas-aula, distribuídas em 4 horas-aula/semana.

Face à natureza essencialmente prática da disciplina, a avaliação dos estudantes, todos professores de Física, está baseada na participação, na assiduidade e no desempenho nas atividades realizadas na sala de aula, em pequenos grupos ou individualmente. As atividades propostas dizem respeito, especialmente, à exploração e à criação de simulações computacionais que envolvem conceitos, modelos, leis, princípios e teorias da Física Clássica. Na avaliação do desempenho de cada estudante são levados em conta os seus domínios em relação aos recursos computacionais, aos conteúdos de Física e aos aspectos conceituais acerca dos modelos e da modelagem computacional no Ensino de Física.

O principal objetivo das atividades propostas nessa disciplina é problematizar situações de interesse da Física para as quais os estudantes já estão acostumados a buscar soluções matemáticas, mas não a refletir sobre as mesmas à luz da modelagem científica. Em outros termos, pretende-se introduzir noções epistemológicas contemporâneas e promover o desenvolvimento de competências associadas à construção e à validação de modelos computacionais com fins didáticos, por meio da ressignificação de atividades que costumam ser abordadas tradicionalmente em cursos de formação inicial de professores de Física.

As aulas são de caráter teórico-prático. A abordagem teórica é feita por meio de aulas expositivas, leituras e discussão de artigos de referência para o Ensino de Física. As aulas de caráter prático têm lugar em laboratório de informática, onde há disponibilidade de um microcomputador por estudante. Embora a disciplina seja ministrada na modalidade presencial, os estudantes fazem uso de uma plataforma de ensino à distância para a entrega e a postagem de materiais e para discussão em fóruns. Essa prática é adotada com o intuito de que os estudantes possam continuar trabalhando colaborativamente mesmo fora da sala de aula.
O Quadro A.1 do Apêndice propicia uma visão detalhada dos objetivos3 de ensino e de pesquisa envolvidos nas atividades ao longo da disciplina em 2008/02, bem como os conteúdos envolvidos. Nesse semestre letivo ocorreram 17 encontros presenciais, cada um com duração de 3 horas e 30 min. Os objetivos de ensino estão relacionados à promoção de concepções e competências associadas à modelagem computacional com fins didáticos. Já os objetivos de pesquisa estão relacionados à investigação do que há de explícito e implícito em termos de conhecimento evidenciado por uma aluna da disciplina sobre modelos e modelagem científica, identificada pelo nome fictício Raquel, no processo de conceitualização do real frente às atividades que lhe foram propostas.

 3.2 Delineamento metodológico de pesquisa: o estudo de caso único

Em vista dos objetivos de pesquisa do presente estudo, o enfoque metodológico possui um caráter eminentemente qualitativo. Mais especificamente, adotou-se o estudo de caso único, na acepção de Yin (2005), como a estratégia de pesquisa adequada para investigar em profundidade o papel funcional das concepções e dos esquemas de pensamento de Raquel frente a um conjunto de situações e problemas enfocando o processo de modelagem computacional no Ensino de Física.

Yin (2005) define a estratégia de estudo de caso por meio de dois enunciados técnicos:

1. um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos (p. 32); 2. a investigação de estudo de caso enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir em um formato de triângulo, e, como outro resultado, beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados (p. 33).

No presente estudo, pode-se dizer que o fenômeno contemporâneo a ser investigado foi o do processo de conceitualização do real, por parte de uma professora de Física do Ensino Médio, no contexto de uma disciplina de pós-graduação, com ênfase na estratégia da modelagem computacional, com fins didáticos. Já a indefinição dos limites entre o fenômeno a ser investigado e o contexto no qual ele ocorreu se deveu ao fato de que a disciplina de pós-graduação constituiu-se, ao mesmo tempo, tanto no contexto de ensino quanto no de pesquisa. Isto é, ao mesmo tempo em que se buscou favorecer o desenvolvimento de concepções e competências por parte dos alunos da disciplina, por um lado, se pretendeu investigá-las, por outro. Cabe salientar que parte dessa indefinição pôde ser minimizada fazendo com que o professor da disciplina, preocupado somente em favorecer o desenvolvimento de tais conhecimentos por parte dos seus alunos, e o pesquisador, interessado apenas em identificar o uso de tais conhecimentos por parte de Raquel, fossem sujeitos distintos.

Adicionalmente, se pode dizer que a situação tecnicamente única, em que há muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados, deveu-se aos seguintes fatos: (i) as concepções sobre modelos e modelagem científica, no contexto da Física, como apontou outro estudo (Brandão et al., 2011), parecem estar fortemente imbricadas às concepções do sujeito acerca da natureza da Ciência e da produção de conhecimento científico em geral; assim como (ii) as dificuldades, os avanços e os invariantes operatórios para lidar com situações de modelagem em Física parecem ser fortemente dependentes dos conteúdos de conhecimento adquiridos ao longo da vida acadêmico-profissional por parte daquele que os possui. Ou seja, o campo conceitual da modelagem didático-científica em Física é abrangente e dependente de muitas variáveis que não podem ser facilmente controladas.

Por tudo isso, a proposição teórica que norteou esse estudo pode ser enunciada da seguinte forma: o processo de modelagem científica permeia toda a Física e os elementos conceituais necessários para o seu domínio desempenham um papel fundamental nas explicações e práticas científicas. Consequentemente, as explicações dos professores de Física do Ensino Médio, seja quando estão ensinando ou aprendendo para ensinar, devem estar impregnadas de concepções associadas aos conceitos de ‘modelo' e ‘modelagem científica' em Física, assim como os seus esquemas de pensamento devem conter invariantes operatórios para lidar com situações capazes de dar sentido aos conceitos de idealização, aproximação, referente, variável, parâmetro, domínio de validade, grau de precisão, expansão e generalização de modelos didático-científicos.

Do ponto de vista metodológico, poder-se-ia investigar tais concepções e esquemas observando diversos estudantes frente a uma ou a poucas situações de interesse ou acompanhando um ou poucos estudantes frente a diversas situações capazes de dar sentido aos conceitos que se quer introduzir e de promover as competências que se quer desenvolver.

A opção pela segunda estratégia de pesquisa deveu-se à possibilidade de acompanhar, durante um semestre letivo, uma estudante que sabidamente dominava a maioria dos conteúdos envolvidos nas "situações de modelagem" propostas, versando sobre diferentes campos conceituais da Física Clássica. Tal fato permitiu eliminar a hipótese que poderia explicar possíveis dificuldades enfrentadas por Raquel no campo conceitual da modelagem científica em Física meramente por deficiências de conteúdo. Com isso não se quer dizer que a estudante não tenha enfrentado dificuldades relacionadas aos conteúdos de Física envolvidos nas atividades de modelagem.

Raquel obteve a primeira colocação no processo seletivo para ingresso no curso de Licenciatura em Física na UFRGS e diplomou-se em quatro anos, tempo recomendado para o término do curso. Em 2008 ingressou no Mestrado Profissional em Ensino de Física, onde desenvolveu trabalho na área do Ensino de Astronomia. Fora do meio acadêmico atuava como professora de Física da Educação Básica, com carga horária semanal de 18 horas-aula, possuindo três anos de experiência profissional.

Os dados coletados foram por meio de: (a) duas entrevistas, uma no início e outra no final da disciplina; (b) um teste de associação escrita de conceitos; (c) observações participativas enquanto Raquel realizava, em parceria com duas estudantes, seis atividades exploratórias de simulação computacional, duas delas apoiadas no uso do dAVM4; (d) e uma atividade expressiva de simulação computacional, também apoiada pelo uso do dAVM, permitiram responder às seguintes questões de pesquisa:

  • Quais as concepções evidenciadas por Raquel acerca dos modelos científicos em Física?
  • Quais as dificuldades enfrentadas e os avanços obtidos por Raquel no processo de conceitualização das situações físicas envolvidas nas atividades de modelagem que lhe foram propostas? A que se devem?
  • Há indícios de invariantes operatórios utilizados por Raquel nas atividades de modelagem científica e computacional em Física? Qual a sua natureza?

