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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.11 no.1 Tandil July 2016

 

ARTICULOS ORIGINALES

Implicações epistemológicas da aplicação de um método investigativo em aula experimental no ensino médio

 

Osmar Henrique Moura da Silva e Carlos Eduardo Laburú

osmarh@uel.br; laburu@uel.br

Departamento de Física da Universidade Estadual de Londrina – PR, Brasil

 


Resumo

No ensino de ciências, condutas acerca da construção do conhecimento científico nos estudantes, assim como da natureza da ciência, exigem atenções explícitas dos educadores sobre metodologias e epistemologias relacionadas. Sabe-se, por exemplo, que a concepção dos estudantes sobre a natureza da ciência é influenciada pelos professores e pelo ambiente de sala de aula, influência esta que pode ocorrer fortemente numa assimilação subconsciente. Dessas considerações, apresenta-se aqui a aplicação de um método investigativo no estudo da lei de Boyle-Mariotte em aula experimental com estudantes do ensino médio, estabelecendo uma reflexão educacional que aborda os benefícios da estratégia.

Palavras-chave: Estratégia pedagógica; Método investigativo para aula prática/experimental; Lei de Boyle-Mariotte; Ensino médio.

Implicaciones epistemológicas de la aplicación de un método investigativo en clase experimental en la enseñanza media

Resumen

En la enseñanza de ciencias, conductas sobre la construcción del conocimiento científico de los estudiantes, así como de la naturaleza de la ciencia, exigen atenciones explícitas de los educadores sobre metodologías y epistemologías relacionadas. Se sabe, por ejemplo, que la concepción de los estudiantes sobre la naturaleza de la ciencia es influenciada por los profesores y por el ambiente de sala de clase, influencia esta que puede ocurrir fuertemente en una asimilación subconsciente. De estas consideraciones, se presenta aquí la aplicación de un método investigativo en el estudio de la ley de Boyle-Mariotte en clase experimental con estudiantes de la enseñanza media, estableciendo una reflexión educacional que aborda los beneficios de la estrategia.

Palabras clave: Estrategia pedagógica; Método investigativo para la clase práctica/experimental; Ley de Boyle-Mariotte; Enseñanza media.

Epistemological implications of implementing an investigative method in class in experimental secondary education

Abstract

In science education, students' conducts about the construction of scientific knowledge, as well as the nature of science, require explicit attention of educators on methodologies and related epistemologies. It is known that the students' conceptions about the nature of science is influenced by the teachers and the classroom environment,. T this influence t can occur in a strongly subconscious assimilation. From these considerations,  we present an investigative method  applying to the  study of Boyle's law in an high school experimental class  to establish an educational reflection discussion of the benefits of the strategy.

Keywords: Pedagogical strategy; Investigative method to experimental class; Boyle's law; High school.

Implications épistémologiques de la mise em oeuvre dúne méthode d'investigation dans une classe expérimentale de l'enseignement secondaire

Résumé

Dans l'enseignement de la Science, les procédures sur la construction de la connaissance scientifique chez les étudiants, ainsi que la nature de la Science requièrent une attention explicite des éducateurs sur les méthodologies et épistémologies connexes.  On sait, par exemple, que la conception des élèves sur la nature de la science est influencée par les enseignants et l'environnement de la classe, une influence qui peut se produire fortement par une assimilation subconsciente. À partir de ces considérations, nous présenterons ici l'application d'une méthode d'investigation dans l'étude de la loi de Boyle-Mariotte dans une classe expérimentale avec des élèves du secondaire, établissant une réflexion pédagogique qui traite des avantages de cette stratégie.

Mots-clés: Stratégie pédagogique; Méthode investgative pour class practique/expérimentale; Loi de Boyle-Marriotte; Enseignement secondaire.

 


