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Revista electrónica de investigación en educación en ciencias

On-line version ISSN 1850-6666

Rev. electrón. investig. educ. cienc. vol.14 no.1 Tandil July 2019

 

ARTICULOS ORIGINALES

A dimensão epistêmica do discurso de um professor de Química no ensino de propriedades coligativas

 

Joeliton Chagas Silva, Adjane da Costa Tourinho e Silva

joelitoncs@hotmail.com , adtourinho@terra.com.br,

PPGECIMA-Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Brasil

 


Resumo

 Este artigo apresenta uma pesquisa que teve por objetivo analisar os movimentos de contextualização e descontextualização, por entre as dimensões empírica e abstrata do conhecimento químico, articulados no discurso de um professor em uma sala de aula do Ensino Médio. Considerou-se, ainda, as relações de tais movimentos com o uso de representações semióticas. Tendo-se em vista que a relação dialética entre empiria e teoria, assim como o uso de representações, é constitutiva do conhecimento científico, torna-se relevante verificar como tais aspectos são articulados no desenvolvimento dos conteúdos por professores, junto aos seus alunos. As aulas de uma sequência temática sobre propriedades coligativas, registradas em vídeo, foram submetidas à análise por meio do software Videograph®, para a obtenção dos percentuais de tempo referentes ao emprego das categorias a priori. A dimensão qualitativa da pesquisa se deu por meio da análise dos mapas de episódios e das transcrições de episódios representativos da evolução do movimento discursivo do professor. Os resultados evidenciam a habilidade do professor em articular uma discussão que se volta para fenômenos específicos, envolvendo descrições e explicações, às generalizações da ciência, na dimensão abstrata do conhecimento. Por outro lado, o limitado uso de modelos icônicos, em tal dimensão, certamente compromete uma percepção mais elaborada dos fenômenos pelos alunos.

Palavras-chave: Movimentos epistêmicos; Representações semióticas; Propriedades coligativas.

La dimensión epistémica del discurso de un profesor de Química en la enseñanza de propiedades coligativas

Resumen

Este artículo presenta una investigación que ha tenido por objetivo analizar los movimientos de contextualización y descontextualización, por entre as dimensiones empírica y abstracta del conocimiento químico, articulados en el discurso de un profesor en una sala de clase de la Enseñanza Media. Se ha considerado, también, las relaciones de tales movimientos con el uso de representaciones semióticas. Teniéndose en vista que la relación dialéctica entre la empírica y la teoría, así como el uso de representaciones, es constitutiva del conocimiento científico, se hace importante verificar como tales aspectos son articulados en el desarrollo de los contenidos por profesores junto a sus alumnos. Las clases de una secuencia temática sobre propiedades coligativas, registradas en video, fueron sometidas a análisis por medio del software Videograph®, para la obtención de los porcentuales de tiempo referentes al empleo de las categorías a priori. La dimensión cualitativa de la investigación se dio por medio de análisis de los mapas de episodios y de las transcripciones de episodios representativos de la evolución del movimiento discursivo del profesor. Los resultados evidencian la habilidad del profesor en articular una discusión que se vuelve para fenómenos específicos, relacionando descripciones y explicaciones a las generalizaciones de la ciencia, en la dimensión abstracta del conocimiento. Por otro lado, el limitado uso de modelos icónicos en tal dimensión, seguramente compromete una percepción más elaborada de los fenómenos por los alumnos.

Palabras clave: Movimientos epistémicos; Representaciones semióticas; Propiedades coligativas.
 

 The epistemic dimension of the discourse of a Chemistry teacher in the colligative properties teaching

Abstract

The paper presents a research that aimed to analyze the contextualization and decontextualization movements, between the empirical and abstract dimensions of chemical knowledge, in the discourse of a teacher in a classroom of the High School, considering the relationship of such movements with the use of semiotic representations. Considering that the dialectical relationship between empiria and theory, as well as the use of representations is constitutive of scientific knowledge, it becomes relevant to verify how these aspects are articulated in the development of the contents by a teacher with his students. The classes of a thematic sequence about colligative properties, recorded in video, were submitted to the analysis throughout Videograph® software, to obtain the percentages of time related to the use of a priori categories. The qualitative dimension of the research was based on the analysis of episode maps and the transcriptions of representative episodes of the evolution of teacher's discursive movement. The results show the ability of the teacher to articulate the discourse that turns to specific phenomena, involving descriptions and explanations, with discurse focused on the generalizations of science. On the other hand, the limited use of iconic models in the abstract dimension of knowledge certainly compromises a more elaborate perception of phenomena by students.

Keywords: Epistemic movements; Semiotic representations; Colligative properties.

La dimension épistémique du discours d'un professeur de Chimie dans l'enseignement des propriétés colligatives

Résumé

Cet article présente une recherche ayant par but l’analyse des mouvements de contextualisation et décontextualisation entre les dimensions empirique et abstraite de la connaissance en chimie, axés sur le discours d’un professeur dans une classe de lycée. On a considéré, d’ailleurs, les rapports entre ces mouvements et l’utilisation de représentations sémiotiques. Étant donné que la relation dialectique entre empirie et théorie – tout aussi comme l’utilisation des représentations – est constitutive de la connaissance scientifique, il est important de vérifier comment ces aspects s’articulent dans le développement des contenus dispensés par les professeurs auprès de leurs élèves. Les classes, enregistrées en vidéo, ont été soumises à l’analyse par la méthode Videograph®, pour que l’on obtienne des pourcentages de temps concernanat l‘emploi des catégories a priori. La dimension qualitative de la recherche a été saisie par le moyen des plans des épisodes et des transcriptions d’épisodes représentatifs de l’évolution du mouvement du discours du professeur. Les résultats mettent en évidence l’habileté du professeur à articuler son discours sur des phénomènes spécifiques – ce qui implique des descriptions et des explications –, comme celui concernant les généralisations de la Science. De son cotê, l’utilisation limitée des modéles iconiques, dans la dimension abstraite de la connaissance, peut certes compromettre une perception plus élaborée des élèves par rapport aux phénomènes étudiés.

Mots clés: Mouvements épistémiques; Représentations sémiotiques; Propriétés colligatives


 

1. INTRODUÇÃO

No campo das Ciências em geral, é impossível não afirmar que as representações são mecanismos de promoção de significados, pois elas são signos, representantes de objetos e, como tal, configuram uma linguagem que possibilita a compreensão de fenômenos e a discussão sobre eles. Isto se torna particularmente importante na Química, sendo esta uma ciência que se constitui por meio da relação dialética entre o mundo dos objetos e eventos, empírico e real, e o das teorias e dos modelos, o qual corresponde a um real construído, constituído por várias entidades tais como átomos, moléculas e ligações, dentre outras, que são criadas por meio do discurso teórico desta ciência (Mortimer & Scott, 2003). Compreender os fenômenos de interesse da Química implica a capacidade de representá-los e, portanto, reconstruí-los por variadas formas de representações semióticas.

Dessa forma, as representações devem ser estudadas e pesquisadas no contexto do ensino para que possam ser utilizadas (ou mais bem utilizadas) em favor de uma aprendizagem mais expressiva, sobretudo porque as Ciências da Natureza, e a Química em particular, fazem uso extensivo de modelos próprios, ou seja, de representações simplificadas e idealizadas de um mundo real para mobilizar e divulgar o conhecimento científico sobre ele.

Consideramos relevante, portanto, compreender como professores introduzem novas ideias em sala de aula e como fomentam a elaboração de significados em seus alunos por meio de uma dinâmica interativa, de modo que estes se apropriem de modelos explicativos adequados e possam compreender como os significados construídos em torno de um fenômeno particular podem ser estendidos a uma classe de fenômenos. Essa transição por entre os aspectos particulares e os generalizáveis de um fenômeno, entendida como movimentos de contextualização e descontextualização (Silva & Mortimer, 2009), respectivamente, bem como por entre as dimensões empírica e teórica do conhecimento, é percebida como algo constitutivo das Ciências da Natureza e, portanto, deve ser bem explorada nas salas de aula de suas disciplinas.

No processo de ensino e aprendizagem dos conhecimentos químicos, ainda que as discussões girem em torno de fenômenos particulares, é requerido que as generalizações sejam alcançadas, de modo que os conhecimentos produzidos desta forma sejam aplicáveis a outros fenômenos e objetos específicos. Nesse sentido, aa transições entre essas duas instâncias – particular e genérica – podem ser percebidas como movimentos de contextualização e descontextualização do conhecimento, podendo envolver a dimensão empírica ou teórica da Química.