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção optou-se por apresentar e discutir os resultados obtidos de modo a responder às questões de pesquisa na ordem em que foram listadas na seção anterior. Logo, os dados não são apresentados na ordem cronológica em que foram coletados, nem em sua totalidade, mas em termos de uma seleção de atividades que melhor expressaram: (a) as concepções evidenciadas por Raquel sobre a noção de modelo científico em Física, no início e no final da disciplina; (b) as dificuldades enfrentadas e os avanços obtidos no processo de conceitualização das situações físicas nelas envolvidas, em termos dos aspectos conceituais envolvidos na modelagem científica em Física; e (c) os invariantes operatórios subjacentes aos esquemas de pensamento utilizados por Raquel nas atividades de modelagem com fins didáticos.

4.1 Quanto às concepções

Em entrevista realizada no início da disciplina, Raquel deixou claro que a sua concepção de modelo científico em Física estava associada à ideia de simulação de uma situação, pois a fazia lembrar-se de outra disciplina na qual trabalhou com o software Modellus em que, segundo ela: "tu colocas lá as equações que tu tens e ele te projeta uma situação. Eu sempre me lembro de alguma simulação".

Embora nem todos os modelos teóricos necessitem ser implementado computacionalmente, no contexto científico, todo modelo computacional baseia-se em um modelo teórico subjacente à sua implementação em computador. Portanto, a ideia de simulação, no caso de Raquel, pode ter atuado como um precursor cognitivo na construção da sua noção de modelo científico nessa disciplina.
 
Adicionalmente, o fato de Raquel ter associado ao conceito de modelo, no início da disciplina, uma simulação computacional construída com auxílio do software Modellus reforça as conclusões de Smit e Finegold (1995) de que: (a) diferentes significados são atribuídos ao conceito de modelo em diferentes disciplinas; e (b) o significado formado em uma disciplina parece interferir no significado de outra disciplina, prevalecendo aquele ao qual o estudante ficou exposto por mais tempo.

No teste de associação escrita de conceitos, aplicado no início da disciplina, simulação foi a primeira categoria de pensamento associada por Raquel ao conceito de modelo. Outra categoria de pensamento pertinente ao conceito de modelo explicitada pela estudante, não só na entrevista inicial como também nesse teste, foi a de simplificação. Segundo ela, um modelo científico serve para "tentar entender de uma forma mais simples uma coisa que tem muitas outras variáveis que de repente estão em jogo".

Como todo modelo científico pode ser entendido como uma representação simplificada de algo que se quer modelar,  a ideia de simplificação, também pode ter atuado como um precursor cognitivo na construção da noção de modelo científico, por parte de Raquel, nessa disciplina.

Na entrevista realizada ao final da disciplina, Raquel expôs a sua noção de científico, ao responder a seguinte questão. Dentro do contexto da Física, o que é um modelo para você? "Modelo é uma representação da realidade, que a gente constrói, fazendo idealizações e aproximações, a partir dos nossos referentes reais".

As concepções evidenciadas por Raquel sobre a noção de modelo científico em Física, no início e no final da disciplina, reforçam a suposição feita pela TCC de que a aprendizagem de novos conceitos depende dos problemas e situações previamente dominados pelo sujeito, conferindo ao processo de construção do conhecimento um caráter contextual (Vergnaud, 2007). Em função disso, muitas das nossas concepções estão relacionadas às primeiras situações que fomos capazes de dominar ou a nossa experiência tentando modificá-las (Vergnaud, 1996, p. 117).

 4.2 Quanto às dificuldades e aos avanços

 Nas duas primeiras atividades de exploração de simulação computacional, realizadas em grupo, os estudantes deveriam: (a) reconhecer o fenômeno físico representado na simulação; (b) identificar a teoria física utilizada; (c) inferir sobre as idealizações e aproximações assumidas na construção da simulação; e (d) formular questões que pudessem ser respondidas com auxílio da simulação. Os tópicos de Física abordados foram lentes e espelhos esféricos (Figura 2), e movimento de projéteis (Figura 3).


Figura 2. Instantâneo de tela do applet sobre a formação de imagens conjugadas por lentes e espelhos esféricos (Hwang, 1996a).


Figura 3. Instantâneo de tela do applet da segunda atividade exploratória de simulação computacional (Hwang, 1996b).

Na primeira atividade, Raquel reconheceu tratar-se da simulação do fenômeno físico da "formação de imagem com lentes convergentes, divergentes e espelhos. Os fenômenos de refração e reflexão da luz". E a teoria utilizada para discuti-los "é a da Óptica Geométrica". À luz dessa teoria, Raquel reconheceu que "a luz é constituída por raios, cuja propagação é em linha reta, devido ao meio possuir a mesma densidade". De fato, um feixe cônico de luz de abertura muito pequena chama-se um pincel de raios luminosos, e no limite idealizado em que a abertura tende a zero tem-se um raio de luz, uma linha reta num meio homogêneo.

Raquel também identificou as seguintes idealizações subjacentes à construção da simulação: "as lentes são delgadas. Os espelhos refletem a luz especularmente. A reflexão e a refração obedecem os raios notáveis. O meio é menos refringente do que a lente".

Em relação às aproximações, Raquel percebeu que os raios de luz estavam sendo considerados como paraxiais, ainda que com dificuldade para expressar-se claramente: "ângulos pequenos para a relação entre tamanho angular e raio de curvatura". Na verdade, lentes delgadas e raios de luz paraxiais definem as condições de estigmatismo de Gauss para sistemas ópticos. Essas condições tornam todas as deduções da Óptica Geométrica aproximadas, como, por exemplo, a da conhecida equação dos fabricantes de lentes.

Por ter reconhecido como uma idealização o fato da lente estar imersa em um meio menos refringente, e não como o caso escolhido para ser tratado pelo autor da simulação, Raquel demonstra dificuldade para identificar as idealizações e as aproximações assumidas na construção dessa simulação.

Após ter explorado esse primeiro applet, Raquel formulou as seguintes questões-foco: "que tipo de lente é usado para correção de miopia? Por que as lojas usam espelhos convexos para o controle de segurança"?

Na segunda atividade, Raquel não teve dificuldade para reconhecer que o applet da Figura 3 simulava o fenômeno físico do "lançamento oblíquo com e sem resistência do ar". Apesar disso, entendeu que a "Cinemática Clássica" foi a teoria utilizada para discuti-la.

Em relação às idealizações, Raquel inferiu os seguintes aspectos a respeito da simulação do movimento dos projéteis: "o ar é um fluido homogêneo. O campo gravitacional é constante. Na ausência do ar, o movimento é decomposto em vx e vy, com MRU em x e MRUV em y. A massa é considerada uma partícula". De fato, considerar o meio homogêneo e o campo gravitacional uniforme são idealizações relevantes nessa simulação, visto que o coeficiente de resistência do ar k e a aceleração da gravidade g são mantidos constantes. Porém, ao tratar a massa como uma partícula, e não precisamente o projétil que a possui, é possível que Raquel esteja enfrentando um obstáculo epistemológico, sintetizado pela expressão perda da realidade objetiva, que resulta na falta de clareza para discernir o objeto real ou imaginado (projétil), que está sendo representado na simulação, da propriedade física a ele atribuída por meio de um construto (conceito de massa)5.

No caso da decomposição do movimento bidimensional do projétil, portanto, já idealizado, em dois movimentos unidimensionais independentes, apenas reflete o quão simplificado torna-se a sua descrição matemática, quando despreza-se os efeitos de resistência do ar, que é uma idealização pertinente nos casos em que k=0.

De modo geral, as idealizações podem ser pensadas como o primeiro estágio de teorização em direção à construção de modelos teóricos que representam sistemas, processos e fenômenos físicos. Já as aproximações são simplificações na tentativa de facilitar os cálculos sobre o sistema previamente idealizado, seja pela incapacidade das nossas habilidades matemáticas, seja pelos objetivos almejados. Com isso não se quer dizer que as idealizações não venham a facilitar os cálculos, senão que elas são pensadas inicialmente.

