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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.10 no.1 Tandil July 2015

 

ARTICULOS ORIGINALES

Abordagem intuitiva de algunas noções topológicas elementares para um grupo de alunos de mestrado em ensino de Matemática

 

José Carlos Pinto Leivas1, Erilúcia Souza da Silva2

leivasjc@unifra.br , erilucia_souza@yahoo.com.br

1UNIFRA, Centro Universitário Franciscano de Santa Maria, RS, Brasil, Rua Silva Jardim,1175, sala 610, Prédio 16, Conjunto III

2NILTONLINS, Centro Universitário Nilton Lins de Manaus, AM, Brasil, A. Professor Nilton Lins, 3259, Parque das Laranjeiras

 


Resumo

Este artigo apresenta um recorte de uma pesquisa qualitativa que teve por objetivo investigar contribuições de abordagens intuitivas de noções de Topologia Geométrica para a formação de um grupo de mestrandos de um Mestrado Profissionalizante em Ensino de Matemática. Por meio de uma oficina pedagógica doze mestrandos realizaram atividades pedagógicas envolvendo Faixa de Möebius e Garrafa de Klein para aquisição de propriedades topológicas elementares, após terem respondido um questionário inicial que identificou o conhecimento prévio deles a respeito do assunto. Por meio de gravações em vídeo, questionários inicial e final, análise de registros produzidos pelos estudantes foi feita a análise dos dados coletados. Concluímos que atividades utilizando materiais manipulativos pode fazer com que a intuição produza conhecimento como indicado por Fischbein (1987) no sentido da aquisição de propriedades topológicas elementares uma vez que tais propriedades precedem as euclidianas, pois independem de medidas e facilitam a representação do espaço.

Palavras-chave: Topologia; Geometria; Intuição; Ensino.

Enfoque intuitivo de algunas nociones topológicas elementales para un grupo de estudiantes de la maestría en educación matemática

Resumen

En este artículo se presenta parte de un estudio cualitativo que tuvo como objetivo investigar las contribuciones de los enfoques intuitivos a las nociones de topología geométrica para entrenar a un grupo de estudiantes de maestría de un título de Máster Profesional en Enseñanza de la Matemática. A través de un taller educativo fueron llevados a cabo actividades educativas, con doce maestros, las cuales involucran la cinta de Moebius y la botella de Klein para la adquisición de propiedades topológicas elementales, habiendo contestado un cuestionario inicial que identificaba los conocimientos previos sobre el tema. Los datos fueron recogidos y tratados por medio de grabaciones de video, uno cuestionario inicial y otro final. Llegamos a la conclusión de que las actividades que utilizan materiales manipulativos junto a la intuición pueden producir conocimiento como indica Fischbein (1987) para la adquisición de propiedades topológicas elementales ya que tales propiedades preceden a las euclidianas, una vez que son independientes de medidas y facilitan la representación del espacio.

Palabras clave: Topología; Geometría; Intuición; Ensenãnza.

Intuitive approach of some elementary topological notions for a group of students from master in mathematics education

Abstract

This article presents part of a qualitative study that aimed to investigate contributions of intuitive approaches of notions of Geometric Topology to train a group of master students of a Professional Master's Degree in Teaching Mathematics. Through an workshop twelve students conducted activities involving Moebius strip and Klein bottle for the acquisition of elementary topological properties, having answered an initial questionnaire, that identified them prior knowledge about the subject. By means of video recordings, initial and final questionnaires, analysis of records produced by the students the analyze of the collected data was taken. We conclude that activities using manipulative materials can cause intuition can produce knowledge as indicated by Fischbein (1987) towards the acquisition of elementary topological properties since such they precede Euclidean, since they are independent of measures and facilitate the representation of space.

Keywords: Topology; Geometry; Intuition; Teaching.

Résumé

Cet article présente le cadre d'une étude qualitative qui visait à étudier les contributions des approches intuitives à la mades notions de Topologie Géométrique avec former un groupe d'étudiants de master d'un Master Professionnelle dans l'Enseignement des Mathématiques. Grâce à un atelier pédagogique rèalize avec douze maîtres activités éducatives impliquant bande de Moebius et la bouteille de Klein pour l'acquisition de propriétés topologiques élémentaires, ayant répondu à une questionnaire initial qui les a identifiés connaissance préalable sur le sujet. Au moyen d' enregistrements vidéo, des questionnaires initiaux et finaux , analyse de documents produits par les  étudiants par rapport aux données recueillies Nous concluons que les activités à l'aide de matériel de manipulation peuvent causer intuition peut produire des connaissances , comme indiqué par Fischbein (1987) pour l'acquisition de propriétés topologiques élémentaires puisque ces propriétés précèdent euclidienne, car ils sont indépendants de las  mesures et de faciliter la représentation de l'espace

Mots clés: Topologie ; Géométrie ; Intuition ; Éducation.


1. INTRODUÇÃO

Ao longo dos séculos e, por que não dizer, dos milênios, a Geometria tem sido estudada, criada, abandonada, reinventada, mas permanece uma subárea da Matemática sempre no foco dos debates. Segundo a história da Matemática, há 2400 anos Aristóteles observava (estudava) o desaparecimento dos navios e se perguntava como poderia o casco sumir, em primeiro lugar, antes de suas demais partes.

Gauss, ao observar as linhas que desciam do cume de uma montanha, concluía que nem todas apresentavam o mesmo tipo de curvatura. Começava a questionar a concepção euclidiana de espaço, como compreendida pelos gregos da antiguidade e dava início à consequente criação das geometrias de Bolyai e de Lobachevsky, ou seja, os dois primeiros modelos não euclidianos.

Alguns estudiosos brasileiros apontam o abandono da Geometria. Leivas (2009) sugere geometrizar o currículo da Licenciatura em Matemática, "utilizando abordagens geométricas como um método para compreender e representar visualmente conceitos de diversas áreas do conhecimento matemático e de outras ciências, por meio de imaginação, intuição e visualização" (p. 123).

A Geometria desenvolve habilidades básicas no educando, destacando-se a capacidade de comunicação, percepção espacial, análise e reflexão, bem como abstração e generalização. Dessa forma, compreendemos que pesquisas na área são sempre pertinentes e podem trazer contribuições para o ensino nos diversos níveis de aprendizagem geométrica.