1. INTRODUÇÃO

Há décadas que a experimentação enquanto estratégia de ensino-aprendizagem tem sido defendida no ensino de Física (HIGA & OLIVEIRA, 2012, p. 76). Basicamente, entre as diferentes concepções de estratégias pedagógicas atreladas à incorporação de atividades experimentais, cabe ressaltar: a atividade experimental considerada ilustração da teoria, a atividade experimental para descoberta individual, e a atividade experimental para introduzir os estudantes nos processos da ciência (FERREIRA, 1978). Na primeira delas, têm-se aulas práticas posteriores às teóricas pelo modelo de aprendizagem da transmissão-recepção de conhecimentos já elaborados, atuando o estudante passivamente como receptor do conhecimento e que nas aulas práticas busca comprovar as leis e teorias então ‘inquestionáveis' na medida em que foram expostas com um sentido autoritário indiscutível (tanto pelo livro didático quanto pelo professor). Na segunda, o modelo de aprendizagem conduz o estudante individualmente a ‘reconstruir' o conhecimento científico de maneira autônoma numa interação com o meio, tendo-se o desenvolvimento do conhecimento por um processo indutivo e que parte do senso comum. Na terceira, o modelo de aprendizagem entende a experimentação como meio para introduzir o estudante nos processos da ciência, objetivando desenvolver no sujeito uma habilidade do "fazer ciência” ao mesmo tempo em que se promove a abstração do conteúdo conceitual. Discriminadas essas três concepções, com a última delas aparentando manifestar uma maior exigência de envolvimento epistemológico, é importante idealizar cada uma delas com suas atividades experimentais inseridas num contexto epistemológico-pedagógico (AMARAL, 1997). Por epistemológico se quer significar que elas envolvem noções de realidade, de método e conhecimento científico, de relações entre distintos conhecimentos, enfim, de uma concepção de ciência. Por pedagógico se quer entender abranger noções de aprendizagem, de consideração e posicionamento dos conhecimentos prévios dos estudantes, de relações entre conteúdo e método, enfim, uma concepção de currículo (HIGA & OLIVEIRA, 2012, p. 80). Por conseguinte, razoáveis condutas educacionais acerca da construção do conhecimento científico nos estudantes, assim como da natureza da ciência, exigem atenções explícitas dos professores sobre metodologias e epistemologias relacionadas. Nessa preocupação, embora distintos trabalhos na literatura já debatessem limitações dessas três concepções estratégicas de incorporação da experimentação como propostas pedagógicas, considera-se aqui o entendimento norteador de não se restringir à simples realização de atividades experimentais, exemplificado nesses casos as demonstrações fechadas e os laboratórios de verificação e confirmação da teoria previamente definida (OLIVEIRA et al. 2010; GALIAZZI & GONÇALVES, 2004, p. 331; ARAÚJO & ABID, 2003, p. 177). Conforme Oliveira et al. (2010, p. 32), tal limitação inviabiliza no estudante um "incentivo à discussão, crítica e autonomia”. Seguindo esse entendimento, o presente trabalho realiza a aplicação de um método investigativo para o estudo experimental da lei de Boyle-Mariotte com estudantes do ensino médio, estabelecendo uma reflexão educacional que aborda os benefícios da metodologia, classificada na última concepção estratégica acima apresentada.

2. RAZÃO DO ESTUDO

De acordo com Matthews (1994, p. 83), "sempre que uma ciência é ensinada, uma filosofia, até certo ponto, também é ensinada”. O entendimento de a concepção dos estudantes sobre a natureza da ciência ser influenciada pelos professores e pelo ambiente de sala de aula está bem consolidado nas pesquisas em educação científica e, como advertiu Whitaker (1979), essa visão pode incidir fortemente em razão de ser assimilada subconscientemente ao invés de diretamente1. Nesse contexto, a vertente filosófica positivista encontra-se rejeitada já algum tempo (CHALMERS, 1994, p. 14) e, por consequência, desde então o processo de ensino e aprendizagem de ciências permanece com uma necessidade de se ancorar, quando possível, a uma visão pós-positivista (DELIZOICOV, 1996, p. 183; NIAZ, 1994).

No positivismo lógico2, amplamente criticado por Popper (1972) e outros, os dados partem da observação e experimentação e são entendidos como neutros (não contaminados ou autossuficientes), permitem, por indução, estabelecer leis que constituem o conhecimento científico, ignorando o papel das ideias e hipóteses geradas pela mente humana como guia para a observação e experimentação. Entre as epistemologias pós-positivistas, é possível afirmar que há um entendimento convergente para, pelo menos, dois pontos: 1) elas concordam que o conhecimento não é originário e adquirido única e exclusivamente através da observação e experimentação, como se fosse uma verdade obtida dos fatos, mas que toda observação intencional está carregada de teoria (ANDERSSON, 1984, p. 216; KUHN, 1970, p. 6; POPPER, 1970, p. 64; HANSON, 1975, p. 130 e 131)3; 2) Elas admitem uma provisoriedade do conhecimento pelas mudanças científicas em suas reflexões históricas sobre a produção e desenvolvimento do conhecimento científico. Logo concordam que a condição necessária para que os cientistas abandonem uma teoria é a disponibilidade de alguma outra capaz de substituí-la (KUHN, 1994, p. 108; POPPER, 1972, p. 92; LAKATOS, 1970, p. 146). Considerando unicamente esses pontos, muitas epistemologias contemporâneas serviriam como referencial teórico para realizar analogias com o processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos de física (por exemplo). O primeiro ponto assemelha-se às ideias ou "teorias” (ou concepções espontâneas) pré-existentes que impregnam a mente dos aprendizes diante dos mais variados fenômenos. O segundo refere-se à evolução conceitual que se almeja realizar na mente dos estudantes durante o processo de ensino e de aprendizagem, necessitando, para isso, que eles conheçam uma nova teoria, lei, conceito, etc.

Diante desse direcionamento epistemológico, cabe uma avaliação das três concepções estratégias discutidas na introdução. A atividade experimental considerada ilustração da teoria conduz o estudante a comprovar uma lei ou teoria ensinada, o que corrobora com uma impressão de verdade inquestionável4extraída dos fatos. A atividade experimental para descoberta individual vai de encontro à visão de ciência pós-positivista em razão de embasar-se no modelo empirista-indutivista5. Resta à terceira concepção estratégica um maior aceitamento educacional que as demais, vista a possibilidade de inspirações diversas de metodologias em posturas epistemológicas pós-positivistas no sentido aqui esclarecido. Ajuizamento este que se faz merecer tendo em conta "um dos objetivos mais importantes da educação científica o de fazer com que os estudantes do ensino básico/ensino secundário cheguem a adquirir uma melhor compreensão da natureza da ciência” (ROSA & ROSA, 2010, p. 1). Aliás, conforme Lederman (2006), diversas reformas dos currículos de ciências têm explicitado esse interesse.