Nessa perspectiva, emerge como relevante compreender como professores articulam diferentes representações semióticas ao longo das dimensões real e teórica da Química, considerando as suas potenciais contribuições para o ensino desta ciência. Propomos, então, relacionar as categorias semióticas de Peirce, no que tange às representações, às categorias epistêmicas apresentadas em Silva (2008) e Silva e Mortimer (2009), as quais possibilitam tornar visíveis os movimentos de contextualização e descontextualização articulados por entre os mundos empírico e abstrato da Química, em meio às interações desenvolvidas no plano social da sala de aula. Dessa forma, é possível compreender como as ideias requeridas pelos professores vão gradativamente se configurando em claros enunciados, ao final de determinados segmentos do discurso desenvolvido, e quais tipos de representações semióticas são adotadas por eles neste processo.

O trabalho que aqui apresentamos, sob essa perspectiva, é parte da pesquisa de mestrado do primeiro autor, em que se buscou analisar o uso de representações semióticas por um professor de Química em uma sala de aula do Ensino Médio, considerando as características das representações utilizadas e suas relações com as dimensões empírica e abstrata do conhecimento, na articulação entre os aspectos particulares e generalizáveis dos fenômenos. Constituindo-se em um estudo de caso, de natureza quali-quantitativa, a pesquisa visa a contribuir com a discussão sobre a caracterização dos movimentos interativos e epistêmicos de professores de Ciências da Natureza apresentada na literatura da área, a qual é composta por análises de diversas salas de aulas em diferentes contextos, com professores que apresentam distintos estilos de ensinar (Aguiar, Mendonça, & Silva, 2007; Buty, Tiberghien, & Le Maréchal, 2004; Lidar, Lundqvist, & Ostman, 2005; Mortimer, Massicame, Buty, & Tiberghien, 2005; Mortimer, Massicame, Buty, & Tiberghien, 2007; Mortimer & Scott, 2003; Silva, 2008; Araújo, 2008; Silva & Mortimer, 2009; Silva, 2015, dentre outros).

2. ASPECTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

As categorias que passamos a discutir dizem respeito aos pressupostos teóricos e metodológicos que deram sustentação à nossa pesquisa. Inicialmente, serão discutidas as categorias epistêmicas, as quais nos possibilitam evidenciar os movimentos de contextualização e descontextualização do conhecimento científico, os quais são constitutivos das aulas de ciências. Posteriormente, discutiremos o objeto de estudo da teoria semiótica de Peirce, enquanto teoria científica de linguagem, a ideia de signo, seu poder de comunicação e sua relação consigo mesmo, com o objeto (foco de nossa pesquisa) e com o interpretante.

2.1. As categorias epistêmicas

 As categorias epistêmicas que serão aqui discutidas são aquelas apresentadas em Silva (2008) e Silva e Mortimer (2009), baseadas no trabalho de Mortimer et al. (2005), o qual corresponde a uma expansão da ferramenta analítica anteriormente elaborada por Mortimer and Scott (2003). No presente trabalho, focalizamos o conjunto de categorias que evidenciam como o conteúdo é trabalhado ao longo das interações – a dimensão epistêmica. Para essa dimensão, consideram-se três conjuntos de categorias: modelagem, níveis de referencialidade e operações epistêmicas.

Como discutido em Mortimer et al. (2005), do ponto de vista epistemológico, uma atividade central da Química, Física ou Biologia é a modelagem, ou seja, a construção de modelos do mundo físico por meio dos quais as pessoas pensam sobre os fenômenos, elaborando predições e explicações sobre eles. Mortimer et al. (idem) propõem como categorias-base, relacionadas à construção do conhecimento nas Ciências, as seguintes: mundo dos objetos e eventos e mundo das teorias e dos modelos. Tais categorias expressam o fato de que os significados atribuídos aos fenômenos físicos e químicos são construídos na relação dialética entre esses dois mundos, um empírico e outro teórico, os quais podem ser reconhecidos no discurso da Ciência escolar.

Quando as discussões envolvem aspectos observáveis ou mensuráveis de um determinado sistema em análise, situam-se no mundo dos objetos e eventos. Por outro lado, quando as discussões fazem referência a entidades tais como átomos, moléculas, partículas ou outras que são criadas por meio do discurso teórico das Ciências, encontram-se no mundo das teorias e dos modelos. Além do mundo dos objetos e eventos e o das teorias e dos modelos, há ainda uma terceira categoria que indica a relação entre ambos. Essa relação nem sempre ocorre de forma explícita, pontual, dando-se antes no movimento de uma aula como um todo. Entretanto, em várias situações, é possível verificar explicitamente essa relação na fala do professor quando, por exemplo, ele faz uso de analogias, ou descreve empiricamente um processo ao tempo em que o representa por meio de símbolos próprios da Química (Silva, 2008; Silva & Mortimer, 2009).

Além da possibilidade de falar sobre o conteúdo científico, seja em termos de objetos e eventos, seja em termos de teorias e modelos, considera-se ainda que isso pode ser feito em pelo menos três níveis referenciais distintos: por meio de um referente específico, de uma classe de referentes ou de um referente abstrato. Um referente específico corresponde a um objeto ou fenômeno em particular, tal como a pressão de vapor da água ou a evaporação do álcool. Uma classe de referentes, por sua vez, corresponde a um conjunto de fenômenos ou objetos que apresentam características em comum, como, por exemplo, as pressões de vapor dos líquidos ou as propriedades coligativas das soluções, as quais dependem da quantidade de partículas dos solutos adicionados aos solventes. Os referentes abstratos correspondem a princípios ou conceitos mais gerais que se constituem em elementos que possibilitam pensar sobre fenômenos em particular ou classe de fenômenos. Exemplos de referentes abstratos considerados nessa pesquisa são: força de ligação, modelos de constituição da matéria, dentre outros.

Outro conjunto de categorias relacionado às atividades cognitivas de construção do conhecimento são as operações epistêmicas, em que é feita uma distinção entre descrição, explicação e generalização. Podemos entender a descrição como a abordagem a um sistema, objeto ou fenômeno, em termos de características de seus constituintes ou dos deslocamentos espaço/temporais desses constituintes. Um exemplo de descrição visto em nossa pesquisa acontece quando o professor caracteriza o éter, visando à compreensão dos alunos sobre a velocidade de evaporação deste líquido. Seria desse modo, a caracterização do estado do sistema. A explicação, por sua vez, vai além da descrição ao estabelecer relações entre fenômenos e conceitos, importando algum modelo ou mecanismo causal para dar sentido a esses fenômenos, como ocorre no caso de explicar a menor velocidade de evaporação da água em relação à do álcool ou éter, por esta apresentar uma menor pressão de vapor. Por fim, a generalização envolve elaborar descrições ou explicações que são independentes de um objeto ou contexto específico, como por exemplo, quando o professor, em seu discurso, afirma que quanto maior a pressão de vapor, maior a velocidade de evaporação dos líquidos.

É possível verificar um progressivo movimento de descontextualização ou recontextualização no discurso da ciência escolar, enquanto se avança da descrição para a explicação e, enfim, para a generalização e vice-versa. Sendo assim, para evitar a sobreposição entre essas categorias, seguimos, nesta pesquisa, a discussão apresentada em Silva (2008), quando ela considera que descrições e explicações se relacionam a referentes específicos, enquanto que generalizações correspondem a classes de referentes ou referentes abstratos.

No Quadro 1 abaixo, apresentamos os conjuntos de categorias que discutimos.

Quadro 1: Categorias epistêmicas

              Fonte: Autoria própria.

2.2. As categorias da semiótica de Peirce

Semiótica é a ciência que estuda os signos. Para Peirce (2000) um signo ou representamen é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Ele cria na mente desse alguém um segundo signo equivalente a si mesmo, isto é, um signo mais desenvolvido, denominado de interpretante. Tanto o representamen como seu interpretante referem-se, em igualdade de condições, a um terceiro elemento, o seu objeto, ocorrendo a partir daí, então, uma relação triádica envolvendo o signo, o objeto e o interpretante, chamada de semiose (Santaella, 1983, 1985; Wartha & Rezende, 2011).