A partir desses pressupostos apresentamos, neste artigo, um recorte de uma dissertação de mestrado realizada pela segunda autora, sob a orientação do primeiro autor. A pesquisa teve como objetivo principal investigar algumas contribuições possíveis das abordagens intuitivas que noções de Topologia Geométrica podem oportunizar para a renovação de currículos da Licenciatura em Matemática, a partir de noções topológicas de vizinhança, separação, ordem, envolvimento e continuidade estão à frente das euclidianas no desenvolvimento da representação do espaço na criança.

2. ASPECTOS TEÓRICO

Trataremos, neste item, de alguns aspectos sobre Topologia em primeiro lugar, passando para intuição, uso de materiais manipuláveis e o significado de oficina pedagógica.

A palavra Topologia originou-se do grego topos, lugar, e logos, estudo, e é considerada uma das geometrias a qual estuda as transformações contínuas. Entretanto, ao falarmos em Topologia, nos vêm à mente assuntos relacionados ao estudo da Matemática Pura, geralmente constante dos cursos de Análise, mais especificamente, a topologia da reta. A Topologia surgiu, no século XVIII, a partir da solução do problema das pontes de Königsberg, resolvido por Euler (1707-1783), que usou uma parte da Topologia, conhecida hoje por teoria dos grafos, para solucionar o problema, o qual será abordado adiante.

Dienes e Golding (1977, p. 4) definem Topologia como "o estudo das propriedades das figuras que são invariantes nas transformações bicontínuas". Em outro dizer, é o estudo das propriedades do espaço não afetadas por deformações contínuas. Por isso, sugerimos iniciar o estudo da Geometria por noções topológicas, e não pelas medidas, como é usualmente feito hoje. Dentre os elementos topológicos que serão abordados intuitivamente, neste trabalho, citamos: fronteira, vizinhança, interior, exterior, continuidade, descontinuidade e ordem.

Para respeitar propriedades topológicas, podemos esticar ou inflar, encolher ou entortar as superfícies. No entanto, não podemos rasgá-las, nem arrebentá-las, muito menos fazer algum furo nelas. Algumas das noções de Topologia podem ser percebidas desde a infância, como, por exemplo, quando a criança tenta abrir uma caixa de brinquedos, ou quando ela tenta sair do quarto e percebe a porta fechada. Podemos ver aí uma das principais propriedades topológicas: a de fronteira.

Os autores afirmam que as fronteiras podem ser simples ou não. Podemos dizer que é simples quando não possui pontos de intersecção, enquanto uma fronteira não simples é a que possui, pelo menos, um ponto, como ilustrado na figura 1, a seguir:


Figura 1- Fronteiras.  Retirada da dissertação.

Temos, ainda, as fronteiras conexas e não conexas. Na figura 2, são representados exemplos de fronteiras conexas, aquelas que podemos percorrer passando por todos os pontos, sem que seja preciso sair delas. Na figura 2, à esquerda, temos uma fronteira conexa e não simples, em forma aproximada de um oito, e, à direita, uma fronteira conexa e simples.


Figura 2-Fronteiras conexas. Dissertação.

As fronteiras não conexas são as que não têm pontos comuns com regiões que estão no seu interior. Um exemplo é a região B, ilustrada na figura 3. Ela é constituída pela parte sombreada em cinza, exterior à região A. A fronteira dessa região é constituída de duas partes disjuntas, a exterior e a interior, sendo a interior a fronteira da região A.


Figura 3-Fronteira não conexa da região B. Construção própria.

Uma conexão é uma linha traçada entre dois pontos quaisquer e distintos de uma fronteira, sem tocar ou cortar qualquer parte dela, a não ser nos pontos extremos. Ao considerarmos uma conexão em uma fronteira conexa, aumentará o número de regiões. No caso da fronteira ser não conexa, as conexões podem ou não alterar o número de regiões. Assim, em uma fronteira não conexa, é sempre possível fazer conexões sem aumentar o número de regiões. A figura 4 [(a), (b) e (c)] ilustra, respectivamente, conexões em uma região com fronteira conexa, com fronteira não conexa, não aumentando o número de regiões e com fronteira não conexa aumentando o número de regiões.


Figura 4-Conexões e fronteiras. Construção própria.

Courant e Robbins (2000, pp. 292-293) apresentam a definição de um importante conceito para a o estudo de Topologia, como segue:

[...] uma transformação topológica de uma figura geométrica A em outra figura A' é dada por qualquer correspondência
p --> p'
entre os pontos p de A e os pontos p' de A' e que tem as duas propriedades a seguir:
1. A correspondência é bijetora. Isso significa que, a cada ponto p de A corresponde apenas a um ponto p' de A' e vice-versa.
2. A correspondência é contínua em ambas as direções. Isso significa que se tomarmos dois pontos quaisquer p e q de A e deslocarmos p, de modo que a distância entre ele e q se aproxime de zero, então a distância entre os pontos correspondentes p' e q' de A' também se aproximará de zero, a recíproca é verdadeira.

Podemos exemplificar uma transformação topológica usando um balão cheio de ar. Se o achatarmos levemente sem furá-lo, a vizinhança dos pontos será preservada. Porém, se furarmos o balão, deixaremos de ter uma transformação topológica, já que as propriedades acima expostas não serão respeitadas. Outro exemplo de transformação topológica é apresentado abaixo:


Figura 5-Transformação topológica do retângulo na figura à direita. Construção própria.

Observamos que, apesar de os lados e os ângulos do retângulo terem sofrido alterações, em ambas as figuras, os pontos C, E e D permanecem, respectivamente, entre os pontos A e E, C e D, E e B. Apesar da distorção sofrida pela transformação, o ponto E, que se encontra entre os pontos C e D, permanece entre A e D, após a transformação, mostrando que "estar entre" é propriedade topológica, ou seja, o que é caracterizado como "relação de ordem".

No que diz respeito à intuição, o uso dessa palavra, por vezes, pode parecer arriscado e uma forma ilegítima de substituir uma demonstração rigorosa. Segundo Leivas (2009), esse tema tem sido estudado e discutido desde a Crise dos Fundamentos, constituindo-se em uma corrente filosófica na Educação Matemática. Ainda, conforme o mesmo autor, o primeiro intuicionista foi Leopoldo Kronecker e suas ideias foram estabelecidas e apresentadas, no final do século XIX, em oposição ao logicismo de Russel. Brouwer foi quem elaborou um sistema filosófico para contemplar essa corrente e deu sua contribuição ao construtivismo matemático, abordando especialmente algumas noções sobre Topologia.