Em última análise, tanto as idealizações quanto as aproximações são operações que visam simplificar o processo representacional de comportamentos, características, propriedades e estados associados aos referentes e suas interações. Entretanto, as idealizações estão mais relacionadas à concepção, delimitação e constituição do sistema a ser modelado. Enquanto que as aproximações, se necessárias, viriam depois e estariam mais relacionadas à facilitação dos cálculos para a obtenção de resultados teóricos melhor interpretáveis.

Nesse sentido, Raquel identificou corretamente a expressão para a força de resistência do ar "F=kv2" como a aproximação assumida pelo modelo matemático subjacente à simulação computacional. Por último, formulou as seguintes questões-foco: "como a resistência do ar influencia o alcance máximo de um projétil? Desprezando a resistência do ar, como relacionam-se a altura máxima e o alcance máximo com o ângulo de lançamento"?

Na quarta atividade de exploração de simulação computacional, os estudantes tinham como metas: (a) formular questões-foco que pudessem ser respondidas com auxílio da simulação; (b) reconhecer os referentes envolvidos e as idealizações assumidas; e (c) explicitar as variáveis, os parâmetros e as relações matemáticas relevantes para a implementação da simulação no software Modellus6, sem ter acesso à janela Modelo. O tópico tratado foi circuito elétrico do tipo RC (Figura 4).


Figura 4. Simulação do circuito elétrico RC. A chave interruptora pode ser colocada na posição A ou B e pode-se alterar os valores da resistência, da área do capacitor e da d.d.p., enquanto observa-se o gráfico Q x t.

Em relação a essa simulação computacional da Figura 4, Raquel formulou as seguintes questões-foco: que relação se percebe do tempo de carga e descarga do capacitor com a magnitude do resistor pelo qual ocorre a descarga e com a capacitância do capacitor que compõe o circuito? Que relação se percebe entre o valor da diferença de potencial oferecida pela fonte e a quantidade de carga armazenada no capacitor após o processo de carregamento deste?

Ao identificar os referentes envolvidos como sendo os "condutores, resistor, fonte de tensão contínua, capacitor", Raquel inferiu as seguintes idealizações: "a fonte não possui resistência interna, bem como os condutores; o resistor tem resistência constante, a capacitância do capacitor depende só de sua forma geométrica, que no caso é do tipo placas planas e paralelas, e este não perde carga para as vizinhanças".

Ao desprezar a resistência elétrica da fonte e dos fios condutores, assim como a perda de carga elétrica do capacitor para o meio que o circunda, a estudante explicitou corretamente as idealizações assumidas na construção da simulação computacional. Contudo, não se pode considerar a possibilidade de alteração de um dos parâmetros (área de sobreposição das placas) associados à capacitância do capacitor como sendo uma idealização. Isso é apenas uma possibilidade de interação do usuário com a simulação computacional.

Na segunda metade da disciplina os estudantes passaram a explorar simulações computacionais com auxílio do diagrama AVM.

Na primeira dessas atividades, a meta era construir e apresentar um dAVM com base em uma simulação do movimento de queda de um paraquedista, construída no software Modellus (Figura 5), sem ter acesso à janela Modelo.


Figura 5. Instantâneo de tela da animação da primeira atividade exploratória de simulação computacional com auxílio do dAVM.

Frente a essa simulação, ao considerar que "a aceleração da gravidade é constante; o movimento de queda é retilíneo e vertical; o papai Noel possui dimensões desprezíveis frente ao pára-quedas; e a densidade do meio não se altera com a altitude", Raquel demonstrou ter compreendido o conceito de idealização.

Contudo, apesar de ter inferido sobre a homogeneidade do meio resistivo, e de ter considerado o "pára-quedista, a Terra, o ar e o pára-quedas" como os referentes envolvidos na situação, a estudante não reconheceu como sendo relevante para a construção da simulação computacional a aproximação de que "a força de resistência do ar varia com uma potência n da velocidade". Essa inferência só pode ser explicitada por Raquel, durante a apresentação do seu dAVM aos demais estudantes, com auxílio da professora da disciplina.

Na primeira atividade expressiva de modelagem computacional7 com auxílio do dAVM, Raquel tinha como metas: (a) construir e implementar no software Modellus um modelo teórico para representar o movimento de um ioiô; e (b) construir e apresentar o respectivo dAVM. O modelo computacional construído por Raquel é mostrado na Figura 68.


Figura 6. Instantâneo de tela do modelo computacional construído por Raquel para simular os movimentos de descida e de subida de um ioiô.

Na construção e implementação desse modelo, Raquel assumiu as seguintes idealizações: "o fio do ioiô não possui massa e é inextensível. Não existem forças dissipativas. A massa dos discos do ioiô é desconsiderada. Considera-se o ioiô como um cilindro. A aceleração gravitacional não varia com a altura. O  movimento é perfeitamente vertical".

O dAVM construído e apresentado por Raquel evidenciou avanços significativos no processo de conceitualização do movimento do ioiô, identificando e explicitando adequadamente, no que se refere ao domínio conceitual do dAVM: (a) os construtos; (b) os referentes; (c) as idealizações e aproximações assumidas; (d) as variáveis, parâmetros e relações matemáticas utilizadas na construção do modelo teórico subjacente à implementação do modelo computacional; (e) assim como os resultados conhecidos e as predições na tentativa inicial de validar e responder as questões-foco, respectivamente.

A entrevista realizada ao final da disciplina teve como objetivo investigar o processo de conceitualização de uma situação física do interesse de Raquel. Para tanto, a estudante deveria: (a) formular questões-foco sobre uma situação física do seu interesse; (b) selecionar teorias, leis e princípios para abordá-la; (c) assumir idealizações de modo a facilitar sua representação conceitual; (d) delimitar o sistema físico de interesse e os agentes externos que com ele interagem; (e) selecionar equações e possíveis aproximações para melhor interpretar os resultados obtidos; e (f) identificar resultados conhecidos que pudessem ser úteis no processo de validação do modelo construído, ou seja, na descrição de forma minimamente satisfatória da situação ou do fenômeno considerado.

O fenômeno físico escolhido por Raquel foi o da "revolução da Lua em torno da Terra e o movimento de translação da Terra em sua órbita ao redor do Sol". A motivação dessa escolha é apresentada a seguir. "E aí, as perguntas que eu fiz, na verdade eu estou trabalhando num modelo como esse, enfim, para os fins da minha bolsa, são:  porque a Lua apresenta fases? E porque a gente não vê sempre as mesmas constelações no céu noturno durante o ano? Seria o movimento anual, não é. Essas questões que eu procuraria responder com esse modelo".

No início da entrevista, Raquel é questionada sobre a natureza do modelo por ela construído. Que modelo é esse? "É um modelo em que eu tenho o Sol como estrela fixa, a Terra orbitando o Sol e a Lua orbitando a Terra. Aqui eu vou ter uma região de sombra da Terra [apontando para um desenho no papel]. Digamos: se a Terra está aqui e o Sol aqui, nessa região é dia, na outra região é noite. Essas constelações fixas podem ser vistas, as outras não.

Na continuação da entrevista, Raquel argumenta que "a Lei da Gravitação Universal, as Leis de Newton e as Leis de Kepler, ou seja, Mecânica Clássica" serão de fundamental importância para auxiliá-la na compreensão do fenômeno físico. Adicionalmente, sugere que se deva representar o sistema de três corpos Terra-Sol-Lua, em vista das questões que pretende responder, assumindo "um monte de idealizações, porque são perguntas simples que eu quero responder com esse modelo. Então, eu fui simplificando o máximo que eu posso. As órbitas são circulares, porque para as minhas perguntas, isso não vai fazer diferença; elas se encontram todas no mesmo plano, eu não vou perguntar: porque não acontece eclipse todo o mês? Então, a órbita da Lua está no mesmo plano da órbita da Terra em torno do Sol. A velocidade angular dos corpos em suas órbitas não varia. Isso é consequência dos movimentos serem circulares. O Sol, então, está no centro da órbita circular. O Sol está fixo, ele não orbita o centro da galáxia e não exerce influência gravitacional sobre a Lua. Isso é importante, porque é uma idealização forte. E os corpos são esferas perfeitas. Eu não posso considerar eles como massas pontuais, porque tem toda a questão das fases e eu preciso que eles sejam esféricos, esferas perfeitas".