Ainda em conformidade com a característica triádica adotada fortemente por Peirce (2000), entende-se que o conhecimento humano pode ser representado por uma tríade: signo, objeto e interpretante; estabelecendo-se três níveis de relações fundamentais para os signos: a) significação – em que o signo se relaciona consigo mesmo, no seu modo de ser, ou seja, na maneira como aparece; b) objetivação – em que o signo se relaciona com o objeto, fazendo referência àquilo que representa, se refere ou indica;  e c) interpretação – quando se relacionam signo e interpretante, nos tipos de interpretação que vão emergir nas mentes das pessoas que os utilizam.

Neste trabalho, optamos por relacionar as dimensões do conhecimento químico com as possíveis relações dos signos com seus objetos. Concordamos com Gois e Giordan (2007) quando argumentam que o estudo do signo em si mesmo é de base ontológica e sua contribuição se dá no âmbito do conhecimento da natureza do signo, o que não traz contribuições diretas ao estudo sobre o desenvolvimento de ambientes de ensino de química como as salas de aula, em sua dimensão social. Já o estudo do signo em relação ao seu objeto descreve de que forma o signo promove seu significado. Consideramos dessa maneira que, o conhecimento químico, de forma específica, dispõe de formas gráficas e fonéticas próprias que são usadas toda vez que se lida com a interpretação de fenômenos. Nesse sentido, a forma como estas representações promovem seus significados e o modo como esses são compreendidos têm lugar durante o desenvolvimento das atividades de ensino de química, em especial quando a natureza destas representações está relacionada às suas funções de mediação e de constituição do conhecimento. Sendo assim, a relação signo-objeto é a que mais se aproxima da tradição de pesquisa na qual a nossa se insere, que focaliza o plano social na sala de aula, espaço em que ocorrem as relações de mediação.

Além disso, como discutido em Gois e Giordan (2007), a parte que se destina tanto ao professor quanto ao aluno, considerando uma situação conjunta de ensino e aprendizagem, também está no domínio das relações entre os signos e seus objetos, pois aquela que se caracteriza pela relação do signo com seu interpretante, está na mente de cada participante da situação de sala de aula, ou seja, pertence apenas aos indivíduos particularmente. Sendo assim, a atuação do professor na situação de ensino, que pode ser vista como um processo de objetivação numa relação dos signos com seus objetos, deve ser entendida como um campo comum a dois lados, de onde se podem extrair e compreender importantes relações nos processos de ensino e da aprendizagem.

A segunda tricotomia proposta por Peirce, a qual considera as relações do signo com seu objeto, se desdobra nas formas de ícone, índice e símbolo. Os ícones são aqueles signos que têm o poder de significação por ostentar alguma semelhança com o seu objeto, semelhança esta, visual ou de propriedades. Como exemplo de ícone inserido no conhecimento químico, podemos sugerir a utilização de um ‘objeto molecular’ concreto do tipo bola-vareta de uma espécie química qualquer, como a água, no contexto de uma aula sobre a pressão de vapor dos líquidos. No mesmo instante em que o professor utilizar este tipo de recurso em sua aula, a atenção do estudante será dirigida para as esferas distintas, talvez com colorações diferentes, e ligadas entre si.

Os signos que promovem significação em virtude de uma ligação física direta com o objeto, indicando sua existência, são chamados de índices. Essa indicação ocorre não por semelhança, mas por proximidade, como por exemplo, pegadas na areia, indicando passagem de pessoas; nuvens carregadas indicando chuva (Santaella, 1983). No campo do conhecimento químico, podemos citar a utilização do indicador fenolftaleína numa aula experimental sobre ácidos e bases. Tão logo o referido indicador mude sua coloração de incolor para rosa em uma solução aquosa, essa constatação empírica levará os estudantes a pensar que a solução tem caráter básico.

Finalmente, os signos que são associados aos seus objetos em virtude de uma lei ou convenção são chamados de símbolos. Todas as palavras são símbolos porque não denotam coisas em particular, mas espécies de coisas, próprias a sua língua de origem. Como exemplo de símbolo, podemos citar a palavra ‘fósforo’ numa aula sobre elementos químicos. Antes mesmo de o professor explicar a existência de um elemento químico com este nome, ao se pronunciar esta palavra vem à mente do estudante a ideia cotidiana do fósforo de acender fogo. Não é necessário que se apresente algum objeto que mostre o significado desta palavra na língua portuguesa, pois o mesmo já existe na mente do estudante.

2.3. O professor, a escola e a sala de aula: o contexto da pesquisa

Nossa pesquisa apresenta a análise da atuação de um professor de Química de uma cidade da região agreste do estado de Sergipe, no Brasil, em uma escola da Rede Estadual de Ensino. A escola situa-se no centro da cidade e é considerada referência na região. Nesse sentido, ao tempo em que esta pesquisa apresenta um caso que comporá um repertório de práticas de professores de Química relativas ao trabalho com as relações entre as dimensões teóricas e empíricas desta ciência, que se esboça na literatura deste campo, contribuirá também para a compreensão da realidade educacional do interior do estado de Sergipe e, de certa forma, da região Nordeste do país, haja vista as semelhanças entre o ambiente de nossa pesquisa com outros da região.
O professor selecionado, de nome Vicente1, é bem-conceituado pela comunidade escolar. A sua formação inicial compõe-se de duas graduações: Licenciatura em Química e Bacharelado em Farmácia, ambas cursadas na Universidade Federal de Sergipe. Vicente tem uma experiência considerável em sala de aula; são vinte anos de atuação na Educação Básica, em escolas da região.

A sequência de aulas tomada para análise faz parte da unidade temática “Propriedades Coligativas das Soluções”. Ela compôs-se de 4 aulas, geminadas duas a duas, nas quais o professor abordou inicialmente as propriedades físicas dos materiais (pressão de vapor, temperatura de ebulição, volatilidade e força de ligação) e, em seguida, as propriedades coligativas propriamente ditas (tonoscopia e ebulioscopia). Tais aulas foram ministradas em uma turma de 2º ano do Ensino Médio, do turno vespertino, composta por 26 alunos. Todas as aulas foram realizadas em sala de aula regular (6x8 m2), com exposição dos conteúdos, seguindo uma abordagem metodológica tradicional. Nessa perspectiva, as carteiras dos alunos encontravam-se dispostas em 5 fileiras na sala de aula, enquanto o professor situava-se durante todo o tempo frente ao quadro de giz.

2.3. Os procedimentos de coleta e tratamento dos dados

Nessa pesquisa, o principal método utilizado para a coleta de dados foram as gravações em vídeo, realizadas por meio de uma câmera digital. Os dados coletados em vídeo foram analisados com auxílio de um software desenvolvido pelo IPN-Kiel, o Videograph®. Isto nos permitiu gerar os totais de tempo correspondentes ao emprego das categorias do sistema analítico utilizado, os quais foram obtidos tanto para a sequência de quatro aulas como um todo, como para cada aula dessa sequência individualmente.

O software Videograph® possibilita que apareçam na tela do computador: o registro audiovisual da aula, as categorias informadas previamente pelo pesquisador e uma linha do tempo. À medida que a aula gravada progride na tela, o pesquisador seleciona a categoria que ele considera correspondente à caracterização daquele momento da aula e tal categoria vai sendo registrada na linha do tempo, localizada na tela, abaixo da imagem da sala de aula. Ao mudar de categoria, uma nova passa a ser registrada em lugar da anterior. Dessa forma, o programa vai registrando os tempos relacionados aos diferentes segmentos da aula em que cada categoria é empregada. Assim, chega a informar os valores absolutos, bem como os percentuais de tempo, referentes ao emprego de cada categoria analítica. Tais dados, assim obtidos, compõem a dimensão quantitativa da pesquisa.

Vale ressaltar que, apenas os momentos em que o professor tratava dos conteúdos científicos foram tomados para análise por meio do sistema de categorias. Nesse sentido, o tempo total codificado é menor que o tempo total referente ao conjunto de aulas investigadas, visto que em uma sala de aula há diversos conteúdos de discurso além daquele que corresponde à ciência escolar.

Além de serem submetidas à análise com o Videograph®, as aulas registradas em vídeo foram mapeadas. Os mapas foram elementos fundamentais para a dimensão qualitativa da pesquisa. Seguindo a metodologia discutida em Silva (2008), trabalhamos com três tipos de mapa: o de episódios, o de sequências discursivas e o de categorias epistêmicas. Tais mapas priorizam diferentes unidades analíticas que se constituem em diferentes segmentos do discurso da sala de aula: os episódios, as sequências discursivas e os segmentos epistêmicos, respectivamente.