Depois do advento do logicismo que surgiu o intuicionismo com origem na teoria intuicionista de Kant do conhecimento matemático. Brouwer seguiu Kant, afirmando que Matemática se baseia em verdades intuitivas. Davis e Hersh (1985) apresentam algumas definições e usos da palavra intuição:

(2) Intuitivo significa visual. Assim, a topologia ou geometria intuitiva difere da topologia ou geometria rigorosa em dois aspectos. Por outro lado, a versão intuitiva tem um significado, um correspondente no domínio das curvas e superfícies visualizadas, que está excluído da versão rigorosa [...]. A esse respeito, o intuitivo é superior; já que possui uma qualidade que falta à versão rigorosa. [...]
(3) Intuitivo significa plausível ou convincente na ausência de demonstração. Uma significação relacionada é "o que se esperaria que fosse verdade neste tipo de situação, baseando-se na experiência geral com situações semelhantes ou assuntos relacionados." "Intuitivamente plausível" significa razoável como uma conjectura, isto é, como um candidato à demonstração.
[...]
(5) Intuitivo significa apoiar-se sobre um modelo físico, ou em alguns exemplos importantes. Nesse sentido, é quase a mesma coisa que heurístico. (p. 435)

Fischbein (1987) classifica, inicialmente, intuições da seguinte maneira: intuições afirmativas são representações ou interpretações de fatos aceitos como certos, evidentes e consistentes, que podem se referir a determinado conceito ou relação; intuições conjecturais estão associadas a um sentimento de dúvida; intuições antecipatórias representam uma visão preliminar de uma determinada solução de um problema, uma hipótese formulada, a qual, desde o início, está intimamente ligada a um sentimento de certeza e de evidência; intuições conclusivas, fornecem uma visão definitiva, conclusiva e global da solução do problema.

Posteriormente, Fischbein (1987) classificou intuições em primárias, que se desenvolvem nos indivíduos, independente de qualquer instrução sistemática, como um efeito de sua experiência pessoal e as secundárias, que são as que recebem influência de instruções novas e, a partir daí, novas crenças cognitivas podem ser criadas.

Henri Poincaré descreveu intuição de três formas: (a) intuição relacionada aos sentidos e imaginação; (b) intuição expressa na indução empírica; (c) intuição puramente numérica, a qual expressa a fonte da indução matemática (e geralmente do raciocínio matemático). (Fischbein, 1987, p. 57) 1.

No que segue apresentamos alguns aspectos didático-pedagógicos que podem ser adquiridos por meio dessa habilidade intuitiva.

3. ASPECTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

No que diz respeito à aspectos didático-pedagógicos, Davis e Hersh (1985) afirmam que intuição é a consequência, na mente, de certas experiências de atividade e manipulação de objetos concretos. Segundo eles, temos intuição porque trazemos representações mentais de objetos matemáticos, as quais são adquiridas, não através da memorização de fórmulas verbais, mas por experiências repetidas, seja no nível elementar, com a manipulação de objetos físicos, seja no nível avançado, através da experiência de resolver problemas e descobrir coisas por nós mesmos.

Usaremos intuição para investigar sobre Topologia, uma vez que matemáticos antigos a usavam para apresentar seus resultados. Até mesmo Poincaré, um dos pioneiros no estudo da Topologia, tinha intuições geométricas geniais. Ele teve a intuição como fonte de seu trabalho e ela desempenha um papel fundamental na Matemática, pois é base de procedimentos fundamentais de demonstração.

Para Poincaré, fazer geometria ou qualquer outra ciência implicava outra coisa além da lógica pura, o que ele denominava como intuição. Além disso, Poincaré afirmava que, quando a Matemática se torna rigorosa, se esquece de suas origens, ou seja, de como e por que as questões surgiram e a intuição surge com o papel de complemento da lógica pura, pois a ciência da demonstração não esgota toda a ciência, ainda segundo o mesmo autor.

Deste modo, a inserção do uso de materiais manipuláveis, pode ser entendida da forma indicada por Nacarato (2005):

o uso de materiais manipuláveis no ensino foi destacado pela primeira vez por Pestalozzi, no século XIX, ao defender que a educação deveria começar pela percepção de objetos concretos, com a realização de ações concretas e experimentações. No Brasil, o discurso em defesa da utilização de recursos didáticos nas aulas de Matemática surgiu na década de 1920. (p. 1)

Na época indicada acima, as ideias de Pestalozzi não tiveram muito apoio por parte dos professores, devido à falta de vontade de fazer mudanças. No entanto, em 1970 ressurgiram os estudos sobre os materiais manipuláveis e sua importância para a educação. Desde então, na maioria dos cursos de formação de professores, é discutido o uso desses materiais e sua importância para o ensino de Matemática. É importante que o futuro professor do ensino básico, além de dominar as técnicas de utilização dos mais diversos tipos de materiais já existentes, ganhe experiência na construção de novos, já que as tendências para o ensino da Matemática apelam pela utilização de materiais manipulativos.

Porém, existem duas vertentes de opiniões de professores nos cursos de formação: uns exaltam o uso dos materiais manipuláveis e outros consideram a sua utilização perda de tempo, pois, para esse segundo grupo, a aprendizagem da Matemática formal não está garantida.

Turrioni (apud Januário, 2008, p. 78) defende:

[...] se utilizado corretamente em sala de aula, com intenção e objetivo, o Material Manipulável pode tornar-se um grande parceiro do professor, auxiliando no ensino e contribuindo para que o aluno tenha uma aprendizagem significativa, mesmo porque ele "exerce um papel importante na aprendizagem". Facilita a observação e a análise, desenvolve o raciocínio lógico, crítico e científico, é fundamental e excelente para auxiliar os alunos na construção de seus conhecimentos.

Sempre que utilizarmos materiais manipuláveis, devemos, antes de apresentá-los aos nossos alunos, planejar e definir exatamente o objetivo que queremos atingir com a sua utilização, para que, no decorrer da atividade, eles consigam chegar a fórmulas matemáticas que ainda lhes são abstratas. Januário (2008) afirma que os materiais manipuláveis propiciam aos alunos:

- interação e socialização na sala de aula;
- autonomia e segurança;
- criatividade;
- responsabilidade;
- motivação.

Para Lorenzato (2006):

Palavras não alcançam o mesmo efeito que conseguem os objetos ou imagens, estáticas ou em movimento. Palavras auxiliam, mas não são suficientes para ensinar. [...] o fazer é mais forte que o ver ou ouvir. [...] quaisquer que sejam as idades das pessoas, o que destrói a crença de que material didático manipulável só deve ser utilizado para ensinar crianças. (pp.17-18)

A utilização de materiais manipuláveis é justificada por seu valor e sua importância na dinâmica das aulas de Matemática, porém nem sempre os benefícios do emprego desses recursos didáticos são reconhecidos por professores, que consideram essa atividade do aluno relacionada somente com a manipulação do material, sem com isso levar em consideração que ele pode ser ativo também em reflexões interiores e abstratas, que não são observáveis de imediato.

No entanto, não devemos esquecer as palavras de Nacarato (2005, p. 5): "Nenhum material didático -; manipulável ou de outra natureza -; constitui a salvação para a melhoria do ensino de Matemática. Sua eficácia ou não dependerá da forma como o mesmo for utilizado."

O uso desses materiais favorece o fortalecimento da relação dos estudantes entre si e deles com o professor, criando elos de amizade e respeito entre todos na sala de aula. Além disso, faz com que o professor seja apenas mediador no processo da aprendizagem, devendo incentivar e instigar seus alunos a investigar e traduzir as relações encontradas com uso dos materiais para a linguagem Matemática.

Com embasamento nessas afirmações foram utilizados os materiais manipuláveis na pesquisa como auxílio para a aprendizagem de noções de Topologia Geométrica, pois "não começar o ensino pelo concreto é ir contra a natureza humana". (Lorenzato, 2006, p. 19)

Uma oficina pedagógica trata de um espaço de construção coletiva de um saber, de uma análise da realidade, um confronto e intercâmbio de experiências. As oficinas geralmente são usadas como instrumento para estimular a aprendizagem e a atitude investigativa em seus integrantes. Além disso, é uma estratégia bem acessível a todos os professores.
Segundo Azambuja (1999):

De maneira geral, podemos dizer que Oficina Pedagógica é uma metodologia ativa onde se aprende fazendo. Organiza-se em torno de um projeto, cuja responsabilidade está a cargo de uma equipe formada por alunos e professores que participam em todas as etapas de realização. (p. 26)

As oficinas pedagógicas podem servir como meio para a formação continuada do educador, pois contribuem para a construção criativa do conhecimento. Numa oficina, o "professor não ensina, ajuda a aprender", já que é apenas mais um participante. (Ibid., p. 27)

Ander-Egg (1991, apud Azambuja, 1999) destacam oito aspectos que devem estar presentes quando se trata de uma metodologia de ensino de oficina: aprender fazendo, utilizar metodologia participativa, vivenciar pedagogia da pergunta, tender a um trabalho interdisciplinar, visar a uma tarefa comum, ter caráter globalizante e integrador, exigir um trabalho grupal e permitir a integração da docência, investigação e prática em um só processo.

Com as oficinas, os professores tanto ensinam quanto aprendem: ensinam, certamente, conteúdos formais de cuja comunicação são encarregados; aprendem, porque essa comunicação não é automática e aprendem, também, como pensam seus alunos, conhecimento indispensável para cumprir uma tarefa complexa, a de facilitar a aproximação entre os saberes prévios do alunado e o saber sistematizado da escola.

A metodologia de oficinas tem as seguintes vantagens, segundo Azambuja (1999):

- desenvolve a capacidade de aprender a aprender, aprender a fazer e pôr em prática os conhecimentos adquiridos;
- estimula a iniciativa, a originalidade, a criatividade e a autonomia para atuar frente a situações concretas, bem como a participação e a responsabilidade pela própria formação;
- integra teoria e prática através da relação conhecimento e ação;
- desenvolve a capacidade de trabalhar e refletir em grupo. (p. 29)

Usamos a oficina pedagógica em nossa pesquisa para fazer com que os participantes conjecturarem, explorarem e testarem suas hipóteses iniciais sobre Topologia, com o auxílio de materiais manipuláveis e das suas intuições que é o que pretendemos explanar na sequência do artigo.

4. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A pesquisa teve o cunho qualitativo, com observação participante, segundo a compreensão de Alves-Mazzotti (1999), para quem a diversidade e flexibilidade "não admitem regras precisas, aplicáveis a uma ampla quantidade de casos. Além disso, as pesquisas qualitativas diferem bastante quanto ao grau de estruturação prévia, isto é, quanto aos aspectos que podem ser definidos já no projeto" (p. 147).

Com isso e com o objetivo geral de investigar contribuições de abordagens intuitivas de noções de Topologia Geométrica, por meio de uma oficina pedagógica, para a formação de um grupo de mestrandos do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA, buscamos responder ao seguinte problema: quais são as contribuições que noções de Topologia Geométrica, abordadas de forma intuitiva, podem trazer para o ensino de Geometria na formação de um grupo de mestrandos de Matemática do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática da UNIFRA? Para sua resolução, o desmembramos nas seguintes questões de pesquisa:
a) Quais são os conhecimentos prévios de Topologia Geométrica de um grupo de mestrandos do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática da UNIFRA?
b) De que forma uma oficina pedagógica com atividades usando materiais manipulativos pode contribuir para o ensino de Topologia Geométrica em disciplinas da formação de um grupo de mestrandos?

Para atingirmos o objetivo geral da pesquisa, investigamos que conhecimentos prévios de Topologia Geométrica eram apresentados pelos mestrandos de Matemática do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática que ingressaram no ano de 2011; elaboramos e aplicamos uma oficina pedagógica utilizando materiais manipulativos envolvendo noções de Topologia Geométrica intuitivas, a ser oferecida ao grupo de mestrandos e, por fim, analisamos os resultados obtidos a partir da aplicação da oficina. Para tal, utilizamos gravação em vídeo no desenrolar das atividades, aplicação de questionário inicial e final e documentos produzidos pelos alunos.

Segundo Alves-Mazzotti (1999), "Na observação participante, o pesquisador se torna parte da situação observada, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação". (p. 166) e, por esta razão, ancorar-se nas gravações e nos documentos registrados tanto pelos alunos quanto pela pesquisadora, fornecem rico material de pesquisa.

No que diz respeito aos questionários, eles têm a função de coletar informações sobre um indivíduo ou grupo, relacionadas a um determinado fato, situação e fenômeno. É um instrumento que reúne perguntas que podem ser do tipo "aberto" ou "fechado", para serem respondidas pelos participantes da pesquisa. Elaboramos dois: o primeiro, denominado pré-questionário e o segundo, denominamos questionário final. O primeiro foi aplicado antes da realização da oficina pedagógica, com o objetivo de investigar quais conhecimentos os participantes da pesquisa tinham sobre Topologia Geométrica e o questionário final, aplicado após a oficina, para verificar se houve aquisição de conhecimentos e obter a opinião dos participantes quanto ao uso da Topologia Geométrica na formação dos professores de Matemática.

Em relação aos documentos, analisamos e elaboramos fichas que foram entregues aos participantes da oficina para formularem hipóteses nas atividades a serem realizadas. Segundo Alves-Mazzotti (1999), "considera-se como documento qualquer registro escrito que possa ser usado como fonte de informação" (p.169).

Compreendemos o uso de vídeo no sentido apontado por Pinheiro et al (2005, p.718): "o vídeo constitui-se em método de observação indireta de coleta de dados". Para essas autoras, esse instrumento de pesquisa pode auxiliar o pesquisador a desprender-se de seus valores, sentimentos, atitudes que podem conferir tons pessoais ao seu olhar, influenciando as notas de campo realizadas no decorrer da observação participante.

O grupo de participantes da pesquisa foi constituído de doze alunos de Matemática da turma de 2011 do Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática de uma instituição particular do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Os participantes responderam ao questionário inicial e, ao final, participaram da oficina durante duas sessões de quatro horas, realizadas em dias de aula da disciplina Fundamentos de Geometria do curso.

5. ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

A partir da coleta inicial da primeira atividade, o questionário, iniciamos a análise do mesmo, tendo evidenciado que 50% dos integrantes do grupo focado concluíram sua graduação em instituição particular, cinco em instituição pública e um concluiu a graduação mista, ou seja, parte em instituição pública e parte em privada. O gráfico 1 ilustra essa distribuição em que o indivíduo classificado na modalidade mista não está contabilizado nas demais.


Gráfico 1-Modalidade de instituição de graduação dos mestrandos.

Em relação ao ano de conclusão da graduação, bem como sobre o número de anos que foi utilizado para a formação, concluímos que seis dos doze participantes tinham apenas um ano de formado, ou seja, finalizaram sua formação em 2010. O tempo que cada participante da oficina tem de formado variou de dois a vinte e três anos. O gráfico 2, a seguir, ilustra a situação.


Gráfico 2-Tempo de duração da formação dos mestrandos.

No que diz respeito às características acadêmicas, investigamos, no questionário inicial, se os mestrandos tiveram, durante sua formação, alguma disciplina que contemplasse conteúdos de Topologia. Notamos, ao analisar as respostas, que seis dos doze entrevistados não tinham estudado o assunto em sua formação acadêmica e três não se lembravam, como podemos observar no gráfico 3, a seguir.


Gráfico 3-Topologia na formação acadêmica dos mestrandos.

Os participantes que afirmaram ter estudado Topologia durante sua formação acadêmica relataram que havia sido abordado algum conteúdo do assunto em questão na disciplina Análise da Reta, mas que não lembravam muita coisa.

Questionados se já tinham participado de alguma formação ou aperfeiçoamento de professores em que fosse abordada ou explorada experiência com materiais manipuláveis sobre Topologia, apenas uma participante relatou que havia trabalhado durante sua especialização, na disciplina de Geometria, alguns conteúdos com o uso de materiais manipuláveis, mas especificamente materiais manipuláveis sobre Topologia nenhum dos participantes teve contato, segundo o que foi apurado a partir das respostas ao questionário. Os demais participantes responderam que não.

O recorte da dissertação aqui apresentado constitui-se do primeiro dos dois encontros, com duração de três horas, o qual foi dividido em dois módulos.

A organização física do grupo, em forma circular, com cada participante em sua carteira (ou classe), facilitou a observação da pesquisadora. Primeiramente, foi entregue o material necessário para a primeira construção a ser feita e uma ficha para as respostas às questões que seriam propostas.

Após cada um tomar posse do seu material e de sua ficha, a pesquisadora esclareceu que, inicialmente, seriam dados os passos para a construção da superfície que seria explorada e, em seguida, seriam lançadas algumas questões que deveriam ser respondidas, primeiro nas fichas, ou seja, cada um deveria levantar hipóteses sobre o que estava sendo perguntado. Posteriormente, deveriam efetuar os passos indicados e comprovar ou não as hipóteses registradas. Todos os passos da construção das atividades e questões foram projetadas, por meio de recurso multimídia, a fim de que o grupo pudesse acompanhar igualmente a atividade.

A primeira superfície construída foi a Faixa de Möebius, sem que fosse dado o nome do objeto que estava se formando. Apenas orientávamos e acompanhávamos o processo, fazendo registros. Durante essa construção, alguns mestrandos apresentaram dificuldades em realizar a torção na tira retangular para sua posterior colagem. Pelos relatos orais, durante a realização, e pelos registros obtidos em vídeo, pudemos constatar que os problemas na construção foram devido às dificuldades que surgiram. Foi solicitado que fizessem as marcações em apenas um lado da tira retangular. No momento da colagem, não conseguiram realizá-la, pois, segundo relatos observados no vídeo, tentavam unir o início da linha pontilhada ao final dessa, o que não poderia acontecer, já que as marcações foram feitas em apenas um dos lados da tira, como ilustrado na figura 6, a seguir.


Figura 6-Faixa de Möebius construída pela pesquisadora.

Após ser construída a superfície, foi lançada a primeira questão: Escreva sua hipótese a respeito de quantos lados possui a nova superfície. Foi solicitado que a registrasse na ficha.

Emergiram quatro categorias de respostas, como ilustrado no quadro a seguir:

Quadro 1: categorias das hipóteses quanto ao número de lados da faixa de Möebius.

Em relação a essas categorias, registramos a escrita de M12: "dois lados, um liso e outro com a linha desenhada". Podemos perceber, nessa resposta, que M12 não tem uma intuição da alteração ou transformação da figura, mantendo-se presa aos dois lados da faixa plana em virtude de um conter a linha tracejada e o outro não. Provavelmente os outros dois que estão na mesma categoria também apresentam o mesmo tipo de intuição.

Da mesma forma, o mestrando M6 respondeu que a superfície tinha infinitos lados e a mestrando M8, que tinha "4 lados", comprovando o que afirmam Courant e Robbins (2000) "É raro alguém que não esteja familiarizado com a faixa de Möebius preveja esse comportamento, tão contrário à intuição do que ';deveria' ocorrer" (p. 316).

Por outro lado, M1, M2, M3, M5, M7 e M11 responderam que a superfície tinha apenas um lado, intuindo o que o matemático Auguste Möebius (1790-1868) descobriu em 1858, com relação à extraordinária propriedade de unilateralidade da faixa.

Com as hipóteses da primeira questão registradas nas fichas, foi solicitado ao grupo que percorresse a faixa com a caneta pincel sem levantá-la do papel, para que cada um comprovasse ou não a hipótese feita. Por meio dos registros em vídeo, percebemos que M3 ficou na dúvida se era para percorrer os dois lados da faixa.

Outros mestrandos apresentavam dificuldades em conservar o pincel na folha ao percorrê-la e/ou, percorriam até onde havia a colagem, paravam e perguntavam se deveriam seguir. Podemos perceber aqui, a intuição conjectural, uma das classes de intuição propostas por Fischbein (1987) e que se refere a intuições que estão associadas a um sentimento de dúvida, segundo o autor. Apesar da intuição inicial correta, esses mestrandos apresentaram, naquele momento, ainda certo conflito devido à colagem, ou seja, sua intuição estava associada a um sentimento de dúvida, como coloca o autor.

Quando todos concluíram essa primeira atividade, apresentamos a segunda questão: Compare com a hipótese que você escreveu no item anterior. Ela se comprova ou não?

M1, M2, M3, M5, M7 e M11 escreveram que suas hipóteses se comprovaram. Já que anteriormente haviam registrado que a figura construída possuía apenas um lado. E os participantes M4, M9, M10 e M12 não confirmaram suas hipóteses de que a figura possuía dois lados. M6 anotou que a figura tinha infinitos lados e M8, que tinha quatro lados. Podemos perceber, neste momento, a intuição antecipatória, outra das classes de intuição sugeridas por Fischbein (1987). A categoria na qual enquadramos as respostas acima comprovou que suas hipóteses nessa atividade, foram superiores, se comparadas às outras categorias, pois suas conjecturas apresentaram uma visão preliminar da solução do problema.

A partir dessas hipóteses e de suas comprovações, ou não, apresentamos - lhes o nome da superfície que tinham construído: Faixa de Möebius. Na exploração feita na segunda questão, verificaram a principal propriedade da Faixa de Möebius, a saber, a unilateralidade. Ou seja, mostramos que uma superfície tridimensional com um único lado e sem fronteiras foi construída a partir de uma figura plana com dois lados ou faces, com fronteiras. Expusemos algumas aplicações e utilizações da faixa, como, por exemplo, em correias de carros e em modelos oriundos da psicanálise.

Na sequência, foi proposta uma terceira atividade, relacionada, ainda, à construção feita: levante uma segunda hipótese -; se a nova superfície, a Faixa de Möebius, for recortada no sentido longitudinal, que tipo de superfície se obtém? Ela é unilateral?

Solicitamos, primeiro, que o grupo registrasse as hipóteses nas fichas. Ao responder a essa questão, os registros em vídeo indicam que os participantes da oficina, M1, M3, M8, M10, M11 realizavam esse caminho de forma imaginária, usando a intuição para levantar hipóteses. Houve discussões entre os participantes a respeito da superfície que seria formada. Obtivemos as seguintes categorias de respostas aos questionamentos:

Quadro 2: categorias das hipóteses quanto ao número de lados da faixa de Möebius.

M10 afirmou: "acho que ela se abre, formando uma faixa como a inicial, e uma superfície com dois lados". Notemos que apenas M1 continuou apresentando uma intuição antecipatória, da mesma forma que nas atividades anteriores. A intuição antecipatória de M2, M3, M5, M7 e M11 não emergiu nessa questão.

Feito o recorte indicado, obtiveram uma única superfície, em forma de oito e bilateral, como era esperado.


Figura 7- Superfície obtida após o recorte da faixa de Möebius. Foto da Pesquisadora
.

A superfície encontrada, com o recorte, não confirma a hipótese feita por M3, M7 e M9, pois registraram que encontrariam duas superfícies, ou por M6, M8 e M10, que registraram que a superfície voltaria a ser plana ou ainda, por M2, o qual conjecturou que encontraria três superfícies. Muito embora a mestranda M1 fosse a que teve uma experiência na infância com a Faixa de Möebius, ela levantou a hipótese de que havia duas torções na superfície em forma de oito. Notamos, no vídeo, que o mestrando M6 observou a semelhança da superfície encontrada com o símbolo do antigo banco Unibanco.

Entretanto, nessa atividade, os participantes verificaram que, ao recortarem longitudinalmente a faixa, obtiveram uma superfície bilateral, diferente da Faixa de Möebius, que foi construída inicialmente.

Durante a realização dessa atividade, a participante M1 fez o seguinte relato:

nas questões 1 e 2, pude compreender intuitivamente, pois quando tinha 9 anos, um primo estava brincando de mágicas sem compreender o processo que envolvia nos recortes realizados falava: com esta argola, vou recortar e vejamos o que vamos obter. Eu achava que a argola se "desmancharia", mas formava uma única argola. A seguir, fez novamente outro recorte e obteve duas argolas entrelaçadas. Fico intrigada até hoje com aquela situação.

Notemos que a intuição a qual essa participante apresenta está contida em duas das classes que Fischbein (1987) propôs, a das intuições antecipatórias, já citada anteriormente, e a das intuições conclusivas, uma vez que, na sua infância, já havia tido contato com a faixa. Porém, somente na oficina pôde vislumbrar a solução definitiva do problema proposto por seu primo.

Ainda na segunda parte do módulo I, na quarta atividade, foi entregue aos mestrandos uma nova tira retangular, e pedimos que construíssem uma Faixa de Möebius. Porém, ao invés de marcarem os pontos médios no lado menor da tira, como na primeira construção, agora eles deveriam dividir esse lado em três partes iguais, como ilustrado na figura 8.


Figura 8-Faixa de Möebius construída pela pesquisadora.

Desta vez, não ocorreram dúvidas na construção da faixa, o que mostra a importância de elaborar atividades em sequência quando se usam materiais manipulativos. Assim, confirmamos o que afirma Lorenzato (2006) sobre os materiais manipuláveis, ou materiais concretos, "um excelente catalizador para o aluno construir o seu saber matemático" (p.21), quando conduzido de forma adequada pelo professor.

Apresentamos a quarta questão: Agora, em vez de cortar a faixa longitudinalmente no ponto médio de sua largura, recortamos longitudinalmente em 1/3  da largura total da faixa. O que acontece? Formule suas hipóteses.

A análise das construções realizadas pelos participantes, por meio da observação do vídeo, permite intuir que buscavam imaginar e visualizar mentalmente o que ocorreria com a superfície após o corte. A seguir, transcrevemos literalmente as hipóteses registradas para a questão nas fichas de cada um dos sujeitos da pesquisa:

M1: a faixa vai separar-se das demais.
M2: acho que vai entrelaçar, mas sem formar algo semelhante.
M3: vão triplicar o comprimento e vai ter um lado apenas.
M4: vai ficar as três partes bem enroladas, torcidas, vão ficar 2 figuras, cada uma com dois lados.
M5: vai continuar unido, mas não será unilateral.
M6: ela terá três lados.
M7: teremos uma superfície bilateral com o triplo do comprimento.
M8: ao recortarmos, as figuras permanecem unidas por algum lado, uma parte fica bilateral (2/3) e uma (1/3) também bilateral, não sei se é possível afirmar que é uma figura de 4 lados.
M10: vai ficar uma figura parecida com a original com uma parte igual a 1/3 e outra 2/3.
M11: ao recortarmos 1/3 da faixa vamos ter duas figuras.

Antes de iniciarmos essa atividade os participantes M9 e M12 ausentaram-se da oficina. Concluídos o registro das hipóteses, solicitamos que recortassem a faixa. As conjecturas dos participantes se aproximaram do que era esperado para a superfície que seria formada a partir do recorte, mas nenhuma foi conclusiva, muito embora se possa perceber que a intuição esteve presente na hipótese levantada por M10. Essa hipótese corrobora o que Fischbein (1987) indica para a intuição, como uma forma de conhecimento, na medida em que parte dessa intuição, porém, necessita de comprovação, o que irá ocorrer posteriormente, quando irá constatar que, de fato, há duas partes entrelaçadas. Contudo, não chegou a concluir que uma delas é menor e unilateral, enquanto que a outra é maior e bilateral. A figura 9 ilustra as superfícies que foram obtidas:


Figura 9-Superfície obtida após o recorte da Faixa de Möebius. Foto da Pesquisadora.

Feito o recorte, propusemos a quinta questão: As superfícies que você obteve na questão anterior são Faixas de Möebius? Formule suas hipóteses. Dos registros surgiram duas categorias, apresentadas no quadro a seguir.

Quadro 3: categorias das hipóteses quanto às superfícies obtidas.

Solicitamos que percorressem as superfícies com a caneta pincel, a fim de comprovarem ou não o que haviam intuído.

O mestrando M3 observou em sua ficha que uma das superfícies era a Faixa de Möebius e a outra superfície encontrada era a mesma da terceira questão, ou seja, a figura em forma de oito. Já M6 escreveu: "A menor confirmou, a maior não, porém eu, na primeira visualização, comentei que a menor era e a maior não". Nos vídeos, verificamos que M6 faz essa afirmação, porém o registro de sua hipótese foi diferente.

A participante M1 recortou ao meio as duas superfícies obtidas, formando três superfícies bilaterais, sendo duas obtidas a partir da superfície maior e a terceira, da Faixa de Möebius. Podemos analisar a importância dos materiais manipuláveis no desenvolvimento da intuição conjectural (Fischbein, 1987), pois M1 quis observar o que continuaria acontecendo com as superfícies quando fossem recortadas novamente e ainda, corroborando a afirmação de Turrioni (apud Januário, 2008, p. 78), sobre o fato de que o material manipulável "Facilita a observação e a análise, desenvolve o raciocínio lógico, crítico e científico, é fundamental e é excelente para auxiliar ao aluno na construção de seus conhecimentos".

Ainda no primeiro encontro, foi desenvolvido um módulo II, por meio da quinta e da sexta atividades. Dessa feita, foram analisadas propriedades decorrentes da construção da Garrafa de Klein.

A seguir, descrevemos os passos da construção de uma representação simétrica da Garrafa de Klein, entregamos o material a ser utilizado para a construção e solicitamos que marcassem os vértices A, B, A' e B' na tira retangular e os pontos médios C e C' dos lados AB e A'B', respectivamente, conforme a figura 10.


Figura 10-Tira retangular. Foto da pesquisadora.

Concluídas as marcações pedimos que dobrassem as tiras ao meio e colassem somente os pontos BC', AC', B'C e A'C, conforme a figura 11. Notemos que, se fosse colada toda a extremidade e não somente os pontos indicados, a boca da garrafa não teria a entrada.


Figura 11-Garrafa de Klein. Foto da pesquisadora

Verificamos que os participantes M2, M8, M7 e M11 tiveram dificuldades em alinhar e colar somente os pontos, BC', AC', B'C e A'C da tira retangular, necessários para formar a garrafa. Eles colaram toda a extremidade da tira retangular, o que faria com que a garrafa ficasse sem entrada (ou sem boca). M2, M7 e M8 refizeram todo o procedimento para a construção da Garrafa de Klein. M7 conseguiu descolar o restante da extremidade da garrafa, não sendo necessário que refizesse a construção. Após todos concluírem a construção de suas garrafas, apresentamos o nome da superfície.
 
Então, exibimos a sexta questão: O que acontece se cortarmos a Garrafa de Klein longitudinalmente ao meio? Formule suas hipóteses nas fichas.

Por meio do vídeo, notamos que os participantes idealizavam o que aconteceria com o corte. Transcrevemos as hipóteses dos sujeitos presentes na realização da atividade, uma vez que, sendo uma pergunta de resposta livre, cada um apresentou sua forma específica de resposta, dificultando uma categorização das mesmas.

M1: o líquido da garrafa escapará.
M2: se cortar na linha pontilhada, acredito que a garrafa se abrirá.
M3: se cortar na linha pontilhada, vai formar duas Faixas de Möebius.
M4: acredito que a garrafa irá se abrir.
M5: longitudinalmente, ficará uma superfície unilateral.
M6: transforma-se em duas linhas de Möebius.
M7: poderá originar uma superfície bilateral.
M8: se cortarmos longitudinalmente, a figura se desmancha.
M10: cortando na linha pontilhada, a garrafa vai ficar aberta.
M11: se cortarmos a garrafa na linha pontilhada, a figura se dividirá em duas faixas de Möebius.

Registradas as hipóteses, solicitamos que os participantes realizassem o corte e comprovassem, ou não, suas hipóteses. Ao analisar as conjecturas dos mesmos, notamos que apenas M3, M6 e M11 intuíram que seriam obtidas duas novas superfícies ao cortarmos a Garrafa de Klein longitudinalmente ao meio, como as da figura 12, a seguir. Esperávamos, com essa questão, que os participantes conjecturassem que conseguiriam duas novas superfícies distintas com o recorte. Notamos que apenas M3, M6 e M11 intuíram que seriam obtidas duas peças e, ainda, que eram Faixas de Möebius.


Figura 12-Faixas de Möebius obtidas a partir do corte da Garrafa de Klein. Foto da pesquisadora.

A pesquisadora percebeu, nas construções de M3, M6 e M11, que a intuição deles é confirmada com o que dizem Davis e Hersh (1985). Para esses autores, a intuição é consequência, na mente, de certas experiências de atividade e manipulação de objetos concretos. Essa era a sexta atividade em que eles estavam manipulando a Faixa de Möebius, mesmo que de forma inicial, porém, agora de maneira indireta, já que no momento o contato era com a Garrafa de Klein.

Inferimos que tais alunos têm em mente certa ideia global oriunda do material que os levou à solução do problema proposto. A essa forma de intuição, Fischbein (1999) denomina intuição antecipatória, algumas vezes denominada ';iluminação', pois o que a caracteriza é o esforço que o indivíduo produz para a resolução, bem como um sentimento de convicção, de certeza, mesmo sem uma demonstração formal.

A seguir, apresentamos e analisamos a sexta e última atividade da primeira parte da investigação: As duas peças obtidas na atividade anterior são Faixas de Möebius? Formule suas hipóteses na ficha.

Nessa atividade, com exceção do participante M2, todos os outros concluíram que as superfícies obtidas seriam faixas de Möebius. A participante M11 afirmou: "as duas são faixas de Möebius porque imaginei fazendo o trajeto com uma caneta e consigo fazê-lo sem tirar a caneta do papel". Assim, podemos comprovar o que afirmou Leivas (2009), quando apontou que a imaginação, aliada à intuição e à visualização, complementa a tríade fundamental do pensamento geométrico.

Desse modo, atingimos nosso propósito, o qual consistia em que verificassem, por meio do recorte, que as duas peças obtidas eram Faixas de Möebius. Ao responder a essa questão, exploramos a relação da Garrafa de Klein com a Faixa de Möebius, ou seja, com uma garrafa, podemos obter duas faixas.

A pesquisa teve um segundo encontro, com a mesma duração do primeiro, no qual foram realizadas atividades envolvendo o mapa das quatro cores, para relacionar com grafos e a consequente obtenção da relação de Euler para poliedros convexos. As atividades e sua análise serão objeto de outro artigo. No que segue, apresentamos algumas conclusões possíveis oriundas dessa primeira parte da pesquisa realizada.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Para finalizarmos o artigo, apresentaremos alguns dados que nos permitiram avaliar que as atividades aplicadas forneceram algumas contribuições positivas para a complementação da formação dos mestrandos sobre um tema que não era de conhecimento da maioria deles.

Ao aplicarmos um questionário final, buscamos consolidar nossa intuição, ao longo das atividades, de que os participantes obtiveram novos conhecimentos sobre temas que não eram de seu domínio, bem como um envolvimento e interesse maior pela Geometria utilizada.


Gráfico 4-Primeira questão do questionário final.

Ao introduzirmos o artigo, apontávamos sobre o caminho que a Geometria tem percorrido ao longo dos séculos. A resposta à pergunta: Você acredita que as atividades de Topologia Geométrica realizadas na oficina contribuirão para sua vida profissional? Por quê? mostra que  a maioria dos participantes acredita que sim, que as atividades desenvolvidas na oficina contribuirão para a sua atividade profissional e nenhum dos participantes assinalou a alternativa não.

As justificativas que apresentaremos a seguir nos fornecem subsídios para afirmarmos sobre a importância que os professores em exercício dão a novos conhecimentos quando eles são construídos ou, no caso de alguns dos participantes, reconstruídos, de forma significativa.

M1: porque as atividades instigam o professor a buscar atividades diferenciadas das comumente apresentadas em sala de aula.
M3: me deu uma visão mais ampla sobre a geometria. Novos conceitos foram adquiridos e posso levar esses conceitos até os alunos.
M5: pois foram trabalhados nas atividades conceitos como unilateral, etc. de uma forma prática, que pode ser trabalhada com qualquer aluno.
M8: acredito que, como professores da educação básica, devemos mostrar aos nossos alunos essa geometria não euclidiana
M11: contribuíram muito, acredito que as atividades geraram um novo olhar sobre a geometria.

As novas percepções de formação dos professores, seja ela inicial ou continuada, não podem mais tratar teoria e prática separadamente, como partes estanques do processo de formação e, nesse sentido, a oficina vêm contribuir na formação dos mestrandos/professores, participantes da pesquisa, quando exploramos intuitivamente a Topologia com o auxílio de materiais manipulativos.

Na análise do questionário inicial, verificamos que a oficina pedagógica foi o primeiro contato da maioria dos mestrandos com conteúdos de Topologia Geométrica e, no decorrer da mesma, notamos o entusiasmo e o interesse deles em participar das primeiras atividades. Muitas vezes, a intuição deles não produziu o efeito desejado ou esperado, porém pudemos verificar que, na última atividade, a maioria já apresentou intuição antecipatória, uma das classes de intuição proposta por Fischbein (1987). Isso confirma a tese de Davis e Hersh (1985), quando afirmam que temos intuição não por memorização de fórmulas verbais, mas por experiências repetidas, pela manipulação de objetos físicos e por meio da resolução de problemas.

Nas análises do questionário final, percebemos que os participantes, de modo geral, consideram, como uma das principais contribuições da oficina, o novo olhar sob a forma de ensinar Geometria e um novo conhecimento, além da Geometria euclidiana. Assim, reinventar a forma do ensino de Geometria pode ser uma forma de reduzir seu abandono nas escolas.

Notas al Pie

1Todas as traduções são de autoria dos autores.

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