O entrevistador, então, questionou Raquel sobre o conceito de idealização. De modo geral, o que são as idealizações? "As idealizações são simplificações que eu vou fazer para que eu possa construir, equacionar, fazer a matemática do meu problema. Se eu for considerar todos os fatores, eu nunca vou poder fazer um modelo porque eu tenho variáveis e parâmetros demais e eu não consigo trabalhar com isso. Uma modelagem aborda um problema que tem que ser simplificado e as idealizações são as coisas que a gente admite para que o problema se torne modelável, digamos assim". Com isso, Raquel evidencia a compreensão de que a modelagem científica é uma abordagem que: (i) facilita a representação do escondido, substituindo as primeiras representações por variáveis, parâmetros e suas relações, fazendo uso de representações mais relacionais e hipotéticas; e (ii) auxilia a apreender o complexo pelo pensamento, identificando e manipulando sistemas passíveis de serem tratados de modo mais sistemático por aquele que os descreve.
 
Voltando à modelagem do problema de três corpos, Raquel deixou claro ter enfrentado dificuldades para identificar as entidades que fariam parte da situação a ser modelada: "eu fiquei um pouco confusa com essa questão. Fazem parte desse sistema o Sol, a Terra e a Lua e as estrelas fixas. No modelo que eu estou construindo, em particular, eu estou tratando só das constelações do zodíaco. Então, não existe a atuação de entidades externas, porque as forças são: a força que o Sol exerce na Terra, que a Terra faz no Sol, que a Terra faz na Lua e que a Lua faz na Terra".

O entrevistador, então, questionou Raquel sobre referentes. De modo geral, o que são os referentes de um modelo? "Os referentes são a realidade que eu quero modelar. No caso, eu vou colocar uma bolinha que vai representar o Sol. O Sol é o referente real. Aquela bolinha é uma representação dele".

Na continuação da entrevista, Raquel ressaltou não ter usado nenhum tipo de aproximação matemática. "Não, aproximação não. Depois que eu já usei todas aquelas idealizações, eu não cheguei em nenhuma aproximação. As equações que eu mais ou menos resolvi o problema aqui foram: a força gravitacional tem uma expressão, ela atua como força centrípeta, que depende da velocidade e como sei a velocidade, eu sei o raio da trajetória, então eu sei a velocidade angular, sei a relação entre a velocidade angular e o ângulo, que é o ângulo theta. E de theta eu venho para x e y para conseguir obter as trajetórias que eu gostaria".

Seguindo na mesma linha de raciocínio, o entrevistador interrogou Raquel sobre aproximações. De modo geral, o que são as aproximações? "As aproximações de um modelo são, por exemplo, quando eu faço sen q»q. Idealização é eu dizer, sei lá, que o pêndulo, ele só oscila com ângulos pequenos, mas eu estou fazendo uma aproximação que sen q, para ângulos pequenos, é q". Imediatamente, o entrevistador torna a questioná-la. Acho que não ficou claro para mim qual a diferença entre idealização e aproximação, do teu ponto de vista? "Aproximação é uma coisa matemática e a idealização é uma coisa física. Eu descarto realidades físicas para fazer uma idealização e aproximação é uma coisa matemática. Sei lá, eu vejo que sen q é muito parecido com q, quando q é pequeno e aí então eu digo sen q»q. Mas não é uma idealização porque não tem uma realidade física sem um contexto".
Na continuação da entrevista, Raquel deixou claro que o processo de validação de um modelo consiste, entre outras coisas, na explicação de resultados já conhecidos e consolidados. "É. Na verdade, quando eu fui responder essa pergunta, eu me dei conta de que quando eu formulei as questões, eu poderia ter formulado de uma maneira diferente porque eu pergunto ali: porque não vemos sempre as mesmas constelações no céu noturno durante o ano? Eu poderia ter perguntado: o que se observa em relação às constelações visíveis durante o ano no céu noturno? Porque aí eu poderia dizer, as constelações não são as mesmas. Isso é um resultado conhecido. Eu por exemplo que no inverno eu vou ver Escorpião e no Verão eu vou ver, aliás, no final do inverno eu vou ver Escorpião e assim por diante. Mas um dos resultados conhecidos é: o período de revolução da Lua em torno da Terra é bem menor que o período de revolução da Terra em torno do Sol. E isso é uma maneira de ver se o meu modelo alcança os resultados conhecidos. Eu sei que se a Lua dá mais ou menos uma volta na Terra em um mês, e a Terra dá mais ou menos uma volta em torno do Sol em 1 ano, a Lua tem que dar mais ou menos doze voltas na Terra durante a volta que a Terra da Sol".

Com esse comentário, Raquel não quis dizer que um resultado é conhecido (e consolidado) independente da perspectiva teórica que o interpreta, pois ela tinha em mente o campo do dAVM denominado Resultados conhecidos, que está intimamente relacionado ao campo Validação do modelo computacional (Araujo; Veit & Moreira, 2012). O primeiro campo diz respeito ao domínio conceitual do dAVM e o segundo ao domínio metodológico. E no domínio conceitual do dAVM aparecem, entre outros aspectos relevantes, os conceitos, teoria(s), princípio(s), teoremas e/ou lei(s) usualmente relacionados ao conhecimento científico já produzido por uma ou mais áreas da Ciência e que serão usados para construir (e/ou explorar) o modelo teórico que, por sua vez,  servirá de base para o modelo computacional. Por exemplo,

num modelo que represente um circuito RC sem fonte a corrente elétrica no circuito deve tender a zero, quando o tempo tender ao infinito; num sistema conservativo, sua energia mecânica deve permanecer constante, etc. […] Essa validação inicial do modelo computacional estará associada diretamente aos resultados desejados e corretamente previstos por seu modelo teórico subjacente e indiretamente com os resultados empíricos alvos desse modelo teórico (Araujo; Veit & Moreira, 2012, p. 357).

Finalmente, o entrevistador questionou Raquel sobre as possibilidades de expansão para o modelo. Como poderias melhorar esse teu modelo, depois de construído? "Eu poderia por órbitas elípticas, já que a excentricidade da órbita da Lua não é desprezível, por exemplo. Eu posso colocar a influência gravitacional do Sol sobre a Lua e aí de repente eu posso, tridimensional fica complicado. Eu não posso fazer isso no meu modelo. Eu gostaria de poder considerar que o plano da órbita da Lua não é o mesmo que o plano da órbita da Terra em torno do Sol, mas isso é uma limitação que eu não tenho como resolver".

A partir dessa entrevista, sem deixar de considerar os demais resultados, foi possível constatar dois aspectos importantes e relacionados à tese de que o processo de modelagem científica pode ser visto como um campo conceitual subjacente ao domínio de campos conceituais específico da Física. O primeiro diz respeito ao fato de que, quando Raquel pode escolher o que modelar, optou por um sistema físico de interesse em Astronomia, sobre o qual possuía bons conhecimentos. O segundo está relacionado ao fato de que os conhecimentos de Raquel sobre modelagem científica em Física foram mobilizados com maior facilidade em alguns campos conceituais específicos da Física do que em outros, permitindo-lhe reconhecer informações pertinentes às situações a serem modeladas em algumas áreas da Física, mas não em outras.