Um episódio (idem) é considerado um conjunto coerente de ações e significados produzidos pelos participantes em interação, que tem um início e um fim tematicamente claros, e que pode ser facilmente discernido daqueles precedente e subsequente. Os episódios foram decompostos em unidades menores, as sequências discursivas. Estas proporcionam a verificação sobre como as ideias mais simples se conectam entre si, formando as ideias mais amplas, as quais caracterizam os episódios. Os segmentos epistêmicos, por sua vez, indicam a ocorrência de variação das categorias epistêmicas e semióticas ao longo da aula e resultam na fragmentação das sequências discursivas em segmentos menores. Dessa forma, a cada variação nas categorias epistêmicas ou semióticas dentro de uma mesma sequência discursiva, temos a passagem de um segmento epistêmico a outro.

É importante salientar que, diferentemente do que ocorre com os dados quantitativos, ou seja, com os percentuais de tempo referentes às categorias empregadas na análise, os mapas descritos não surgem diretamente do trabalho com o Videograph®, porém sua elaboração é favorecida por tal trabalho. Isto acontece porque a visualização do movimento das categorias que caracterizam o discurso do professor ao longo do trabalho com o software dá ao pesquisador informações importantes para delimitar episódios, sequências discursivas e, sobretudo, segmentos epistêmicos, o que é necessário à confecção dos mapas.

De acordo com o exposto, a análise desenvolvida alia na pesquisa as dimensões quanti e qualitativa. Enquanto, os percentuais de tempo expressam o “peso” de cada categoria para cada aula em particular, bem como para a sequência de aulas como um todo, os mapas evidenciam o “movimento” de tais categorias, ou seja, como estas se alternam ao longo das aulas. Considerando os diferentes episódios, os quais se interligam entre si na composição da sequência de aulas, é possível verificar um ritmo recorrente do emprego de categorias na caracterização do discurso do professor. Nessa perspectiva, torna-se possível selecionar episódios que melhor expressam tal ritmo.

A análise das quatro aulas da sequência (geminadas duas a duas) gerou 33 episódios. Destes, de acordo com o conteúdo do discurso2, 3 (três) foram classificados como “de gestão e manejo de classe”, 4 (quatro) “de agenda”, 3 (três) “de conteúdo escrito” e 22 (vinte e dois) “de conteúdo científico”. Um dos episódios, por sua vez, foi categorizado como “outros”.
A diferenciação entre os episódios foi proposta por Mortimer and Scott (2003) considerando que as múltiplas interações entre professor e estudantes relacionam-se a uma gama de discursos cujos conteúdos podem incluir: questões conceituais, tecnológicas ou ambientais; aspectos procedimentais do fazer Ciência, como montagem de aparatos experimentais, e, ainda, questões de manejo e gestão de classe, o que pode envolver intervenções do professor sugerindo aos alunos diferentes modos de organização em sala de aula, dentre outras ações que não contemplam diretamente o conteúdo científico. Desse modo, diferentes tipos de episódio são delimitados e classificados em função da natureza de seu conteúdo.
Na discussão que segue, os 3 episódios apresentados foram selecionados dentre os 22 em que o professor desenvolveu conteúdo científico, sendo considerados representativos da forma pela qual ele transita por entre as dimensões empírica e abstrata da Química e como aborda os objetos e eventos desta ciência, intercalando entre si descrições, explicações e generalizações. Os percentuais de tempo informados, por sua vez, oferecem a percepção sobre o quanto tais categorias se fazem presente no discurso do professor ao longo da sequência de aulas considerada.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Inicialmente, discutiremos os episódios 8, 9 e 10 da Aula 1 (corresponde a duas aulas geminadas), os quais são bastante representativos, em vários aspectos, da dinâmica discursiva do professor em interação com os alunos durante as aulas investigadas, dando visibilidade ao movimento pelo qual as categorias analíticas são intercaladas ao longo das sequências discursivas. Tais episódios iluminam, portanto, os dados quantitativos que serão apresentados em seguida. A análise compreendendo tais dados nos dará uma noção do tempo de atuação do professor referente a cada categoria analítica, durante todas as aulas consideradas na pesquisa.

3.1. Análise qualitativa

Os episódios que passaremos a analisar se inserem na primeira aula da sequência registrada.  Nela, o professor tem a clara intenção de introduzir e desenvolver a estória científica, trabalhando com conceitos fundamentais da unidade temática. O discurso apresentado pelo professor3 ao conduzir a dinâmica discursiva deste ambiente, em uma primeira dimensão (dialógico/de autoridade) é caracterizado como de autoridade, em que se considera o que o estudante tem a dizer apenas do ponto de vista científico. Nesse sentido, apenas uma voz, a da ciência escolar, é valorizada e não há interanimação de diferentes ideias. Numa segunda dimensão (interativo/não-interativo), a qual leva em conta as interações do tipo face a face em sala de aula, constatamos a presença tanto do discurso interativo, quanto do não-interativo, sendo que o primeiro foi observado em uma frequência bem menor, e caracterizado apenas quando os alunos preenchiam lacunas na fala do professor.
Passamos, a seguir, à discussão dos referidos episódios.

3.1.1. - O Episódio 8 – Introduzindo o conceito de pressão de vapor – relação com a capacidade de evaporação dos líquidos

A transcrição a seguir apresenta marcações de tempo que delimitam as sequências discursivas que compõem o episódio, bem como os segmentos epistêmicos. Os tempos iniciais e finais de cada sequência encontram-se assinalados em caixa alta, enquanto que aqueles referentes aos segmentos epistêmicos estão em impressão comum. Vale ressaltar que, a delimitação entre as sequências, bem como a segmentação das sequências em função das categorias epistêmicas pode envolver a “quebra” do turno de fala do professor ou do aluno. Isso pode ser verificado no Quadro 2, em que a transcrição é apresentada.

Quadro 2 – Transcrição do Episódio 8 – Aula 1.

Fonte: Autoria própria.

O episódio 8 apresentou como recorte temático a conceituação de pressão máxima de vapor ou, simplesmente, pressão de vapor. O foco das atenções do professor encontra-se sobre tal conceito. O episódio é composto por 3 sequências discursivas. A primeira (16:02-16:40), subdividida em três segmentos epistêmicos, é executada pelo professor em apenas um único turno de fala (Turno 1), ou seja, sem nenhuma interação com os alunos. Nela, o professor faz uma apresentação inicial do conceito de pressão de vapor. No primeiro segmento epistêmico (16:02-16:10) desta sequência, o professor reporta-se apenas à simbologia química utilizada para representar o conceito que será em seguida apresentado. Aí, além do caráter simbólico da representação de pressão de vapor, uma vez que toda palavra é símbolo, é verificada, também, uma característica proeminentemente de cunho indicial, quando o professor recorre a representação (pv) escrita no quadro e explicita que esta se refere à pressão de vapor, numa clara relação de proximidade, indicando o signo e o objeto que este representa:

1 - Professor: vamos ver pressão de vapor/ que na química nós vamos representar por pv. Então, quando vocês verem lá a questão que tenha pv, significa pressão de vapor.

O discurso do professor, neste primeiro segmento epistêmico, envolve uma generalização, no mundo das teorias e dos modelos, tratando de um referente abstrato: a pressão máxima de vapor, posto que busca conceituar tal grandeza. A generalização corresponde à sua representação indicial. No segmento epistêmico seguinte (16:10-16:36), segundo da sequência, ao apresentar o conceito de pressão máxima de vapor que se encontra no livro e relacioná-lo à percepção cotidiana de evaporação, o professor passa a relacionar os dois mundos (empírico e teórico) da Química; todavia, permanece lidando com uma generalização e um referente abstrato. Deste modo, seu discurso envolve dois níveis conceituais distintos: um elaborado cientificamente e outro mais empírico, cotidiano. Para definir o conceito de pressão máxima de vapor ele busca estabelecer relações entre tal referente abstrato, que corresponde a uma elaboração teórica da Química, com a capacidade de evaporação dos líquidos, algo mais imediatamente perceptível. O foco do discurso é o conceito de pressão máxima de vapor, o qual é feito por meio de um explícito afastamento da definição do livro e aproximação do aspecto mais evidente do fenômeno, a mudança de fase. Nesse sentido, o professor evita falar do equilíbrio dinâmico das fases, algo que não é imediatamente dado, e do movimento

das partículas de líquido e vapor na manutenção deste equilíbrio. A elaboração do conceito de pressão máxima de vapor presume este entendimento. Em suma, podemos considerar que ele não apresenta o conceito de pressão de vapor como cientificamente estabelecido, mas opta por valorizar a sua relação com a capacidade de evaporação de um líquido.
Na maior parte do discurso adotado nesse segmento, o professor faz a leitura da definição posta no quadro, correlacionando sua fala à escrita. A categoria semiótica índice aparece de forma evidente quando o professor utiliza setas em movimento para sinalizar a evaporação. Apesar de no quadro estar escrita a equação química para o equilíbrio dinâmico das fases da água, o professor não se refere oralmente a ela. Vejamos:

1 - Professor: Então/ o conceito que vocês vão ver no livro de química é esse aqui, olhem: a pressão que existe entre um líquido quando ele está em equilíbrio entre a fase líquida e gasosa numa dada temperatura/ Mas isso não vai dar pra vocês entenderem muita coisa/ Na verdade, é a força que o líquido tem para que ele possa passar para o estado gasoso.