Todavia, conceber a experimentação para adentrar o estudante nos processos da ciência, ao se situar um "método científico” para possibilitá-lo abstrair o conteúdo conceitual, merece agora ser mais debatido. A conexão no ensino de ciências do denominado método científico (MC), sinteticamente constituído pelas siglas O.H.E.R.I.C. (Observação, Hipótese, Experiência, Resultados, Interpretação, Conclusão), correspondeu a uma das soluções na busca de uma resposta a como ensinar os estudantes a "fazerem ciência” (GIORDAN, 1999). A crítica maior a esse MC é que ele se inicia com a observação, sendo a observação precedendo a teoria (MILLAR, 1991), quer dizer, as conclusões estariam justificadas por meio de observações formalmente lógicas e imparciais. Educacionalmente, os mitos gerados acerca da ciência e da investigação científica por influência deste MC são: a observação fornece o acesso direto e garantido ao conhecimento; a ciência inicia com a observação; a ciência avança por indução; a experimentação é decisiva; a ciência abrange processos discretos e genéricos; a investigação científica corresponde a um algoritmo de procedimentos; a ciência constitui uma prática objetiva; todos os cientistas têm estas atitudes (HODSON, 1998). As atuais perspectivas no domínio da Filosofia da Ciência influenciam o descarte deste MC e favorecem os argumentos de uma perspectiva de ensino de ciências em que o ensinar a "fazer ciência” é concretizado por meio da realização de "investigações”, compreendidas como modalidade de resolução de problemas. Deste modo, ao aceitar o propósito da ciência como de ampliar o campo do saber resolvendo problemas, cabe caracterizar o percurso do investigador com três elementos principais: Questão, Hipótese e Experiência (GIORDAN, 1999).

Embora comparações superficiais das etapas do MC com as características de uma "investigação” possam levar a uma interpretação equivocada com fortes semelhanças entre elas, importantes distinções precisam ser esclarecidas: 1) Enquanto no MC admite-se uma observação objetiva, sendo independente da teoria e das experiências do observador, no conceito de investigação abordado a observação é dependente das ideias prévias de quem a efetua; 2) Consequentemente, no MC a intenção é confirmar hipóteses que se acreditou serem formuladas a partir das observações realizadas e, mesmo que haja a formulação de um problema, este é tido como originário da observação. Por influência dessa compreensão dada à observação, menos se valoriza a resolução do problema e mais a obtenção dos resultados esperados (CACHAPUZ et al., 2000). Já no contexto de uma investigação, os problemas exercem um papel fundamental, pois são eles que orientam o trabalho subsequente, sendo reconhecidos, assim como as hipóteses, como condicionados às teorias ou ideias prévias que o sujeito carrega do mundo natural. Assim sendo, aspectos habitualmente presentes no MC tradicional podem estar também presentes numa investigação, porém com um significado muito diferente.

Marsulo e Silva (2005), por exemplo, estabelecem uma discussão que procuram resgatar o interesse educacional do MC reformulando-o para um esquema em que procuram mostrar a viabilidade tanto de se partir da formulação do problema para depois formular hipóteses como de partir de hipóteses sem se ter, necessariamente, configurado um problema, mas que, neste caso, eles advertem pensar na questão: "qual o tipo de problematização que aquela hipótese levantada possibilita fazer?”. Com isso, esses autores (ibid.), defendem que diferentes movimentos, entre os elementos constitutivos do MC, podem ensaiar novas lógicas sobre as quais é permitido reconstruir novos pressupostos como possibilidade explicativa na resolução de problemas. De acordo com a viabilidade dessa integralidade entre as etapas de uma metodologia para que se alcance um objetivo pedagógico, Laburú (2003) adverte para as restrições de uma proposta de investigação em atividades de laboratório que se origina de problemas abertos e defende que o êxito desse tipo de encaminhamento está em não se limitar no discurso dialógico, mas em vários momentos realçar o papel do discurso univocal. Ao aderir essas recomendações juntamente com a atenção aos indícios de que a maioria dos educadores, de forma equivocada nesse contexto, tende a corriqueiramente expressar o desenvolvimento da ciência como iniciado pela observação6(MALDANER, 2000), o presente estudo adota uma estratégia pedagógica respeitando o conceito de investigação acima discutido ao estabelecer e aplicar um método investigativo em situação real de sala de aula, cuja estruturação é dada a seguir.

3. MÉTODO INVESTIGATIVO COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA7

A proposta experimental baseada na metodologia de investigação parte de um problema genuíno colocado pelo professor. Isto significa que do ponto de vista do estudante não existe o conhecimento da resposta do problema colocado. Logo, por essa proposta não se antecipa uma aula teórica em relação a da experimental, do contrário, o experimento torna-se mera aplicação ou verificação de teoria e não de investigação. Nessa atividade investigativa, porém, determinados esclarecimentos por parte do professor, anteriores ao problema, fazem-se necessários e que são exemplificados abaixo numa primeira etapa como constituintes daquilo que se forja de "observação carregada de teoria”, tendo-se as etapas restantes dependentes do bom desenvolvimento desta e que estão seguidamente discutidas ao se envolver, aqui, a lei de Boyle-Mariotte (P.V = k)8.