4.3 Quanto aos invariantes operatórios

4.3.1 Invariante operatório associado à construção de modelos científicos

Na primeira atividade realizada na disciplina, os estudantes deveriam reconhecer a importância do delineamento de um problema por meio da formulação de questões relevantes e solucionáveis com o conhecimento de que dispunham; e das teorias e dos modelos científicos na proposição de soluções no contexto da Física. Duas das cinco situações que lhes foram apresentadas estão mostradas no Quadro 1. A primeira linha serviu de exemplo para ilustrar o tipo de resposta esperada.


Quadro 1. Questões-foco, modelo conceitual, teoria geral e modelo teórico propostos por Raquel, em itálico, para modelar cada uma das situações apresentadas.

O modelo conceitual proposto por Raquel para representar a água de modo simplificado, idealizado, foi o mesmo nas duas situações físicas, embora nas situações em que o líquido está em equilíbrio, objeto de estudo da Hidrostática, não é necessário considerá-lo sem viscosidade e nem faz sentido concebê-lo como sendo irrotacional. Aliás, a irrotacionalidade é um conceito pertinente ao tipo de escoamento do fluido e não propriamente ao fluido.

Se por um lado essa evidência parece apontar para uma dificuldade conceitual de Raquel em Física de Fluidos, por outro lado, explicita o uso de um invariante operatório para dar conta de situações envolvendo a modelagem de sistemas, processos e fenômenos físicos, a saber: a necessidade de idealizar ao máximo a situação física de interesse, a fim de tratá-la da forma mais esquemática possível, independentemente da perspectiva teórica sob a qual a situação esteja sendo abordada.

Na terceira atividade de exploração de simulação computacional, os estudantes tinham como metas: (a) formular questões-foco que pudessem ser respondidas com auxílio da simulação; (b) reconhecer os referentes envolvidos e as idealizações assumidas; e (c) explicitar as variáveis, os parâmetros e as relações matemáticas relevantes para a implementação da simulação no software Modellus, sem ter acesso à janela Modelo. O assunto tratado foi o do peso aparente de um sujeito sobre uma balança no interior de uma caixa que se move com aceleração ay (Figura 7).


Figura 7. O valor de ay pode ser alterado através de um cursor e pode-se ver o movimento da caixa e os gráficos vyx t, ay x t e P´x t.

Ao problematizar essa simulação computacional, Raquel sentiu a necessidade de conceber a caixa móvel como um elevador e formulou duas questões-foco, capazes de reduzir a situação de interesse ao seu núcleo significativo: "qual a medida efetuada por uma balança dentro de um elevador sobre a qual está postada uma pessoa de massa m, se o elevador sobe com aceleração constante? Esta medida é diferente daquela que se verificaria caso o elevador subisse com velocidade constante?"

Em razão dessa contextualização, a estudante inferiu as seguintes idealizações sobre a simulação computacional: "campo gravitacional constante e cabo inextensível". De fato, admitir que o campo gravitacional seja uniforme é uma idealização relevante, pois simplifica a interação Terra-sujeito, sem prejuízo daquilo que se pretende investigar, a saber: a variação do peso aparente de um sujeito sobre uma balança no interior de uma caixa que se move com aceleração variável. Contudo, considerar o cabo inextensível parece revelar novamente a necessidade de: (a) num primeiro momento, incluir todas as entidades possíveis e imagináveis na situação a ser modelada; para (b) numa segunda etapa, idealizar todo e qualquer elemento possível de ser representado esquematicamente, visto que os referentes envolvidos na situação, sob o ponto de vista da Raquel eram: "Terra, elevador, corpo dotado de massa, e sistema de cabos e motor do elevador". Note que a balança, embora esteja presente na formulação de suas questões-foco, não é reconhecida como um referente.

Ainda que se possa conceber a caixa móvel como um elevador, a fim de contextualizar a situação representada na simulação computacional, reconhecer e/ou inferir algo sobre os cabos e o motor do elevador é irrelevante para o que se quer estudar. Segundo Weil-Barais e Vergnaud (1990), as explicações dadas pelos estudantes, mesmo aqueles em níveis mais avançados, costumam, entre outros aspectos: (a) enfatizar as características perceptivas e relacionadas a eventos da situação; (b) descrever os elementos da situação apenas em termos de suas propriedades e funções, e não das suas interações; e (c) conceber as interações entre os elementos da situação de modo assimétrico. Tais modos de compreensão costumam ser inadequados, pois frequentemente conduzem a previsões errôneas (Weil-Barais; Lemeignan & Sere, 1990 apud. Weil-Barais & Vergnaud, 1990, p. 74).

Adicionalmente, o reconhecimento dessas entidades como sendo pertinentes à situação simulada parece estar intimamente relacionado à dificuldade da estudante em identificar o sistema físico de interesse e os agentes externos que com ele interagem. O peso aparente do sujeito é numericamente igual à força exercida pela balança sobre ele. A expressão  P=m(a+g) pode ser obtida pela aplicação da Segunda Lei de Newton ao sujeito (sistema físico) que está interagindo com a balança e a Terra (agentes externos). Em Física, assim como em Álgebra, como argumentam Weil-Barais e Vergnaud (1990, p. 75-76), as dificuldades que os estudantes enfrentam para compreender o significado das representações simbólicas dependem não só da habilidade que o sujeito possui para representar entidades e suas relações, mas principalmente de elementos conceituais que devem ser levados em conta, tais como os conceitos de sistema, estado, interação, transferência, conservação, etc., só para ilustrar alguns no campo da Mecânica. A identificação do "tempo, velocidade e altura" como as variáveis relevantes e da "massa, aceleração e campo gravitacional" como os parâmetros pertinentes à construção da simulação, além das relações, exemplificam claramente um dos aspectos acima mencionados: o caráter assimétrico da interação sujeito-balança, visto que a força normal (de reação àquela exercida pelo sujeito sobre a balança) foi completamente negligenciada pela estudante.

Na próxima subseção serão apresentadas evidências do uso de um invariante operatório relacionado especificamente à validação de modelos computacionais.

4.3.2. Invariante operatório associado à validação de modelos computacionais

Na segunda atividade de exploração de simulação computacional, com auxílio do dAVM, o grupo do qual fazia parte Raquel tinha como objetivo construir e apresentar um dAVM para a simulação do movimento de um bloco preso a uma mola e sujeito à força de atrito com a superfície sobre a qual oscila, construída no software Modellus, desta vez, tendo acesso à janela Modelo, apresentada na Figura 8.


Figura 8. Instantâneo de tela da animação da segunda atividade exploratória de simulação computacional com auxílio do dAVM

Entretanto o modelo matemático continha, propositadamente, o seguinte erro de concepção: a força resultante exercida sobre o bloco era dada pela expressão . Ou seja, o segundo termo à direita da igualdade estava representando uma situação em que há força de resistência do ar e não de atrito com a superfície. Contudo, o dAVM construído por Raquel apresentava a seguinte questão-foco: "qual o comportamento da amplitude de oscilação de um sistema massa-mola quando se considera o atrito entre a superfície e a massa"? Adicionalmente, as idealizações e aproximações assumidas eram de que "a mola obedece à Lei de Hooke, não possui massa e não há atrito do sistema com o ar". Já os referentes envolvidos na situação modelada foram reconhecidos como sendo "a mola, a massa, o piso e a parede". Ao final da exposição do dAVM, estabeleceu-se o seguinte diálogo entre Raquel e a professora:

Raquel: Deu muita discussão sobre o amortecimento do sistema: se era atrito com o piso ou atrito com ar. Daí a gente chegou à conclusão de que era atrito com o piso e não com o ar.

Professora: Mas isso não estava escrito na janela Notas? Está escrito na janela Notas que é com o piso. Lá diz: atrito entre duas superfícies sólidas. Então, estaria na linha do que vocês concluíram, pois vocês colocaram no dAVM que não há resistência do ar. Mas eu gostaria de entender porque vocês concluíram isso?

Raquel: Eu não me lembro. Mas eu me lembro que eu não tinha essa opinião.

Professora: Mas como é o atrito com o piso?

Raquel: É mN, por isso eu achava que não era atrito com o ar.