Na parte final dessa sequência discursiva, no último segmento epistêmico (16:36-16:40), o professor passa a considerar uma classe de referentes (os líquidos) informando que quando um líquido evapora, atinge a sua pressão máxima de vapor. Ainda que de forma sutil, é perceptível que o foco se desloca do conceito de pressão máxima de vapor em si, para uma classe de referentes- os líquidos. Ainda permanecem relacionados os dois mundos, o teórico e o empírico, em forma de generalização. Essa aproximação do mundo teórico (conceito de pressão de vapor) a um evento observável (evaporação de líquidos) certamente favorece a percepção inicial do conceito posto em discussão, uma vez que relaciona algo abstrato com algo cotidianamente vivenciado, como é o caso da evaporação; todavia, como ficará evidente mais adiante, a abordagem ao conceito não será aprofundada a nível microscópico e isso pode ser entendido como uma certa superficialização do mesmo. As representações semióticas, por sua vez, se encontram na dimensão simbólica.

1 - Professor: Então, quando ele ((o líquido)) consegue evaporar, nós dizemos que ele atingiu sua pressão máxima de vapor.

Na sequência discursiva 2 (16:40-17:41), o professor introduz um questionamento sobre as velocidades de evaporação de três líquidos, considerando seus respectivos valores de pressão máxima de vapor. A partir desse ponto, ele vai conduzindo a discussão com os alunos no sentido de alcançar a resposta adequada. Desse modo, percebemos que o conceito de pressão máxima de vapor introduzido na primeira sequência discursiva, passa, na segunda sequência, a ser aplicado à discussão sobre referentes específicos, os três líquidos tomados para análise: o éter, o álcool e a água.

A sequência discursiva 2 é composta de quatro segmentos epistêmicos distintos. Nos três primeiros segmentos (16:40-17:00, 17:00-17:25 e 17:25-17:31) a abordagem do conteúdo se deu unicamente no mundo dos objetos e eventos, considerando-se os referentes específicos água, álcool e éter, envolvendo descrições. A discussão gira em torno das velocidades de evaporação desses líquidos. No último segmento (17:31-17:41) porém, a abordagem inclina-se para o mundo das teorias e dos modelos, em que o professor explica a diferença das velocidades de evaporação da água e do éter, associando-as ao conceito de pressão máxima de vapor.
O professor inicia a sequência com um questionamento, logo no turno 1:

1 - Professor: Eu vou fazer uma pergunta a vocês: imaginem que eu tenha aqui três recipientes abertos, aqui em cima da bancada, e eu coloquei água no primeiro, álcool no segundo e éter no terceiro, os três estão abertos, qual deles vocês irão sentir o cheiro primeiro? ((o desenho dos recipientes, como nome dos líquidos e valores de pv estão no quadro)).
2 - Alunos: o álcool.

Nesse primeiro segmento epistêmico (16:40-17:00), é verificada a presença de um signo icônico, no momento em que o professor descreve o fenômeno e aponta para os desenhos feitos no quadro, em que estes representavam os três recipientes contendo os líquidos mencionados por ele, numa nítida relação de semelhança com o objeto representado. A partir daí, nos segundo e terceiro segmentos, o professor vai fazendo uma série de descrições (Turnos 3 e 5), em virtude de a resposta inicial dos alunos à pergunta ter sido incorreta:

3 - Professor: éter é aquele que se usa nos hospitais.
4 - Alunos: o éter
5 - Professor: éter, certo! Então, o éter ele se espalha muito rápido, então, ele se transforma muito rápido em gás, passa num instante. Se você deixar ele aqui aberto o recipiente com éter, daqui umas duas horas ele já desapareceu, todinho! Ele vai embora todinho pro estado de vapor.
Já a água não! Você pode deixar um copo com água aqui que ela vai passar dias e dias e ela quase não evapora.

Em seguida (quarto segmento), para explicar a diferença de velocidade de evaporação entre a água e o éter, o professor retoma o conceito teórico de pressão máxima de vapor, de modo que a discussão se inclina ao mundo da teoria e dos modelos, uma vez que tal ideia envolve uma elaboração conceitual nesse nível; todavia essa discussão teórica, considerando-se um modelo cinético-molecular não foi abordada. O professor se referiu “à força que o líquido tem para que ele possa passar para o estado gasoso”. Considerando essa relação entre aspectos empíricos e teóricos, neste momento em que se busca elaborar o conceito e, portanto, refletir sobre o que ele significa, percebe-se que a discussão envolve uma relação entre os dois mundos da Química – o teórico e o empírico, com ênfase no primeiro. Para destacar os valores de pressão máxima de vapor, o professor circula-os, sendo constatada uma relação indicial.

5 - Professor: Por que? Porque a água tem uma pressão de vapor pequena ((circulando o valor no quadro)). Já o éter, tão vendo pessoal, como é grande a pressão de vapor dele, de 440 mmHg?

Nessa sequência, tendo-se em vista o movimento adotado pelo professor, fica nítida sua intenção recontextualizar o conceito, associando-o à realidade observável do aluno, por meio de questionamento sobre fatos cotidianos. Isso evidencia-se pela utilização de forma mais pronunciada do conteúdo no mundo dos objetos e eventos, em que esta categoria prevaleceu em três dos quatro segmentos constitutivos da sequência. Com relação às operações epistêmicas, verificamos que o professor parte de descrições para depois alcançar à explicação, a qual em si mesma presume o uso de uma generalização que, neste caso, corresponde ao uso do conceito de pressão máxima de vapor. Desta forma, o professor finaliza a sequência com o segmento em que o conteúdo busca avançar para o mundo das teorias e dos modelos.

Reportando-nos à ideia de contextualização, é bastante perceptível a utilização, de forma exclusiva, de referentes específicos, em se tratando dos níveis de referencialidade. Como o objetivo que permeou a sequência foi usar a velocidade de evaporação para se ter um entendimento da pressão máxima de vapor, a dinâmica adotada foi importante. Em uma análise semiótica, foi verificado o uso de ícones, no mundo dos objetos e dos eventos (de cunho realista, por meio de desenhos de recipientes contendo líquidos diferentes), índices, no mundo das teorias e dos modelos (ao se referir a representação de pressão de vapor por P e v, respectivamente) e símbolos.

Na sequência discursiva 3 (17:41-18:05), última do episódio 8, o professor busca sintetizar o conceito de pressão de vapor (mundo das teorias e dos modelos), enfatizando a sua representação para a velocidade de evaporação dos líquidos (mundo dos objetos e dos eventos). Esse movimento de associação entre os dois mundos é fundamental nesse momento de elaboração inicial do conceito. A definição de pressão máxima de vapor de um líquido envolve uma discussão teórica sobre equilíbrio de fases e, portanto, da igualdade das velocidades de evaporação e condensação. Isso relaciona-se à capacidade de evaporação do líquido, algo comum e facilmente percebido pelos alunos. Na discussão apresentada pelo professor, o entendimento de pressão máxima de vapor (de cunho abstrato), é promovido considerando-se que quanto maior for seu valor numérico, mais rapidamente o líquido evapora. Conforme comentamos, a percepção sobre o comportamento do sistema líquido-vapor no nível microscópico não é explorada.