A primeira etapa pode ser denominada de "Apresentação do fenômeno”. Nesse momento inicial, o professor deve dirigir uma reflexão com os estudantes acerca do comportamento da compressão e expansão de um gás à temperatura constante, qualificando, identificando e apresentando as variáveis (pressão e volume) que serão examinadas no decorrer do experimento. Em prática, ele se beneficia do próprio experimento a ser utilizado e que possibilita demonstrar variações dessas grandezas, ao passo que aproveita para explicar e tirar dúvidas da experiência a ser realizada além de algumas dicas experimentais9. Qualitativamente, o professor procura mostrar o tipo de relação existente entre as variáveis em foco, tomando consciência dos seus limites experimentais, entendimento este importante para a obtenção e acompanhamento, em etapa posterior, da formulação de hipóteses. Como etapa fundamental, portanto, cabe ao professor certificar-se de que os estudantes estão instruídos com o conhecimento prévio adequado e que na situação abrange: os conceitos físicos das variáveis pressão e volume, uma noção básica de erros experimentais (aleatórios e sistemáticos)10, o entendimento matemático da álgebra elementar para a manipulação de equações11, e a compreensão do funcionamento do aparato experimental empregado.

A segunda etapa é a de expor o problema de investigação aos estudantes com um nível de dificuldade coerente. Na ocasião, sugere-se a pergunta que então fora feita: Qual a relação (equação, fórmula, lei, função, etc) entre a pressão total (P) e o volume total (V) do ‘gás' (ar) dentro da seringa?. É nesta ocasião que se deve encontrar esclarecido o termo relação, pois, segundo Laburú (ibid.), o maior obstáculo se concentra na incompreensão deste termo, devendo atenção ao que se prescreveu em última nota de rodapé.

A terceira etapa é a do levantamento das hipóteses. Agora, distanciando de uma postura empirista/indutivista, fica embutido na conduta educacional obedecer à tentativa de promover nos estudantes uma lição implícita de ser o intelecto a forma de estabelecer o alcance das ideias e que estas não são primeiramente óbvias através dos sentidos. Ocorreu aqui, conforme previsto (ibid.), de o professor se ancorar no discurso univocal e assim ter de explicitar seu pensamento em duas hipóteses (P.V2 = k; P.V = k)12 para testes, fortalecendo, por esses exemplos iniciais, o entendimento nos estudantes do que deste modo se intentara investigar empiricamente. Fortalecimento este constatado pela posterior proliferação de hipóteses na mente dos estudantes que, dentre as que foram por eles mencionadas, o professor permitiu-se selecionar mais uma hipótese (P2.V = k), isto é, tendo acrescentado uma terceira alternativa para teste mas que então foi oriunda da imaginação da turma. Em tal situação, cabe salientar que o professor se encontra sensato em usar a tática de selecionar as hipóteses matemáticas mais simples juntamente com a da lei que se planeja ser corroborada experimentalmente. Logo, semelhantes sugestões às do tipo P + V = k, ou P/V = k, apresentam particulares complicações que precisam ser imediatamente superadas, além daquelas formulações repetidas que podem surgir noutro formato como P = k/V ou P = k/V2. Torna-se proveitoso, portanto, dirigir reflexões durante as elaborações de hipóteses como inseridas dentro daquela natureza cognitiva do "possível”, natureza esta que se encontra associada ao processo mental de formação das possibilidades.

A quarta etapa envolve o plano de trabalho. O professor dedicou-se a direcionar a atenção dos estudantes às ações manuais que ocorreram nessa investigação. Pode-se perguntar aos estudantes algo do tipo "O que devo fazer na prática para testar a primeira hipótese?”. E nesse caminho de se testar a hipótese a ser corroborada (P.V = k), como as demais a serem falseadas (P2.V = k; P.V2 = k), a coleta dos dados é objetivada. Tendo-se estabelecido que os volumes e as pressões constituíssem as medidas a serem realizadas, o professor realizou com os estudantes as primeiras medidas do experimento como forma de exemplificação13, o que os permitiu seguirem operacionalizando (como fazer) novas medidas, dando-lhes oportunidade de sanar dúvidas que até então não conseguiram ser dirimidas. O professor os orientou por meio da tabela 1 a organizar os dados em cujas colunas deviam constar, "ordenadamente”, os volumes e as pressões para deste modo serem utilizados na próxima etapa. Nessa tabela, partiu-se do volume inicial de 20 ml da seringa e da pressão atmosférica local14, lembrando que a pressão de cada tijolo é igual à sua força peso dividida pela área do êmbolo da seringa (2,9.10-4 m2). Nessa investigação experimental, e ainda por conta do discurso univocal, o professor os conduziu à tomada de seis15 dados para a análise em próxima etapa. Os resultados da tabela 1 expressam os valores obtidos pelo grupo 1 (composto por 5 estudantes), que esteve mais diretamente acompanhado pelo professor e por isso foi a tabela exposta no quadro negro para reflexão geral com a turma, sendo na ocasião os resultados dos demais grupos entregues em folha à parte para que o professor os avaliasse nessa atividade em termos de tomada de dados.

Tabela 1 – Tabela pela qual o professor instruiu os estudantes.

Fonte: autores.