Esse diálogo evidencia o uso de um invariante operatório, por parte da estudante, que possivelmente esteja atuando como obstáculo epistemológico nas situações envolvendo a simulação computacional de sistemas, processos e fenômenos físicos: a impossibilidade de que as simulações computacionais, exibindo ou não comportamento semelhante ao que se observaria caso se procedesse o experimento real, contenham algum tipo de erro.Mesmo tendo conhecimento da expressão matemática frequentemente utilizada para representar a força de atrito com a superfície, e acesso ao modelo matemático subjacente à simulação, em momento algum, durante a construção do dAVM, Raquel questionou a professora sobre a possibilidade da simulação conter erro. Esse episódio faz crer que caso fosse solicitada a modelar a mesma situação com lápis e papel, provavelmente, Raquel representaria a força de atrito com a superfície pela expressão .

Ao final dessa aula, a professora sugeriu à Raquel que modificasse o modelo matemático de acordo com a sua crença inicial, a fim de representar adequadamente uma situação em que, de fato, houvesse uma força de atrito entre o bloco e a superfície sobre a qual ele oscila. Com base nesse processo de revisão do modelo teórico, a professora também sugeriu que um novo dAVM fosse construído.

A segunda versão do dAVM construído por Raquel continha diversas melhorias e enriquecimentos, se comparado à versão original, a começar pelo enunciado do fenômeno de interesse: "oscilações de um sistema massa-mola com ou sem amortecimento do tipo arraste do ar e atrito com a superfície". A questão-foco que contextualizava tal fenômeno foi formulada do seguinte modo: "como se comportam a amplitude, a velocidade e aceleração em um sistema massa-mola não amortecido? Em que difere o comportamento de tais grandezas físicas quando se inclui o amortecimento"? O novo modelo matemático, mais complexo, resultou de diversas alterações. Dentre elas, a incorporação de dois novos referentes, além daqueles já identificados na primeira versão: "mola, corpo, piso, ar, parede e Terra". Novas interações foram reconhecidas. A força resultante que passou a atuar no bloco era dada pela expressão, onde . Novas idealizações e aproximações foram inferidas, a saber: "a mola obedece à Lei de Hooke e não possui massa. O piso e o corpo são rígidos".

4.4 Respostas às questões de pesquisa

Como resposta à primeira questão de pesquisa, destacamos que as concepções de simulação e de simplificação, associadas por Raquel à noção de modelo científico no início da disciplina, parecem ter atuado como precursores cognitivos à reconstrução da sua noção de modelo científico, que passou a ser entendido, ao final da disciplina, como uma construção humana que visa representar aspectos da realidade por meio de idealizações e aproximações.

Como parte da resposta à segunda questão de pesquisa, destacamos que as principais dificuldades enfrentadas por Raquel na conceitualização das situações envolvidas nas atividades de modelagem se referem: (a) ao reconhecimento das idealizações e das aproximações assumidas em algumas simulações computacionais; (b) à compreensão de que as idealizações assumidas nas simulações computacionais dependem da perspectiva teórica a partir da qual as situações são problematizadas; e (c) à determinação do sistema físico de interesse na simulação computacional, incluindo não só os elementos que o constituem como também os agentes externos que com ele interagem.
Ainda em relação à segunda questão de pesquisa, destacamos que os principais avanços obtidos por Raquel na conceitualização das situações envolvidas nas atividades de modelagem dizem respeito: (a) à compreensão dos conceitos de idealização, aproximação, referente, variável, parâmetro; e (b) à análise da razoabilidade dos resultados obtidos pelos modelos científicos, sem deixar de levar em conta as questões formuladas e as idealizações e aproximações assumidas.
Como resposta à terceira questão de pesquisa, destacamos que foi possível identificar indícios de dois possíveis invariantes operatórios utilizados por Raquel em situações de modelagem. O primeiro está associado à construção de modelos científicos.Já o segundo está relacionado à validação de modelos computacionais. O primeiro parece surgir da necessidade de Raquel idealizar ao máximo toda situação física em questão, a fim de tratá-la do modo mais esquemático possível, independentemente da perspectiva teórica sob a qual a situação esteja sendo abordada. Já o segundo, de certo modo, orienta às ações de Raquel frente ao processo de validação de simulações computacionais, haja vista que a estudante em nenhum momento considerou a possibilidade de que as simulações, exibindo ou não comportamento semelhante ao que se observaria caso se procedesse o experimento real, contenham erros.

5. CONCLUSÃO

A motivação dos autores para a realização desse trabalho residiu no fato de que estratégias didáticas embasadas em diferentes perspectivas teórico-epistemológicas acerca do processo de modelagem científica têm contribuído de forma alternativa na busca por soluções de problemas que há muito persistem no ensino e nas aprendizagens da Física, sobre Física e do fazer Física.

Do nosso ponto de vista, as contribuições de tais estratégias se devem aos fatos de que o processo de modelagem científica: (i) permeia todos os campos conceituais da Física; (ii) apresenta especificidades de uma ciência fatual para outra que devem ser levadas em conta; e (iii) requer a mobilização, por parte do sujeito nele envolvido, de concepções e competências associadas não só a conceitos científicos, que se constituem em conhecimentos de primeira ordem acerca da natureza, como também a conceitos associados à noção de modelo científico (como, por exemplo, idealização, aproximação, referente, domínio de validade, grau de precisão, etc.), que podem ser entendidos como conhecimentos de segunda ordem acerca da natureza.

Em outros termos, pode-se pensar que o processo de conceitualização do real em Física envolve, necessariamente, conhecimentos acerca do processo de modelagem científica. A tal ponto, como temos defendido, ser útil falar no campo conceitual da modelagem didático-científica em Física, quando se pensa na sua aprendizagem, por parte de professores do Ensino Médio, com vistas à sua transposição didática para estudantes da Educação Básica.
Porém, como se pode constatar na literatura sobre o tema, estudos sobre os conhecimentos de estudantes e professores de Física da Educação Básica, em modelagem científica, têm demonstrado que tanto aqueles quanto esses não costumam refletir sobre a natureza, a construção, a validação e a revisão de modelos científicos no contexto educacional.

Frente a essa problemática e tendo em vista a complexidade da atividade de modelagem científica em Física com fins didáticos, que se reflete na diversidade de concepções e competências associadas a uma infinidade de conceitos e situações necessárias ao seu domínio é de supor-se que a sua aprendizagem seja um processo de larga duração. Tal suposição nos remeteu para a teoria dos campos conceituais de Gérard Vergnaud (1990, 1993) e culminou com a proposição de que a modelagem científica pode ser vista como um campo conceitual subjacente ao domínio de campos conceituais específicos da Física.

A delimitação desse campo conceitual se constituiu no objetivo de outro estudo (Brandão; Araujo & Veit, 2011) e evidenciou o fato de que o campo conceitual da modelagem científica em Física pode ser visto como uma unidade de estudo frutífera para dar sentido às concepções e aos invariantes operatórios utilizados pelos professores de Física do Ensino Médio em situações de modelagem nos diversos campos conceituais específicos da Física.

O que se quer dizer é que os professores de Física do Ensino Médio já possuem conhecimentos acerca dos modelos e da modelagem científica em Física que foram construídos ao longo de suas vidas acadêmico-profissionais e que precisam ser investigados. Isso porque alguns desses conhecimentos podem ser mobilizados adequadamente para classes de situações prototípicas de um campo conceitual específico da Física, e suas respectivas representações simbólicas, mas não em outras situações ou campos.

Nesse sentido, a principal implicação dessa tese para a Pesquisa em Ensino de Física reside na investigação acerca da natureza e de como atuam na conceitualização do real as concepções e os invariantes operatórios que professores evocam em situação de modelagem, ou seja, nas situações de interesse da Física em que se impõe a necessidade de um processo de mediação e/ou contrastação entre teoria e realidade.