A sequência apresenta dois segmentos epistêmicos. No primeiro (17:41-17:50), o professor adota uma classe de referentes (os líquidos), fazendo uso de uma generalização. Para finalizar a sequência, no segundo segmento (17:50-18:05), o professor explica as diferenças entre as velocidades de evaporação dos três líquidos por meio dos valores de pressão de vapor. Desse modo, discute de maneira contextualizada, utilizando referentes específicos. Para fazer essa síntese, o professor recorre aos desenhos, numa representação icônica.

5 - Professor: Então, vocês vão pensar agora assim, olhem: quanto maior essa pressão, mais rápido o líquido passa para o estado de vapor, certo? Mais rápido ele evapora.
Água demora mais porque a pressão é baixa. O álcool evapora, mas é mais lento que o éter (fazendo gesto de mais ou menos com a mão), mas é maior que a água, mas desses três, o éter evapora mais rápido.

Analisando o episódio como um todo, por meio do mapa de categorias epistêmicas, é evidente o movimento de contextualização/descontextualização do conhecimento científico. Durante todo o tempo é possível verificar essa dinâmica, seja intercalando entre si o mundo dos objetos e eventos e o das teorias e dos modelos, seja reportando-se a referentes específicos ou a classe de referentes. Considerando as operações epistêmicas, verificamos de maneira geral, que o professor partiu de uma generalização, intercalou-a com descrição, finalizando com explicação. Um aspecto do professor que merece destaque é a menção frequente dos fenômenos no mundo dos objetos e eventos. É evidente a sua preocupação de aproximar os conteúdos para o mundo real e observável ao aluno, em meio a uma estrutura convencional de aula.

Sintetizando nossa análise, apresentamos abaixo o Quadro 3, referente ao mapa de segmentos epistêmicos desta aula.

Quadro 3 – Mapa de segmentos epistêmicos – Episódio 8 - Aula 1

Fonte: Autoria própria.

Analisando o Quadro 3 acima, fica evidente o movimento entre as categorias epistêmicas e da semiótica ao longo do episódio. O professor inicia o desenvolvimento do conteúdo no mundo teórico da Química, fazendo uso de referentes abstratos e generalizações antes de passar a fazer uso de referentes específicos no mundo empírico dos objetos e eventos, em que surgem as descrições, retornando posteriormente ao mundo teórico (ou relacionando-o ao empírico), desenvolvendo explicações. Trata-se, em linhas gerais, de uma abordagem em micro-escala, que pode ser percebida em uma macro-escala, nos livros didáticos mais convencionais, qual seja: os conceitos (generalizações teóricas) são introduzidos em primeiro lugar para, em seguida, serem aplicados por meio de exemplos e exercícios a eventos particulares (referentes específicos) que, em maior ou menor grau, se reportam ao empírico cotidiano, mas que requerem uma abstração teórica em sua compreensão e resolução.

Em Silva (2008) foi verificada estratégia semelhante a esta, empregada por um dos professores investigados no contexto do desenvolvimento da sequência temática Termoquímica em uma sala de aula do 2º ano do Ensino Médio. Todavia, faz-se necessário, neste momento, salientar as especificidades verificadas no caso do professor de nossa pesquisa. Ele inicia o processo por meio de generalizações no mundo teórico da química, mas não permanece aí por muito tempo e a passagem desta dimensão teórica à empírica não é feita abruptamente, como no caso do professor discutido por Silva (idem). O professor trata de relações explícitas entre ambas as dimensões, a teórica e a empírica, antes de chegar a esta última. Nesse movimento, vai intercalando generalizações e descrições ou explicações entre si, em paralelo aos referentes abstratos (ou classe de referentes) e referentes específicos, que se revezam em seu discurso. Essa dinâmica nos parece mais confortável para os alunos, os quais declaram que conseguem entender bem a Química com tal professor. Todavia, como comentamos, apesar de apresentar um movimento expressivo na articulação entre os mundos teórico e empírico da Química, o professor evita o trabalho com modelos, para representação microscópica dos fenômenos, de modo que o uso de representações icônicas no mundo teórico é mínimo. Tais representações são utilizadas praticamente na perspectiva realista, no mundo empírico, ou seja, representações de béqueres ou outras vidrarias de laboratório. Com relação às representações indiciais, estas se resumem a setas e “símbolos” no mundo representacional da química.

O avanço para o mundo submicroscópico se dá no episódio 10, em que o professor passa a falar sobre forças de ligação, relacionando-as à capacidade de evaporação dos líquidos. Desse modo, continua a relacionar aspectos empíricos à teóricos; todavia a ênfase já se encontra no mundo das teorias e dos modelos, incluindo novo elemento à sua discussão. Passamos então a discutir o episódio 10, sendo que, antes, explanaremos brevemente sobre o episódio 9.

3.1.2 - O Episódio 9 – Relacionando pressão máxima de vapor com volatilidade

Após ter introduzido o conceito de pressão máxima de vapor e tê-lo relacionado à capacidade de evaporação dos líquidos no Episódio 8, no Episódio 9 (18:05-20:43) o professor introduz o conceito de volatilidade. Nesse episódio, observa-se ainda uma série de questionamentos relacionados à análise de qual substância, dentre a água, o álcool e o éter seria a mais volátil, bem como sobre que substâncias seriam mais providenciais para a fabricação de perfumes, levando em consideração a propagação do “cheiro” e a ideia comercial subjacente, na visão do professor.

Em linhas gerais, o Episódio 9 se assemelha ao anterior. O professor trabalha inicialmente com generalizações, envolvendo classes de referentes, intercalando-as posteriormente com descrições e explicações, as quais associam-se a referentes específicos, envolvendo a relação entre os dois mundos - teórico e empírico- ou envolvendo apenas este último, o que se dá de forma mais pronunciada. O professor parte do conceito de volatilidade, associando-o aos conceitos de evaporação e pressão máxima de vapor para, em seguida, aplicá-los na análise das diferenças entre as volatilidades do éter, do álcool e da água e as substâncias voláteis presentes na fabricação de perfumes. Devido à semelhança desse episódio com o anterior, não avançaremos em sua descrição e análise.

3.1.3- O Episódio 10- Pressão máxima de vapor e força de ligação

Após conceituar pressão máxima de vapor, utilizar tal conceito para explicar as diferenças de velocidade de evaporação de líquidos e relacioná-lo à ideia de volatilidade, no Episódio 10 o professor passa a uma discussão no mundo submicroscópico, em que recorre ao conceito de força de ligação para explicar as diferenças nas pressões de vapor e velocidade de evaporação dos três líquidos abordados desde o início da aula: o éter, o álcool e a água. Conforme apresentado no Quadro 4, essa discussão é bastante breve.

Quadro 4 -Transcrição do Episódio 10 – Aula 1

Fonte: Autoria própria.

No episódio 10, acima transcrito, o professor insere na discussão o conceito de força de ligação. Tal episódio foi desenvolvido em duas sequências discursivas. Na primeira, composta de 3 segmentos epistêmicos, o professor retoma a ideia de força de ligação relacionando-a à velocidade de evaporação e pressão máxima de vapor dos líquidos. Ele considera o significado de ligações mais fracas, em correspondência à passagem mais rápida para o estado de vapor, no segmento epistêmico 1 (20:43-20:54); em seguida, no segmento epistêmico 2 (20:54-20:59), traça uma relação de tais aspectos com a pressão máxima de vapor e, no segmento epistêmico 3 (20:59-21:04), conclui que dos três líquidos abordados, o éter apresenta as ligações mais fracas. Nesse sentido, no primeiro segmento epistêmico ele trabalha com uma generalização, lidando com uma classe de referentes (os líquidos), na dimensão teórica da Química. No segundo segmento, continua lidando com generalização e classe de referentes, passando a relacionar as dimensões empírica e teórica entre si e, posteriormente, no terceiro segmento, lida com um referente específico (o éter), fazendo uso de uma descrição no mundo das teorias e dos modelos.

A última sequência (21:04-21:12), acontece com uma síntese em que foram relacionados os conceitos de pressão de vapor, volatilidade, velocidade de evaporação e força de ligação. Esse movimento acontece em forma de generalização, envolvendo uma classe de referentes, no mundo das teorias e dos modelos, pois o foco é relacionar os conceitos anteriormente discutidos com a ideia de ligações química, uma entidade que faz parte do discurso teórico da Química, não sendo palpável ou imediatamente dada.