Quinta etapa: análise dos dados. Sendo natural neste nível os estudantes terem dificuldades de interpretar se o produto P.V é ou não constante devido aos dados não serem numericamente semelhantes (LABURÚ, 2005, p. 249), houve outra necessidade de intervenção por discurso univocal para caminhar à resposta do problema inicial. A orientada reflexão então ocorreu para que os valores do produto P.V sejam vistos como apresentando uma flutuação experimental em torno de um valor considerado constante, atrelando-se comentários de erros experimentais cabíveis e inerentes à situação. O discurso univocal nesse sentido torna-se, portanto, instrutivo, pois, de acordo com Lubben e Millar (1996), a ideia de flutuação em torno de um valor médio é de custosa apropriação pelos estudantes do ensino médio16. Já por uma explícita comparação com as outras duas hipóteses, que nestas os valores sistematicamente crescem ou decrescem, o professor direcionou a atenção dos estudantes a perceberem que nelas não há um número médio que deveria ser imaginado em decorrência da não flutuação dos valores.

Sexta etapa: conclusão. Por consequência da etapa anterior, almeja-se ao menos uma reflexão coerente dos resultados obtidos17. Neste momento final, já ultrapassado o limite de ficar apenas fornecendo indícios do que se deve aceitar como válido, o professor direcionou a conclusão para a expressão P.V = k como resposta da investigação traçada. Isto se faz necessário como forma de auxiliar aqueles aprendizes que porventura se aguardam uma intervenção direta do professor à resposta do problema e que, inclusive, tal atitude cabe complementar o que até aqui se balizou por parte do ensino.

Assim discutido o decorrer desse episódio educacional exemplificando a viabilidade da aplicação desse método investigativo em determinado conteúdo, volta-se agora ao objetivo principal deste estudo que é o de investigar as possíveis contribuições de tal estratégia no desenvolvimento de algumas concepções epistemologicamente mais aceitáveis sobre a natureza da ciência18.

4. ANALISANDO CONCEPÇÕES EPISTEMOLÓGICAS ACERCA DA NATUREZA DO DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO POR DECORRÊNCIA DESSA APLICAÇÃO

Na investigação dos efeitos deste peculiar episódio educacional, um questionário foi aplicado nos estudantes visando extrair deles alguns entendimentos que envolvam uma análise de cunho epistemológico. Mais precisamente, buscou-se verificar se os estudantes apresentavam indícios de determinados pensamentos que vão de encontro àqueles costumeiramente encontrados e epistemologicamente criticados, quais sejam: 1) Que o conhecimento não vem apenas ou principalmente a partir da experiência sensorial e que, neste aspecto, o papel da criatividade e da imaginação torna-se fundamental; 2) Por conseguinte, uma investigação experimental pode envolver a realização de testes para as alternativas (hipóteses) previamente idealizadas. Embora haja uma coerência lógica entre estes dois aspectos, para rastreá-los nos estudantes duas questões relacionadas foram ajeitadas. Em cada questão, porém, o estudante deve indicar uma entre duas alternativas apresentadas e que expressam contradição entre si sobre determinado aspecto, procedimento este adotado até porque auxilia a direcionar a atenção nas respostas. Logo, a metodologia de coleta de dados solicitou dos estudantes que emitissem dois tipos de respostas que envolvem esses aspectos ao selecionar, para isso, duas alternativas. Primeiramente, os estudantes deveriam então assinalar, entre duas alternativas disponíveis de cada questão, com qual natureza do conhecimento eles concordavam. De certa forma, as duas questões permitem envolver a relação sujeito-objeto, o que implica, em termos analíticos, poder constatar coerência das alternativas indicadas. Assim sendo, durante a análise as questões proporcionaram um cruzamento das respostas, pois, um acordo ou desacordo com um aspecto na primeira questão está, respectivamente, coerente com um desacordo ou acordo com outro aspecto da questão seguinte. Além disso, após selecionar a alternativa que mais se identificava com as suas convicções, o estudante deveria justificar a razão de seu acordo ou desacordo com aquele aspecto.

Caminhando à apresentação de uma análise mais geral desses resultados, ao confrontar as justificativas com as alternativas selecionadas por cada estudante, buscou-se indicar uma tendência a qualquer um dos entendimentos fundamentais e contrários acerca da natureza do desenvolvimento do conhecimento científico, que são: caráter empirista ou racionalista. A saber: de um lado, o caráter empirista é uma concepção básica de ciência vinculada ao positivismo, do outro, o carácter racionalista é compatível com as visões pós-positivistas da ciência. Todavia, cabe ressaltar que esta análise é limitada e que os entendimentos dos estudantes não permitem que se desenvolvam, em detalhes, características da ciência configuradas por uma epistemologia específica. O questionário composto pelas duas questões está abaixo apresentado.

Questão 1
Assinale uma alternativa que você admite ter ocorrido na investigação do fenômeno:
(   ) As hipóteses (ou alternativas pensadas) foram primeiramente elaboradas para depois serem testadas nas experiências;
ou
(   ) A observação dos resultados é que permitiu a criação das hipóteses.
Justifique.

Questão 2
Indique a ordem dos procedimentos que você entendeu seguir na investigação do fenômeno estudado:
(   ) 1. (Observação) Observou os fenômenos relacionados às variáveis pressão e volume; 2. (Experimentação) Realizou as experiências e observou os resultados; 3. (Raciocínio) Criou hipóteses a partir dos resultados; 4 (Conclusão) Seleção da hipótese P.V = k.
ou
(   ) 1. (Questão) Problema levantado a partir do estudo do fenômeno das variáveis pressão e volume; 2. (Hipótese) Criação das hipóteses; 3. (Experiência) Realizou as experiências e observou os resultados; 4. (Conclusão) Seleção da hipótese P.V = k.
Justifique.