Parte dessa investigação foi realizada através do estudo de caso exploratório aqui relatado. Para tanto, investigou-se as concepções de modelo científico, as dificuldades e os avanços no processo de conceitualização do real em Física, levando em conta os aspectos conceituais da modelagem científica, e indícios de possíveis invariantes operatórios utilizados por uma estudante de pós-graduação, professora do Ensino Médio, frente a atividades de modelagem no Ensino de Física.

Em termos do Ensino de Física, a principal implicação didática da estratégia da modelagem didático-científica reside na questão das situações que costumam ser trabalhadas em sala de aula. Segundo Vergnaud (1993), "os processos cognitivos e as respostas do sujeito são função das situações com que ele se confronta" (p. 12). Ou seja, os esquemas de pensamento que os estudantes costumam evocar no contexto da sala de aula dependem fortemente das situações e do modo como os professores costumam abordá-las.

Situações que envolvem o enunciado de problemas altamente idealizados, cuja abordagem costuma ser excessivamente formal, exigem um conjunto de esquemas de pensamento por parte dos estudantes que permanece restrito ao contexto escolar. Esse fato tem resultado em um distanciamento entre o Ensino de Física e a realidade experienciada pelos estudantes, chegando a gerar posturas disparatadas, como a apontada por Mazur (1997, p. 4), ao reproduzir as palavras de um estudante: "Professor Mazur, como eu devo responder essas questões? De acordo com o que você nos ensinou, ou da forma como eu penso sobre essas coisas?" Essa passagem evidencia um obstáculo a ser superado no Ensino de Física: a ruptura entre duas visões de mundo que costumam coabitar a mente dos estudantes. Uma sendo formada por concepções científicas que parecem ter pouco a ver com a realidade e a outra que, embora constituída de concepções alternativas, fornece explicações para muitas situações do dia a dia.

O desafio que se impõe a nós educadores está em reduzir o papel desempenhado pelas concepções alternativas em favor das científicas. Para tanto, é preciso redirecionar o objetivo do Ensino de Física para a reconstrução conceitual da realidade, estabelecendo conexões entre o cotidiano e os construtos da Física, que permita aos estudantes adquirir intimidade com a realidade material em um outro nível, definido como realidade física (Pietrocola, 1999).

A maioria dos problemas que os estudantes estão acostumados a resolver em campos conceituais específicos da Física se limita à manipulação de expressões matemáticas relativas a um modelo teórico que, em geral, não são associadas às entidades físicas que, de fato, correspondem. Consequentemente, ao serem confrontados com situações de modelagem em Física, os estudantes costumam enfrentar dificuldades no processo de conceitualização do real.

No ensino tradicional se costuma alertar o estudante de que a realidade é demasiada complexa. Em seguida, justifica-se por meio de argumentos didático-pedagógicos que o conteúdo será introduzido através de situações altamente idealizadas com o intuito de que, em um futuro próximo, muitas vezes jamais alcançado, o estudante seja capaz de compreender situações mais realísticas. Com isso, o estudante é alertado de que o assunto é complexo e de que ele só será capaz de compreender as situações mais simples naquele momento. Mas não é dito, e sequer mostrado, o quão restrito é o domínio de validade do conhecimento que ele acaba de adquirir. Por isso, não raramente escuta-se, por parte dos estudantes, o seguinte tipo de questionamento: Em que situações eu posso aplicar essa equação, professor?

A reflexão acerca do processo de modelagem científica subjacente ao tratamento das situações abordadas em sala de aula não costuma ocorrer. Portanto, o estudante não atribui a devida importância à funcionalidade dos conhecimentos envolvidos nesse processo e, por conseguinte, à aplicabilidade dos conteúdos de conhecimento que ele aprendeu relativos aos mais diversos campos conceituais da Física. Assim, o que se costuma observar entre os estudantes é que eles são capazes de exemplificar por meio de algumas poucas situações onde determinado conhecimento se aplica, mas não sabem efetivamente aplicá-lo. Nesse sentido, os estudantes tendem a se desenvolver cognitivamente privilegiando a forma predicativa (declarativa) do conhecimento em detrimento da forma operatória (procedimental).

Em razão disso, é desejável que os professores dediquem esforços no planejamento de atividades que favoreçam a aquisição de concepções e competências, por parte dos estudantes, associadas ao processo de modelagem científica no Ensino de Física. Tais atividades foram sintetizadas em três classes de situações, que não esgotam todas as possibilidades, capazes de dar sentido aos conceitos que se quer introduzir e às competências que se quer desenvolver em um planejamento didático centrado no processo de modelagem científica visto como um campo conceitual.

Essas atividades têm como objetivo favorecer a aquisição de concepções e competências associadas à modelagem científica em Física, por parte de professores, levando em conta aspectos conceituais para o seu domínio que costumam permanecer largamente implícitos na aquisição de conteúdos de conhecimento em Física.

Por fim, como forma de apontar caminhos para a continuação desse trabalho, destaca-se que há outras classes de situações que merecem ser investigadas, a fim de levantar novos significados e invariantes operatórios associados aos modelos e à modelagem científica, tais como atividades de modelagem que enfatizem o papel mediador dos modelos entre simulação e experimentação e teoria e experimentação, no Ensino de Física. O desafio, então, passaria a ser o desenvolvimento dos conhecimentos que atuam como precursores cognitivos e a transformação em objetivos de ensino daqueles que atuam como vieses cognitivos ou obstáculos epistemológicos às aprendizagens em Física.

APêNDICE




Quadro A.1. Atividades desenvolvidas na disciplina, no semestre de 2008/02.

Notas al pie

1Para Vergnaud (1982), campo conceitual é "um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente, entrelaçados durante o processo de aquisição" (p. 40).

2Otero (2010) discute e compara em profundidade a noção de situação na perspectiva da Teoria dos Campos Conceituais, da Teoria das Situações Didáticas, da Dialética Instrumento-Objeto e da Teoria Antropológica da Didática.

3Embora os esforços para alcançar os objetivos de ensino e de pesquisa tenham sido realizados, respectivamente, pelo terceiro e primeiro autores do presente trabalho, o planejamento didático da disciplina e, portanto, dos seus objetivos resultou de intensos e frequentes momentos de discussão, anteriores e durante a disciplina, entre os três autores.

4A sigla AVM quer dizer Adaptação do Vê de Gowin para a Modelagem e simulação computacionais aplicadas ao Ensino de Física (Araujo; Veit & Moreira, 2006, 2012).

5A presença desse obstáculo epistemológico já foi observado em outro estudo (Brandão; Araujo & Veit, 2010). Mas também é possível que Raquel tenha cometido apenas um desleixo, referindo-se à massa do corpo quando, de fato, estava pensando no próprio corpo. O fato é que, após ter sido alertada pela professora da disciplina sobre a importância dessa distinção no contexto da modelagem científica, a estudante não voltou a fazer mais afirmações de tal natureza.

6O software Modellus é uma ferramenta de modelagem quantitativa, distribuída livremente, que permite ao usuário escrever modelos matemáticos baseados em funções, iterações e equações diferenciais, de modo muito semelhante ao que faria com lápis e papel.

7Dorneles, Araujo e Veit (2006) distinguem dois tipos de atividades computacionais, de acordo com o nível de interação do estudante com o computador. Em atividades que denominam de simulação computacional o estudante tem autonomia para inserir valores iniciais para variáveis, alterar parâmetros e, eventualmente, modificar relações entre as variáveis. Mas não tem autonomia para modificar o modelo computacional, ou seja, ter acesso aos elementos mais básicos, matemáticos ou icônicos, que o constituem. Em atividades que denominam de modelagem computacional, além de poder alterar valores de variáveis e parâmetros, o estudante tem acesso aos elementos básicos. Em ambos os casos, o estudante explora um modelo computacional já construído. Por isso, chama-se esse modo de uso de exploratório. No caso da modelagem computacional, o estudante pode, também, construir seu próprio modelo, desde a estrutura matemática ou icônica até a análise dos resultados gerados pelo mesmo. Nesse caso, diz-se que o modo de uso é expressivo ou de criação.