19 – Professor: Mesma coisa viu: mais volátil, evapora mais rápido, tem mais pressão de vapor e tem ligações mais fracas.
Considerando o episódio 10 como um todo, observamos, mais uma vez, a adoção pelo professor de um movimento semelhante ao desenvolvido nos episódios anteriores, todavia tratando de ideias com a dimensão abstrata/teórica mais pronunciada. Ele iniciou retomando um conceito, o de força de ligação, intercalou com referente específico na perspectiva de dar sentido ao conceito e no fim, encerra ampliando para uma ideia geral do fenômeno.

Visualizando os três episódios, é possível verificar que a relação entre a capacidade de evaporação dos líquidos e a sua estrutura é abordada no último, todavia de forma bastante abreviada. A fragilidade potencial verificada se dá devido a não utilização de signos icônicos ao se tratar da natureza abstrata do conceito de força de ligação, ou seja, a desvalorização do uso de modelos, ao menos na sequência de aulas por nós analisada. Não podemos afirmar que essa abordagem  seja recorrente nas demais aulas do professor.
Sintetizando a nossa discussão do episódio 10, apresentamos o Quadro 5 abaixo.

Quadro 5 – Mapa de segmentos epistêmicos – Episódio 10 - Aula 1

Fonte: Autoria própria.

Tendo em vista a análise dos episódios apresentados, podemos ter uma visão clara da dinâmica adotada pelo professor no desenvolvimento do conteúdo científico. Considerando o conceito de pressão de vapor como central no desenvolvimento da sequência, ele iniciou tal sequência com uma generalização, definindo o conceito e apresentando sua simbologia. Feito isso, procurou apontar o efeito observável da pressão de vapor, associando-a à velocidade de evaporação de líquidos distintos e à noção de volatilidade, ou seja, fez uma abordagem contextualizada, utilizando-se de referentes específicos, no mundo dos objetos e eventos. Por fim, retomou à generalização para relacionar pressão de vapor, volatilidade e velocidade de evaporação à força das ligações existentes entre as moléculas constituintes dos líquidos.

No momento em que a discussão se encaminhou para a velocidade de evaporação dos líquidos, sendo tal processo relacionado ao conceito de pressão de vapor, verificamos de forma clara o movimento de contextualização, ou seja, o professor adotou de forma mais acentuada o referente específico, no mundo dos objetos e eventos. Dessa forma, trouxe à discussão casos particulares do mundo observável aos alunos. No entanto, notamos que a descrição se sobressaiu se comparada à explicação. Isso, de algum modo, limita a imaginação dos alunos. Como a explicação geralmente envolve a utilização de modelos e mecanismos causais, esquivar-se das explicações implica pouco uso de modelos e, portanto, de signos icônicos no mundo teórico da Química e isso de certa forma, acarreta uma deficiência no ensino desta ciência, visto que a utilização de modelos é algo a ela inerente. O que vimos foi a utilização de signos icônicos, representando a matéria em caráter realista, perceptível, que não colabora para uma percepção mais aprofundada dos conceitos.

3.2- Análise quantitativa

Passamos, neste momento, a uma análise quantitativa referente às quatro aulas (duas aulas geminadas) investigadas em nossa pesquisa. Iniciamos a discussão pelas categorias do conjunto modelagem. Observamos no Quadro 4 a seguir, que o discurso do professor esteve, de forma mais pronunciada, no mundo dos objetos e eventos (55,91%). Dessa maneira, fica nítida a intenção do professor de desenvolver a estória científica valorizando o mundo empírico, observável pelos alunos. O mundo das teorias e dos modelos aparece com o segundo menor percentual (30,16%) desse conjunto de categorias. Por fim, verificamos que o professor dispensou também um certo tempo para a discussão envolvendo a relação mais explícita entre os dois mundos (13,93%).

Considerando as categorias do conjunto níveis de referencialidade, aquela que mais se destaca é o referente específico (64,23%), como pode ser compreendido por meio da discussão do episódio 8. Torna-se, assim, perceptível que o professor se valeu, na maior parte do tempo, de casos particulares para desenvolver o conteúdo científico. Esse dado é bastante relevante na sequência analisada, haja vista que ele reflete, sobretudo, que o professor se preocupou em adotar uma abordagem voltada à contextualização do conteúdo científico, como definido em nossa pesquisa. Tendo em vista os percentuais relativos à modelagem, já apresentados, fica claro que tal discussão se deu prioritariamente no mundo dos objetos e eventos. Fica evidente ainda, a pouca utilização do referente abstrato pelo professor, ou seja, ele utilizou a maior parte do tempo aplicando tais referentes na análise de fenômenos específicos, reservando menor tempo para a apresentação estrita deste referente em si mesmo (2,91%).

Com relação às operações epistêmicas, observamos que a modalidade que apresenta o maior percentual do tempo total codificado é a descrição (41,18%). Seguindo esta, aparece a generalização (35,77%) e, por último, a explicação (23,05%). A relação entre os percentuais de tempo destas categorias pode também ser compreendida visualizando o mapa de segmentos epistêmicos do episódio 8 (Quadro 3). Tais percentuais são compatíveis com aqueles relativos às categorias do conjunto níveis de referencialidade. Com base nesses percentuais, percebemos o empenho do professor em descrever os fenômenos químicos, o que é compatível com o predomínio do referente específico, haja vista que a descrição está associada a tal categoria quando se trata do nível de referencialidade. Verifica-se, ainda, que a descrição supera a explicação, o que significa, de alguma forma, limitar a percepção dos alunos no nível teórico e abstrato da química, já que a maior parte das explicações se dá nesse nível.

Passando às categorias relativas às representações semióticas, mais especificamente as que relacionam signo e objeto, observamos que a categoria que prevaleceu com o maior percentual foi a que se refere ao símbolo apenas (64,13%), ou seja, a que corresponde aos momentos em que o professor fez uso do símbolo sem usar concomitantemente outro tipo de representação. Em seguida, aparece a categoria que corresponde ao uso dos três tipos de signo ao mesmo tempo (ícone, índice e símbolo), com 19,94% do tempo total codificado nesse conjunto de categorias. Observando os percentuais apresentados no Quadro 6, verificamos que, embora a representação simbólica individualizada seja a mais adotada, justamente pelo fato de a comunicação oral ser assim caracterizada, notamos que em torno de 35% do tempo total codificado, o professor adotou os signos icônicos e indicias, seja associando cada um individualmente ao símbolo, seja relacionando os três signos coletivamente.

Os dados apresentados nos revelam a pouca utilização de representações semióticas, icônicas e indiciais, por parte do professor. Nos chama atenção tal fato, tendo-se em vista a natureza específica do conhecimento abordado, o qual envolve intrinsecamente a utilização de modelos, o que é comum na Química, além de gráficos e outras representações que organizam informações e dão sentido ao mundo empírico. De forma mais específica, os dados informam ainda a pouca utilização de representações icônicas no mundo das teorias e dos modelos, como forma de explicar e dar fundamentação aos fenômenos discutidos. Ao longo das aulas percebemos que, embora o professor em determinado momento chegasse a falar de partículas e de força e rompimento de ligações, esse aspecto não foi explorado a ponto de representar tais entidades. Os ícones foram utilizados para uma representação realista do mundo. Eles representaram vidrarias de laboratório e substâncias na perspectiva empírica, mas não de modo a apresentar modelos explicativos para o mundo real.

O Quadro 6 abaixo apresenta os valores absolutos e percentuais de tempo referentes a cada categoria empregada na análise da sequência de aulas.

Quadro 6 – Tempos absolutos e percentuais de tempo de cada categoria para a sequência de aulas

Fonte: Autoria própria.

Sumarizando, a distribuição das categorias epistêmicas tendo em vista o desenvolvimento do conteúdo científico, em conjunto, nos permite considerar que o professor dispensa, em suas aulas, a maior parte do tempo para a discussão de referentes específicos, o que é compatível com o maior percentual apresentado pela categoria descrição, no conjunto operações epistêmicas. Essa discussão envolvendo referente específico encontra-se, na maior parte do tempo, no mundo dos objetos e eventos. Deste modo, embora tenha ocorrido a contextualização, da forma como é definida nesta pesquisa, verificamos que a descrição supera em termos percentuais a explicação, o que significa, de alguma forma, uma redução da percepção dos fenômenos pelos alunos no nível teórico e abstrato da química. Como a explicação geralmente envolve a utilização de modelos explicativos e mecanismos causais, a redução das explicações implica pouco uso de modelos e, portanto, de signos icônicos do mundo teórico desta ciência, o que foi compatível com a baixa utilização dessas representações semióticas informadas pelos percentuais de tais categorias.

4. DISCUSSÃO

De modo geral, acreditamos que o movimento adotado pelo professor expressou uma nítida relação de contextualização/descontextualização. Ele geralmente partia de uma generalização, no mundo das teorias e dos modelos, utilizando classe de referentes ou referentes abstratos, e intercalava estes com referentes específicos, no mundo dos objetos e eventos, adotando explicação ou descrição, sendo esta última abordada de modo mais enfático que a anterior. Finalizava os episódios adotando um acabamento de síntese, regressando às categorias iniciais. Com relação às representações semióticas, o professor se valeu em todo tempo da simbólica, referente à verbalização das palavras, símbolos convencionados; ao ícone, geralmente atrelado ao referente específico, como forma de representação realista de vidrarias, por exemplo e, em menor grau, ao índice, que correspondeu à simbologia da grandeza discutida (pressão de vapor).

Podemos considerar que a abordagem ao conteúdo adotada pelo professor lhe possibilitou tratar sobre vários conceitos químicos de forma bastante breve. Entendemos que a forma como ele promove a articulação entre as dimensões teórica e empírica da Química, bem como entre referentes específicos, classes de referentes e referentes abstratos possibilita uma percepção panorâmica inicial de tais conceitos pelos alunos, que são chamados a associar aspectos abstratos à empíricos e cotidianos; todavia, isso ocorre de forma bastante simplificada. Ao simplificar a explicação do conceito de pressão de vapor, por exemplo, o professor acaba eximindo-se de falar sobre o equilíbrio dinâmico entre as fases, sobre o modelo cinético-molecular, imprescindíveis para uma compreensão mais profunda dos conceitos ligados às propriedades coligativas. Vale considerar também que, desde o início da sequência  
temática, o professor se refere às possíveis questões relacionadas ao conteúdo que expõe, como por exemplo, no início do episódio 8 - “Então, quando vocês verem lá a questão que tenha pv, significa pressão de vapor”.

Trata-se, portanto, de um modelo de aula que visa promover a mobilização de uma grande quantidade de conteúdo em um curto espaço de tempo e, nesse sentido, torna-se necessário entender o desenvolvimento desse modelo em relação à estrutura do sistema educacional no Brasil, que ainda propõe uma grande quantidade de conteúdos para serem trabalhados na Educação Básica, os quais são devidamente “cobrados” nos Exames Nacionais. Somando-se a isso, tem-se uma carga horária relativamente pequena destinada às várias disciplinas no Nível Médio, inclusive à Química, correspondente a duas horas-aula semanais. Foge ao escopo desse trabalho aprofundar nessa discussão, mas nos cabe não desvincular a microanálise que apresentamos desses aspectos macro e contextuais. Compromissos formais associados à percepção do professor do que deve ou não priorizar em sua prática são questões que merecem ainda muita discussão, tanto na dimensão da pesquisa, quanto na dimensão das políticas públicas voltadas à educação e, mais especificamente, à formação do professor como agente autônomo e crítico.

A metodologia que adotamos nesta pesquisa, por meio da qual desenvolvemos uma microanálise das interações discursivas da sala de aula do Prof. Vicente, proporcionou a visibilidade do movimento articulado por ele, por entre as categorias epistêmicas, no desenvolvimento do conteúdo. Os dados de nossa pesquisa colaboram, junto a outros resultados disponíveis na literatura (Silva & Mortimer, 2009; Silva & Aguiar, 2008; Silva & Aguiar, 2011; Silva, 2015; Paixão & Silva, 2017, por exemplo), para a percepção das dinâmicas discursivas que se desenvolvem nas salas de aula reais no Brasil, no cotidiano escolar de diferentes ambientes. A microanálise nos permite também inferir, sobretudo, uma das razões pelas quais o professor investigado nessa pesquisa tem uma didática que goza de boa aceitação por seus alunos. Em suas exposições, o professor promove uma ágil articulação entre os níveis de referencialidade dos conceitos, associando-os a aspectos cotidianos e observáveis e a questões de exames. A superficialidade ou simplificação é algo que, de alguma forma, é também requerido e mesmo valorizado pelos alunos diante do número de disciplinas e conteúdos que normalmente são abordados e impostos na escola. Nesse sentido, entendemos que a forma de ensinar que o professor apresenta expressa a “adequação” a uma estrutura institucional mais imediata e a um contexto social mais amplo que geram pouco espaço para práticas que rompam com padrões mais convencionais. Fica perceptível que muito ainda há que se avançar nessa direção.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados apresentados evidenciam a habilidade do professor em articular o discurso que se volta para referentes específicos, envolvendo descrições e explicações, com aquele voltado para referentes abstratos e classes referentes, envolvendo generalizações. Desse modo, ao tempo em que apresenta generalizações, o professor busca dar sentido a estas por meio de descrições e explicações de fenômenos e eventos específicos. Consideramos que isto é possivelmente, um dos responsáveis pela boa reputação que este professor goza diante de seus alunos. Por outro lado, o limitado uso de modelos certamente compromete uma percepção mais elaborada dos fenômenos discutidos.

Além dos resultados obtidos, consideramos que essa pesquisa oferece também uma perspectiva metodológica no sentido de possibilitar a compreensão da dinâmica da sala de aula com maior clareza. Ela ainda oferece contribuições para a formação inicial e continuada de professores. Sabemos que pouco se tem discutido, tanto na formação inicial quanto na continuada, sobre essa perspectiva epistêmica, muito menos no sentido de considerar o estudo sistemático das representações semióticas, como forma de linguagem e comunicação, no âmbito da Química. Além disso, ainda são poucas as pesquisas que se inserem nessa linha de investigação, ou seja, que explicitam, por meio de uma microanálise, o modo pelo qual o conteúdo científico vai sendo configurado ao longo da fala do professor e das interações que ele desenvolve em sala de aula, mediado pelas representações semióticas, algo inerente à ciência em geral, e a química em particular. A pesquisa que desenvolvemos, inserida nessa linha, busca compor um repertório de modos e estilos de ensinar que se apresentam nas salas de aula de Ciências da Natureza em diferentes ambientes e que têm sido retratados na literatura, de modo a contribuir para o entendimento dessas dinâmicas em suas potencialidades e limitações no tocante à aprendizagem dos alunos. O caso aqui discutido, bem como outros inseridos nessa linha investigativa pode contribuir para discussões relevantes em cursos de formação inicial e continuada de professores de Ciências da Natureza. Tendo em vista as categorias empregadas na análise é possível fomentar uma profunda discussão sobre aspectos das práticas de professores que podem ser valorizados e mesmo reproduzidos em diferentes ambientes de aprendizagem de ciências.

Notas al pie

1Nome fictício

2Baseados em Mortimer e Scott (2003),  Mortimer et al (2007) propuseram 5 categorias para caracterizar o tipo de conteúdo do discurso: discurso de conteúdo científico o qual relaciona-se ao conhecimento da ciência escolar; discurso procedimental o qual relaciona-se às instruções para montagem de aparatos experimentais; discurso  de gestão e manejo de classe, relacionado às intervenções do professor que visam apenas manter o desenvolvimento adequado das atividades propostas; discurso de experiência, relacionado às intervenções do professor para demonstrar experimentos e discurso de conteúdo escrito, o qual -se relaciona à ação do professor ou aluno em escrever no quadro de giz sem nada dizer. O discurso de agenda (Silva, 2008), por sua vez, relaciona-se às ações do professor, informando o que será abordado ao longo da aula.

3De acordo com Mortimer e Scott (2003) a abordagem comunicativa corresponde a formas de intervenção pedagógica realizadas pelo professor, indicando o modo como ele trabalha as intenções e o conteúdo de ensino e que tem como resultado diferentes padrões de interação. Os autores propõem quatro classes de abordagem comunicativa, caracterizadas pelo discurso entre professor e aluno e mesmo entre alunos, em termos de duas dimensões: discurso “dialógico - de autoridade” e discurso “interativo - não interativo”. Sendo assim, tem-se: a) Discurso dialógico: os pontos de vista dos alunos são considerados pelo professor; b) Discurso de autoridade: apenas o ponto de vista cientifico é considerado pelo professor; c) Discurso interativo: acontece com alternância de turnos de fala entre o professor e os alunos; d) Discurso não interativo: apenas o professor ou os alunos falam, sem alternância de turnos.

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