A figura 1 expõe graficamente as quantias de alternativas indicadas pelos estudantes em cada questão referente ao questionário aplicado à turma com os 22 estudantes.

Figura 1. Gráfico com a representatividade das alternativas indicadas pelos estudantes.

Fonte: autores.

Os resultados da questão 1 caracterizam cerca de 73% dos estudantes do lado da alternativa compatível com a vertente racionalista. Uma seleção de comentários particulares fornecidos em suas justificativas exemplificam pensamentos típicos encontrados: "Somos criativos e capazes de obter a teoria através de nossas hipóteses quando depois testamos elas”; "Nosso raciocínio ajuda a pensar numa hipótese que vai ser testada e que pode ser aceita ou não”; "Nossas hipóteses criadas ajudam a construir a realidade”; "Várias (diferentes) hipóteses foram criadas por cada um e escolhidas para serem testadas”. Pode-se dizer que esses comentários carregam potenciais entendimentos favoráveis à aceitação de que as teorias científicas são construções que envolvem, na sua origem, aspectos como a imaginação, criatividade, intuição, etc19. Por reflexão de como estão forjadas as alternativas da questão 1, embora a primeira delas expõe uma sequência lógica de hipóteses serem posteriormente testadas, a segunda busca influenciar a concepção do senso comum na qual a criação da hipótese é oriunda de uma observação neutra dos fatos. De tal situação a ser pensada pelos estudantes, a maioria deles, os que indicaram a primeira alternativa20, não apresentou qualquer comentário que pudesse ser enfatizado como tendente à crença de que o conhecimento parte do sensível e com uma observação neutra dos fatos. Por outro lado, isto é, para aqueles que indicaram a segunda alternativa, curiosamente apareceram algumas justificativas com maior dificuldade de interpretação, como se vê nos comentários: "A observação permite aceitar ou criticar a teoria (hipótese) e modificar”; "É certo observar os resultados para confirmar a teoria (hipótese)”. Nestes casos, se os estudantes tivessem indicado a primeira alternativa, poder-se-ia julgar que eles estariam se referindo aos resultados como um teste para a aceitação ou rejeição de uma teoria (ou lei) previamente arquitetada, mas assinalando a segunda alternativa, classificam-se seus argumentos e os dos demais (quase 27%) como ancorados na visão empirista que a literatura adverte predominar nos aprendizes deste nível escolar21.

Já para os sujeitos cujos argumentos foram classificados de racionalista na primeira questão, verificou-se uma naturalidade de permanecerem com a alternativa 2 da segunda questão pois, a alternativa 1 estabelece uma sequência de procedimentos propositada para poder influenciar, pelas denominações "Experimentação” depois "Raciocínio”, um conflito com o entendimento exposto na questão 1. Observou-se que a totalidade daqueles integrantes do percentual inicial racionalista (73%) da questão 1 mantiveram-se atentos à coerência nesse sentido, que dentre as semelhantes justificativas assim analisadas estão: "A alternativa 2 é a correta porque na aula nós criamos (as) hipóteses (e) depois realizamos as experiências para ver qual é a melhor (hipótese) pelos resultados”; "As hipóteses servem para chegar na teoria certa quando testadas”; "Começamos pelas hipóteses e realização das experiências para observação dos resultados”; "Começamos com hipóteses que são testadas e umas dão errado na experiência e outra funciona e é melhor”; "A investigação do fenômeno ocorreu escolhendo algumas hipóteses e depois testamos para ver qual delas é aceita”. Os demais resultados da questão 2 caracterizam uma redução do percentual empirista inicial para cerca de 14%. Isto era uma possibilidade na medida em que ela se diferencia da primeira questão por detalhar duas sequências de procedimentos para serem comparadas e julgadas qual delas sucedeu na atividade investigativa, sendo tal esclarecimento potencial influenciador em fazê-los melhor lembrar/pensar do ocorrido. Logo, metade daqueles estudantes inicialmente tidos com posturas empiristas, dentre eles os que mostraram justificativas de complicada classificação como as discutidas no final do parágrafo anterior, indicaram a segunda alternativa com esclarecimentos no seguinte sentido: " ...podemos modificar as hipóteses através das interações com as pessoas e quando o experimento der errado”. Este comentário, unido ao comentário do mesmo estudante ("A observação permite aceitar ou criticar a teoria (hipótese) e modificar”) quando indicou a alternativa 2 da questão 1 (interpretado com tendência empirista), exemplifica um dos resultados duvidosos que impede a análise de concluir um aumento do almejado percentual racionalista primeiramente avaliado com quase 73%.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho originou-se de uma preocupação que se discutiu persistir no ensino de ciências e que está relacionada à busca de superar um vício decorrente da posição empirista, baseado na crença de que a ciência parte do sensível, da observação dos fatos. De tal situação e considerando que há sempre uma concepção epistemológica subjacente a qualquer situação de ensino, objetivou-se pesquisar uma atividade experimental investigativa com particulares sugestões aqui empregadas. Estas visaram, na medida em que se foi relatando a sequência pedagógica de procedimentos ocorridos, promover uma lição implícita da importancia do intelecto em establecer o alcance das ideias e que elas não são primeiramente óbvias através dos sentidos. Por trás disso, a inspiração maior dentre epistemólogos da "nova filosofia da ciência” se deu em Karl Popper (1972), cujo entendimento de ciência é de que ela começa com um problema e não com uma observação, e esta, por sua vez, está impregnada de teorias. E a respeito das hipóteses, condicionadas às teorias ou ideias prévias que o sujeito carrega do mundo natural, quando alguma delas é falseada tem-se a "urgência de substituí-la por outra melhor” e, nessa visão, "na maioria dos casos, antes de falsear uma hipótese, dispõe-se de outra, pois o experimento falseador é, normalmente, um experimento crucial, destinado a decidir entre as duas” (ibid., p. 92).

Uma reflexão sobre alguns pontos fortes e fracos que derivam da aplicação desta estratégia por um contraste com entendimentos epistemológicos pode agora ser feita. Para os primeiros, Silveira (1996, p. 225) sintetizou implicações das epistemologias de Karl Popper e Imre Lakatos no ensino de ciências como contrárias às seguintes teses:

1. A observação é a fonte e a função do conhecimento; 2. O conhecimento científico é obtido dos fenômenos; 3. A especulação, a imaginação, a intuição, a criatividade, não devem desempenhar qualquer papel na obtenção do conhecimento; 4. As teorias científicas não são criadas, inventadas ou construídas, mas descobertas em conjuntos de dados empíricos.
Conforme se mostrou em seção anterior, a maioria dos estudantes não apresentou argumentos que puderam ser interpretados nessas teses, podendo-se concluir que os resultados aqui obtidos são pedagogicamente positivos e determinam a maior contribuição deste estudo. Além disso, pode-se dizer que a estratégia pedagógica apresenta a peculiaridade de favorecer o entendimento no qual uma vez propostas as teorias especulativas (hipóteses), elas terão que ser confrontadas rigorosa e implacavelmente pela observação e pela experimentação. E, por tal natureza, as teorias que não superarem as provas observáveis e experimentais deverão ser eliminadas e substituídas por outras conjecturas especulativas; detalhes estes compatíveis com a epistemologia popperiana. Por outro lado, exemplificando pontos negativos, estão entendimentos de ‘a teoria que se alcançou ser a correta' ou de ‘as hipóteses servirem para chegar à teoria certa', noções que podem prevalecer pela intuição de que cientificamente somos capazes de ir desvendando a ‘verdade' do mundo natural. Acerca dessas limitações, Alonso e Mas (1999, p. 380) defendem que os estudantes deste nível escolar "não alcançam uma correta compreensão da natureza da ciência, nem sequer depois de anos de estudos em disciplinas de ciências, nem mesmo quando se consideram estudantes do mais alto rendimento escolar” e, no melhor dos casos, "esta compreensão é incompleta e inconsistente, já que, ainda que se aparecer algum aspecto adequado, isto não assegura a compreensão de outros”.

Por fim, embora haja um número considerável de estudos abrangendo propostas didáticas inovadoras, há poucos trabalhos que investigam os mecanismos envolvidos no processo de construção de conhecimentos relativos a elas e em situação real de sala de aula. Devido aos momentos de instrução pela via do indispensável discurso univocal, espera-se que a presente proposta seja uma alternativa viável na rede pública de ensino pelo tempo de sua aplicação que se sugere decorrer no máximo 4 horas aula, em respeito às exigências das diretrizes curriculares de cumprir os conteúdos mínimos. Todavia, como em qualquer situação educacional, a possibilidade de sucesso sempre dependerá do professor e de sua interação com os estudantes. No presente caso, há de se destacar o bom envolvimento do educador com a estratégia. Não basta que ele demonstre apenas o conhecimento da matéria, mas que, antes de tudo, esteje inspirado epistemologicamente para ministrar a proposta, que goste da forma como ocorrerá a interação com os estudantes e que esteje sempre pré-disposto a persistir diante dos problemas de sua mediação entre o saber e o sujeito que aprende. Consequentemente, uma melhor aceitação por parte dos estudantes será facilitada. Obviamente que para isso é necessário reconhecer a possibilidade de entender o "método científico” como um dos alternativos procedimentos didáticos na construção de conhecimentos no ensino de Ciências (MARSULO & SILVA, 2005). Nesse contexto, o educador interessado pode refletir sobre o que representa o método científico na prática pedagógica escolar ou sobre que aspectos do método científico continuam merecendo consideração. Particularmente aqui, conclui-se que os resultados analisados corroboram a defesa do método investigativo como uma forma de direcionar os estudantes a se familiarizarem com a riqueza da atividade científica, assim como se mostrou constituir uma ferramenta pedagógica adequada para proporcionar uma visão mais aceitável (não empirista) da ciência como atividade aberta e criativa.

Notas al pie

1No caso, uma discussão sobre o desenvolvimento de uma lei ou teoria (leis de Newton, princípio de Huygens, entre outros) pode gerar uma conexão indesejada entre, por exemplo, o princípio de Huygens e sua consequência. Segundo Whitaker (ibid., p. 108): "o estudante pode inferir que a consequência era óbvia a Huygens, ou ‘imediatamente óbvia' para qualquer pessoa inteligente, por Huygens produzir (deduzir) seu princípio a partir do resultado de repetidas experiências em laboratório”.

2Vertente posterior ao positivismo de A. Comte (1798-1857).

3Afirma Chalmers (1994, p. 61) que "a hipótese empirista relativa ao quanto uma observação objetiva para a ciência está a nosso dispor tem sido duramente criticada pelos filósofos da ciência nas últimas décadas”.

4Pedagogicamente deve-se rejeitar "a concepção empirista associada à crença de que o conhecimento científico é um conhecimento verdadeiro, inquestionável” (LÔBO, 2012, p. 431), pois permanece preocupante o quanto "a ideia de que o conhecimento científico é obtido diretamente dos resultados experimentais está, ainda, muito presente no ensino de ciências e entre professores e alunos” (ibid.).

5É consenso, entre epistemólogos e pesquisadores da área, que difundir educacionalmente a concepção empirista-indutivista como forma de conceber o trabalho científico é um equívoco. No entanto, ela sobrevive no ensino de ciências até em livros didáticos (PEREIRA & AMADOR, 2007, p. 213).

6Que por assim ser, como já se discutiu, educacionalmente é uma visão equivocada que vem a incidir no estudante.

7A aplicação do método ocorreu numa amostra composta por 22 estudantes do segundo ano do ensino médio, período matutino, de uma escola pública paranaense e com duração de quatro horas aula (Incluso o tempo de aplicação do questionário investigativo da influência deste método na concepção epistemológica acerca da natureza da ciência nos estudantes, discutido em próxima seção).

8O material experimental restringiu-se a um suporte universal com mufa para segurar uma seringa hipodérmica de vidro de 20 ml, cujo êmbolo era lubrificado com óleo de câmbio de automóvel e possuía sobre ele uma pequena plataforma de madeira (por volta de 10x10 cm) para dar maior estabilidade às massas utilizadas que iam sendo acrescentadas, constituídas por cinco tijolos mineiros de aproximadamente um quilo e meio cada (individualmente embrulhados em jornal para melhor manuseio) (FUNBEC, 1979, p. 76).

9Especificamente ao arranjo experimental apresentado: como medir com rapidez para diminuir o vazamento, o que é fundamental para as maiores pressões; como segurar os tijolos para não deixa-los cair sem interferir na força peso exercida por eles; como preparar o êmbolo da seringa para minimizar os atritos.

10Nesta turma, a maioria dos estudantes era, em ano anterior, do primeiro ano do ensino médio desta mesma escola e deste mesmo professor, que na ocasião os instruiu com uma noção de erros experimentais no estudo da lei de Hooke.

11É previsto em currículo que no nível escolar do segundo ano do ensino médio os estudantes já devam ter uma habilidade nesse sentido. Na prática, porém, pode ocorrer de a pergunta ser de difícil apropriação e não ter significado claro à maioria dos estudantes. Por isso, previamente, tornam-se válidas relacionadas tentativas de esclarecimento fornecendo exemplos a partir de expressões físicas como a lei de Hooke, análoga à situação aqui tratada. Discussões nesse sentido auxiliam na preparação do estudante com "a ideia matemática de função, de fórmula, de equação, que deveria presumir um vínculo entre variáveis que, ao ser aplicada à realidade, expressaria uma lei física, ou seja, uma necessária regularidade de um fenômeno natural” (LABURÚ, 2005, p. 25).

12Sendo k uma constante. Cabe lembrar que nesta altura esclarecimentos acerca do que é uma variável e do que é uma constante já foram estabelecidos.

13Com maior influência no preenchimento dos valores das duas primeiras linhas da tabela 1.

14A pressão local foi indicada por um barômetro construído pelo professor, cujo valor foi de cerca de 710 mmHg ou 94659 Pa.

15Número mínimo convencionado por ele.

16Esta etapa torna-se um processo de ensino que auxilia a desmistificar o entendimento dos estudantes, divulgado por Allie et al. (2001), de que cada medida é independente da outra, sendo elas exatas, por si sós, sem precisarem ser combinadas de maneira alguma.

17Até mesmo quando houver grupos com resultados negativos, ou seja, com medidas que não apresentam a flutuação dos valores devido a problemas experimentais como, por exemplo, algum vazamento de ar durante as compressões. Conforme Laburú (2005, p. 205), a critério do professor, um resultado em que os produtos P.V sistematicamente diminuam "seria didaticamente positivo, na medida em que alunos concluam autonomamente, a partir dos dados, que a hipótese testada foi invalidada...”. Segundo ele (ibid.): "É possível avançar nessa conclusão, incitando um debate sobre as possíveis razões desses resultados negativos, divergentes dos encontrados pela maioria dos grupos”. Para tal situação, mas que não foi a da presente pesquisa, esse autor (ibid.) indica uma série de questões que podem servir de proveito ao educador para auxiliar os estudantes a melhor interpretar seus resultados.

18A expressão "natureza da ciência” em educação científica refere-se à epistemologia da ciência, à ciência como o caminho do conhecimento, ou ainda aos valores e crenças presentes no progresso do conhecimento científico (LEDERMANN, 1992).

19Havendo compatibilidade com o sentido da frase: "As teorias são nossas invenções, nossas ideias – não se impõem a nós” (POPPER, 1982, p. 144).

20Aproximadamente 73%.

21Em razão disto, preocupou-se nesta análise enfatizar os resultados encontrados que, até por constituírem a maioria, se mostraram tender à vertente racionalista.

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