8A Figura 6 serve apenas para dar uma noção ao leitor de que Raquel implementou um modelo computacional do movimento de um ioiô em que era possível visualizar e alterar: (i) o modelo matemático; (ii) a animação; (iii) os gráficos; e (iv) o valor de variáveis por meio de cursores interativos em forma de barra.

9Utilizou-se uma versão traduzida para a Língua Portuguesa do questionário Inventory of Teachers'Pedagogical & Scientific Beliefs (INPECIP) elaborado e validado por Porlán, Rivero & Martín Del Pozo (1997).

10Cada entrevista foi realizada em aproximadamente treze minutos.

11Esse teste destinou-se a verificar quais palavras, e em que grau de importância, eram associadas ao conceito "modelo". Após o sujeito associar a maior quantidade de palavras possíveis ao conceito que lhe foi apresentado, ele deve ordená-las em ordem crescente, atribuindo o número 1 à palavra que mais se relaciona com o conceito, e assim sucessivamente.

BIBLIOGRAFÍA

1. ARAUJO, I. S.; VEIT, E. A. & MOREIRA, M. A. Adapting Gowin's V diagram to computacional modeling and simulation applied to physics education. In: GIREP International Conference, 2006, 7, Amsterdam. Proceedings GIREP International Conference 2006: Modelling in Physics and Physics Education. Amsterdam: University of Amsterdam, 2006. p. 459-464        [ Links ]

2. __________. (2012). Modelos computacionais no ensino-aprendizagem de física: um referencial de trabalho. Investigações em Ensino de Ciências, 17(2), p. 341-366.         [ Links ]

3. BRANDÃO, R. V.; ARAUJO, I. S. & VEIT, E. A. (2010). Concepções e dificuldades de professores de física do ensino médio no campo conceitual da modelagem científica. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, 9(3), 669-695.         [ Links ]

4. __________. (2011). A modelagem científica vista como um campo conceitual. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 28(3), p. 507-545.         [ Links ]

5. BRANDÃO, R. V.; ARAUJO, I. S.; VEIT, E. A., & SILVEIRA, F. L. (2011). Validación de un cuestionario para investigar concepciones de profesores sobre ciencia y modelaje científico en el contexto de la física. Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 6(1), p. 43-60.         [ Links ]

6. BUNGE, M. (1974). Teoria e realidade. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

7. __________. (1989). La investigación científica: su estrategia y su filosofia. Barcelona: Editorial Ariel.         [ Links ]

8. COLL. R. K. & LAJIUM, D. (2011). Modeling and the future of science learning. In: KHINE, M. S.; SALEH, I. M. (Eds.). Models and modeling: cognitive tools for scientific enquiry. London: Springer.         [ Links ]

9. DORNELES, P. F. T.; ARAUJO, I. S. & VEIT, E. A. (2006). Simulação e modelagem computacionais no auxílio à aprendizagem significativa de conceitos básicos de eletricidade: parte I - circuitos elétricos simples. Revista Brasileira de Ensino de Física, 28(4), 487-496.         [ Links ]

10. FRANCHI, A. (1999). Considerações sobre a teoria dos campos conceituais. In: ALCâNTARA MACHADO, S. D. et al. (Ed.).  Educação Matemática: uma introdução. São Paulo: EDUC, 155-195.         [ Links ]

11. HALLOUN, I. A. (2004). Modeling theory in science education. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.         [ Links ]

12. HESTENES, D. (1992). Modeling games in the newtonian world. American Journal of Physics, 60(8), p. 732-748.         [ Links ]

13. HWANG, F-K. (1996a). Thin lens. NTNU virtual physics laboratory. Disponível em: http://www.phy.ntnu.edu.tw/java/. Acesso em: 07 de out. 2011.         [ Links ]

14. __________. (1996b). Projectile motion with air drag.. NTNU virtual physics laboratory. Disponível em: http://www.phy.ntnu.edu.tw/java/. Acesso em: 07 de out. 2011.         [ Links ]

15. KOPONEN, I. T. (2007). Model and modelling in physics education: a critical re-analysis of philosophical underpinnings and suggestions for revisions. Science & Education, 16(7-8), p. 751-773.         [ Links ]

16. MATTHEWS, M. R. (2009). Mario Bunge: físico, filósofo y defensor de la ciencia. Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 4(esp.), p. 1-9.         [ Links ]

17. MAZUR, E. (1997). Peer instruction: a user's manual. Upeer Saddle River: Prentice Hall        [ Links ]

18. MORGAN, M. S., & MORRISON, M. (1999). Models as mediators: perspectives on natural and social sciences. New York: Cambridge University Press.         [ Links ]

19. OTERO, M. R. (2006). Emociones, sentimientos y razonamientos en didáctica de las ciencias. Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 1(1), p. 24-53.         [ Links ]

20. __________. (2010). La notion de situation: analysée depuis la théorie des champs conceptuels, la théorie des situations, la dialectique outil-objet et la théorie anthropologique du didactique. Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, 5(1), p. 42-53.         [ Links ]

21. PIETROCOLA, M. (1999). Construção e realidade: o realismo científico de Mario Bunge e o ensino de ciências através de modelos. Investigações em Ensino de Ciências, 4(3), p. 213-227.         [ Links ]

22. PORLÁN, R.; RIVERO, A. & MARTÍN DEL POZO, R. (1997). Conocimiento profesional y epistemología de los profesores I: teoría, métodos e instrumentos. Enseñanza de las Ciencias, 15(2), p. 155-173.         [ Links ]

23. PORTIDES, D. P. (2007). The relation between idealisation and approximation in scientific model construction. Science & Education, 16(7-8), 699-724.         [ Links ]

24. SENSEVY, G.; TIBERGHIEN, A.; SANTINI, J.; LAUBÉ, S., & GRIGGS, P. (2008). An epistemological approach to modeling: cases studies and implications for science teaching. Science Education, 92(3), p. 424-446.         [ Links ]

25. SMIT, J. J. A., & FINEGOLD, M. (1995). Models in physics: perceptions held by final-year prospective physical science teachers studying at south african universities. International Journal of Science Education, 17(5), p. 621-634.         [ Links ]

26. VERGNAUD, G. (1982). A classification of cognitive tasks and operations of thought involved in addition and subtraction problems. In: CARPENTER, T.; MOSER, J. M. & ROMBERG, T. (Eds.). Addition and subtraction. A cognitive perspective. Hillsdale: Lawrence Erlbaum, 1982. p. 39-59.         [ Links ]

27. __________. (1987). Problem solving and concept development in the learning of mathematics. In: E.A.R.L.I. Second Meeting, Tübingen. p. 1-15.         [ Links ]

28. __________. (1990). La théorie des champs conceptuels. Recherches en Didactique des Mathématiques, 10(2), 133-170.         [ Links ]

29. __________. (1993). Teoria dos campos conceituais. In: Seminário Internacional de Educação Matemática, 1o, 1993, Rio de Janeiro. Anais do 1o Seminário Internacional de Educação Matemática, Rio de Janeiro: Nasser, L., 1993. 1-26.         [ Links ]

30. __________. (1994). Multiplicative conceptual field: what and why? In: GUERSHON, H. & CONFREY, J. (Eds.). The development of multiplicative reasoning in the learning of mathematics. New York: State University of New York Press. p. 41-49.         [ Links ]

31. __________. (1996). A trama dos campos conceituais na construção dos conhecimentos. Revista do GEEMPA, 4(1), 9-19.         [ Links ]

32. __________. (2007). Activité humaine et conceptualisation: questions à Gérard Vergnaud. Toulouse: Presses Universitaires du Mirail.         [ Links ]

33. YIN, R. K. (2005). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.         [ Links ]

34. WEIL-BARAIS, A., & VERGNAUD, G. (1990). Students conception in Physics and Mathematics: biases and helps. In: CAVERNI, J. P.; FABRE, J. M. & GONZÁLEZ, M. (Eds.). Cognitive biases. North Holland: Elsevier Science Publishers, 1990. p. 69-84.         [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons